SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.44 número2Avaliação de um Programa de Residência Médica em Ginecologia e ObstetríciaQualidade de Vida e Transtornos Mentais Menores dos Estudantes de Medicina do Centro Universitário de Caratinga (UNEC) - Minas Gerais índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.44 no.2 Rio de Janeiro  2020  Epub 16-Abr-2020

https://doi.org/10.1590/1981-5271v44.2-20190288 

ARTIGO ORIGINAL

Vídeo com Pacientes Virtuais na Avaliação do Conhecimento dos Internos de Medicina sobre Cefaleias

Video with Virtual Patients in the Assessment of Medical Interns’ Knowledge on Headache

Mariana Cota BastosI 
http://orcid.org/0000-0001-7519-5912

Rosana Quintella Brandão VilelaI 
http://orcid.org/0000-0003-3910-4678

Ângela Maria Moreira CanutoI 
http://orcid.org/0000-0002-5517-7837

IUniversidade Federal de Alagoas, Maceió, Alagoas, Brasil.


Resumo:

Introdução:

As Diretrizes Curriculares Nacionais enfatizam que os currículos médicos devem se basear nas necessidades de saúde da população. Por entender que a cefaleia é um problema de saúde pública, ela deve estar entre as competências exigidas para a atuação profissional em nível da atenção primária. Assim, a avaliação do ensino das cefaleias na graduação de Medicina é fundamental. O objetivo do trabalho é apresentar uma metodologia inovadora de avaliação que utiliza vídeo com personagens virtuais para avaliar o conhecimento dos estudantes de Medicina sobre as cefaleias.

Método:

Trata-se de uma pesquisa exploratória, quantitativa, em que o conhecimento dos internos de Medicina de uma universidade pública federal foi avaliado por meio de casos clínicos com pacientes virtuais. Os dados foram analisados de acordo com as categorias a priori: 1. diagnóstico da cefaleia, 2. tratamento agudo da cefaleia, 3. tratamento profilático da cefaleia e 4. necessidade de exames complementares ou avaliação com especialista.

Resultados:

Dentre os 155 estudantes matriculados no internato, 31 participaram da pesquisa. A análise mostrou que apenas 16,13% identificaram a enxaqueca crônica, 93,55% reconheceram os sinais de alarme para a cefaleia secundária e 96,77% diagnosticaram a cefaleia tensional. No tratamento da fase aguda da enxaqueca, as classes mais prescritas foram os anti-inflamatórios e analgésicos simples. No caso da cefaleia secundária, de etiologia infecciosa, a maioria (69,56%) prescreveu antibioticoterapia empírica. Com relação à terapia profilática, 87,09% a indicaram na enxaqueca e apenas 29,03%, na cefaleia tensional. Na indicação de exames complementares, 77,42% não a consideraram adequada na enxaqueca, enquanto 77,42% indicaram o estudo do líquido cefalorraquidiano na cefaleia secundária. A maioria dos estudantes solicitou parecer da neurologia para a cefaleia secundária e não o solicitaram na cefaleia tensional. A ferramenta avaliativa foi eficaz na avaliação do conhecimento sobre cefaleia. A utilização de vídeos com pacientes virtuais é uma ferramenta útil na avaliação do conhecimento sobre cefaleias.

Conclusões:

Os resultados obtidos permitem concluir que existem lacunas no diagnóstico e manejo das cefaleias durante a graduação de Medicina da universidade estudada, e, por isso, é imperativa a definição de uma matriz de competências mínimas para o ensino, no Brasil, da cefaleia na graduação de Medicina.

Palavras-chave: Cefaleia; Ensino; Competência Clínica

Abstract:

Introduction:

The National Curriculum Directive emphasizes that medical curricula should be based on the health needs of the population. Understanding that headache is a public health problem, it must be among the competences required for professional practice at the primary care level. Thus, the assessment of the headache education in undergraduate medical school is fundamental. The aim of this paper is to present an innovative assessment methodology that uses video with virtual characters to assess medical students´ knowledge about headache.

Method:

This is an exploratory, quantitative research, where the knowledge of the medical interns of a federal public university was evaluated through clinical cases with virtual patients. Data were analyzed according to the a priori categories: 1) headache diagnosis; 2) acute treatment of headache; 3) prophylactic treatment of headache; and 4) need for further exams or expert assessment.

Results:

Of the 155 students regularly enrolled in the medical Internship, 31 participated in the research. The analysis showed that only 16.13% recognized chronic migraine, 93.55% recognized the warning signs for secondary headache, and 96.77% diagnosed tension headache. In the treatment of acute migraine phase, the most often prescribed drug classes were anti-inflammatory and simple analgesic drugs. In the case of secondary headache of infectious etiology, the majority (69.56%) prescribed empirical antibiotic therapy. Treatment of the acute phase of tension headache was adequately prescribed by 64.51% of the students. Regarding prophylactic therapy, 87.09% indicated it for migraine and only 29.03% for tension headache. As for the indication of complementary exams, 77.42% did not consider it adequate in migraine cases, while 77.42% indicated the study of CSF in secondary headache. Most students requested neurological evaluation for secondary headache and did not request it for tension headache. The assessment tool was effective in assessing headache knowledge. The use of videos with virtual patients is a useful tool in the assessment of headache knowledge.

Conclusion:

The results allow us to conclude that there are gaps in the diagnosis and management of headache during the undergraduate medical degree of the assessed university, so it is imperative to define a matrix of minimum competences for headache education in undergraduate medical school in Brazil.

Keywords: Headache; Teaching; Clinical Competence

INTRODUÇÃO

Desde 2001, a Organização Mundial da Saúde (OMS)1 definiu a cefaleia como prioridade estratégica após identificar o alto impacto na qualidade de vida da população. Apesar de todo esforço da comunidade científica para reduzir o impacto da cefaleia no mundo, por meio da Campanha Global apoiada pela Lifting the Burden2 (uma organização não governamental), a cefaleia permanece comprometendo a funcionalidade dos indivíduos jovens.

O Global Burden of Disease (GBD), de 20163, revelou que a enxaqueca é responsável por 5,6% de todos os anos vividos com incapacidades (years lived with disability - YLDs) e, considerando a faixa etária de 15 a 49 anos, já é a principal causa de YLDs em todo o mundo. Essa perda de dias produtivos na faixa etária economicamente ativa repercute em vários aspectos da vida social: educação, família e carreira profissional.

A alta prevalência da cefaleia e seu impacto negativo na qualidade de vida da população a tornam um relevante problema de saúde pública. Assim, um editorial publicado na The Journal of Headache4 questiona quando as políticas de saúde começarão a dar importância à enxaqueca - “Migraine is first cause of disability in under 50s: will health politicians now take notice?”.

