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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.44 no.3 Rio de Janeiro  2020  Epub 01-Jul-2020

https://doi.org/10.1590/1981-5271v44.3-20190111.ing 

ARTIGO ORIGINAL

Perfil Socioeconômico e Racial de Estudantes de Medicina em uma Universidade Pública do Rio de Janeiro

Pedro Gomes Almeida de SouzaI 
http://orcid.org/0000-0002-6633-0104

Ana Carolina Carvalho de Araújo PôrtoI 
http://orcid.org/0000-0003-3068-4143

Amanda de SouzaI 
http://orcid.org/0000-0003-1906-2837

Aluísio Gomes da Silva JúniorI 
http://orcid.org/0000-0003-2445-3963

Fabiano Tonaco BorgesI 
http://orcid.org/0000-0002-7325-6360

IUniversidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.


Resumo:

Introdução:

O Brasil continua sendo um país onde persistem muitas barreiras socioeconômicas e raciais para acesso à formação médica. Ainda que o Brasil seja equivocadamente considerado uma democracia racial, pessoas negras, povos indígenas e aqueles de baixo status social são os mais afetados por tais dificuldades de acesso à universidade. As faculdades de Medicina são tradicionalmente ocupadas por grupos brancos, ricos e de classe média alta, embora 54% dos brasileiros se considerem afro-brasileiros. Para lidar com esse cenário, há, desde 2013, a reserva de 50% de todas as vagas em universidades públicas para baixa classe social, povos indígenas e pessoas negras. Nosso objetivo foi descrever o perfil socioeconômico e racial dos ingressantes de uma faculdade de Medicina da Região Sudeste ao longo de cinco anos, analisando as relações entre a estrutura segregacionista brasileira e as políticas de inclusão.

Método:

Um estudo censitário foi realizado abrangendo todos os grupos que entraram entre 2013 e 2017 na Faculdade de Medicina de uma universidade do Estado do Rio de Janeiro. Optamos por aplicar um questionário autoadministrado que aborda aspectos sociais, raciais, econômicos e de admissão em universidades. Os dados foram analisados por uma descrição simples das frequências e por análise bivariada.

Resultados:

Constatou-se que o perfil majoritário é branco, com renda anual superior a US$ 8.640, proveniente de escola particular, com apoio financeiro da família, ambos os pais com ensino superior e sem diferença de gênero. Quanto à inserção de pessoas não brancas no curso, o atual sistema de cotas não aumentou significativamente a presença dessas pessoas.

Conclusão:

Políticas de inclusão racial subordinadas à econômica parecem ser uma barreira à entrada de não brancos na Faculdade de Medicina, o que contribui para a desigualdade racial.

Palavras-chave: Educação; Medicina; Educação Médica; Racismo; Ações Afirmativas

Abstract:

Introduction:

There are still many economic and racial barriers for black and indigenous peoples regarding access to a university degree in Brazil. Although Brazil is mistakenly considered a racial democracy, black people, indigenous peoples and those of low social status are the most affected by such difficulties regarding access to the university. Medical schools are traditionally attended by white, wealthy and upper-middle-class groups, although 54% of Brazilians consider themselves to be African descendants. To deal with this scenario, since 2013, 50% of all vacancies in public universities have been reserved for low social classes, indigenous peoples and African descendants. Our objective was to describe the socioeconomic and racial profile of those attending a public medical school in the state of Rio de Janeiro during a five-year period, analyzing the associations between the Brazilian segregationist structure and inclusion policies.

Method:

A census study was carried out, including all groups that entered the medical school at a public university in the state of Rio de Janeiro between 2013 and 2017. We applied a self-administered questionnaire that addressed social, ethnic, economic and university admission aspects. The data were analyzed by a simple description of the frequencies and by bivariate analysis.

Results:

The results show that the majority profile is white, with an annual income higher than US$ 8,640, coming from a private school, with financial support from the family, both parents with higher education and no gender difference. As for the inclusion of non-white people into the course, the current quota system has not significantly increased their presence.

Conclusion:

We conclude that racial inclusion policies subordinated to economic ones seem to be a barrier to the entry of non-whites to medical school, contributing to racial inequality.

Keywords: Education; Medicine; Medical Education; Racism; Affirmative Actions

INTRODUÇÃO

Apesar de possuir uma posição geográfica privilegiada na América Latina e ser a nona economia mundial1, o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo2. Foi uma colônia agrária escravagista de Portugal e recebeu metade do tráfico mundial de africanos escravizados, sendo o último país das Américas a abolir a escravidão3. Mais de 25% da população brasileira era de pessoas negras escravizadas. A compreensão do sistema econômico brasileiro deve considerar seu histórico colonial e sua posição periférica na economia mundial4.

Ainda que considerado uma democracia racial5)-(8, o Brasil mantém o racismo como marco importante na estrutura socioeconômica9)-(13. O impacto da escravização de pessoas pretas e pardas permite entender raça como importante definidor da mobilidade social brasileira. Indivíduos das classes econômicas mais baixas experienciam iniquidades - relacionadas às diferenças raciais - ao buscarem oportunidades numa sociedade de livre mercado, em que prevalece a ascensão social de brancos14.

É importante ressaltar que o racismo brasileiro difere do estadunidense em que a regra da hipodescendência determina as relações sociais15), (16. Na América Latina, sobretudo no Brasil, o estímulo à mestiçagem foi um poderoso instrumento de desmobilização dos não brancos17), (18. Enquanto brancos dos elevados estratos sociais possuem os mesmos interesse e a mesma situação de classe, os demais dividem-se por questões raciais e sociais, tornando a população altamente desarticulada. É esse pequeno grupo dirigente que possui as ferramentas para escrever a história do país e sustentar seu status quo19.

