INTRODUÇÃO
Com a expansão das políticas públicas de atenção à saúde e a consolidação da Estratégia Saúde da Família (ESF) como modelo prioritário para reorganização da atenção primária à saúde (APS), a questão da qualidade da gestão e das práticas das equipes de atenção básica (AB) assume um importante papel no cenário nacional. Diante disso, o governo federal passa a centrar suas iniciativas na qualificação das ações e na efetividade das intervenções em saúde da AB. Sendo assim, reconhecendo a importância de qualificar o acesso e o cuidado prestado na AB, o Ministério da Saúde (MS) lançou, em 2011, o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica, o PMAQ, que simboliza um importante avanço no processo de negociação e pactuação entre os três níveis de governo1-3.
Instituído pela Portaria nº 1.654/2011 do MS, o PMAQ visa ampliar a oferta qualificada dos serviços de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e institucionalizar a cultura da avaliação na atenção básica em saúde (ABS)3. O programa dispõe de um conjunto de estratégias de qualificação, acompanhamento e avaliação do trabalho das equipes de saúde. De acordo com o novo desenho proposto pela Portaria 1.645, de 2 de outubro de 2015, está estruturado em três fases distintas (adesão e contratualização, certificação e recontratualização) e um eixo estratégico transversal de desenvolvimento. Os processos de autoavaliação, monitoramento, educação permanente (EP), apoio institucional e cooperação horizontal compõem o eixo estratégico transversal de desenvolvimento do PMAQ4,5.
Esse eixo ordenador de ações é considerado como transversal, pois perpassa por todas as fases do programa. Nesse contexto, destaca-se como eixo estratégico do PMAQ, a EP que propõe transformar as práticas do saber e do fazer no trabalho, considerando o conhecimento prévio e as experiências dos indivíduos6. A EP, além da sua evidente dimensão pedagógica, deve ser encarada também como uma importante estratégia de gestão4, com grande potencial provocador de mudanças no cotidiano dos serviços, em sua micropolítica, próximo dos efeitos concretos das práticas de saúde na vida dos usuários, e como um processo que se dá “no trabalho, pelo trabalho e para o trabalho”. Essa reflexão reforça a premissa de que a EP firma-se na construção de relações e processos que partem do interior das equipes de saúde em consonância às práticas organizacionais7. Ao repensarem e refletirem sobre suas práticas no cotidiano laboral, é possível que as equipes de saúde identifiquem as principais necessidades da população atendida e os nós críticos em relação ao acesso7,8.
Partindo desse pressuposto, as práticas avaliativas devem ser incorporadas ao processo de trabalho em saúde utilizando o eixo estratégico da EP como dispositivo para planejamento e programação das ações coletivas e no conhecimento dos problemas e das necessidades de saúde apresentados pela população9. A avaliação não deve ser encarada como algo punitivo, e sim como um importante fomentador de mudanças para a tomada de decisões e para melhoria do desempenho da equipe, resultando assim em serviços de qualidade6,10,11. Diante desse contexto, a partir das experiências vivenciadas nesse processo de avaliação do MS, o presente estudo teve como objetivo descrever as estratégias inseridas no âmbito das equipes de saúde da família (EqSF) para consolidar os processos avaliativos fomentados pelo PMAQ tendo como foco a educação permanente em saúde (EPS).
MÉTODO
Trata-se de uma revisão sistemática da literatura que utiliza métodos sistemáticos para identificar, selecionar, avaliar criticamente e sintetizar os estudos mais relevantes e suas respectivas contribuições a partir de uma pergunta formulada de forma clara e bem definida. A metodologia para o desenvolvimento de uma revisão sistemática de literatura está pautada na: 1. elaboração de uma questão de pesquisa orientadora da estratégia de busca; 2. busca na literatura - variedade de fontes para a localização dos estudos; 3. seleção dos artigos - definição de critérios de inclusão e exclusão; 4. extração dos dados; 5. avaliação da qualidade metodológica das produções recuperada; 6. síntese dos dados (metanálise); 7. avaliação da qualidade das evidências; e 8. redação e publicação dos resultados12,13.