Sabe-se que a deficiência educacional entre os profissionais de saúde compromete o diagnóstico adequado e o tratamento da cefaleia na rede de atenção à saúde2. Nesse contexto, acredita-se que a ênfase dada ao ensino das cefaleias nas universidades é ainda insatisfatória, fato preocupante para a formação dos estudantes de Medicina.

Ao seguirem as Diretrizes Nacionais Curriculares5, as faculdades de Medicina direcionam seus currículos para uma formação médica baseada nas necessidades de saúde da população. Torna-se a avaliação do ensino dessa temática na graduação de Medicina de fundamental importância, entendendo que as cefaleias devem estar entre as competências exigidas para a atuação profissional em nível da atenção primária.

A avaliação é um procedimento de múltiplas dimensões6 primordial para definir prioridades e garantir a qualidade do ensino. Uma das estratégias para o processo avaliativo do ensino é a avaliação de desempenho dos estudantes, que é um indicador no processo de ensino-aprendizagem para determinar se os objetivos educacionais estão sendo alcançados6.

Alguns estudos pesquisaram a avaliação sob o ponto de vista do desempenho dos estudantes, por meio da avaliação do conhecimento teórico, das habilidades clínicas e das atitudes dos estudantes, abordando metodologias de avaliação sobre o tema cefaleia com base em questões de múltipla escolha7, exame clínico objetivo estruturado (objective structured clinical examination - OSCE)7, exame de desempenho clínico8, portfólio9 e casos clínicos10. Nenhum estudo com a utilização de vídeos na avaliação sobre cefaleias foi encontrado.

A utilização de metodologias inovadoras, que utilizem ferramentas tecnológicas, atrai e motiva a participação dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem11. O estudo de Figueroa et al. (2015)9 constatou que a utilização de pacientes virtuais melhorou significantemente o domínio “aprendizagem estudantil”, contribuindo para o desenvolvimento de competências relacionadas com a tomada de decisões. Além disso, a utilização de pacientes virtuais tem como vantagens: requer menos recursos e pessoal, reduz os custos econômicos e é um procedimento seguro, já que permite o erro sem comprometer a vida dos pacientes9.

Assim, o objetivo do estudo é apresentar uma metodologia inovadora que utiliza vídeos com personagens virtuais para avaliar o conhecimento dos estudantes de Medicina sobre as cefaleias.

MÉTODOS

Percurso metodológico

Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem quantitativa, relativo à avaliação do conhecimento dos estudantes do internato de Medicina de uma universidade pública federal.

Participantes

O internato compreende os dois últimos anos do curso de Medicina. Nesse período, o estudante consolida o conhecimento adquirido vivenciando o estágio nas diversas áreas do conhecimento médico.

Na universidade em estudo, o internato compreende: nono período (estágio de urgência e emergência em Pediatria, estágio em Clínica Cirúrgica hospitalar e estágio em Saúde Mental); décimo período (Obstetrícia 1 - maternidade, Obstetrícia 2 - alto risco, Ginecologia e Pediatria 1); 11º período (Clínica Médica 1 - Programa Saúde da Família, Clínica Médica 2 - hospital universitário e Clínica Médica 3 - doença infectocontagiosa) e 12º período (estágio rural, estágio em Pediatria 2 e estágio opcional). Cada período é dividido em três grupos de estudantes, e cada grupo passa dois meses em um estágio e, em seguida, realiza rodízio para o próximo estágio. Não existe estágio em Neurologia, porém, durante o estágio em Clínica Médica 2 (11º período), o ambulatório de Neurologia é ofertado para os estudantes que tiverem interesse em participar.

Todos os 155 estudantes regularmente matriculados no internato de Medicina da universidade foram convidados por meio de e-mail e mensagens telefônicas. Os interessados procuraram voluntariamente o ambulatório de Neurologia. Trata-se de uma amostra por conveniência cujos critérios de inclusão foram: ser estudante de qualquer gênero e idade e estar cursando o internato de Medicina. Os critérios de exclusão foram estudantes transferidos de outras faculdades.

Produção dos dados

A avaliação do conhecimento foi realizada por meio da aplicação de um vídeo com pacientes virtuais, em sala de aula ou no ambulatório da Neurologia, contando com ambiente confortável e silencioso, conforme agendamento prévio com os alunos.

Os autores construíram três casos clínicos (enxaqueca, suspeita de meningite e cefaleia tipo tensão), tendo como base os seguintes documentos (Quadro 1): 1. Tratado de Medicina da Família e Comunidade12, 2. Matriz para Aquisição de Competências na Urgência Clínica13 e 3. Currículo e Competências Essenciais no Ensino da Cefaleia para as Escolas de Medicina da Sociedade Americana de Cefaleia (American Headache Society - AHS)14.

Quadro 1 Matriz de competências no ensino da cefaleia durante a graduação médica 

Tratado MFC12 (2012) Matriz de competências na urgência13 (2015) AHS14 (2007)
Epidemiologia das cefaleias x
Exame neurológico nas cefaleias x
Diagnóstico da enxaqueca x x
Tratamento agudo da enxaqueca x x
Profilaxia da enxaqueca x x
Diagnóstico da cefaleia tensional x x
Tratamento agudo da cefaleia tensional x x
Profilaxia da cefaleia tensional x x
Uso excessivo de medicamentos x x
Sinais de alarme x x
Exames complementares nas cefaleias x x
Cefaleias - quando encaminhar x
Cefaleias na emergência x x

Fonte: Elaborada pelas autoras.

Criação do vídeo com os casos clínicos

Na construção do vídeo, dois instrumentos foram utilizados: Voki®15, para a criação das personagens, e Movavi Video Editor®16, para a edição e formatação do vídeo. O vídeo completo tem duração de 22 minutos, construído na forma de um filme contínuo, sem pausas, e composto pelas seguintes etapas (Figura 1):

1) Apresentação da personagem Head, uma assistente virtual que guia o estudante durante todo o vídeo: ela orienta a participação na pesquisa, esclarece as etapas e expõe os casos clínicos (Figura 1A).

2) Head descreve o cenário do caso clínico (Figura 1B).

3) O paciente virtual do caso clínico aparece relatando seus sintomas (Figura 1C).

4) Uma imagem com a descrição textual do exame físico e neurológico é mostrada na tela (Figura 1D).

5) Head retorna informando que o estudante tem cinco minutos para responder às questões apresentadas na folha de respostas entregue, enquanto um resumo do caso, em texto, é mantido na tela de projeção (Figura 1E). Durante esse período de resposta, um cronômetro mostra o tempo restante. Após a finalização desse tempo, a personagem Head informa que o vídeo prosseguirá para o segundo caso clínico.

Figura 1 Ilustração das etapas e das personagens virtuais utilizadas para a construção do vídeo 

Depois, as etapas 2, 3, 4 e 5 repetem-se para o segundo e terceiro casos clínicos. Assim, os estudantes têm 15 minutos para a resposta aos casos clínicos, sendo cinco minutos para cada caso. No início do vídeo, a assistente virtual comunica que, uma vez iniciado o vídeo, ele não poderá ser pausado, reiniciado ou repetido, entretanto os estudantes podem fazer anotações individuais nas folhas de respostas.