Acesso à universidade e ensino médico

O Brasil sustenta um legado pós-colonial de iniquidades socioeconômicas e raciais no acesso à universidade. Postos de trabalho socialmente valorizados são perpetuadores de desigualdades e não de democratização20), (21. Isso é mais evidente em cursos de maior prestígio social, como Medicina22, tradicionalmente ocupados por brancos, ricos e de classe média alta22)-(24, apesar de 54% dos brasileiros se considerarem pretos ou pardos25. Em São Paulo, apenas 0,9% da população médica que se forma é composta de pretos ou pardos26. Por conseguinte, é possível inferir que esses profissionais não compartilham características culturais com sua população assistida.

Nos Estados Unidos, evidenciou-se que quanto maior é o percentual de profissionais não brancos numa unidade de saúde, mais culturalmente apropriado é o comportamento deles, possibilitando reduzir disparidades em saúde27. Com as Diretrizes Curriculares Nacionais para Medicina, o governo federal brasileiro entendeu que um profissional culturalmente competente forma-se exposto à diversidade28, devendo o currículo “contribuir, também, para a compreensão, interpretação, preservação, reforço, fomento e difusão das culturas nacionais e regionais, internacionais e históricas, em um contexto de pluralismo e diversidade cultural”28.

Segundo o censo da educação superior de 2016, no Brasil somente 14,05% dos docentes são pardos, e há 1,81% de pretos e 0,12% de indígenas29. Nessa situação, cabe questionarmo-nos como é possível formar profissionais culturalmente competentes se os estudantes não estão expostos à diversidade em sala de aula.

Política de ações afirmativas no ensino superior

Iniciativas para lidar com esse cenário, as cotas sociais e raciais ocorrem por pressão da sociedade civil organizada brasileira18. Desde o final dos anos 1990, os governos estaduais e federal trabalham para o desenvolvimento de políticas públicas que respondam a essa demanda social. No ano de 1999, o governo federal criou o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies)30. Em 2003, a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) iniciaram o processo de reserva de vagas para estudantes negros, indígenas e provenientes de escola pública. Essas iniciativas foram seguidas em 2005 pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em 2006 pela Universidade Estadual de São Paulo (USP), aplicando a política de reserva de vagas para todas elas31.

Na década de 2010, a esfera federal unificou os vestibulares de suas universidades por meio do Sistema de Seleção Unificada31. Dois anos após, a Lei nº 12.711/201232 definiu que as universidades públicas federais adotassem políticas de ações afirmativas garantindo acesso a grupos historicamente excluídos das universidades. Tais políticas são esforços institucionais com o objetivo de melhorar as oportunidades desses grupos socialmente excluídos33, assegurando igualdade de oportunidades, princípio básico da economia capitalista meritocrática saudável.

Políticas afirmativas originam-se no início do século XX, na Índia, pela desigualdade do sistema de castas34 e foram adotadas por mais países nos últimos 100 anos. Nos Estados Unidos, tais políticas foram iniciadas no governo Kennedy por meio da Executive Order 1092533 em 1961 que resultou no Comitê Presidencial para Igualdade nas Oportunidades de Emprego.

No Brasil, a liderança do movimento antirracista capitaneou a luta política pelo sistema de cotas raciais18. Apesar de a demanda inicial da sociedade civil organizada ser a questão racial, o debate foi atravessado por interesses conflitantes. O Estado brasileiro, ligado à elite branca e ao discurso da democracia racial, redirecionou a discussão para o viés econômico35.

Por conseguinte, a Lei n° 12.711/2012 incorporou marginalmente as ações afirmativas raciais. Nela, 50% das vagas são reservadas para estudantes de escola pública, critério principal de inclusão. Ademais, há sub-reservas específicas para pretos, pardos, indígenas, pessoas com baixa renda e deficientes físicos36. Durante os primeiros sete anos de existência, notou-se maior democratização econômica do acesso à maioria dos cursos de ensino superior20, assim como foi observado nas experiências anteriores como a da Unicamp31 e da Uerj. Nessa última, verificou-se, inclusive, um aumento de desempenho curricular associado37. Contudo, a Medicina, em específico, segue como a mais resistente à mudança e ao cumprimento do objetivo da lei, tendo seu perfil discente pouco modificado20), (22), (24.

Questão de estudo

Nossa hipótese é que a lei de políticas afirmativas no ensino superior (Lei nº 12.711/2012)36 incluiu seletivamente pessoas pobres-brancas nas escolas médicas. Se verdadeira, a lei que reduziria iniquidades raciais no acesso ao ensino médico no Brasil - por aproximar os médicos do perfil populacional brasileiro - falha em abordar o racismo estrutural da sociedade brasileira38.

Essa falha sobrepõe-se duplamente:

  • No não reconhecimento, pela população assistida, da autoridade profissional dos médicos não brancos e provenientes das classes sociais mais baixas. Lidola e Borges39 - num estudo etnográfico sobre conectividades entre médicas(os) cubanas(os) numa favela da cidade do Rio de Janeiro - observaram que os moradores não reconheciam profissionais negros, e aparentemente pobres, como legítimos de autoridade médica. Isso se daria, segundo os autores, em razão de legados pós-coloniais de assistência médica no Brasil que medeiam as relações morais e de legitimidade profissional entre a população e os profissionais de saúde.