A revisão sistemática é classificada como uma modalidade de revisão que caracteriza-se por trazer informações gerais sobre o tema abordado, sendo considerada o melhor nível de evidência para tomadas de decisão. Geralmente, por seguir um rigor metodológico e apresentar um resultado novo, é conceituada como uma contribuição original, permitindo assim que outros pesquisadores possam repetir o procedimento12.
A revisão foi realizada por meio do levantamento de material científico no período de agosto a dezembro de 2018, com vistas a responder à seguinte questão de pesquisa:
Quais estratégias devem ser inseridas no âmbito das EqSF para consolidar os processos avaliativos fomentados pelo PMAQ, tendo como foco a EPS?
A partir da pergunta de pesquisa, foram definidos os descritores a serem utilizados e suas combinações nas línguas portuguesa e inglesa, utilizando a estratégia PICO, sendo estes: P (população ou problema) - Estratégia Saúde da Família (ESF) ou atenção básica (AB) - atenção primária à saúde (APS); I (intervenção proposta) - educação permanente (EP) - educação continuada (EC); C constitui controle ou comparação, porém não cabe para este estudo; O (desfecho, resultado esperado) - avaliação em saúde e gestão da qualidade em saúde. E como MeSH terms: Family Health Strategy or Primary Health Care, Continuing Education, Health Evaluation and Quality Management.
A busca on-line por artigos originais foi realizada na Scopus via Portal Capes e no portal da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), nas bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Base de Dados em Enfermagem (BDENF), Índice Bibliográfico Español em Ciencias de la Salud (Ibecs), Medline no Portal US National Library of Medicine e PubMed com o objetivo de apresentar um panorama da produção científica sobre o tema.
Para o estabelecimento dos critérios de inclusão dos estudos, foram levados em consideração artigos originais e publicados na íntegra que estivessem disponíveis nas bases de dados nos últimos cinco anos, nos idiomas português, espanhol e inglês, relacionados à temática. Os critérios de exclusão foram os seguintes: trabalhos de conclusão de curso de graduação, monografias de especialização, dissertações e/ou teses e relatórios de pesquisa. Para a identificação dos estudos, realizou-se a leitura criteriosa dos títulos, dos resumos e das palavras-chave de todas as publicações completas localizadas pela estratégia de busca. Os artigos que após a leitura dos resumos não contemplassem a temática proposta foram excluídos, assim como os que se encontravam em duplicidade.
A associação dos descritores, utilizando o booliano AND e OR, teve como objetivo buscar o refinamento dos estudos. Respeitando os critérios de inclusão e exclusão, atingiu-se o total de 36 trabalhos. De acordo com proposta do projeto e a abordagem da pesquisa, foram selecionados sete artigos considerados relevantes para o estudo. Utilizaram-se as seguintes associações: Estratégia Saúde da Família OR Atenção Básica AND Educação Permanente AND Avaliação em saúde; Estratégia Saúde da Família OR Atenção Básica AND Educação Permanente AND Gestão da Qualidade em saúde; Avaliação em saúde OR Gestão da qualidade em saúde AND Educação Permanente; Avaliação em saúde OR Gestão da qualidade em saúde AND Estratégia Saúde da Família OR Atenção Básica; Avaliação em saúde OR Gestão da qualidade em saúde AND Educação Permanente AND Estratégia Saúde da Família OR Atenção Básica. As estratégias de busca em inglês foram utilizadas de maneira similar.