Somente após o término da pesquisa, os casos clínicos foram individualizados do vídeo para que fossem disponibilizados em plataforma on-line por meio do canal ProjetoEnsinodaCefaleia no YouTube?, para conhecimento e compartilhamento entre os demais estudantes da universidade, por meio do link https://www.youtube.com/channel/UCZBhcknoWkHCPYf5KpXpuuw.

Os casos construídos buscaram avaliar o conhecimento dos estudantes acerca dos conteúdos mais relevantes sobre cefaleias para o médico generalista, e, por isso, foram utilizados cenários da atenção básica e da urgência/emergência.

Um grupo de quatro neurologistas (dois docentes da faculdade de Medicina de uma universidade pública federal, um docente do Hospital Geral do Estado e um especialista em cefaleia) assistiu e respondeu aos vídeos, individualmente, sem acesso ao gabarito proposto pelos pesquisadores. A validação do conteúdo dos casos e das questões elaboradas foi realizada sem necessidade de ajustes. Elaborou-se, tendo como base o consenso nas respostas dos docentes aos casos, um gabarito padrão.

O primeiro caso ocorreu no cenário de uma unidade básica de saúde: uma paciente jovem procura atendimento por conta de um quadro de cefaleia crônica sem sinais de alarme e com critérios diagnósticos de enxaqueca. Nesse caso, pretendeu-se avaliar o conhecimento dos estudantes referente a: 1. diagnóstico da enxaqueca crônica, 2. tratamento agudo da enxaqueca, 3. tratamento profilático na enxaqueca e 4. necessidade de exames complementares nas cefaleias.

No segundo caso, um jovem procura a unidade de pronto atendimento por conta de um quadro de cefaleia com mudança do padrão e febre. No exame neurológico, ele apresentava sinais de irritação meníngea. Os objetivos desse caso foram avaliar o conhecimento sobre: 1. identificação dos sinais de alarme, 2. etiologia das cefaleias secundárias, 3. avaliação da cefaleia na emergência e 4. necessidade de avaliação com especialista.

O último caso aconteceu em um ambulatório de clínica médica: um homem de meia-idade procura o serviço com quadro de cefaleia sem sinais de alarme. Com relação a esse caso, procurou-se identificar o conhecimento dos estudantes sobre: 1. diagnóstico da cefaleia tensional, 2. tratamento agudo da cefaleia tensional, 3. tratamento profilático da cefaleia tensional e 4. quando não encaminhar ao especialista.

Aplicação do vídeo e da folha de respostas

Os estudantes que concordaram em participar da pesquisa foram agendados, em horário e dia de melhor conveniência, para assistir ao vídeo da pesquisa em sala de aula confortável, com projeção em tela de multimídia e caixa de som de boa qualidade. Foram organizados grupos de três a seis estudantes por exibição, independentemente do período em curso, conforme agendamento prévio.

O instrumento utilizado para a coleta dos dados foi uma folha de respostas com quatro questões descritivas para cada caso clínico. A descrição dos casos, as questões elaboradas e o gabarito padrão estão descritos nos quadros 2, 3 e 4. Os QR code apresentados só foram criados após a conclusão da pesquisa para a disponibilização entre os demais estudantes da universidade.

Realizou-se um pré-teste para a validação do método com um grupo de sete médicos residentes de Clínica Médica recém-formados. O objetivo foi avaliar a qualidade das imagens e dos sons do vídeo, a clareza e objetividade das questões e o tempo para resposta. A sugestão do grupo foi prorrogar o tempo para resposta de cada caso clínico de quatro para cinco minutos, o que foi atendido pelos pesquisadores.

Ao final de cada sessão de vídeos, a pesquisadora forneceu feedback imediato das questões, orientando quanto às dúvidas existentes na condução dos casos apresentados. Foi explicada, aos estudantes, a importância, para a pesquisa, de eles não comentarem os casos com os que ainda não participaram do estudo.

Quadro 2 Caso clínico 1 apresentado em formato de vídeo com personagem, perguntas e gabarito padrão 

CASO CLÍNICO 1 PERSONAGEM PERGUNTAS GABARITO PADRÃO
Identificação: C. M. S, 26 anos, solteira, balconista. Cenário: unidade básica de saúde. Queixa: dor de cabeça há um ano. “Há um ano tenho uma dor de cabeça muito forte, pulsátil, mais na parte de trás da cabeça (região occipital). Tenho muito enjoo, mas nunca chego a vomitar. Tenho que ficar no escuro e no silêncio, e já sei que não conseguirei ir trabalhar. Estou muito preocupada, pois, nos últimos seis meses, venho apresentando crises quase todos os dias. Uso sempre o Dorflex ? , mas não melhoro muito.” Vídeo 1 Qual é o tipo de cefaleia relatado pela paciente? Enxaqueca (migrânea) crônica. O diagnóstico de cefaleia por uso excessivo de medicamentos pode estar associado ao quadro.
Cite quais medicamentos você indicaria para controle da dor aguda (na crise). Triptanos, ergotamínicos, analgésicos, anti-inflamatórios, corticoide (mínimo de duas classes).
Essa paciente apresenta indicação de iniciar tratamento profilático para a cefaleia? Justifique e, em caso afirmativo, indique qual classe de medicamento você iniciaria? Sim. Frequência crônica de crises incapacitantes. Betabloqueador, antidepressivo tricíclico, anticonvulsivante (topiramato, ácido valproico) (mínimo de uma classe).
Consideraria importante a solicitação de algum exame de imagem? Justifique. Não. Enxaqueca de padrão típico, sem sinais de alarme com exame neurológico normal.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Quadro 3 Caso clínico 2 apresentado em formato de vídeo com personagem, perguntas e gabarito padrão 

CASO CLÍNICO 2 PERSONAGEM PERGUNTAS GABARITO PADRÃ0
Identificação: F. S. S., 23 anos, solteiro, estudante do nível superior. Cenário: unidade de pronto atendimento. Queixa: dor de cabeça e vômitos. “Desde criança lembro-me de ter dor de cabeça, mas desta vez está durando muito tempo... já tem uma semana com dor contínua. No início tive um pouco de febre junto com a dor, mas, depois de uns dois dias, a febre sumiu e ficou só essa dor. Então comecei a ter vômitos, perda de apetite e venho com muito sono, ontem mesmo passei o dia quase todo dormindo.” Exame neurológico: sinal de Brudzinski e assimetria de reflexos. Vídeo 2 Em qual grupo de cefaleias você classificaria o caso (primária ou secundária)? Justifique sua resposta. Cefaleia secundária. Sinais de alarme (mudança no padrão da dor, febre, rebaixamento do nível de consciência) e exame neurológico alterado (sinal de Brudzinski e reflexos assimétricos).
Quais etiologias devem ser consideradas para o caso? Infeccioso (meningite).
Pensando na principal suspeita clínica, que conduta (prescrição médica e exames) você adotaria na emergência? Hidratação venosa, analgesia. Antibioticoterapia (ceftriaxone) pode ser considerada pela epidemiologia. Tomografia computadorizada do crânio seguida por líquido cefalorraquidiano (o rebaixamento de consciência é sinal de alarme para risco de hipertensão intracraniana).
Consideraria solicitar uma avaliação da neurologia de urgência neste caso? Justifique sua resposta. Sim. Emergência neurológica e estabelecer diagnósticos diferenciais.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Quadro 4 Caso clínico 3 apresentado em formato de vídeo com personagem, perguntas e gabarito padrão. 