  • Além disso, a desconexão identitária dos profissionais com a população pode acarretar o não reconhecimento de necessidades de saúde de pretos e pobres.

Ferreira Filho40 assevera a importância da empatia à beira do leito, em que as boas práticas são a essência da arte médica. O autor emprega o termo “empatia” como a capacidade de estar ciente dos sentimentos e das emoções de outrem. Por isso, a importância de compreender o racismo e a pobreza. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da População Negra41 reconheceu as iniquidades sociais e raciais no Brasil como fatores que interferem na atenção à saúde. O racismo consiste em um determinante fundamental do acesso e da qualidade nos serviços de saúde9), (42), (43. Sabe-se também que negros brasileiros experienciam menores expectativa de vida e qualidade nos indicadores de saúde44), (45.

De acordo com Batista, Monteiro e Medeiros38, o racismo está relacionado aos seguintes aspectos: qualidade do cuidado, perfis e estimativas de mortalidade infantil, sofrimentos evitáveis ou mortes precoces, taxas de mortalidade e perfis, indicadores e coeficientes de mortalidade materna. O viés racial do corpo de médicos pode, heuristicamente, ser corresponsável pelas iniquidades em saúde46)-(49.

O presente estudo é pioneiro na análise da efetividade das políticas de ações afirmativas sociais e raciais para estudantes negros e pobres em cursos de Medicina do Ocidente. O objetivo foi verificar alterações no perfil racial e social dos ingressantes desse curso nos cinco primeiros anos de implementação da política, e, para tanto, escolhemos o corpo discente da Faculdade de Medicina de uma universidade pública do estado do Rio de Janeiro.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo censitário que mobilizou duas categorias sociológicas: classe social e raça. Nossa pesquisa descreve o perfil socioeconômico e racial dos estudantes de Medicina de uma universidade pública do Rio de Janeiro, ingressantes entre 2013 e 2017, período determinado para que as universidades federais brasileiras mudassem o sistema de ampla concorrência para o de cotas sociais. Analisamos os dados a partir das categorias raça/cor e classe social de forma independente. Os participantes do censo foram todos estudantes com matrículas ativas ingressantes pelo vestibular de 2013 a 2017, como também os transferidos de outras instituições no mesmo período.

Aplicamos, entre janeiro e julho de 2018, um questionário anônimo, estruturado e autopreenchido extraído do questionário socioeconômico aplicado no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade)50 de 2015, último ano de execução do exame aos alunos de Medicina. O Enade é uma ferramenta do governo federal para avaliar o conhecimento de todos os estudantes das universidades públicas e inclui um questionário socioeconômico de caráter censitário. Escolhemos esse modelo por já ser validado e testado nacionalmente. Foram feitas pequenas adaptações para atender às variáveis elencadas na pesquisa, eliminando ou modificando questões fora do interesse do trabalho. As variáveis exploradas foram: idade, gênero, raça/cor, origem escolar no ensino médio, renda familiar, escolaridade dos pais, curso superior dos pais, contemplação por políticas de assistência e/ou permanência estudantil e situação trabalhista durante o período do curso.

Conduzimos uma análise descritiva, em que os dados foram duplamente digitados e tabulados em planilhas do Excel® (versão 2016) por diferentes membros da equipe, e as planilhas convertidas para banco de dados no IBM SPSS®. Realizamos a descrição da amostra por frequência simples em cada variável. Calculamos associações com base no teste do qui-quadrado de Pearson entre as variáveis: renda familiar mensal, receber ou não ajuda financeira da família, cor/raça, procedência escolar no ensino médio e escolaridade na família e, especificamente, dos pais.

Para proteger o anonimato coletivo dos participantes, omitimos o nome da universidade pesquisada. Os estudantes do período selecionado (2013-2017) foram contactados na época de provas, momento em que poderíamos acessar o maior número de discentes ao mesmo tempo. Obtivemos a anuência da coordenação de curso e dos professores das disciplinas em que o censo foi aplicado. O questionário foi distribuído no início das provas e recolhido anonimamente ao fim.

No que concerne às normas éticas de pesquisa em seres humanos, o estudo fundamentou-se na Resolução nº 510 do Conselho Nacional de Saúde, de 7 de abril de 2016, artigo 1o, inciso IV, que isenta pesquisa censitária em Ciências Humanas e Sociais de registro no Comitê de Ética em Pesquisa da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - sistema CEP/CONEP.

RESULTADOS

Segundo dados coletados na secretaria da Coordenação do Curso de Medicina, durante o período de aplicação dos questionários havia um total de 835 estudantes matriculados: 813 matrículas ativas e 22 inativas. Do universo de 813 estudantes com matrículas ativas, aplicaram-se 748 questionários, correspondendo a 93,1% do corpo discente. Os outros 65 não foram alcançados por encontrarem-se ausentes durante as provas. Dos alcançados, 90 questionários retornaram em branco, totalizando uma cobertura efetiva de 658 estudantes (85,4%) (dados não dispostos em tabelas).

Perfil da população

A Tabela 1 elenca as frequências relativas dos estudantes para as variáveis: faixa etária, identidade de gênero, cor/raça, conclusão de nível superior na família, escolaridade dos pais e nível de instrução paterno e materno. As 658 respostas para faixa etária demonstram que 68,4% dos alunos da amostra têm entre 25 e 30 anos. A idade variou de 18 a 41 anos, com média de 23,6 (desvio padrão = 3,1 anos). Quanto ao gênero, a pergunta foi feita por autodeclaração e aberta. Das 657 respostas válidas, 49% se identificaram com o gênero masculino e 51% com o feminino.