No cruzamento dos termos “Avaliação em Saúde OR Gestão da Qualidade em saúde AND Educação Permanente”, foram encontrados os mesmos estudos da associação realizada com os descritores “Avaliação em Saúde OR Gestão da qualidade em saúde AND Educação Permanente AND Estratégia Saúde da Família OR Atenção Básica”. Na Figura 1, podem-se observar o caminho metodológico percorrido para a escolha dos artigos por meio dos descritores associados e o quantitativo de produções bibliográficas a serem analisadas.

Fonte: Elaborado pelas autoras.
Figura 1. Fluxograma: Estratégias de busca, banco de dados e publicações encontradas - ano de 2018
Após a seleção dos artigos de acordo com a temática previamente definida, os estudos foram analisados detalhadamente de forma crítica. Selecionaram-se sete artigos para compor a análise e a categorização propostas neste trabalho. As informações extraídas de cada artigo foram categorizadas em um quadro sinóptico, em ordem cronológica, apresentando as características e as principais conclusões de cada estudo.
Quadro 1 Quadro sinóptico com as informações categorizadas
Título | Autor/Ano | Base de Dados/ Periódico - Ano | Método | Objetivos | Conclusões |
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Implementação do Programa de Melhoria do Acesso e Qualidade segundo gestores da Atenção Básica de São Paulo | Lais Marques Coelho e Silva Lucilene Renó Ferreira Anderson da Silva Rosa Vanessa Ribeiro Neves13 | BDENF Acta Paul Enferm 2017 | História oral, na modalidade temática, com narração mais restrita | Analisar a implementação do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade segundo gerentes de Unidades Básicas de Saúde | Evidenciou-se um processo incipiente de incorporação da cultura avaliativa de forma sistematizada e como subsídio para a melhoria contínua da qualidade na Atenção Básica. O PMAQ favoreceu a organização dos processos de trabalho e contribuiu para direcionar o olhar dos gestores à prática das equipes e à própria atuação. |
Incorporação de Tecnologias de Informação e Comunicação e qualidade na atenção básica em saúde no Brasil | Alaneir F. dos Santos; Délcio F. Sobrinho; Lucas L. Araujo; Cristiane da S. Diniz Procópio; Érica A. S. Lopes; Angela Maria de Lourdes D. de Lima Clarice M. R. dos Reis; Daisy Maria X. de Abreu; Alzira Oliveira Jorge; Antonio Thomaz Matta-Machado14 | MEDLINE Cad. Saúde Pública 2017 | Estudo transversal | Descrever a incorporação de TIC na atenção básica e sua associação com a qualidade, utilizando Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ). | O processo de incorporação de TIC está em curso no país, com uma parcela muito pequena das equipes de atenção básica possuindo um alto nível de incorporação. Este estudo constatou ainda que existe associação entre a incorporação de tecnologias de informação e a qualidade da atenção observada nos resultados obtidos na certificação de qualidade do PMAQ. |
Educação permanente e apoio matricial: formação, vivências e práticas dos profissionais dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família e das equipes apoiadas | José Patrício Bispo Júnior Diane Costa Moreira15 | PUBMED Cad. Saúde Pública 2017 | Estudo de casos múltiplos, com abordagem qualitativa | Compreender e analisar como os processos de educação permanente são vivenciados pelos profissionais dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) e das equipes de saúde da família (EqSF). Compreender como o apoio matricial, como estratégia de educação permanente, estava incorporado ao trabalho desses profissionais. | Evidencia-se a não institucionalidade da educação permanente como política nos municípios estudados. A formação sobre o apoio matricial e o processo de trabalho do NASF mostrou-se frágil para os grupos, o que interfere na função de apoio e na gestão do cuidado. Foi evidenciada a diminuta atuação dos NASF como promotores de educação permanente para as equipes apoiadas. |