CASO CLÍNICO 3 PERSONAGEM PERGUNTAS GABARITO PADRÃO
Identificação: F. A. B., 40 anos, casado, pedreiro. Cenário: ambulatório de clínica médica. Queixa: dor de cabeça e pressão arterial alta. “Estou estranhando porque minha pressão arterial está sempre dando alta. Venho há alguns meses sentindo-me cansado, com dificuldade para dormir e com dor de cabeça frequente. Há três meses tenho dor de cabeça, quase diariamente, sempre no final do dia, ao voltar do trabalho. A dor não é muito forte, consigo realizar minhas atividades normalmente, mas incomoda muito. Só melhora depois que tomo banho, como e deito para dormir. Não preciso nem tomar remédio, já acordo bem. Dói a cabeça toda, não tenho vômitos e nem tenho incômodo com luz ou barulho.” Vídeo 3 Qual é o diagnóstico da cefaleia apresentado? Liste as características que preenchem seus critérios. Cefaleia tensional. Holocraniana, leve/moderada intensidade, não incapacita, sem náuseas, só com fonofobia (sem fotofobia).
Que orientações você daria ao paciente sobre o tratamento medicamentoso e não medicamentoso no controle da dor? Medicamentoso: analgésico, anti-inflamatório e relaxante muscular (mínimo de um). Não medicamentoso: atividade física, higiene do sono, medidas de relaxamento, psicoterapia (mínimo de uma).
Existe indicação de tratamento profilático para esse paciente? Justifique e, em caso afirmativo, indique uma classe de medicamento profilático. Sim. Frequência crônica. Antidepressivos tricíclicos.
Você consideraria encaminhar esse paciente para uma avaliação ambulatorial com neurologista? Justifique sua resposta. Não, apenas se houver refratariedade ao tratamento instituído.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Análise dos dados

A análise dos dados dos casos clínicos baseou-se na análise de conteúdo, na modalidade temática, segundo Bardin17, contemplando as respostas aos casos clínicos conforme aspectos indicados nos documentos de referência e padrão de respostas preestabelecidos na pesquisa.

A realização da análise de conteúdo consistiu em três fases: 1. pré-análise, 2. exploração do material e 3. tratamento dos resultados.

De acordo com Bardin17, as categorias podem ser criadas a priori ou a posteriori, isto é, a partir da teoria ou após a coleta de dados. Quando as categorias são definidas a priori, a validade ou pertinência pode ser construída a partir de um fundamento teórico. Assim, as quatro categorias a priori definidas para o estudo foram:

Diagnóstico da cefaleia: avaliar o conhecimento dos critérios da International Classification of Headache Disorders (ICHD) para o correto diagnóstico das cefaleias. A ICHD é uma classificação internacional que orienta os profissionais quanto aos critérios clínicos e às características de todos os tipos de cefaleias18.

Tratamento agudo da cefaleia: avaliar o conhecimento sobre os protocolos nacionais (Sociedade Brasileira de Cefaleia e Ministério da Saúde).

Tratamento profilático da cefaleia: avaliar o conhecimento sobre os protocolos nacionais (Sociedade Brasileira de Cefaleia e Ministério da Saúde).

Necessidade de exames complementares ou avaliação com especialista: avaliar o conhecimento sobre os protocolos nacionais (Sociedade Brasileira de Cefaleia e Ministério da Saúde).

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Parecer n° 2.442.719 do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas, atendendo às exigências das Resoluções do Conselho Nacional de Saúde (CNS) n° 466/2012 e 510/2016. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes de sua inclusão no estudo.

RESULTADOS

A coleta de dados ocorreu de junho a agosto de 2018, período referente ao último rodízio do primeiro semestre. Participaram da pesquisa 31 estudantes de Medicina, sendo 11 do nono período, seis do décimo, nove do 11º e cinco do 12º. Desse total, 16 (51,61%) eram do sexo feminino e 15 (48,38%) do sexo masculino, e a média de idade dos participantes foi de 25,7 anos.

Observa-se, quando se compara o percentual de acertos dos estudantes do primeiro grupo (n = 6), que participaram no início da pesquisa, com os do último grupo (n = 6), que não foi encontrada uma diferença significativa (Tabela 1). Assim, os resultados obtidos serão apresentados de acordo com as categorias a priori.

Tabela 1 Percentual de acertos dos estudantes por caso clínico, de acordo com o grupo de participação no estudo e com a categoria a priori 

Categorias Casos clínicos
1 2 3
Enxaqueca crônica Meningite Cefaleia tensional
Primeiro grupo (n = 6) Último grupo (n = 6) Primeiro grupo (n = 6) Último grupo (n = 6) Primeiro grupo (n = 6) Último grupo (n = 6)
Diagnóstico da cefaleia 33,33% (n = 2) 33,33% (n = 2) 66,66% (n = 4) 83,33% (n = 5) 100% (n = 6) 100% (n = 6)
Tratamento agudo da cefaleia 83,33% (n = 5) 83,33% (n = 5) 66,66% (n = 4) 33,33% (n = 2) 66,66% (n = 4) 83,33% (n = 5)
Tratamento profilático da cefaleia 100% (n = 6) 83,33% (n = 5) Não avaliado* Não avaliado* 0% (n = 0) 33,33% (n = 2)
Necessidade de exame complementar 100% (n = 6) 50% (n = 3) 83,33% (n = 5) 100% (n = 6) Não avaliado* Não avaliado*
Necessidade de avaliação com especialista Não avaliado* Não avaliado* 83,33% (n = 5) 100% (n = 6) 100% (n = 6) 83,33% (n = 5)

*Não avaliado - por não se tratar do objetivo da pesquisa ou por não se adequar ao caso. Fonte: Elaborada pelas autoras.

Diagnóstico da cefaleia

Referente ao primeiro caso, 83,87% dos estudantes diagnosticaram como enxaqueca e somente cinco (16,13%) referiram corretamente a enxaqueca crônica. A maioria dos estudantes, que reconheceu a forma crônica da enxaqueca, estava no último ano do curso (11º e 12º períodos).