Tabela 1 Descrição das variáveis sociodemográficas dos alunos de uma Faculdade de Medicina do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2018 

Características estudadas n %
Faixa etária
Até 20 anos 73 11,1
De 21 a 25 anos 451 68,4
De 25 a 30 anos 111 16,8
31 anos ou mais 23 3,5
Gênero
Masculino 322 49
Feminino 335 51
Cor da pele
Branca 473 69,9
Preta 22 3,2
Amarela 18 2,7
Parda 162 23,9
Indígena 2 0,3
Escolaridade paterna
Nenhuma 2 0,3
1º segmento do ensino fundamental 50 7,4
2º segmento do ensino fundamental 40 5,9
Ensino médio regular 147 21,8
Ensino médio profissionalizante 53 7,9
Ensino superior 243 36
Pós-graduação 140 20,7
Escolaridade materna
Nenhuma 0 0
1º segmento do ensino fundamental 28 4,2
2º segmento do ensino fundamental 34 5
Ensino médio regular 129 19,4
Ensino médio profissionalizante 34 5,1
Ensino superior 267 40,1
Pós-graduação 174 26,1
Conclusão de nível superior na família
Sim 585 86,5
Não 91 13,5
Nível superior dos pais
Ambos possuem 309 46,4
Apenas um possui 201 30,2
Nenhum dos pais possui 156 23,4

Fonte: Elaborada pelos autores.

Desagregamos as 677 respostas válidas para o quesito raça/cor em cada uma das suas opções de resposta. O perfil encontrado foi de maioria branca (69,87%), seguido de pardos (23,78%), que juntos somam quase a totalidade de estudantes. Os estudantes autodeclarados pretos foram 3,2%; amarelos 2,7%; os que se declararam indígenas representam apenas 0,3% do total dos participantes. Como tal valor não se mostrou relevante estatisticamente, fizemos a opção metodológica de analisar os dados apenas com as variáveis de cor: branca, amarela, parda e preta, excluindo-se os indígenas.

Ao serem questionados se alguém na família, independentemente do grau de parentesco, havia concluído curso superior, os alunos forneceram 676 respostas, dentre as quais 86,5% foram afirmativas. Em oposição, 13,5% dos estudantes disseram que são os primeiros da família a estar numa universidade.

Para o nível de escolaridade paterna e materna, obtiveram-se 666 respostas. Os resultados foram agregados em três respostas: pai e mãe com curso superior, que correspondeu a 46,4%; somente pai ou mãe, com 30,2%; e nem pai nem mãe com terceiro grau, 23,4% dos alunos.

A Tabela 2 descreve as variáveis relacionadas à situação financeira dos alunos participantes do censo. Avaliamos renda familiar mensal, condição de moradia, situação financeira pessoal, situação de trabalho, recebimento de auxílio-permanência e recebimento de bolsa de estudos. A renda familiar mensal, em reais (R$), foi descrita em números de salários mínimos recebidos, levando-se em conta o valor nacional em 1º de janeiro de 2018, e transformados, posteriormente, para rendimento anual em dólar estadunidense (US$), com a cotação comercial de 1º de junho de 2018. De acordo com as 673 respostas obtidas, 44,3% dos participantes possuíam renda anual entre US$ 8.640,00 e US$ 28.760,00, 42,6% afirmaram que a renda era superior a US$ 28.760,00 e, apenas, 13,1% estavam na faixa de renda anual mais baixa, até US$ 8.640,00.

Tabela 2 Descrição das variáveis relacionadas à situação financeira dos alunos do curso de Medicina de uma Faculdade de Medicina do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2018. (n = 685) 

Características estudadas n %
Renda familiar anual
Até US$ 4.320,00 32 4,8
De US$ 4.320,00 a US$ 8.640,00 56 8,3
De US$ 8.640,00 a US$ 12.960,00 79 11,7
De US$ 12.960,00 a US$ 17.280,00 78 11,6
De US$ 17.280,00 a US$ 28.800,00 141 21
De US$ 28.800,00 a US$ 86.400,00 215 31,9
Acima de US$ 86.400,00 72 10,7
Situação financeira
Não tem renda e gastos financiados por programas do governo 23 3,4
Não tem renda e gastos financiados pela família 542 79,2
Tem renda, mas os gastos são financiados pela família 95 13,9
Tem renda e não preciso de ajuda 11 1,6
Tem renda e contribui com o sustento da família 10 1,5
Principal responsável pelo sustento da família 3 0,4
Situação de trabalho
Não trabalha 617 90,1
Trabalha eventualmente 35 5,1
Trabalha até 20 horas/semana 21 3,1
Trabalha de 21 a 40 horas/semana 10 1,5
Trabalha 40 horas/semana ou mais 2 0,3

Fonte: Elaborada pelos autores.

Dos 684 que responderam sobre sua situação financeira pessoal, 79,2% não têm renda própria e seus gastos são financiados pela família. Em relação à situação de trabalho, 685 respostas revelaram que 90,1% dos estudantes, no período estudado, não exerciam atividade remunerada, ocupando-se apenas dos estudos.

A Tabela 3 mostra as variáveis relacionadas à trajetória acadêmica dos alunos estudados. Observamos que 85,2% formaram-se na modalidade tradicional de ensino médio e 13% na profissionalizante (675 respostas); 60,5% em escola privada e 35,1% em escola pública (729 respostas).