Educação Permanente em Saúde: uma estratégia para refletir sobre o processo de trabalho | Janaína Rocha de Sousa Almeida; Davi Oliveira Bizerril; Kátia de Góis Holanda Saldanha; Maria Eneide Leitão de Almeida16 | LILACS Revista da ABENO 2016 | Metodologia problematizadora, pautada no referencial teórico de Paulo Freire | Induzir mudanças nas diversas maneiras de agir dos profissionais da Estratégia de Saúde da Família (ESF). | Obteve-se a construção do Manual de Promoção em Saúde Bucal e do Manual de Encaminhamentos para a Atenção Secundária em Odontologia |
PMAQ-AB: a experiência local para a qualificação do Programa Nacional | Juliana Sampaio, Marina Nascimento de Moraes, Emanuella de Castro Marcolino, Israel Dias de Castro, Luciano Bezerra Gomes, Francisco de Sales Clementino17 | BDENF Rev enferm UFPE 2016 | Estudo descritivo e analítico, tipo documental dos diários de campo das equipes que participaram da Avaliação Externa do PMAQ na PB | Avaliar o processo de implantação do PMAQ no Estado da Paraíba a partir da experiência da equipe de avaliação externa. | Ainda há um longo caminho para que as diretrizes do PMAQ sejam efetivadas na prática e que se torne um incentivo para a garantia do acesso e qualidade da atenção à saúde para a população brasileira. |
Educação Permanente no cotidiano da Atenção Básica no Mato Grosso do Sul | Jacinta de Fátima Franco Pereira Machado, Alessandro Diogo De Carli, Vera Lúcia Kodjaoglanian, Mara Lisiane de Moraes dos Santos19 | LILACS SAÚDE DEBATE 2015 | Estudo observacional analítico transversal, de ordem multicêntrica, com a participação de Instituições de Ensino e Pesquisa do País e seguido pelo Ministério da Saúde | Analisar as ações de Educação Permanente em Saúde na Atenção Básica, na perspectiva de 184 equipes participantes da primeira fase do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ) | Os cursos presenciais foram mais prevalentes, seguidos por troca de experiência, teleducação, ensino à distância e tutoria/preceptoria, tanto na capital quanto no interior. As ações de planejamento e apoio à gestão foram mais prevalentes na capital. As ações de apoio da gestão estavam diretamente relacionadas com o planejamento e a organização do processo de trabalho. |
Atenção Básica e Educação Permanente em Saúde: cenário apontado pelo Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) | Hêider Aurélio Pinto, Alcindo Antônio Ferla, Ricardo Burg Ceccim, Alexandre R. Florêncio, Izabella Barison Matos, Mirceli Goulart Barbosa, Nilva Lucia Rech Stédile, Angelo Pagot Zortea20 | LILACS Revista Divulgação em Saúde para debate 2014 | Análise descritiva, com os dados tratados segundo sua frequência simples e percentuais de distribuição nos diferentes quesitos de resposta. | Revisar as questões relacionadas com a política nacional de educação e desenvolvimento para o Sistema Único de Saúde (SUS) e analisar questões relativas ao ensino-aprendizagem no cotidiano da Atenção Básica, | Concluiu-se que a EPS teve expansão e abrangência importantes na Atenção Básica; que as equipes têm se conectado com ofertas formativas; ainda há evidência de processos educativos pontuais e de cunho informacional; e que as variações regionais de acesso às tecnologias de informação e comunicação são produzidas pelos problemas de infraestrutura, não pelo interesse e adesão. |
Fonte: Elaborado pelas autoras.
RESULTADOS
A análise dos artigos fez emergir as seguintes categorias: “PMAQ: análise das experiências no processo de avaliação”, “Estratégias de educação permanente em saúde: a busca pela melhoria da qualidade da assistência” e “Incorporação das tecnologias de informação e comunicação (TIC) na atenção básica”.