No diagnóstico do segundo caso, a maioria dos estudantes (93,55%) identificou tratar-se de uma cefaleia secundária por reconhecer os sinais sistêmicos (febre e astenia) e as alterações no exame físico (irritação meníngea e rebaixamento do nível de consciência) apresentados no caso. As principais etiologias consideradas para o caso foram: infecciosa (80,65%), vascular (22,58%), tumoral (9,67%), anemia falciforme (6,45%), hipertensão arterial (3,23%), abuso de substâncias (3,23%), hidrocefalia (3,23%) e medicamentosa (3,23%). Dentre as etiologias infecciosas (n =25), a maioria dos estudantes considerou a meningite ou meningoencefalite como a principal hipótese diagnóstica (n = 20), sendo as outras opções o abcesso cerebral (n = 2), a sinusite (n = 2) e a infecção bacteriana sistêmica (n = 1).

No terceiro caso, a quase totalidade dos estudantes (96,77%) diagnosticou o caso como cefaleia tensional. Nenhum discente definiu a cefaleia como crônica, apesar de, na história, o paciente referir cefaleia quase diariamente há três meses. As características clínicas identificadas pelos estudantes que preenchem os critérios da ICHD para a cefaleia tensional foram: cefaleia que piora ao final do dia (n = 18), sem náuseas (n = 16), holocraniana (n = 15); não incapacitante (n = 15), de leve a moderada intensidade (n = 11), com tensão muscular (n = 5), melhora após relaxamento (n = 3) e em aperto (n = 1).

Tratamento agudo da cefaleia

Referente ao caso de enxaqueca crônica, a maioria dos estudantes escolheu, para tratamento da fase aguda, as classes dos anti-inflamatórios (48,38%, n = 15) e dos analgésicos simples (41,93%, n = 13). Em seguida, consideraram-se triptanos (n = 8), derivados do ergot (n = 5), clorpromazina (n = 2), tramadol (n = 4), codeína (n = 1) e dexametasona (n = 1).

Na análise do segundo caso, oito estudantes (25,80%) não responderam a essa questão. Dos 23 estudantes que responderam, a maioria (69,56%, n = 16) prescreveu antibioticoterapia empírica e seis estudantes citaram a ceftriaxona como a principal opção. Os demais referiram como tratamento: analgesia (n = 8), hidratação venosa (n = 5) e uso de antiemético (n = 1).

O caso da cefaleia tensional crônica foi o que apresentou melhores resultados, com 64,51% dos estudantes prescrevendo, ao menos, uma classe medicamentosa eficaz associada a, pelo menos, uma terapia não medicamentosa para o tratamento da fase aguda. Todas as medicações sugeridas foram consideradas adequadas - analgésicos simples (n = 15), relaxante muscular (n = 6) e anti-inflamatórios (n = 3) -, além de várias opções de tratamento não medicamentoso: prática regular de atividade física (n = 17), controle de fatores estressores (n = 12), técnicas de relaxamento (n = 9), alimentação saudável (n = 9), modificação do estilo de vida (n = 8), controle da pressão arterial (n = 7), higiene do sono (n = 6), psicoterapia (n = 5), acupuntura (n = 3); compressa gelada (n = 3), banho quente (n = 1) e repouso (n = 1).

Tratamento profilático da cefaleia

Com relação à avaliação da terapia profilática na enxaqueca crônica, 87,09% dos estudantes indicaram haver necessidade de iniciá-la. As classes farmacológicas mais prescritas pelos estudantes foram: betabloqueador (n = 9), antidepressivo tricíclico (n = 9) e anticonvulsivante (n = 6). As demais classes sugeridas foram os inibidores de recaptação de serotonina (n = 1), opioide (n = 1), derivados ergotamínicos (n = 1) e anti-inflamatório (n = 1).

No caso da cefaleia tensional, apesar de nenhum discente diagnosticar a cefaleia tensional crônica, nove estudantes (29,03%) indicariam tratamento profilático para o caso com antidepressivos, topiramato e betabloqueador. Entre as justificativas para essa indicação, estão: dores recorrentes (n = 4), crises que incomodam o paciente (n = 3), padrão quase diário (n = 1) e frequência maior que 15 dias no mês (n = 1).

Necessidade de exames complementares ou avaliação com especialista

No caso clínico de enxaqueca crônica, a maioria dos estudantes (77,42%) não indicaria a realização de exames de imagem pelos seguintes motivos: o exame neurológico é normal (n = 14); a enxaqueca tem características típicas (n = 11); o diagnóstico é clínico (n = 5); a evolução é crônica (n = 1).

Como o segundo caso envolvia uma cefaleia secundária, de provável etiologia infecciosa, 77,42% solicitariam estudo do líquido cefalorraquidiano, e 64,52%, tomografia do crânio. Referente à avaliação com o especialista, a maioria dos estudantes (74,19%) solicitaria parecer da neurologia pela gravidade do quadro para avaliar a necessidade de intervenção imediata e afastar outras causas secundárias.

Já no caso da cefaleia tensional crônica, 83,87% dos estudantes não encaminhariam o paciente para uma avaliação ambulatorial com neurologista por considerarem uma cefaleia de fácil manejo, que deve ser tratada pelo clínico na atenção primária.

Em resumo, a Tabela 2 apresenta um panorama dos acertos dos estudantes para cada caso clínico, de acordo com a categoria avaliada.

Tabela 2 Percentual global de acertos dos estudantes para cada caso clínico, de acordo com a categoria a priori 

Categorias Casos clínicos
1 Enxaqueca crônica 2 Meningite 3 Cefaleia tensional
Diagnóstico da cefaleia 16,13% 64,52% 96,77%
Tratamento agudo da cefaleia 83,87% 51,61% 64,52%
Tratamento profilático da cefaleia 87,09% Não avaliado* 29,03%
Necessidade de exame complementar 77,42% 77,42% Não avaliado*
Necessidade avaliação com especialista Não avaliado* 74,19% 83,87%

*Não avaliado - por não se tratar do objetivo da pesquisa ou por não se adequar ao caso. Fonte: Elaborada pelas autoras.

DISCUSSÃO

A utilização de vídeos com pacientes virtuais é uma ferramenta útil na avaliação do conhecimento sobre cefaleias. Os resultados apresentados identificaram lacunas no ensino da cefaleia, sugerindo áreas que devem ser mais bem abordadas na graduação de Medicina.

Com relação ao diagnóstico das cefaleias, a dificuldade de reconhecimento da forma crônica da enxaqueca (16,13%) é descrita em outros estudos. O estudo de Yadav, Bradley e Smith10 avaliou 56 estagiários de Medicina por meio de casos clínicos eletrônicos. A enxaqueca episódica foi reconhecida por 85,7% dos estudantes e a enxaqueca crônica por 24,1%, demonstrando uma deficiência para o diagnóstico da forma crônica semelhante à encontrada neste estudo. O fato de a maioria dos estudantes, que reconheceu a enxaqueca crônica, estar no último ano do curso pode estar relacionado à maior experiência no ambulatório de neurologia durante o estágio em Clínica Médica no 11º período.