Tabela 3 Descrição das variáveis relacionadas à trajetória acadêmica dos alunos do curso de Medicina de uma Faculdade de Medicina do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2018 

Características estudadas n %
Modalidade de ensino médio
Ensino médio tradicional 575 86,2
Ensino médio profissionalizante 89 13,1
Educação de Jovens e Adultos/supletivo 5 0,7
Outra modalidade 6 0,9
Tipo de escola onde cursou ensino médio
Todo em escola pública 288 35,1
Todo em escola privada 411 60,5
Todo no exterior 12 1,8
Maior parte em escola pública 18 2,7
Modalidade ingresso na universidade
Ampla concorrência 424 65,9
Escola pública 86 13,4
Escola pública e renda 48 7,5
Escola pública, renda e raça 41 6,4
Escola pública, renda e deficiência 0 0
Escola pública, renda, raça e deficiência 3 0,5
Escola pública e raça 37 5,6
Escola pública e deficiência 1 0,2
Escola pública, raça e deficiência 3 0,5

Fonte: Elaborada pelos autores.

Quanto à forma de entrada na universidade, os dados coletados foram desagregados em cada uma das modalidades de ingresso previstas pela Lei nº 12.711/1232. Das 643 respostas válidas, 65,9% apontaram ampla concorrência e 34,1% mencionaram entrada por políticas de ações afirmativas. Quando se isolou a especificação das reservas de vagas relação ao total de alunos, observamos que a maior parte entrou por ampla concorrência.

Entre os beneficiados pela reserva de vagas, as principais formas de entrada foram, em ordem decrescente: somente escola pública; escola pública com renda anual de até US$ 8.640,00; escola pública, com renda anual de até US$ 8.640,00 e negro ou indígena; escola pública e negro ou indígena, independentemente da renda.

O Gráfico 1 demonstra o perfil racial de cada uma das modalidades. Na via de ingresso por ampla concorrência, os brancos predominam com 82%; na via por escola pública, independentemente de outros fatores, verificam-se 76%, e, na via por escola pública com recorte de renda, há 71%. Nas modalidades com componente racial obrigatório, houve franco predomínio de pardos. No acesso por escola pública com recorte exclusivamente racial, 77% dos ingressantes declararam-se pardos. Com recorte racial e de renda, pardos representaram 84% das respostas. Dois dos três ingressos de pessoas com deficiência com recorte racial foram indivíduos declarados como pardos.

Gráfico 1 Distribuição da frequência absoluta de alunos segundo raça por modalidade de ingresso em uma Faculdade de Medicina do estado do Rio de Janeiro (2013-2017). Rio de Janeiro, Brasil, 2018 

Apenas dois estudantes identificaram-se como indígenas, um acessou a universidade por meio da modalidade racial exclusiva e o outro por ampla concorrência. Apenas um estudante (branco) ingressou na modalidade voltada exclusivamente para deficientes e nenhum ingressou na modalidade para deficientes subordinada à renda.

Análise comparada das categorias classe social e raça

Em relação à ajuda financeira da família, 96,5% dos alunos de ampla concorrência a recebem, em oposição a 90% dos cotistas. Entre os da ampla concorrência, 3,5% não recebem, enquanto, nos cotistas, são 10%. Ainda que a diferença seja pouca, alunos cotistas, independentemente da modalidade, têm uma proporção maior dos que não recebem ajuda. Sobre a situação financeira da família, 3,9% dos alunos de ampla concorrência têm renda anual de até US$ 8.640,00, e, no caso dos cotistas, 27,6% se enquadram nesse perfil. Dos alunos de ampla concorrência, 38,1% têm renda familiar anual entre US$ 8.640,00 e US$ 28.760,00, contra 57,6% em relação aos cotistas (Tabela 4).

Tabela 4 Associação entre as características sociodemográficas/socioeconômicas e o tipo de ingresso dos alunos de uma Faculdade de Medicina do estado do Rio de Janeiro, com base no teste do qui-quadrado de Pearson. Rio de Janeiro, 2018 

Características estudadas Tipo de ingresso p-valor
Ampla concorrência Ação afirmativa
n (%) n (%)
Tipo de ensino médio
Escola privada 385 (92,5) 0(0) <0,0001
Escola pública 31 (7,5) 217 (100,0)  
Recebe ajuda financeira da família
Sim 408 (96,5) 197 (90,0) 0,001
Não 15 (3,5) 22 (10,0)  
Renda familiar anual
Até US$ 8.640 16 (3,9) 60 (27,6) <0,0001
Entre US$ 8.640 e US$ 28.760 158 (38,1) 125 (57,6)  
Acima de US$28.760 241 (58,1) 32 (14,7)  
Recebe bolsa
Sim 170 (40,3) 72 (33,0) 0,073
Não 252 (59,7) 146 (67,0)  
Ensino superior dos pais
Ambos possuem 242 (57,9) 53 (24,7) <0,0001
Apenas um possui 121 (28,9) 71 (33,0)  
Nenhum dos dois possui 55 (13,2) 91 (42,3)  

Fonte: Elaborada pelos autores.

Dos alunos de ampla concorrência, 58,1% têm renda familiar anual acima de US$ 28.760,00, enquanto os cotistas representam 14,7%. Em relação à escolaridade dos pais, 57,9% dos alunos de ampla concorrência têm os dois pais com ensino superior; no caso dos cotistas, são 24,7%. Já 28,9% dos alunos de ampla concorrência têm só pai ou só a mãe; no caso dos cotistas, são 33%. Dos alunos de ampla concorrência, 13,2% têm pais sem terceiro grau completo; e os cotistas representam 42,3%. Dos alunos que têm os dois pais com ensino superior, os estudantes da ampla concorrência são a maioria. Dentre os estudantes em que nenhum dos pais cursou a graduação, os cotistas são a maioria (Tabela 4).