PMAQ: análise das experiências no processo de avaliação
Dois dos artigos selecionados14,18retratam a experiência no processo de implementação do PMAQ. O artigo “PMAQ-AB: a experiência local para a qualificação do Programa Nacional” discorre sobre a implantação do PMAQ no estado da Paraíba a partir da vivência da equipe de avaliação externa, apontando aspectos importantes do desenvolvimento do programa nos três ciclos realizados. Segundo os autores, todos os profissionais envolvidos são protagonistas na estruturação do processo, no entanto verificou-se ainda que algumas equipes da AB não se sentiram envolvidas em todas as fases do programa. Apesar de a adesão ao programa ter sido considerada bastante positiva, ainda parece evidenciar modos de organização dos serviços, nos quais os trabalhadores são entendidos como meros implementadores de ações. O estudo ressalta que para alguns profissionais a avaliação externa do PMAQ ainda é vista com caráter de punição, gerando posturas negativas ao processo.
O outro artigo14 que trata da implementação do PMAQ traz a lógica desse processo segundo os gestores da AB de São Paulo. Por meio da avaliação desses profissionais, foi possível perceber que muitos ainda apresentam uma concepção sobre o processo de cunho fiscalizatório, o que corrobora o artigo citado anteriormente. Entretanto, alguns atores versaram sobre as contribuições do programa na organização dos processos de trabalho das EqSF e na própria atuação como gestor na AB. Segundo os gerentes, houve uma mudança significativa referente ao processo considerado no primeiro ciclo como gerador de maior carga de trabalho. Os entrevistados revelaram que o processo de avaliação pode ser visto como um momento de reflexão crítica sobre o trabalho realizado, apesar de ainda incipiente, direcionando a prática e colaborando no planejamento estratégico das equipes. Os autores reiteram a necessidade de aprimoramento do trabalho por meio da discussão de indicadores e do incentivo à qualificação dos profissionais por meio da EP e de melhorias estruturais.
Estratégias de educação permanente em saúde: a busca pela melhoria da qualidade da assistência
No artigo “Educação permanente em saúde: uma estratégia para refletir sobre o processo de trabalho”, os autores17 relatam todo o planejamento para execução de uma atividade de EP desenvolvida para odontólogos da ESF no município de Fortaleza/CE, pautada na metodologia problematizadora segundo os princípios teóricos de Paulo Freire. Dentro das questões discutidas, o acesso e a qualidade aos serviços de saúde trazidos pelo PMAQ foram colocados em pauta. A intenção foi despertar os profissionais a refletir sobre seus processos de trabalho desenhando formas de fazer baseadas nas necessidades dos usuários. Foi ressaltada a importância do PMAQ para o aperfeiçoamento das ações desenvolvidas pelos serviços, destacando que a continuidade do processo suscitado pelo programa é imprescindível para a melhoria da qualidade da APS.
O estudo19 realizado em Mato Grosso do Sul apresenta uma análise na perspectiva das equipes que participaram do primeiro ciclo do programa em consonância com as ações de EP. De acordo com os autores, a reponsabilidade com a qualidade da assistência à população conduziu a adesão do estado ao PMAQ, pressupondo estratégias integradas entre as esferas municipais e estaduais. O apoio da gestão foi considerado um diferencial para o planejamento e a organização do processo de trabalho, dinamizando as ações de EPS. Os resultados do estudo evidenciaram a realização de cursos presenciais pelas EqSF como as ações mais implementadas no que se refere à EP, demonstrando a necessidade de um aprofundamento maior da proposta da EPS a fim de repensar práticas educativas ainda tradicionais. As demais ações mencionadas no estudo como troca de experiências, teleducação, ensino a distância (EaD) e tutoria/preceptoria também merecem destaque; em particular, ressaltam-se as TIC virtuais como estratégias potentes de ampliação do acesso à educação, porém ainda pouco utilizadas nas regiões mais distantes do estado.
O artigo anterior faz uma análise das características e da prevalência das ações de EP utilizadas pelas EqSF que aderiram ao PMAQ no primeiro ciclo. Já o estudo realizado nos municípios do estado da Bahia16 faz considerações referentes ao processo de EP na lógica do apoio matricial e como essa ferramenta está inserida nas práticas dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) e das EqSF. Por meio do apoio matricial instituído com a criação dos Nasf, é possível a construção de espaços de reflexão e de compartilhamento de saberes, visando à qualificação do processo de trabalho das equipes.
