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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.44 no.3 Rio de Janeiro  2020  Epub 13-Jul-2020

https://doi.org/10.1590/1981-5271v44.3-editorial 

Editorial

Posicionamento do Grupo de Trabalho Populações (In)Visibilizadas e Diversidades a Respeito das Violências contra a População Negra e do Racismo Estrutural

Positioning of the Working Group (In)Visibilized Populations and Diversities Regarding Violences against the Black Population and Structural Racism

Gustavo Antonio RaimondiI 
http://orcid.org/0000-0003-1361-9710

Lilian de Paula de SouzaII 
http://orcid.org/0000-0002-3075-0860

Victor Hugo Araujo MoraesIII 
http://orcid.org/0000-0002-2061-4873

Denise Herdy AfonsoIV 
http://orcid.org/0000-0002-4781-0364

Rita Helena do Espírito Santo BorretV  VI 
http://orcid.org/0000-0003-0895-5971

Francis Solange Vieira TourinhoVII 
http://orcid.org/0000-0002-8537-9958

Tatiane MirandaVIII 
http://orcid.org/0000-0003-4476-9527

Tchayra Tatiane SouzaVIII 
http://orcid.org/0000-0001-7216-1418

Verônica Clemente FerreiraIX 
http://orcid.org/0000-0003-1628-1823

Wandson Alves Ribeiro PadilhaX 
http://orcid.org/0000-0002-6495-356X

Douglas Vinícius Reis PereiraXI 
http://orcid.org/0000-0001-7685-7164

IUniversidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil.

IICentro Universitário de Belo Horizonte, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

IIIUniversidade Federal de Roraima, Boa Vista, Roraima, Brasil.

IVUniversidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

VSecretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

VIUniversidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

VIIUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.

VIIIFaculdade de Saúde e Ecologia Humana, Vespasiano, Minas Gerais, Brasil.

IXUniversidade Federal de Jataí, Jataí, Goiás, Brasil.

XUniversidade Federal do Vale do São Francisco, Petrolina, Pernambuco, Brasil.

XIFaculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.


“[...] e quando falamos temos medo

De nossas palavras não serem ouvidas

Nem bem-vindas

Mas quando estamos em silêncio

Ainda temos medo.

É melhor falar então.”

(Audre Lorde, The black unicorn: poems, 1978)

O grupo de trabalho Populações (In)Visibilizadas e Diversidades da Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) manifesta seu repúdio a todas as formas de violência contra a população negra, bem como reitera o seu compromisso de combater o racismo estrutural que permeia os vários setores de nossa sociedade e, consequentemente, do cuidado e ensino em saúde.

Nos últimos dias, meses e anos, temos vivenciado uma explicitação dos casos de violência contra a população negra. Nos Estados Unidos, a morte de George Floyd, 46 anos, desencadeou uma onda de protestos contra a violência à população negra, que hoje ganha dimensões mundiais. No Brasil, uma semana antes, a mídia noticiava a morte de João Pedro Mattos, 14 anos, que ocorreu durante uma operação policial. Situação semelhante retratada em 2019 com a morte de Ágatha Vitória Sales Félix, 8 anos, baleada dentro de uma Kombi quando voltava da escola. Esses são alguns exemplos noticiados que expõem a constante violência contra a população negra. Ademais, destaca-se que no Brasil, de cada 100 pessoas assassinadas, cerca de 75 são negras1; 56,10% dos brasileiros negros ainda continuam social e economicamente atrás de outros grupos2.

Em tempos de pandemia da Covid-19, observamos sociedades médicas, como a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, compartilhando recomendações em relação às vulnerabilidades vivenciadas pelas populações que moram em favelas e periferias3, as quais são majoritariamente negras. Esse documento, por exemplo, debate as ações violentas contra homens negros, em sua maioria, por causa do uso de máscaras e a associação com a criminalidade, expondo, mais uma vez, a violência contra a população negra e o racismo estrutural de nossa sociedade.

Por racismo estrutural entende-se o conjunto de práticas institucionais, históricas, culturais, sociais e interpessoais que estruturam a nossa sociedade e colocam, de forma sistemática, um determinado grupo racial e/ou étnico em prejuízo, em inferiorização aos demais. O racismo “é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios, a depender ao grupo racial ao qual pertençam”4 (p. 25). E, consequentemente, a discriminação é compreendida como o tratamento diferenciado a um sujeito ou coletivo em razão da raça. Por isso, em um sistema racista, a branquitude é um exemplo de um privilégio que coloca determinados indivíduos em vantagens de oportunidades e expressões de suas potencialidades de vida sobre os demais4), (5.

Nesse sentido, o que temos observado é uma explicitação cada vez mais frequente e noticiada do racismo estrutural, que se mantém camuflado pelos conceitos de democracia racial e meritocracia, que, na prática, têm servido para manter as desigualdades entre brancos e negros6), (7. Além do mais, Rego & Palácios8 reiteram essa perspectiva de violência estrutural na escola médica, apontando para a necessidade de combate dessa cultura na formação em saúde e nas relações educadores(as)-educandos(as), bem como nas relações de cuidado em saúde.

Ressaltamos, com isso, que o racismo existe no ambiente da graduação em Medicina como racismo institucional e estrutural, constituindo-se em um fator dificultador para entrada e permanência das pessoas negras na faculdade e, consequente e concomitantemente, na conclusão da graduação e inserção no mercado de trabalho médico8), (9. Por isso, precisamos promover ações de inclusão, permanência e redução das violências/dos preconceitos em relação às questões étnico-raciais10), (11.

Considerando essas questões, as Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação em Medicina12 reiteram a importância das questões étnico-raciais e da história das culturas afro-brasileira e indígena na formação profissional. Esses elementos, em diálogo com a Política Nacional de Atenção Integral à População Negra10 e as demais Políticas de Promoção da Equidade em Saúde13, devem ser abordados de maneira transversal para a formação de médicas e médicos capazes de promover um cuidado em saúde equânime e antirracista, garantindo uma formação humanista, crítica, reflexiva e ética. Ademais, a efetiva operacionalização dessas ações deve ser um compromisso de educandos(as), educadores(as) e gestores(as)10), (12), (13.

Pelo exposto, o grupo de trabalho Populações (In)Visibilizadas e Diversidades da Abem ratifica a necessidade de sermos antirracistas em nossas práticas sociais, culturais, de ensino e de cuidado em saúde. Destacamos que a luta antirracista é uma responsabilidade de todas e todos, inclusive daqueles(as) que usufruem de privilégios, como a branquitude, no sistema racista. Com isso, ratificamos também o compromisso de educandos(as), educadores(as) e gestores(as) em promover os direitos humanos, a justiça social e a diversidade, reduzindo as desigualdades e disparidades em nossa cultura e sociedade. Reiteramos também nossa solidariedade às famílias e às pessoas vítimas de violência pelo racismo estrutural.

Defendemos ainda que é preciso continuar falando sobre esses temas na formação e no cuidado em saúde, com ampliação de cenários formais de ensino-aprendizagem sobre o tema e de pesquisas e ações extensionistas. Além disso, destacamos a importância de espaços acolhedores e promotores de cuidado para pessoas vítimas de violência, os quais dialoguem com as instâncias deliberativas das instituições, em especial das escolas da área da saúde. Ademais, colocamo-nos à disposição para qualificar a discussão na comunidade científica e dialogar com a sociedade civil.

Sabemos que um posicionamento escrito não cura a dor, não cessa a violência e tão pouco muda radicalmente uma cultura de séculos. Entretanto, posicionamo-nos para romper com o silêncio, somando-nos a diferentes vozes que hoje ocupam os espaços políticos da vida cotidiana, em um pedido ensurdecedor por paz e justiça. Posicionamo-nos para nos solidarizar com as pessoas e, principalmente, reforçar nosso compromisso com a qualificação do ensino, da pesquisa e da prática médicas, para que a educação médica acolha as diversidades étnico-raciais que formam o nosso país, reconheça-as e cuide delas.

Brasília, 5 junho de 2020

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todos/as os/as integrantes do grupo de trabalho Populações (In)Visibilizadas e Diversidades da Abem. Agradecemos também a todas as pessoas que de alguma forma apoiam esta luta.

REFERÊNCIAS

1. Cerqueira D, de Lima RS, Bueno S, Neme C, Ferreira H, Alves PP, et al. Atlas da violência 2019. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2019. [ Links ]

2. Reinholz F. Após 132 anos da abolição, Brasil ainda não faz a devida reparação a escravidão. Brasil de Fato: Uma Visão Popular do Brasil e do Mundo; 13 maio 2020 [acesso em 30 jun 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/05/13/apos-132-anos-da-abolicao-brasil-ainda-nao-fez-a-devida-reparacao-da-escravidao . [ Links ]

3. Borret RH, Vieira RC, de Oliveira DOPS organizadores. Orientações para favelas e periferias. 2a ed. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Grupo de Trabalho de Saúde da População Negra; 2020 [acesso em 30 jun 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.sbmfc.org.br/grupo-de-trabalho-de-saude-da-populacao-negra/ . [ Links ]

4. Almeida SL. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento; 2018. [ Links ]

5. Lopes F. Experiências desiguais ao nascer, viver, adoecer e morrer: tópicos em saúde da população negra no Brasil. 2004 [acesso em 30 jun 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/campanhas/2005/38277/projeto914bra3002.pdf . [ Links ]

6. Batista WM. A inferiorização dos negros a partir do racismo estrutural. Rev. Direito Práx. 2018;9(4):2581-89. [ Links ]

7. Razack S, Risør T, Hodges B, Steinert Y. Beyond the cultural myth of medical meroticracy. Med. educ. 2020;54:46-53. [ Links ]

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9. Romano MJ. White privilege in a white coat: how racism shaped my medical education. Ann. fam. med. 2018;16:261-3. doi: 10.1370/afm.2231. [ Links ]

10. Brasil. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política para o SUS. 3a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2017 [acesso em 30 jun 2020]. Disponível em: Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf . [ Links ]

11. Fyfe MV, Kumar S, Maini A, Horsburgh J, Golding B. Widening participation: moving from diversity to inclusion. BMJ. 2020;368:m966. doi: 10.1136/bmj.m966. [ Links ]

12. Brasil. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Brasília; 2014. [ Links ]

13. Brasil. Políticas de Promoção da Equidade em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde ; 2013. [ Links ]

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Gustavo Antonio Raimondi. Universidade Federal de Uberlândia, Avenida Pará, 1720, bloco 2U, sala 8, câmpus Umuarama, Uberlândia, MG, Brasil. CEP: 38400-902. E-mail: gustavo.raimondi@gmail.com

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Todos/as os/as autores/as contribuíram igualmente na construção do artigo.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses

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