Ao compararmos os discentes segundo a raça/cor autodeclarada e a procedência do ensino médio, observamos (Tabela 5) que 73% dos alunos brancos e 81,3% dos amarelos são da escola privada. No caso de pardos e pretos, esses números são bem inferiores: 29,9% e 27,3%, respectivamente. Em relação à ajuda financeira da família, 95,1% dos alunos brancos declararam que a recebem, assim como 77,8% dos amarelos. Quanto aos pardos e pretos, 91,4% e 71,30%, respectivamente, contam com apoio da família.

Tabela 5 Associação entre as características sociodemográficas/ socioeconômicas e a cor de pele autodeclarada dos alunos de uma Faculdade de Medicina do estado do Rio de Janeiro, com base no teste do qui-quadrado de Pearson. Rio de Janeiro, 2018 

Características estudadas Raça/cor p-valor
Branca Amarela Parda Preta
n (%) n (%) n (%) n (%)
Tipo de ensino médio
Escola privada 341 (73,3) 13 (81,3) 47 (29,9) 6 (27,3) <0,0001
Escola pública 122 (26,3) 3 (18,8) 110(70,1) 16(72,7)  
Recebe ajuda financeira da família
Sim 449 (95,1) 14 (77,8) 148(91,4) 17(71,3) 0,002
Não 23 (4,9) 4 (22,2) 14 (8,9) 5 (22,7)  
Renda familiar anual
Até US$8.640 40 (8,6) 2 (11,1) 41(25,8) 4 (19,0) <0,0001
Entre US$ 8.640 e US$ 28.760 186 (39,9) 6 (33,3) 90 (56,6) 11(52,4)  
Acima de US$28.760 240 (51,5) 10 (55,6) 28 (17,6) 6 (28,6)  
Recebe bolsa
Sim 186 (39,7) 2 (12,5) 64 (40,5) 10 (45,5) 0,806
Não 282 (60,3) 14 (87,5) 94 (59,5) 12 (54,5)  
Ensino superior dos pais
Ambos possuem 251(54,0) 10(62,5) 42 (26,4) 5 (22,7) <0,0001
Apenas um possui 139(29,9) 4 (25,0) 52 (32,7) 5 (22,7)  
Nenhum dos dois possui 75 (16,1) 2 (12,5) 65 (40,9) 12 (54,5)  

Fonte: Elaborada pelos autores.

Ao desagregarmos os alunos pelas faixas de renda familiar mensal e associarmos com a cor da pele autodeclarada, percebemos que, dos alunos brancos, 8,6% têm renda familiar anual de até US$ 8.640,00; no caso dos amarelos, são 11,1%. Novamente há oposição nas comparações entre brancos e amarelos com pardos e pretos, pois 25,8% e 19%, respectivamente, estão no menor estrato de renda.

Na faixa entre US$ 8.640,00 e US$ 28.760,00, estão 39,9% dos alunos brancos; os amarelos representam 33,3%; os pardos, 56,6%; e os pretos, 52,4%. Ao avaliarmos os que têm renda superior a US$ 28.760,00, 51,5% dos brancos têm os rendimentos familiares anuais nesse estrato, e os amarelos representam 55,6%. Já os pardos são 17,6%, e os pretos, 28,6%.

Em relação à escolaridade dos pais, 54% dos brancos, 62,5% dos amarelos, 26,4% dos pardos e 22,7% dos pretos têm os dois pais com ensino superior. Dentre os brancos, 29,9% têm só o pai ou só a mãe com terceiro grau; dos alunos amarelos, 25% se enquadram nesse perfil; dos pardos, verificam-se 32,7%; e dos pretos, há 22,7%. Dos alunos brancos, 16,1% têm pais sem graduação; dos amarelos, são 12,5%; dos pardos, 40,9%; e dos pretos, 54,5%.

Dentre os alunos com pai e mãe com graduação, a maioria é formada por alunos brancos e amarelos. Entre os alunos com pai e mãe sem graduação, a maioria é formada por alunos pardos e, principalmente, pretos.

Na Tabela 5, em relação ao quesito “recebe ajuda financeira da família”, os pardos aproximam-se mais dos brancos do que dos pretos. Quanto à origem escolar do ensino médio e a escolaridade dos pais, os pardos, assim como os pretos, e diferentemente dos brancos, são em sua maioria oriundos de escola pública. O mesmo perfil se repete com a renda familiar mais baixa e com pais sem ensino superior. Ainda na Tabela 5, os dados referentes à comparação entre pretos e pardos e pardos e brancos, demonstraram que, na origem escolar, renda familiar e escolaridade dos pais, os brancos diferem, com significância estatística, dos pardos, enquanto os pretos não. O único quesito em que pardos e brancos são semelhantes é quanto à ajuda financeira da família, também não havendo diferença entre pretos e pardos. Apesar de os pretos serem o maior grupo que não recebe ajuda (quase duas vezes mais que pardos e quatro vezes mais que brancos), a maioria ainda recebe.

Análise temporal do perfil racial e econômico

Em 2013, primeiro ano de adoção total da Lei de Cotas pela universidade, dos alunos ingressantes, 26,4% eram pretos e pardos, e 73,6%, brancos e amarelos. Pelos dados da Tabela 6, notam-se redução da proporção de negros em 2014 e crescimento destes nos anos seguintes, sem significância estatística em nenhum dos anos.