Verificou-se, por meio dos resultados do estudo, que ainda há uma compreensão deturpada em relação à EPS. Cursos, treinamentos e capacitações pautados num modelo verticalizado de transmissão de informação são os reconhecidos pelos profissionais como práticas educativas, sendo muitas vezes realizados fora do espaço de trabalho. Além disso, o estudo permitiu identificar que os conteúdos trabalhados versam sobre atualização de procedimentos, protocolos e rotinas baseados na metodologia da educação continuada, reforçando a necessidade de um maior aprofundamento sobre as diferenças dessas práticas de educação. Outro dado importante evidenciado pelos autores trata da formação referente ao apoio matricial. Os relatos dos profissionais dos Nasf e das EqSF revelaram a carência de informações sobre o sistema de apoio matricial e a restrita atuação do próprio núcleo como agente promotor de EP, caracterizando uma fragilidade no que diz respeito à atuação desses sujeitos. O artigo ressalta a importância de um melhor entendimento sobre as ações de matriciamento e sua lógica de apoio técnico-pedagógica, além da premente necessidade de efetivação da política de EP a fim de transformar as práticas de trabalho das equipes que compõem a ESF.
Incorporação das tecnologias de informação e comunicação (TIC) na atenção básica
Outros autores15,20descrevem em seus artigos estratégias educacionais pautadas na concepção da EP para fins de qualificação profissional e assistencial no âmbito da AB.
O artigo que propõe a incorporação das TIC15 como forma de ampliar a qualidade do cuidado em saúde, utilizando como base o processo de avaliação incitado pelo PMAQ, analisou o grau de incorporação de tecnologias pelas equipes de AB no que se refere à infraestrutura, à implantação de sistemas e à utilização de informação. Os dados obtidos mostram que o processo de incorporação de tecnologias na área de saúde ainda possui limitações, como questões relacionadas à infraestrutura, aos entraves para implementação de políticas inovadoras nos ambientes institucionais e à influência de fatores individuais e profissionais. No entanto, observou-se que a utilização de informações no que tange aos indicadores para fins de planejamento e monitoramento de ações foi positiva, de acordo com o resultado da certificação das equipes de AB que aderiram ao PMAQ no primeiro ciclo, em todos os estados brasileiros. Na contramão, a avaliação correspondente à implantação de sistemas, ou seja, centrais de leito, regulação e exames, não avançou em suas dimensões assistenciais. Tendo em vista os aspectos examinados no estudo, há muito que se avançar em relação à associação das TIC ao cotidiano das equipes de AB no Brasil. Acredita-se que, uma vez incorporadas aos processos de planejamento de ações e considerando o registro adequado das informações, tende-se a obter melhorias na qualidade da atenção.
Em conformidade com o estudo apresentado, o artigo “Atenção básica e educação permanente em saúde: cenário apontado pelo Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB)”20 faz uma análise a partir dos dados obtidos no primeiro ciclo referente aos recursos de EPS utilizados pelas EqSF em todo território nacional. Ratificando as informações do estudo em Mato Grosso do Sul, constatou-se que o Telessaúde, os cursos presenciais e as trocas de experiências são as estratégias de ensino-aprendizagem no trabalho que apresentam maior aplicabilidade. Percebe-se que o acesso às TIC ainda era frágil em algumas regiões do país, demonstrando a necessidade de investimentos nessa área.
Os autores20 enfatizaram que, no processo de avaliação, não se contemplaram todas as formas de se fazer a EP, sendo fundamental ampliar o escopo da avaliação no que se refere às dinâmicas inseridas nas práticas cotidianas das equipes. O estudo revela também o papel fundamental do apoiador institucional para a qualificação do processo de trabalho aliada à EPS.