Os estudantes foram capazes de identificar a cefaleia secundária, reconhecendo os sinais de alerta conforme propostos pela Sociedade Americana de Cefaleia por meio do mnemônico SNOOP: S (Systemic) - sinais sistêmicos como toxemia, rigidez de nuca, rash cutâneo etc.; N (Neurologic) - presença de déficits neurológicos focais, edema de papila, convulsão; O (Older) - início após os 50 anos; O (Onset) - início súbito ou primeira cefaleia; e P (Pattern) - mudança de padrão da cefaleia prévia ou cefaleia progressiva19. O reconhecimento desses sinais de alarme é fundamental para a formação do generalista que atuará nos serviços de urgência/emergência.

A etiologia infecciosa foi a mais relatada entre os estudantes, e tal preocupação corrobora a orientação da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC)19 de que, no cenário de cefaleia aguda emergente, caracterizada por uma dor nova ou diferente das anteriores associada à presença de febre, deve-se levantar a hipótese de cefaleia secundária a infecções do sistema nervoso central, como meningite, encefalite, abscesso cerebral e empiema. O caso clínico descrito apresenta um curso clínico mais brando, com instalação ao longo de uma semana, sugerindo uma provável etiologia viral para a meningite, a qual costuma ser benigna e autolimitada20. A apresentação mais comum do quadro é febre, podendo acompanhar sinais de infecção do trato respiratório superior, seguidos de sinais e sintomas de irritação meníngea, como náuseas, vômitos, cefaleia, rigidez de nuca e, mais raramente, convulsões, confusão mental e alteração do nível de consciência12. Entretanto, o diagnóstico etiológico das meningites só é confirmado com o estudo do líquido cefalorraquidiano20.

Provavelmente, por tratar-se do tipo de cefaleia mais prevalente no mundo3, a cefaleia tensional foi reconhecida pela quase totalidade dos estudantes (96,77%). Apesar de o caso clínico apresentar critérios pela ICHD-318 para a forma crônica, o grupo de especialistas considerou adequada a resposta cefaleia tensional.

Em relação à análise da categoria diagnóstico da cefaleia, permite-se concluir que os estudantes estão aptos ao reconhecimento da enxaqueca, cefaleia tensional e cefaleia secundária de etiologia infecciosa. Entretanto, a forma crônica da enxaqueca não foi identificada de maneira satisfatória, o que sugere haver necessidade de uma melhor abordagem durante o ensino.

A maioria dos pacientes com quadro agudo de cefaleia será avaliada pelo médico generalista, seja na unidade básica de saúde ou na rede de urgência/emergência12. Por isso, o conhecimento dos tratamentos instituídos para cada tipo de cefaleia pelos estudantes é fundamental para a avaliação do correto manejo das cefaleias.

A maioria dos estudantes prescreveu, para o tratamento agudo da enxaqueca, medicamentos considerados com nível A de evidência, ou seja, eficazes no tratamento agudo da enxaqueca19,21,22. A escassa prescrição de triptanos e ergotamínicos parece refletir uma baixa familiaridade e exposição à classe farmacológica durante a graduação. Cinco estudantes indicaram o uso de opioides, apesar de toda evidência e recomendação contra o uso dessa classe no tratamento da enxaqueca23. Atualmente, a SBC elaborou um protocolo para diagnóstico e manejo das cefaleias nas unidades de urgência19, no qual desencoraja o tratamento da enxaqueca com opioide pelo alto risco de abuso e dependência.

Foi identificado um alto nível de abstinência na resposta ao tratamento agudo da cefaleia secundária. O fato de ter sido utilizado um caso menos usual de meningite com instalação progressiva, com possível falta de clareza nos dados clínicos apresentados, pode ter contribuído para esse resultado. Apesar disso, a maioria dos estudantes, que considerou a etiologia infecciosa, conduziu o caso com a prescrição de antibiótico, reposição de líquidos e analgesia. O tratamento das meningites virais é de suporte, com avaliação e acompanhamento clínico frequentes20. Entretanto, a prescrição de antibioticoterapia empírica, após a coleta do líquido cefalorraquidiano, pode ser considerada uma medida satisfatória quando há suspeita de uma provável etiologia bacteriana, já que a meningite bacteriana se caracteriza como uma emergência médica pela alta taxa de morbimortalidade12. O Ministério da Saúde do Brasil20 recomenda que, na suspeita clínica de meningite, o tratamento com antibiótico deve ser instituído o mais precocemente possível, pois reduz a letalidade e melhora o prognóstico. Outras questões necessitariam ser aprofundadas para o entendimento dos motivos desse resultado (insegurança no manejo, desconhecimento dos protocolos nacionais, falta de experiência prática etc.), entretanto sabe-se que o desenvolvimento de aprendizagem significativa está associado à vivência prática na área.

Segundo Demo (p. 41)24:

[...] cabe ao professor competente conduzir essa aprendizagem significativa, orientando o aluno permanentemente para expressar-se de maneira fundamentada, exercitar o questionamento e formulação própria, reconstruir autores e teorias e cotidianizar a pesquisa.

Os estudantes apresentaram conhecimento adequado no tratamento agudo da cefaleia tensional, pois dirigiram suas condutas em conformidade com as recomendações dos protocolos nacionais19,25, os quais orientam o uso de analgésicos e anti-inflamatórios não hormonais complementados com a orientação aos fatores desencadeantes e medidas educativas, como sono regular, evitar bebidas alcoólicas, controle de estresse (técnicas de relaxamento, atividade física leve) e lazer.

Foi admirável a quantidade de orientações não medicamentosas sugeridas pelos estudantes para a cefaleia tensional, tendo em vista a importância da promoção de saúde na atenção básica. Tal conhecimento apresentado foi considerado um resultado positivo do processo de ensino-aprendizagem na graduação.

Assim, os resultados dessa categoria revelaram lacunas no tratamento da fase aguda da enxaqueca e meningite. Sugere-se que, durante a graduação, uma maior ênfase seja dada ao tratamento da enxaqueca com triptanos e ergotamínicos, a fim de evitar o uso de medicamentos pouco eficazes (como os opioides). Além disso, o tratamento da meningite na urgência/emergência deve ser mais bem explorado, buscando reforçar a necessidade de tratamento empírico de imediato, mesmo antes da confirmação etiológica.

Os quadros crônicos das cefaleias primárias (enxaqueca e tensional) têm indicação de tratamento profilático com o objetivo de reduzir a frequência e intensidade das crises e melhorar a qualidade de vida do paciente1.