Tabela 6 Evolução da quantidade de alunos em relação ao critério cor/raça que ingressaram em uma Faculdade de Medicina do estado do Rio de Janeiro entre 2013 e 2017, com base no teste do qui-quadrado de Pearson. Rio de Janeiro, 2018 

Ano de ingresso Raça/cor p-valor
Brancos e amarelos Pretos e pardos
n (%) n (%)
2013 92 (73,6) 33 (26,4)  
2014 93 (81,6) 21 (18,4) 0,141
2015 127 (77,4) 37 (22,6) 0,451
2016 81 (65,9) 42 (34,1) 0,184
2017 86 (64,7) 47 (35,3) 0,121

Fonte: Elaborada pelos autores.

Quanto à análise da renda, desde 2013 houve aumento de ingressantes com a menor faixa de renda e redução daqueles com as maiores faixas. Ainda que a diferença entre o primeiro ano de aplicação da lei e os anos de 2014 e 2015 não possua significância estatística, é possível ver uma diferença significativa nos anos de 2016 e 2017 (Tabela 7).

Tabela 7 Evolução da quantidade de alunos desagregados por renda familiar anual que ingressaram em uma Faculdade de Medicina do estado do Rio de Janeiro entre 2013 e 2017, com base no teste do qui-quadrado de Pearson. Rio de Janeiro, 2018 

Ano de ingresso Renda familiar anual (US$) p-valor
Até 8.640,00 8.640,00-28.760,00 ≥ 28.760,00
n (%) n (%) n (%)
2013 11 (8,9) 51 (41,4) 62 (50,0)  
2014 14 (12,5) 48 (42,9) 50 (44,6) 0,302
2015 11 (6,8) 76 (46,9) 75 (46,3) 0,829
2016 21 (17,5) 55 (45,9) 44 (36,7) 0,013
2017 27 (20,6) 58 (44,3) 46 (35,1) 0,003

Fonte: Elaborada pelos autores.

DISCUSSÃO

O censo evidenciou o aumento do número de alunos de ensino médio público no curso de Medicina da universidade pesquisada, entre 2013 e 2017, diferentemente do perfil racial que permaneceu majoritariamente branco. Nossos dados mostraram não haver diferença entre o perfil racial dos ingressantes por ampla concorrência e por cotas sem critério racial, contudo o censo ocorreu na transição do sistema de ampla concorrência para o de cotas, relativizando tal achado. Aqui o principal é compreender que ações afirmativas de cunho estritamente social não aumentam, tacitamente, a quantidade de alunos negros e indígenas. Uma possível leitura dos dados produzidos neste estudo dá-se pela literatura que suporta a independência do conceito de raça em relação ao de classe social10), (11), (18), (51. Nesse sentido, discutiremos, a partir dos dados, a distinção entre as duas categorias.

Constatamos, nas tabelas 1 e 2, o perfil prevalente entre os estudantes de Medicina no Brasil: brancos, com alta renda familiar, pais com escolaridade superior, oriundos de escola particular e que não trabalham durante o curso, sendo custeados pela família, semelhante ao descrito na literatura nacional e estadunidense20), (52.

Metade dos brasileiros vivia com menos de US$ 2.897,00 anuais; a renda média anual dos domicílios brasileiros, em 2015, foi de US$ 9.853,0053. Porém, nas extremidades observarmos o perfil de econômico da medicina, o número de estudantes cuja renda familiar estava US$ 8.640,00 a US$ 12.960,00 anuais, valor próximo da média brasileira, é praticamente igual aos que vivem com renda anual acima de US$ 86.400,00. Sua maior parte possui renda domiciliar anual maior que US$ 28.800,00, quase três vezes maior que a renda média do país. Ristoff24 afirma que o estudante de Medicina brasileiro é, em média, seis vezes mais rico do que a população nacional.

Ao associarmos variáveis socioeconômicas às raciais, os alunos autodeclarados pardos e pretos possuem condições semelhantes entre si, inferiores ao conjunto dos brancos. Entre os alunos pretos e pardos, estão as maiores proporções de alunos oriundos de escola pública (126 contra 122 brancos) e pais com baixa escolaridade (54,5% e 40,9% sem pais com ensino superior contra 16,1% dos brancos), em acordo com o evidenciado pela realidade nacional25), (53)-(55.

Henriques56 evidenciou que, dentre os 10% mais pobres da população brasileira, 70% são negros. Já entre os 10% mais ricos, há somente 15% de negros contra 85% de brancos. Em relação às condições de moradia, os negros apresentam piores condições que os brancos: são os que mais vivem em terrenos impróprios, com maior densidade de moradores, abastecimento de água inadequado e menos saneamento básico. Mais da metade dos pretos e pardos encontram-se na faixa de US$ 8.640,00 e US$ 28.760,00, enquanto é na faixa acima de US$ 28.760,00 anuais que se concentra mais da metade dos brancos.

Quanto à escolaridade, as desigualdades se agravam no ensino superior57 e na pós-graduação52), (57. Santos58 e Scheffer, Guilloux, Poz e Schraiber52 demonstram que, nos cursos de mestrado e doutorado, os brancos detêm 86% das vagas. Apesar da tendência ao aumento de alunos negros nas universidades, por conta das políticas de ações afirmativas, há maior acesso de homens negros em detrimento de mulheres negras57. Para além do racismo, o sexismo também atua como fator de hierarquização social associada à vulnerabilidade em saúde59.

De modo geral, a maioria dos estudantes respondentes ao nosso censo não trabalha (90,1%) nem possui renda formal própria, sendo financiados pela família (79,2%), evidenciando que, para cursar Medicina, é necessário um investimento financeiro que muitas famílias não conseguem fazer, legitimando a existência de exclusão por critérios socioeconômicos. Porém, nesse contexto de desigualdade estrutural, sustentamos que a situação de estudantes pretos e pardos é socialmente mais grave que a dos brancos.

Quando analisam as formas de entrada dos participantes do censo, a maioria dos ingressantes pela ampla concorrência são brancos (82%), assim como nas modalidades de cotas sem o fator cor/raça associado à procedência de escola pública (76% para escola pública, independentemente da renda, e 71% na pública, dependentemente de renda). Pretos e pardos só são maioria quando a reserva de vagas considera o critério racial. As cotas exclusivamente socioeconômicas aparentam ser ineficazes para a inclusão de negros, negras e indígenas no curso de Medicina.

Visto que a maioria dos alunos da ampla concorrência é branca, se a política de ações afirmativas não existisse, provavelmente a proporção de estudantes pretos, pardos e indígenas seria ainda menor. O mesmo pode ser dito em relação a estudantes mais pobres, minoria entre os da ampla concorrência: apenas 3,9% destes pertencem à faixa de renda anual até US$ 8.640,00; já entre os cotistas, essa faixa representa 20,6%.

Associado a essas informações, o Gráfico 1 permite-nos associar à teoria de que a eliminação das desigualdades raciais não depende de políticas universais60, como as que englobam apenas critérios de renda e origem escolar. Há necessidade de políticas específicas para pretos, pardos e indígenas. Os resultados das tabelas 5 e 7 corroboram esse posicionamento: nos cinco anos de ações afirmativas universais, ocorreram mudanças significativas no perfil econômico nos anos de 2016 (p = 0,013) e 2017 (p = 0,003) quando comparados com 2013. Entretanto, poucas foram as alterações no perfil racial.

Tal aumento de representatividade de pretos e pardos ocorreu devido às cotas com algum critério racial e à maior oferta de vagas. Valverde e Stocco57 negaram a ideia de mudanças estruturais na sociedade brasileira e em suas relações raciais. À sua época, argumentavam pela necessidade de medidas inclusivas essencialmente raciais, não subordinadas aos critérios socioeconômicos como a origem educacional no sistema público, diferentemente do assentado na Lei nº 1.711/201236.

Esse debate em torno de medidas sociais amplas em detrimento das políticas afirmativas de cunho racial torna-se especialmente perigoso quando surge em perspectiva silenciadora. O pressuposto de que a melhoria do ensino básico público e da distribuição de renda resolveria o acesso da população negra a locais em que ela é historicamente marginalizada desconsidera o critério racial como um produtor de desigualdades61. Assim como Heringer62 e Valverde e Stocco57, entendemos a reserva de vagas para não brancos nas universidades como estratégia para que essa população acesse espaços de poder, levando outra ótica sobre os problemas do Brasil.

CONCLUSÃO

Com base nos nossos dados, concluímos que, no caso concreto, o sistema de cotas de acesso à universidade com base na subordinação da categoria raça/cor à classe social apresentou-se falho em incluir não brancos no curso de Medicina analisado, confirmando nossa hipótese. Nossos dados corroboram a independência das duas categorias para que se cumpram os objetivos enunciados pela Lei nº 12.71136 concernente à correção de racismo estrutural no acesso ao ensino superior, especialmente a Medicina.

Contudo, destacamos as limitações em nossa pesquisa. No Brasil, a definição de raça passa por um imaginário coletivo, além de ligar-se intrinsecamente a questões subjetivas63. Mesmo não havendo discrepância no uso de auto ou heteroatribuição racial64, qualquer análise será atravessada pela subjetividade não quantificável, e dificilmente identificável, de quem atribui.

Ao utilizarmos métodos de aquisição de dados autopreenchíveis, sistemas de auto heteroatribuição podem sofrer vieses quando a resposta dada garantirá acesso a políticas públicas, beneficiadoras de um ou outro grupo65. Logo, sem critérios objetivos ou controle institucional para o ingresso e a declaração ao censo, os candidatos estão livres para responder inconsistentemente com seu fenótipo visando a uma vaga no curso de Medicina.

Para avançar essa discussão, são necessários mais estudos principalmente sobre os impactos dos processos de auto e heteroatribuição racial no ingresso ao ensino superior. Sustentamos que o debate da construção social das raças brasileiras não seja exclusividade das ciências sociais stricto sensu, mas que os determinantes sociorraciais componham pesquisas em outras áreas.

Recomendamos aos cursos da área da saúde que identifiquem o perfil de seus estudantes e graduados. Informações dos perfis socioeconômico, racial e cultural dos profissionais formados pelas universidades trazem novas dimensões na avaliação dos resultados de projetos pedagógicos e currículos. Conhecer o perfil do egresso possibilita que, pelo menos na saúde, seus serviços estejam mais alinhados com a demanda dos usuários do sistema público de saúde.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na forma de bolsa de iniciação científica e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) pelo auxílio-pesquisa: Processo nº E-26/200.991/2017.

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Recebido: 16 de Março de 2020; Aceito: 17 de Maio de 2020

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Pedro Gomes Almeida de Souza. Rua Marquês do Paraná, 303, Hospital Antônio Pedro, Prédio Anexo, 4 º andar, Centro, Niterói, RJ, Brasil. CEP: 24030-2100. E-mail: pgasouza@id.uff.br

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Os autores contribuíram igualmente nas fases de pesquisa, análise de dados e escrita do artigo.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses neste estudo.

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