DISCUSSÃO
Em sua maioria, os estudos selecionados14-20atendiam à temática do PMAQ e à questão da EP no contexto do processo de trabalho da AB. No entanto, foram encontrados poucos artigos que trazem a discussão estratégias de EP que possam fomentar mudanças no cotidiano das EqSF a fim de estabelecer processos de avaliação para melhoria da qualidade da assistência, o que justifica o aprofundamento dessa questão.
O PMAQ-AB tem como objetivo principal desenvolver ações que assegurem maior acesso e qualidade aos serviços de saúde no SUS e tem como base estratégias de monitoramento e avaliação direcionadas à AB. O ato de avaliar é, por vezes, caracterizado como algo que gera penalidade para aqueles que não alcançaram os resultados esperados, no entanto o programa traz como proposta os processos avaliativos, visando instrumentalizar as equipes da ESF para a tomada de decisões a partir da análise do processo de trabalho e da identificação das reais necessidades da população assistida por elas4.
O PMAQ-AB prioriza processos mais participativos, considerando todos os atores envolvidos com a AB, ou seja, usuários, profissionais e gestores, reconhecendo-os como corresponsáveis pela qualificação do SUS. Para o processo em discussão, torna-se fundamental que todos os indivíduos implicados no fazer em saúde atuem de forma propositiva na construção de intervenções para enfrentamento dos problemas identificados, com vistas ao aprimoramento dos serviços ofertados21.
A EP configura-se como uma ferramenta de potencial pedagógico que possibilita a reorganização do processo de trabalho e a transformação do processo do cuidado pelos profissionais da saúde, uma vez que lhes permite refletir sobre suas práticas e empregar as mudanças necessárias que possam dinamizar o cotidiano dos serviços de saúde4,22.
A oferta de EPS aos profissionais contribui para maior qualificação do processo de trabalho, na medida em que estimula o desenvolvimento das competências do sujeito, produzindo mudanças de atitudes e ampliando as possibilidades para a superação das dificuldades vivenciadas pelos trabalhadores em seu cotidiano. Nesse sentido, o PMAQ preconiza que a gestão estimule processos de EP nas equipes para que se identifiquem as fragilidades e necessidades advindas do contexto local4,23.
Nessa perspectiva, considera-se a criação de espaços para a EP em saúde que sejam pautados em processos de ensino e aprendizagem crítico-reflexivos e participativos para que as ações e os serviços de saúde sejam mais efetivos.
Como eixo estratégico do PMAQ, a EP tem como pressuposto o aperfeiçoamento das ações desenvolvidas pelos serviços, estando diretamente relacionado ao processo de formação e desenvolvimento dos trabalhadores do SUS. Nesse aspecto, o apoio matricial se constitui um dispositivo ativo no processo de qualificação da assistência aos usuários e de capacidade de cuidado das equipes. Os Nasf-AB desempenham um trabalho técnico-pedagógico, produzindo ação de apoio educativo com e para as equipes, sendo a EPS uma de suas ferramentas no apoio às EqSF, visando ampliar e aperfeiçoar as práticas de gestão e de atenção à saúde, a partir das demandas cotidianas dos sujeitos que atuam na AB4,24.
Na avaliação do Nasf durante o processo do PMAQ, verifica-se o desenvolvimento de estratégias de EP na perspectiva da troca de saberes entre os diversos profissionais e da elaboração de projetos comuns de intervenção nas situações e nos problemas identificados num dado território24.
Nesse sentido, a proposta de EPS assume o compromisso de transformar as práticas do cotidiano do trabalho ao valorizar saberes e experiências dos profissionais, fortalecendo as formas de cuidado e produzindo avanços no que se refere à integralidade. A integralidade atua como norteadora da EPS, uma vez que envolve a compreensão dos problemas de saúde em suas diferentes dimensões e direciona o trabalho em saúde para um trabalho multidisciplinar e multiprofissional23.