A maioria dos estudantes indicou adequadamente a introdução de tratamento profilático na enxaqueca, com medicações classificadas com nível de evidência I ou II segundo o consenso sobre tratamento profilático da migrânea da SBC22. Tal resultado foi semelhante ao encontrado no estudo de Jackson, Kay, Scholcoff, Nickoloff e Fletcher26, que avaliou o tratamento profilático da enxaqueca na atenção primária. As classes mais comumente usadas pelos médicos generalistas foram: anticonvulsivantes, antidepressivos tricíclicos e betabloqueadores, semelhantemente às classes sugeridas pelos estudantes deste estudo. Acredita-se que um fator facilitador para a prescrição desses fármacos seja sua disponibilidade no Sistema Único de Saúde (SUS).

Entretanto, um resultado preocupante foi a prescrição de medicamentos analgésicos (anti-inflamatórios, derivados ergotamínicos e opioides) como terapia profilática por três estudantes, sem existir evidência de eficácia dessas medicações na profilaxia da enxaqueca.

Apesar de nenhum discente reconhecer a cefaleia tensional crônica, alguns considerariam iniciar tratamento profilático. Conforme descrito por Yu e Han27, pacientes com cefaleia tensional crônica apresentam indicação de iniciar terapia profilática para ajudar a reduzir a frequência e a gravidade da cefaleia. A maioria dos estudantes não indicou o tratamento profilático medicamentoso por justificar que apenas orientações para a modificação do estilo de vida seriam suficientes.

Dessa forma, os resultados encontrados nessa categoria evidenciaram que os estudantes estão aptos a indicar o tratamento profilático da enxaqueca. Entretanto, maior ênfase deve ser dada ao tratamento profilático da cefaleia tensional crônica, pois apenas uma minoria dos estudantes reconheceu a necessidade de iniciar a profilaxia medicamentosa.

Os exames de neuroimagem em pacientes com cefaleia primária são comumente solicitados, apesar do fato de as anormalidades encontradas serem comparáveis às encontradas em indivíduos saudáveis. Por isso, a Academia Americana de Neurologia, a Federação Europeia das Sociedades de Neurologia e a Academia Americana de Radiologia publicaram guidelines com recomendações contra a solicitação de exames de neuroimagem de rotina28.

A maioria dos estudantes (77,42%) parece compreender que não existe benefício na solicitação de neuroimagem para o diagnóstico de enxaqueca, porém alguns ainda solicitariam tomografia computadorizada do crânio pelo aumento da frequência das crises e para afastar causas secundárias. Entretanto, o Consenso Europeu de Cefaleia29 orienta o seguinte: “Quando há a história típica de aumento gradual de frequência de cefaleia ao longo dos anos e os critérios ICHD-3-beta para enxaqueca crônica estão satisfeitos, não há necessidade para investigações adicionais”.

Conclui-se que a confiança demonstrada pelos estudantes em não indicar exames desnecessários reflete o conhecimento adquirido durante a graduação e auxilia o bom funcionamento do SUS, reduzindo custos dispensáveis.

Quando houve a suspeita de uma cefaleia secundária, a maioria indicou adequadamente a solicitação de exames de neuroimagem e/ou liquor. O Ministério da Saúde20 recomenda que, nos casos suspeitos de meningite, os principais exames para o esclarecimento diagnóstico são: exame quimiocitológico do liquor, bacterioscopia direta (liquor), cultura (liquor, sangue, petéquias ou fezes), contraimuneletroforese cruzada - CIE (liquor e soro), aglutinação pelo látex (liquor e soro) e reação em cadeia da polimerase - polymerase chain reaction - PCR (liquor e soro). Nos casos suspeitos de meningite aguda, quando o paciente apresenta sinais de hipertensão intracraniana, existe a recomendação de se realizar exame de neuroimagem antes da punção lombar pelo risco de herniação com compressão do tronco encefálico30. O Projeto Diretrizes, do Ministério da Saúde,25 orienta que a solicitação de neuroimagem (ressonância nuclear magnética ou tomografia computadorizada) deve ser considerada em pacientes com cefaleias agudas, sinais de alerta, mudanças no padrão da cefaleia preexistente e com achados não explicáveis no exame neurológico.

Além disso, por reconhecer a gravidade desse quadro, a maioria dos estudantes solicitaria avaliação da neur ologia, resultado condizente com a recomendação da SBC, segundo a qual, nos casos de cefaleia secundária à patologia infecciosa do sistema nervoso central, o paciente deve ser encaminhado para a avalição por neurologista19.

O fato de a maioria dos estudantes não encaminhar pacientes com cefaleia tensional ao especialista foi considerado positivo, já que o Protocolo Nacional para Manejo da Cefaleia19 recomenda que, no caso de cefaleia tensional, o médico oriente o paciente quanto à baixa gravidade do quadro e de não haver a necessidade de encaminhá-lo a um especialista ou de realizar exames complementares. Essa visão dos estudantes proporciona uma maior resolutividade nos serviços de atenção primária e reforça a importância do médico generalista no manejo da cefaleia.

Em conclusão, a maioria dos estudantes compreende, de forma adequada, as indicações de exames de imagem na abordagem das cefaleias, bem como a necessidade de avaliação por um especialista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito deste estudo, entendendo que a cefaleia está entre as competências necessárias para o médico generalista, foi avaliar e interpretar o conhecimento dos estudantes de Medicina sobre o tema, utilizando uma ferramenta de avaliação que usa vídeos com pacientes virtuais.

Apesar do uso de tecnologia inovadora para a construção dos vídeos, houve pouca adesão dos estudantes ao estudo, o que pode ser justificado pelo curto período de aplicação da pesquisa, pela proximidade com o fim do semestre e pelo excesso de pesquisas envolvendo estudantes de Medicina na universidade estudada.

Entre as limitações do estudo, destacam-se a amostra pequena, o número reduzido de casos clínicos, o desequilíbrio entre o número de alunos participantes do quinto e sexto anos e a possiblidade de contaminação dos resultados pelo compartilhamento de informações entre os estudantes, apesar das solicitações sobre o sigilo dos casos apresentados. Não houve diferença no percentual de acertos entre os estudantes que participaram no início da pesquisa e aqueles do final da pesquisa.

Os resultados obtidos permitem concluir que existem lacunas no diagnóstico e manejo das cefaleias durante a graduação de Medicina da universidade estudada. A ampla divulgação dos Protocolos Nacionais de Manejo das Cefaleias e dos Protocolos do Ministério da Saúde dentro da academia pode auxiliar a sistematização do ensino das cefaleias, porém é imperativa a definição de uma matriz de competências mínimas para o ensino da cefaleia na graduação de Medicina no Brasil.

A utilização de ferramentas educacionais, que despertem entusiasmo e interesse nos alunos, deve ser continuamente estimulada. Na área da saúde, as discussões de casos clínicos são eficazes no processo de ensino-aprendizagem e podem ter seu impacto amplificado por meio do uso da tecnologia, tal como a descrita neste estudo.