O PMAQ recomenda a incorporação das TIC como estratégias educativas vinculadas à EPS. A aproximação da educação com o trabalho por meio de dispositivos interativos possibilita o compartilhamento de diferentes saberes, o que leva ao aprimoramento dos profissionais de saúde. O conhecimento adquirido impacta a produção do cuidado, ampliando assim a resolubilidade clínica dos profissionais da AB e a capacidade de agir diante dos problemas identificados4.
A estruturação do conhecimento deve ser orientada a partir da realidade do próprio ambiente de trabalho por meio da adoção de metodologias reflexivas e problematizadoras que proporcionem real transformação da prática6.
As ferramentas de comunicação como o Telessaúde, a Comunidade de Práticas e as propostas de EaD são recursos virtuais de aprendizagem estimulados no escopo da avaliação do PMAQ-AB que devem integrar iniciativas institucionais a fim de oportunizar qualificação e sistematizar tecnologias da gestão e do cuidado4,25.
O potencial dialógico desses dispositivos é reconhecido, mas iniciativas de ordem estrutural devem ser consideradas para que contemplem a existência de espaços que estejam de acordo com a realidade e as necessidades das equipes, haja vista o desenvolvimento da EPS e a qualidade do SUS25.
Considerado uma inovação na prática de gestão e associado à EPS, o apoio institucional constitui-se numa estratégia que aposta no trabalho coletivo, operando como disparador e facilitador de processos de trabalho a partir do estímulo ao exercício de autoanálise das equipes, fortalecendo os movimentos de mudança4.
A EP está pautada em diferentes perspectivas metodológicas, de modo a incorporar o aprender e o ensinar ao cotidiano do trabalho. Como os problemas de saúde precisam ser analisados e contextualizados mediante a prática social, os processos de EPS precisam ser incentivados pelas esferas estaduais e municipais4,6,25.
O PMAQ tem como pressuposto incentivar os profissionais e gestores da ESF a melhorar a qualidade dos serviços de saúde a partir da organização do trabalho e da reflexão crítica das práticas cotidianas. Nesse sentido, o programa não trata a EPS apenas como participação em cursos, mas sim como uma estratégia de gestão com potencial transformador das ações dos sujeitos e de suas práticas de saúde.
CONCLUSÃO
Os estudos em síntese apresentados nesta revisão destacam as experiências em relação à avaliação do PMAQ, as ações referentes à EPS inseridas no processo de trabalho das EqSF e o grau de incorporação das TIC na AB. Salienta-se a importância do PMAQ para o aperfeiçoamento das ações desenvolvidas pelos serviços, sendo a avaliação externa capaz de oportunizar momentos de reflexão crítica sobre os processos de trabalho por parte dos profissionais da AB, contudo são imprescindíveis o envolvimento e a mobilização de toda equipe de saúde e da gestão a fim de romper com o estigma negativo associado à cultura avaliativa.
Ainda há evidências do uso de práticas educativas formativas e verticalizadas que não levam em consideração as necessidades do território nem as demandas dos profissionais no cotidiano do trabalho em saúde, e percebe-se a fragilidade da inserção das TIC, principalmente, em territórios mais distantes dos centros urbanos, sendo estas consideradas estratégias potentes para o planejamento das ações e conseguinte melhoria na qualidade da atenção à saúde dos usuários.
A presente revisão aponta que há escassez de produções científicas referentes ao tema no Brasil. Sendo assim, permanece evidenciada a lacuna do conhecimento, pois parece não existir, de acordo com a busca realizada até o presente momento, uma pesquisa que retrate estratégias de EP no que se refere às dinâmicas inseridas nas práticas cotidianas das equipes para efetivação do processo avaliativo fomentado pelo PMAQ. Conclui-se que há muito ainda a se pesquisar na área.