REFERÊNCIAS

1. The World Health Organization. Atlas of headache disorders and resources in the world 2011. World Health Organization; 2011. 72 p. [ Links ]

2. Martelletti P, Haimanot RT, Láinez MJA, Rapoport AM, Ravishankar K, Fumihiko S, et al. The global campaign (GC) to reduce the burden of headache worldwide. The international team for specialist education (ITSE). J. headache pain 2005;6(4):261-3. [ Links ]

3. Vos T, Allen C, Arora M, Barber RM, Bhutta Z, Brown A, et al. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 328 diseases and injuries for 195 countries, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. The Lancet 2017;390:1211-59. [ Links ]

4. Steiner TJ, Stovner LJ, Vos T, Jensen R, Katsarav Z. Editorial: migraine is first cause of disability in under 50s: will health politicians now take notice? J. headache pain 2018;19:17-20. [ Links ]

5. Brasil. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF; 23 jun 2014; Seção 1, p. 8-11 [acesso em 2 mar 2018]. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=15874-rces003-14&category_slug=junho-2014-pdf&Itemid=30192 . [ Links ]

6. Megale LM, Ricas J, Gontijo ED, Mota JAC. Percepções e sentimentos de professores de medicina frente à avaliação dos estudantes - um processo solitário. Rev. bras. educ. med. 2015; 39(1):12-22. [ Links ]

7. Kasule OH. Overview of medical student assessment: why, what, who, and how. Journal of Taibah University Medical Sciences 2013;8(2):72-9. [ Links ]

8. Sunju I, Do-Kyong K, Hyun-Hee K, Hye-Rin R, Young-Rim O, Ji-Hyun S. Assessing clinical reasoning abilities of medical students using clinical performance examination. Korean J Med Educ 2016;28(1):35-47. [ Links ]

9. Figueroa C, Calvo I, González C, Sandoval D, Padilla O, Le Roy C, et al. Introduction of virtual patients to clinical case portfolios for undergraduate medical students. Rev. Méd. Chile 2015; 143(2):175-82. [ Links ]

10. Yadav P, Bradley AL, Smith JH. Recognition of chronic migraine by medicine trainees: a cross-sectional survey. Headache 2017;57(8):1267-72. [ Links ]

11. Micieli GM, Cavallini A, Santalucia P, Gensini G. Simulation in neurology. Neurol. sci. 2015; 36:1967-71. [ Links ]

12. Gusso G, Lopes JMC. Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática. Porto Alegre: Artmed; 2012. 2870 p., 2v. [ Links ]

13. Senger MH, Campos MCG. Matrizes para aquisição de competências no ensino de urgências clínicas. Rev. bras. educ. med . 2015;40(2):172-82. [ Links ]

14. Young WB, Rosen N, Sheftell F. Square one: headache education for the medical student. Headache 2007;47(3):351-4. [ Links ]

15. Oddcast Inc. Voki®. New York; 2017 [acesso em mar 2017]. Disponível em: http://www.voki.com. [ Links ]

16. Movavi Video Editor®. Disponível em: https://www.movavi.com/pt/videoeditor. [ Links ]

17. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. 280 p. [ Links ]

18. Headache Classification Committee of the International Headache Society (IHS). The International Classification of Headache Disorders. 3rd edition. International Headache Society. Cephalalgia 2018;38(1):1-211. [ Links ]

19. Academia Brasileira de Neurologia. Departamento Científico de Cefaleia. Sociedade Brasileira de Cefaleia. Protocolo nacional para diagnóstico e manejo das cefaleias nas unidades de urgência do Brasil, 2018 [acesso em 4 jun 2018]. Disponível em: Disponível em: https://sbcefaleia.com.br/images/protocolo%20cefaleia%20urgencia.pdf . [ Links ]

20. Brasil. Ministério da Saúde. Guia de vigilância em saúde. Volume único [recurso eletrônico]. 2. ed. Brasília: MS; 2017 [acesso em 2 mar 2018]. Disponível em: Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/agosto/25/GVS-online.pdf . [ Links ]

21. Marmura MJ, Silberstein SD, Schwedt TJ. The acute treatment of migraine in adults: The American Headache Society Evidence Assessment of Migraine Pharmacotherapies. Headache 2015; 55:3-20. [ Links ]

22. Giacomozzi ARE, Vindas AR, Silva Junior AA, Bordini CA, Buonanotte CF, Roesler CAP, et al. Latin American consensus on guidelines for chronic migraine treatment. Arq. neuropsiquiatr. 2013;71(7):478-86. [ Links ]

23. Young N, Silverman D, Bradford H, Finkelstein J. Multicenter prevalence of opioid medication uses as abortive therapy in the ED treatment of migraine headaches. Am. j. emerg. med. 2017; 35(12):1845-49. [ Links ]

24. Demo P. Educar pela pesquisa. 7a ed. Campinas: Autores Associados; 2011. [ Links ]

25. Pinto MEB, Wagner HL, Klafke A, Ramos A, Stein AT, Castro Filho ED, et al. Cefaleias em adultos na atenção primária à saúde: diagnóstico e tratamento. Projeto Diretrizes 2009;1-14. [ Links ]

26. Jackson JL, Kay C, Scholcoff C, Nickoloff S, Fletcher K. Migraine prophylactic management in neurology and primary care (2006-2015). J. neurol. 2018;265(12):3019-21. [ Links ]

27. Yu S, Han X. Update of chronic tension-type headache. Curr. pain headache rep. 2015;19:469. [ Links ]

28. Callaghan BC, Kerber KA, Pace RJ, Skolarus L, Cooper W, Burke JF. Headache neuroimaging: routine testing when guidelines recommend against them. Cephalalgia 2015;35(13):1144-52. [ Links ]

29. Mitsikostas DD, Ashina M, Craven A, Diener HC, Goadsby PJ, Ferrari MD, et al. European Headache Federation consensus on technical investigation for primary headache disorders. J. headache pain 2016;17(5):1-8. [ Links ]

30. McGill F, Heyderman RS, Tunkel AR, Solomon T. Acute bacterial meningitis in adults. The Lancet 2016;388(10063):3036-47. [ Links ]

Recebido: 14 de Janeiro de 2020; Aceito: 28 de Fevereiro de 2020

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Mariana Cota Bastos. Rua Ruthe Reis, 79, ap. 905, Torre Messina, Poço, Maceió, AL, Brasil. CEP: 57025-891. E-mail: marianacotabastos@gmail.com

CONTRIBUIÇÃO DAS AUTORAS

Mariana Bastos contribuiu com a concepção do trabalho, criação do vídeo com os pacientes virtuais, extração de dados, análise de dados e redação do texto. Rosana Vilela contribuiu com a concepção do trabalho, a análise dos dados e com a revisão do texto. Ângela Canuto contribuiu com a concepção do trabalho, a análise dos dados e com a revisão do texto.

CONFLITO DE INTERESSES

As autoras declaram não haver conflito de interesses neste estudo.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons