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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.44 no.4 Rio de Janeiro  2020  Epub 21-Out-2020

https://doi.org/10.1590/1981-5271v44.4-20200115.ing 

ARTIGO ORIGINAL

Aplicação do PBL Clínico na Atenção Primária em Cursos de Medicina

Gustavo Salata RomãoI 
http://orcid.org/0000-0001-7571-1067

Reinaldo Bulgarelli BestettiI 
http://orcid.org/0000-0002-4488-9601

Lucélio Bernardes CoutoI 
http://orcid.org/0000-0002-9549-7739

IUniversidade de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil.


Resumo:

Introdução:

A aprendizagem baseada em problemas (do inglês problem-based learning - PBL) é um método de aprendizagem colaborativa para pequenos grupos, centrado no estudante, fundamentado na mobilização de conhecimentos prévios e no raciocínio crítico para a solução de problemas. Embora tenha sido utilizado predominantemente em sala de aula, quando aplicado em estágios clínicos, o PBL pode aumentar a motivação intrínseca e a retenção de conhecimento em longo prazo pelos estudantes. Além disso, o PBL clínico pode representar uma opção mais efetiva de aprendizado a partir da prática ante a sobrecarga de alunos nos estágios clínicos no Sistema Único de Saúde. Este estudo teve por objetivo avaliar a percepção dos estudantes sobre um modelo de PBL clínico implementado em estágios de atenção primária à saúde (APS) no pré-internato do curso de Medicina da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp) em 2017.

Método:

O desfecho primário foi avaliado por meio do instrumento Dundee Ready Educational Environment Measure (DREEM), que contém 50 itens distribuídos em cinco dimensões. O questionário foi aplicado a 374 alunos de Medicina que correspondem a 78% do total de estudantes do pré-internato.

Resultados:

Para a maioria dos itens avaliados, a percepção dos foi “positiva”, incluindo as dimensões “percepção dos professores”, “percepção dos resultados acadêmicos” e “percepção do ambiente geral”. Para as dimensões “percepção da aprendizagem” e “percepção das relações sociais”, a avaliação foi “mais positiva do que negativa”. O escore total das respostas foi de 124,31, correspondendo a 62,15% do escore máximo, o que indica uma percepção “mais positiva do que negativa” sobre a atividade. A consistência interna dada pelo alfa de Cronbach foi de 0,92.

Conclusão:

O uso do PBL clínico em APS qualifica o aprendizado a partir da prática, é bem-aceito pelos estudantes de Medicina e oferece uma opção viável à sobrecarga de alunos em estágios clínicos do pré-internato.

Palavras-chave: Aprendizagem Baseada em Problemas; Atenção Primária à Saúde; Estágio Clínico; Ensino; Percepção; Estudantes de Medicina; Educação de Graduação em Medicina; Educação Médica

Abstract:

Introduction:

Problem-based learning (PBL) is a collaborative student-centered learning method for small groups, based on the mobilization of previous knowledge and on critical reasoning for problem solving. Although it has been used predominantly in the classroom, when applied in clinical studies, PBL can increase the intrinsic motivation and long-term knowledge retention. In addition, Clinical PBL represents a more effective option to learn from practice considering the students’ overload in clinical clerkships in the Unified Health System (UHS). This study aimed to assess the students’ perception of a Clinical PBL model implemented in Primary Health Care (PHC) clerkships during the first four years of the Medical Course at the University of Ribeirão Preto (UNAERP) in 2017.

Method:

The primary outcome was assessed by the DREEM (Dundee Ready Educational Environment Measure) tool, which contains 50 items distributed in five dimensions. The questionnaire was applied to 374 medical students, corresponding to 78% of the total number of medical students from the first to the fourth year.

Results:

For most of the evaluated items, the students’ perceptions were “positive”, including the dimensions “Perception of Teachers”, “Perception of Academic Results” and “Perception of the General Environment”. For the dimensions “Perception of Learning” and “Perception of Social Relationships” the evaluation was “more positive than negative”. The DREEM total score was 124.31, corresponding to 62.15% of the maximum score, which indicates a perception that is “more positive than negative” regarding the Clinical PBL. The internal consistency given by Cronbach’s alpha was 0.92.

Conclusion:

The use of Clinical PBL in PHC qualifies learning from practice, is well accepted by medical students and offers a useful option to the students’ overload in the clinical clerkship during the first four years of the Medical School.

Keywords: Problem-Based Learning; Primary Health Care; Clinical Clerkship; Teaching; Perception; Medical Students; Undergraduate Medical Education; Medical Education

INTRODUÇÃO

O problem-based learning (PBL) é um método de aprendizagem colaborativa para pequenos grupos, centrado no estudante e baseado nas teorias construtivista e hipotético-dedutiva1. Descrito por Neufeld e Barrows2 em 1974 e aplicado pela primeira vez na Universidade McMaster, o PBL teve sua concepção fundamentada no desapontamento dos estudantes diante de uma formação médica fragmentada e uma crescente sobrecarga de informação científica pouco aplicável à prática clínica3. Para Barrows, o ensino da Medicina deveria ser fundamentado no raciocínio clínico e na solução de problemas médicos autênticos, em vez de apresentar informações descontextualizadas da prática e baseadas em disciplinas3),(4.

No PBL, situações-problema são apresentadas e discutidas em pequenos grupos de oito a dez estudantes sob a supervisão de um facilitador, cujo papel principal é promover interações e envolver os estudantes em todo o processo de aprendizagem5. Os sete passos clássicos descritos por Henk Schmidt5 para o método PBL são: 1. O esclarecimento de termos desconhecidos, 2. A identificação dos problemas, 3. a discussão baseada nos conhecimentos prévios, 4. o resumo e as hipóteses geradas a partir da discussão, 5. a formulação dos objetivos de aprendizagem a partir das lacunas de conhecimento, 6. a busca por informações por meio de estudo autodirigido e 7. a rediscussão e resolução do caso pela integração dos novos saberes. No primeiro encontro (ou sessão de abertura), a situação-problema é apresentada e são desenvolvidos os cinco primeiros passos. No segundo encontro (ou sessão de fechamento) que ocorre após o estudo autodirigido, é desenvolvido o sétimo passo. As situações-problema podem corresponder a casos clínicos3 ou a fenômenos biomédicos5.

O PBL é tradicionalmente restrito às salas de aula e aos anos iniciais dos cursos, em que se utilizam casos clínicos fictícios, e há poucos relatos sobre o seu uso na discussão de atendimentos a pacientes reais6. Na tentativa de favorecer a utilização dessa metodologia no ensino clínico, diversas adaptações têm sido descritas na literatura mundial, sendo o PBL clínico uma delas. Segundo Macallan, Kent et al.6, o PBL clínico é um modelo de ensino-aprendizado que compartilha a mesma base teórica do PBL, mas difere em alguns aspectos fundamentais:

  • É baseado no atendimento realizado pelo estudante nos cenários de prática.

  • O estudante que realizou o atendimento faz o relato do caso e o apresenta ao grupo na sessão de abertura. Esse relato será o disparador dos objetivos de aprendizagem do grupo.

  • As discussões em grupo concentram-se no raciocínio clínico e na abordagem do paciente.

  • No primeiro encontro, o docente atua como facilitador da aprendizagem e, no segundo encontro, após o período de estudo autodirigido, assume o papel de especialista.

O uso de casos clínicos no PBL, além de aumentar a motivação intrínseca dos estudantes, contribui para a retenção de conhecimento em longo prazo por meio de redes de memória específica que se desenvolvem a partir do contexto em que um determinado conjunto de informações foi aplicado (dependência contextual da aprendizagem)5. Por isso, é desejável que a construção do conhecimento seja fortemente ligada ao seu contexto de aplicação e que os casos clínicos utilizados nas sessões de abertura do PBL sejam os mais autênticos possíveis7.

Com um número crescente de estudantes de Medicina no Brasil e espaços cada vez mais restritos para a aprendizagem da prática profissional, a estruturação dos estágios clínicos do pré-internato como a atenção primária à saúde (APS) representa um grande desafio aos professores e gestores. Diante dessas dificuldades, são oportunas as estratégias que visem ao maior aproveitamento possível dos casos atendidos na prática por meio de metodologias de aprendizagem potentes, como o PBL, e promovam a aquisição das habilidades essenciais, como raciocínio clínico, formulação diagnóstica e elaboração de planos de cuidado, a partir das vivências dos alunos nesses estágios8.

Em face desses desafios, em 2016 foi conduzido um estudo-piloto em que se utilizou um modelo de PBL clínico aplicado a 60 estudantes da sétima etapa do curso de Medicina da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). Diante da percepção positiva dos estudantes sobre a atividade, os professores e gestores do curso foram consultados sobre a possibilidade de implementação dessa estratégia nos estágios clínicos em APS no pré-internato. A proposta foi aprovada por todos, e, a partir de uma reforma curricular, implementou-se, em 2017, o PBL clínico no curso de Medicina da Unaerp9.

Este estudo teve como objetivo avaliar as percepções dos estudantes de Medicina sobre o uso do PBL clínico na APS, bem como avaliar a aplicabilidade, as vantagens e as limitações dessa estratégia.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de avaliação do impacto de uma intervenção educacional (PBL clínico), no ensino de APS no curso de Medicina da Unaerp, realizado entre janeiro e março 2018, cujo projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê Institucional de Ética em Pesquisa (CIEE), parecer nº 67795717.9.0000.5498.

Contexto

No curso de Medicina da Unaerp, o método PBL vem sendo utilizado desde 2002 para o aprendizado cognitivo dos alunos no pré-internato10. O módulo de Ensino em APS é desenvolvido nos sete semestres iniciais (da primeira à sétima etapa) do curso de Medicina da Unaerp, com carga total de 742 horas, distribuídas entre atividades práticas e teórico-práticas em pequenos grupos de oito a dez alunos. Ao longo das sete etapas, os estudantes são inseridos em ambientes da prática profissional em APS que incluem domicílios, unidades básicas de saúde (UBS) e unidades de saúde da família (USF), onde realizam atividades em níveis crescentes de complexidade sob a supervisão de docentes. Na primeira, segunda, terceira e quarta etapas, são realizadas visitas domiciliares (VD) com ênfase na saúde ambiental, saúde do adulto, saúde da criança e saúde da mulher, respectivamente. Nas diversas microáreas, as VD são apoiadas por agentes comunitárias de saúde. Na quinta, sexta e sétima etapas, são realizados atendimentos individuais em consultórios nas UBS e USF com ênfase na saúde do adulto, saúde mental e saúde da mulher, respectivamente10.

Intervenção educacional

Em fevereiro de 2017, o modelo final do PBL clínico foi implementado no ensino de APS da primeira à sétima etapa do curso de Medicina da Unaerp. Para se obter aprendizagem significativa a partir da prática, estruturou-se o PBL clínico para que as discussões fossem baseadas nos atendimentos e VD realizadas pelos estudantes. Paralelamente às atividades desenvolvidas em UBS e USF, as sessões de abertura e fechamento do PBL clínico são realizadas em salas de aula na universidade, com os mesmos grupos de oito a dez estudantes que atuam nos cenários de prática, sob supervisão de um docente facilitador. A sessão de abertura segue os cinco primeiros passos clássicos do PBL, e os elementos disparadores da discussão correspondem aos registros de atendimentos e VD realizadas pelos próprios estudantes. Em cada sessão de abertura, é apresentado o relato ou registro de pelo menos um atendimento ou uma VD realizados por dois a três estudantes, de tal forma que, ao final do semestre letivo, todos os discentes de um pequeno grupo tenham apresentado e discutido pelo menos um dos casos clínicos ou uma VD que acompanham no ambiente de prática. Ao final dessa sessão, são identificadas as lacunas de conhecimento e estabelecidos os objetivos de aprendizagem.

Após um período de uma a duas semanas de estudo autodirigido, os estudantes retornam para a sessão de fechamento sob a supervisão do mesmo facilitador. Essa segunda sessão se inicia com a aplicação de um teste de múltipla escolha para a verificação do conhecimento adquirido sobre os objetivos de aprendizagem (pré-teste). A seguir, realiza-se a discussão em pequeno grupo para que os estudantes compartilhem os novos saberes entre si, o que corresponde ao sétimo passo do PBL. Ao final da sessão, os casos clínicos ou de VD são reapresentados, as necessidades de saúde são identificadas e um plano de cuidados é estabelecido para cada caso, à luz dos novos conhecimentos. Este último corresponde ao oitavo passo, por nós acrescentado ao PBL, para sua melhor adaptação ao uso clínico. Na semana seguinte à sessão de fechamento, os estudantes retornam às UBS e USF, e o plano de cuidados produzido é discutido com a equipe de saúde local para ser posteriormente aplicado em benefício dos pacientes e das famílias. Cada ciclo pedagógico do PBL Cínico inclui um atendimento ou uma VD inicial nos ambientes de prática, uma sessão de abertura, uma sessão de fechamento e um atendimento ou uma VD de retorno, no qual será aplicado o plano de cuidados. Ao longo de cada semestre letivo, são desenvolvidos dois ou três ciclos pedagógicos do PBL clínico. Para a avaliação dos estudantes nos ciclos pedagógicos do PBL clínico, consideram-se a postura e o interesse durante as consultas e VD, a qualidade dos relatos e registros apresentados, a participação nas sessões de abertura e fechamento e o desempenho nos pré-testes. Todos os professores envolvidos nessa atividade foram capacitados no método PBL antes do início do semestre letivo.

Amostra e população do estudo

A população de estudo incluiu 480 estudantes regularmente matriculados da primeira à sétima etapa do curso de Medicina da Unaerp em janeiro de 2018, um ano após a implementação do PBL clínico na APS. Utilizou-se uma amostragem não probabilística de conveniência, e todos foram convidados a participar. O convite foi feito pelos professores durante a apresentação do semestre letivo, e fez-se a inclusão no estudo mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos participantes. Excluíram-se do estudo os estudantes não matriculados no módulo de Ensino em APS, os faltosos no dia do preenchimento do TCLE e aqueles que não concordassem livremente em participar dele.

Avaliação da percepção dos estudantes

A percepção dos estudantes de Medicina sobre o uso do PBL clínico em APS foi avaliada por meio da aplicação da versão validada para o português do questionário Dundee Ready Educational Environment Measure (DREEM)11. O questionário DREEM é internacionalmente reconhecido como um instrumento válido e confiável para avaliar percepções de estudantes de Medicina sobre os ambientes educacionais12)-(14. Tem sido utilizado para avaliar o impacto de novas intervenções sobre esses ambientes, permitindo a identificação dos aspectos positivos e das fragilidades por meio de feedback estruturado15. Adicionalmente, possibilita a análise padronizada entre diferentes atividades e cenários15. O instrumento é composto por 50 itens que avaliam cinco dimensões relacionadas ao ambiente educacional: percepção da aprendizagem (12 itens), percepção dos professores (11 itens), percepção dos resultados acadêmicos (oito itens), percepção do ambiente geral (12 itens) e percepção das relações sociais (sete itens). Cada item é avaliado em escala Likert de cinco pontos, sendo “0 = discordo totalmente”, “1 = discordo parcialmente”, “2 = não concordo nem discordo”, “3 = concordo parcialmente” e “4 = concordo totalmente”. Existem nove itens negativos, cujos escores devem ser analisados de forma reversa13.

Procedimentos de análise

A análise dos resultados baseou-se na pontuação média em cada item, na soma dos escores para cada dimensão e no escore total do instrumento. Para a análise de cada item, considerou-se a seguinte pontuação média: ≥ 3,5 = altamente satisfatória, entre 2 e 3,5 = satisfatória e ≤ 2,0 = insatisfatória16. Para efeitos de apresentação e análise dos resultados, a pontuação nos itens negativos (4, 8, 9, 17, 25, 35, 39, 48 e 50) foi invertida.

A soma dos escores obtida em cada dimensão foi analisada de acordo com os critérios utilizados por Jiffry, McAleer et al.17. O escore total obtido na aplicação do instrumento foi analisado de acordo com Edgren, Haffling et al.18 em relação ao valor máximo de 200, e quanto mais o escore de uma atividade se aproxima desse valor, mais positiva é a percepção dela.

A consistência interna foi analisada por meio do coeficiente alfa de Cronbach, considerando-se valores aceitáveis entre 0,7 e 0,95 para confiabilidade19.

RESULTADOS

Dentre os 480 estudantes recrutados, 374 (78%) responderam ao questionário DREEM. A média da idade dos respondentes foi de 21,7 anos, sendo 242 (64,7%) do sexo feminino com representantes de todas as etapas do curso.

Na Tabela 1, são apresentadas as pontuações médias dos itens para a dimensão “percepção da aprendizagem”. A pontuação dos itens 25 e 48 foi invertida. De acordo com os critérios estabelecidos, a percepção dos estudantes foi “satisfatória” para a maioria dos itens dessa dimensão, com exceção dos itens 7, 20 e 24 cuja percepção foi “insatisfatória”. Entre os aspectos positivos, merece destaque o fato de que a metodologia é centrada no estudante (2,54) e não no professor (2,74), tendo como propósito o desenvolvimento de competências (2,30) e autoconfiança (2,08) por meio do autoaprendizado (2,28) e da educação continuada (2,38). Os objetivos são claros (2,11), e os alunos são estimulados a participar das atividades (2,26). Alguns aspectos sugeriram atenção e melhorias como o fato de que nem sempre a atividade é estimulante (1,69), coesa e focada (1,72), e nem sempre o tempo a ela destinado é bem aproveitado (1,45). O escore total nessa dimensão foi 25,6 em um valor máximo de 48. De acordo com os critérios estabelecidos, a percepção dos estudantes para a dimensão “percepção da aprendizagem” foi “mais positiva do que negativa”.

Tabela 1 Pontuação dos itens na dimensão “Percepção da Aprendizagem” do questionário DREEM 

Ordem Item Pontuação
1. Sou estimulado(a) a participar das atividades. 2,26
7. A metodologia de ensino adotada é frequentemente estimulante. 1,69
13. A metodologia de ensino é centrada no estudante (mais autoaprendizado). 2,54
16. A metodologia de ensino se preocupa em desenvolver minha competência. 2,30
20. A metodologia de ensino é bastante coesa e focada. 1,72
22. A metodologia de ensino se preocupa em desenvolver minha confiança. 2,08
24. O tempo das atividades é bem utilizado. 1,45
25. A metodologia de ensino enfatiza muito o aprendizado de fatos memorizáveis. 2,05
38. Tenho certeza sobre os objetivos desta atividade. 2,11
44. A metodologia de ensino me encoraja a buscar meu próprio aprendizado. 2,28
47. A importância da educação continuada é enfatizada. 2,38
48. A metodologia de ensino é centrada no professor. 2,74
Escore obtido 25,6

Fonte: Elaborada pelos autores.

Na Tabela 2, são apresentadas as pontuações médias dos itens para a dimensão “percepção dos professores”. A pontuação dos itens 8, 9, 39 e 50 foi invertida. De acordo com os critérios estabelecidos, a percepção dos estudantes foi “satisfatória” para todos os itens dessa dimensão. Alguns aspectos merecem destaque, especialmente aqueles relacionados ao perfil e à postura do corpo docente. Segundo as percepções dos estudantes, os professores se mostram respeitosos e atenciosos com os estudantes (3,14) e pacientes (3,27), com os quais estabelecem boa comunicação (3,22). Apresentam-se suficientemente preparados e capacitados para o desenvolvimento das atividades (2,70), sendo possível compreender o seu papel (2,45). Facilitam e supervisionam as atividades de forma serena (2,84) e equilibrada (2,88), fornecendo feedback qualificado (2,72) e críticas construtivas aos estudantes (2,75). O escore total nessa dimensão foi 31,3 em um valor máximo de 44. De acordo com os critérios estabelecidos, a percepção dos estudantes para a dimensão “percepção dos professores” foi “positiva”.

Tabela 2 Pontuação dos itens na dimensão “Percepção dos Professores” do questionário DREEM 

Ordem Item Pontuação
2. É possível entender os facilitadores em suas atividades. 2,45
6. Os preceptores da prática têm se mostrado pacientes com os usuários e seus familiares. 3,27
8. Os facilitadores ridicularizam os estudantes. 3,14
9. Os facilitadores são autoritários. 2,84
18. Os preceptores da prática conseguem se comunicar bem com pacientes e seus familiares. 3,22
29. Os facilitadores dão um bom feedback aos estudantes. 2,72
32. Os facilitadores nos dão críticas construtivas. 2,75
37. Os facilitadores dão exemplos muito claros. 2,66
39. Os facilitadores ficam nervosos durante a atividade. 2,88
40. Os facilitadores são bem preparados para a atividade. 2,70
50. Os estudantes irritam os professores. 2,67
Escore obtido 31,3

Fonte: Elaborada pelos autores.

Na Tabela 3, são apresentadas as pontuações médias dos itens para a dimensão “percepção dos resultados acadêmicos”. De acordo com os critérios estabelecidos, a percepção dos estudantes foi “satisfatória” para todos os itens dessa dimensão. Segundo as percepções dos alunos, a atividade é significativa para a formação médica (2,80), fornece um preparo adequado para a profissão (2,51) e promove o desenvolvimento de habilidades para o relacionamento interpessoal (2,64) e para a solução de problemas (2,55). Há continuidade do aprendizado entre os semestres letivos (2,15) e confiança na aprovação semestral por parte da maioria (2,93). O escore total nessa dimensão foi 19,73 em um valor máximo de 32. De acordo com os critérios estabelecidos, a percepção dos estudantes para a dimensão “percepção dos resultados acadêmicos” foi “positiva”.

Tabela 3 Pontuação dos itens na dimensão “Percepção dos Resultados Acadêmicos” do questionário DREEM 

Ordem Item Pontuação
5. Como estudava antes também funciona neste curso. 2,12
10. Estou confiante que vou ser aprovado neste semestre. 2,93
21. Sinto que venho sendo bem preparado(a) para a profissão. 2,51
26. A metodologia de ensino do semestre anterior me preparou bem para este semestre. 2,15
27. Tenho boa capacidade de memória para tudo que preciso. 2,03
31. Aprendi muito sobre relacionamento pessoal nesta atividade. 2,64
41. A busca de soluções tem sido desenvolvida nesta atividade. 2,55
45. Muito do que tenho visto parece importante para medicina. 2,80
Escore obtido 19,73

Fonte: Elaborada pelos autores.

Na Tabela 4, são apresentadas as pontuações médias dos itens para a dimensão “percepção do ambiente geral”. A pontuação dos itens 17 e 35 foi invertida. De acordo com os critérios estabelecidos, a percepção dos estudantes foi “satisfatória” para todos os itens dessa dimensão. Merece destaque o fato de que a atividade se desenvolve em um ambiente tranquilo nos cenários de prática (2,35), na abertura (2,87) e no fechamento dos casos (2,76), propiciando satisfação (2,23) e estímulo ao aprendizado (2,21) e a prática de relacionamento interpessoal (2,84). Os estudantes se sentem confortáveis (2,51) e à vontade para esclarecer suas dúvidas (2,71). O escore total nessa dimensão foi 30,63 em um valor máximo de 48. De acordo com os critérios estabelecidos, a percepção dos estudantes para a dimensão “percepção do ambiente geral” foi “positiva”.

Tabela 4 Pontuação dos itens na dimensão “Percepção do Ambiente Geral” do questionário DREEM 

Ordem Item Pontuação
11. O ambiente é tranquilo durante a prática. 2,35
12. Esta atividade é bastante pontual (pontualidade). 2,22
17. A prática de colar em provas é comum nesta atividade. 2,98
23. O ambiente é tranquilo durante as atividades de abertura de casos. 2,87
30. Tenho oportunidade de desenvolver prática de relacionamento pessoal. 2,84
33. Me sinto confortável nas aulas. 2,51
34. O ambiente é tranquilo durante atividades de fechamento. 2,76
35. Tenho achado minha experiência aqui desapontadora. 2,4
36. Tenho boa capacidade de concentração. 2,55
42. A satisfação é maior do que o estresse de estudar medicina. 2,23
43. O ambiente me estimula a aprender. 2,21
49. Me sinto à vontade para perguntar o que quero. 2,71
Escore obtido 30,63

Fonte: Elaborada pelos autores.

Na Tabela 5, são apresentadas as pontuações médias dos itens para a dimensão “percepção das relações sociais”. A pontuação do item 4 foi invertida. De acordo com os critérios estabelecidos, a percepção dos estudantes foi “satisfatória” para a maioria dos itens dessa dimensão, com exceção dos itens 3 e 14 cuja percepção foi “insatisfatória”. Entre os aspectos positivos, merecem destaque as boas condições de moradia (3,47), a vida social (2,69) e as amizades estabelecidas na faculdade (3,28). Alguns aspectos sugeriram atenção e melhorias, como o anseio por um bom programa de apoio aos estudantes estressados (0,69) e maior estímulo para o desenvolvimento da atividade (1,42). O escore total nessa dimensão foi 17,05 em um valor máximo de 28. De acordo com os critérios estabelecidos, a percepção dos estudantes para a dimensão “percepção das relações sociais” foi “mais positiva do que negativa”.

Tabela 5 Pontuação dos itens na dimensão “Percepção das Relações Sociais” do questionário DREEM 

Ordem Item Pontuação
3. Existe um bom programa de apoio para estudantes estressados. 0,69
4. Tenho estado muito cansado(a) para aproveitar esta atividade. 2,05
14. Raramente me sinto desestimulado(a) nesta atividade. 1,42
15. Tenho bons amigos(as) na faculdade 3,28
19. Minha vida social é boa. 2,69
28. Raramente me sinto sozinho(a). 2,29
46. Moro em um lugar confortável. 3,47
Escore obtido 17,05

Fonte: Elaborada pelos autores.

O escore total das respostas ao questionário DREEM foi 124,31, correspondendo a 62,15% do escore máximo de 200 pontos. De acordo com os critérios estabelecidos, a percepção dos estudantes para essa atividade foi “mais positiva do que negativa”. A consistência interna das respostas ao instrumento analisada por meio do alfa de Cronbach foi de 0,92.

DISCUSSÃO

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) preveem a inserção dos estudantes de Medicina em ambientes da prática profissional no Sistema Único de Saúde (SUS) desde o início do curso20. Nos primeiros anos, muitos estágios clínicos são desenvolvidos em ambientes da APS, um espaço de aprendizado compartilhado por outros cursos da área da saúde, como enfermagem, fisioterapia e farmácia. Associado a isso, nos últimos 20 anos, o número de cursos de graduação em Medicina no Brasil mais do que triplicou, passando de 113 escolas ao final do século XX para 323 cursos em 201821. Essa expansão das escolas médicas e o aumento no número de estudantes geraram uma pressão sobre todos os espaços de aprendizagem no SUS. Para reequilibrar essa relação em favor da formação qualificada, torna-se necessário incorporar metodologias mais efetivas de aprendizado a partir da prática nesses estágios, tais como o PBL8. Diante desses desafios, o curso de Medicina da Unaerp decidiu adotar o PBL clínico na APS como metodologia de aprendizagem a partir da prática nas UBS e USF.

Desde os anos 2000, o PBL tem sido utilizado como metodologia de ensino preferencial em muitos cursos de graduação em Medicina no Brasil e no mundo22),(23. Na maioria desses currículos, essa estratégia é utilizada na fase pré-clínica ou no pré-internato e se destina ao desenvolvimento do domínio cognitivo das competências médicas24)-(26. Quando desenvolvido de forma apropriada, o PBL propicia ao estudante uma compreensão mais aprofundada das causas subjacentes aos fenômenos fisiológicos e fisiopatológicos, além de promover o desenvolvimento de habilidades de comunicação, raciocínio clínico e trabalho em equipe27),(28. De acordo com as teorias de aprendizagem, a aquisição de conhecimento no PBL é semelhante àquela que ocorre nos estágios clínicos, tanto em termos de autoaprendizado quanto em termos de processamento da informação e aprendizagem colaborativa23. No PBL, a situação-problema ou “elemento disparador” promove a mobilização de conhecimento prévio e raciocínio crítico na tentativa de solucioná-la por meio da discussão em grupo. Lacunas de conhecimento são identificadas, e, após estudo autodirigido, o problema é revisitado com a vantagem de que, nesse momento, há um conhecimento mais aprofundado23),(24. Todos esses passos espelham o aprendizado clínico que ocorre a partir da vivência com os casos reais da prática, e, sendo assim, a aplicação do PBL em estágios clínicos seguiria um percurso natural6. Além disso, nos cenários clínicos os principais recursos necessários para a implementação do PBL já estão disponíveis, incluindo os casos clínicos que servem como disparadores, os supervisores que podem atuar como facilitadores e os pequenos grupos que passam pelos estágios29.

Não obstante as vantagens atribuídas ao uso em casos clínicos, é notório o fato de que quase sempre o PBL seja um método restrito às salas de aula e aos casos fictícios, com pouca experiência relatada na literatura sobre a sua aplicação para discussão de casos clínicos reais da prática6. Alguns estudos encontraram percepções favoráveis de estudantes de Medicina em relação ao PBL clínico aplicado em discussões à beira de leito6. No entanto, quanto à sua aplicação na APS, ainda não temos relatos na literatura, e este trabalho relata originalmente essa experiência. Em revisão sistemática realizada em 2007, foram encontrados apenas cinco artigos de boa qualidade retratando o uso do PBL no ensino clínico, em cursos de graduação na área da saúde30. A comparação entre os resultados desses estudos foi dificultada pela heterogeneidade de desenhos e desfechos. As principais razões atribuídas à paucidade do uso do PBL em cenários clínicos foram o despreparo e o desconhecimento dos princípios básicos dessa metodologia pelos preceptores e supervisores dos estágios clínicos. Diante da falta de experiência e segurança para uso desse método, os supervisores clínicos tendem a abandonar o modelo da facilitação e reverter aos métodos tradicionais de ensino centrado no professor30.

O modelo de PBL clínico em APS implementado no curso de Medicina da Unaerp foi elaborado a partir da experiência acumulada de mais de 15 anos com o uso dessa metodologia por parte do corpo docente. Podemos citar como exemplo a incorporação dos pré-testes no início da sessão de fechamento, que, em nossa experiência anterior, havia produzido impactos educacionais favoráveis31. O modelo inicialmente proposto foi validado e incorporou sugestões de professores, estudantes, gestores e profissionais de saúde. Antes do início das atividades, todos os professores envolvidos foram capacitados na metodologia PBL. Durante o programa de capacitação, os professores participaram como observadores de sessões de tutoria do PBL e em seguida esclareceram suas dúvidas com facilitadores mais experientes. A importância da capacitação docente na implementação de novas intervenções educacionais já foi descrita por vários autores32.

A avaliação das percepções dos estudantes sobre essa atividade foi realizada por meio da versão validada do instrumento DREEM para o português11. Trata-se de um instrumento internacionalmente reconhecido e utilizado para avaliar as percepções e o grau de satisfação dos estudantes de Medicina sobre novas intervenções educacionais, como foi o caso do PBL clínico16. O instrumento corresponde a um questionário de 50 itens distribuídos em cinco domínios, que exige um longo período de atenção para produzir respostas conscientes, tornando o seu preenchimento algumas vezes exaustivo e desgastante. Para verificar o grau de comprometimento dos estudantes no preenchimento do instrumento, existem nove itens invertidos, em que a percepção positiva será dada pela discordância e não pela concordância. Uma vez que a pontuação média nesses itens não refletiu discrepâncias no sentido da resposta em relação aos outros itens do instrumento, deve-se pressupor que não houve um grau significativo de respostas inconscientes para a maioria dos respondentes.

Houve grande apoio do corpo estudantil a este trabalho, considerando o número de respondentes ao questionário, que correspondeu a 78% dos alunos matriculados entre a primeira e a sétima etapa do curso de Medicina da Unaerp. Trata-se de uma elevada taxa de respondentes, tanto em termos absolutos quanto em termos relativos. Outros estudos também mostraram elevada adesão dos estudantes de Medicina aos questionários de percepção sobre atividades do curso12),(33),(34. A média de idade dos participantes é compatível com os três primeiros anos do curso, e o predomínio de estudantes do sexo feminino segue uma tendência nacional para os ursos de Medicina. O maior número de participantes das duas primeiras etapas provavelmente reflete a ampliação do número de vagas para o curso de Medicina da Unaerp a partir de janeiro de 2017, aumentando de 60 para 90 vagas semestrais.

Os resultados da aplicação do instrumento mostraram que, para a dimensão “Percepção da Aprendizagem”, a atividade foi considerada “mais positiva do que negativa”, sendo identificada como centrada no estudante e promotora de autoconfiança por meio do autoaprendizado, em que os alunos são estimulados a participar das discussões em grupo. O autoaprendizado e a aprendizagem colaborativa são processos de aquisição de conhecimento presentes tanto no PBL quanto no aprendizado a partir da prática23. No PBL clínico, esse aprendizado ocorre de forma mais consistente e estruturada6.

Na dimensão “Percepção dos Professores”, a atividade foi avaliada como “positiva”, em que se reconheceram o perfil, a qualificação e a capacitação do corpo docente para o desenvolvimento dela. A qualificação do corpo docente para atuar no processo de ensino-aprendizagem é apontado como um ponto fundamental para o sucesso de mudança curricular em escolas médicas32. Em nossa pesquisa, o corpo docente responsável pelo PBL clínico na APS é formado por 18 professores, sendo 12 (66%) médicos e seis (33%) enfermeiras que atuam como supervisores das atividades nos ambientes da prática (VD, UBS e USF) e como facilitadores das sessões de abertura e fechamento do PBL clínico em sala de aula. Entre os médicos, há dois médicos de família, dois pediatras, dois clínicos gerais, dois psiquiatras e quatro ginecologistas. Todos os professores apresentam grande experiência profissional em atividades de APS e foram devidamente capacitados para a aplicação do PBL clínico, o que provavelmente justifica o elevado grau de satisfação dos estudantes com esse corpo docente. A satisfação dos estudantes com o PBL parece ser maior quando os facilitadores são especialistas e apresentam maior experiência na sua área de atuação6),(35. Em estudo anterior conduzido no curso de Medicina da Unaerp, avaliaram-se as percepções de 252 estudantes sobre a participação de facilitadores especialistas e não especialistas nas sessões do PBL35. Houve uma clara preferência pelos facilitadores especialistas, os quais são associados aos seguintes fatores: maior aprendizado cognitivo (95%), melhor condução do processo de aprendizagem (93%), maior facilidade na identificação de objetivos de estudo (87%) e maior motivação para o estudo autodirigido (82%). Resultados semelhantes também foram encontrados em estudo conduzido por Macallan, Kent et al.6, em que se utilizou o PBL clínico.

Na dimensão “Percepção dos Resultados Acadêmicos”, a atividade foi avaliada como “positiva”. Nessa dimensão, os diversos itens avaliados positivamente refletem a aprendizagem significativa proporcionada pelo PBL clínico. A atividade foi considerada “relevante” para a formação médica, fornecendo um “preparo adequado para a profissão” em termos de desenvolvimento de “habilidades interpessoais” e “habilidades para a solução de problemas”. O PBL clínico utiliza a aprendizagem baseada em problemas e a avaliação formativa com feedback como estratégia para o desenvolvimento dessas habilidades. A utilização de casos clínicos de pacientes atendidos pelos próprios estudantes e a aplicação do conhecimento adquirido na construção do plano de cuidados para os mesmos pacientes, produzem aprendizagem significativa e duradoura36),(37.

Na dimensão “Percepção do Ambiente Geral”, a avaliação dos estudantes foi “positiva”, com destaque para o fato de que a atividade se processa em um “ambiente tranquilo e respeitoso”, tanto em sala de aula quanto nos ambientes da prática, onde os estudantes se sentem “confortáveis e estimulados para esclarecer suas dúvidas”. Tais aspectos são atributos peculiares às metodologias ativas de ensino centradas no estudante, como é o caso do PBL clínico. Nessa atividade, os professores atuam como facilitadores, permitindo que cada estudante expresse livremente suas ideias e percepções sobre um determinado assunto na sessão de abertura (brainstorming) e esclareçam suas dúvidas com os facilitadores no final da sessão de fechamento. Como todos os facilitadores da atividade apresentam grande experiência prática em APS, podem atuar também como consultores no final da segunda sessão e auxiliam os estudantes na construção do plano de cuidados.

Na dimensão “Percepção das Relações Sociais” a atividade foi avaliada como “mais positiva do que negativa”. Nessa dimensão, alguns itens avaliados transcendem os limites de uma única atividade e muitas vezes refletem as condições pessoais dos estudantes em relação aos colegas e ao curso de Medicina como um todo. É possível que as boas condições de moradia e vida social relatadas pela maioria dos respondentes reflitam o perfil da maioria dos estudantes de Medicina nas instituições privadas.

As percepções dos estudantes sobre o PBL clínico em APS foram “positivas” em três dimensões e “mais positivas do que negativas” em duas dimensões do instrumento, e, de acordo com o valor do escore geral, foram “mais positivas do que negativas”, o que mostra o impacto favorável dessa intervenção educacional. A consistência interna das respostas ao instrumento analisada por meio do alfa de Cronbach foi de 0,92, o que demonstra a elevada confiabilidade dos resultados nessa amostra de estudantes19.

Outras instituições de ensino que utilizam metodologias ativas e centradas no estudantes, como o PBL, também apresentaram percepções positivas dos estudantes após a aplicação do questionário DREEM38, e as atividades com esse perfil tendem a ser mais bem avaliadas quando comparadas às atividades de ensino tradicional, centradas no professor e distribuídas em grandes blocos disciplinares39),(40. Em situações em que as metodologias de ensino centradas no estudante foram implementadas em currículos tradicionais, verificou-se um aumento nos escores de resposta ao questionário depois da mudança curricular12. Diversos itens do questionário DREEM incorporam novas ideias e princípios característicos das metodologias ativas de ensino e aprendizagem, tais como a implementação de atividades centradas no estudante, o provimento de feedback, a educação continuada, o estímulo ao autoaprendizado e o desenvolvimento de habilidades interpessoais. Dessa forma, os métodos inovadores de ensino e aprendizagem tendem a ser valorizados em relação aos demais quando avaliados por meio desse instrumento39),(40.

Algumas experiências com o PBL clínico descritas na literatura também encontraram resultados semelhantes aos nossos. Em 2009, Macallan, Kent et al.6 avaliaram as percepções de 97 estudantes de Medicina sobre o uso do PBL em estágios clínicos do pré-internato, incluindo a psiquiatria, a pediatria e a ginecologia. As percepções da maioria dos estudantes foram positivas para os resultados acadêmicos. Os casos clínicos reais foram considerados apropriados para a discussão, e, a partir deles, foi possível identificar lacunas de conhecimento e objetivos de aprendizagem que se alinharam à estrutura curricular do curso6. Um aspecto negativo apontado pelos estudantes no estudo de Macallan, Kent et al.6 refere-se à perda de seguimento dos pacientes cujos casos foram discutidos na sessão de abertura, por causa da troca de estágios dos estudantes após as sessões de fechamento.

Em nossa experiência, utilizamos o PBL clínico em estágios de APS, em que os estudantes acompanham os mesmos pacientes e visitam as mesmas famílias ao longo de todo o semestre letivo, possibilitando, assim, que o plano de cuidados elaborado na sessão de fechamento seja levado ao paciente ou à família após a devida discussão com a equipe de saúde local. Dessa forma, os estudantes atuam como elos entre a universidade e o serviço de saúde, trazendo para a sala de aula os relatos dos atendimentos e das VD na sessão de abertura e levando para as UBS e USF o plano de cuidados produzido na sessão de fechamento. Portanto, essa atividade não apenas utiliza uma metodologia de ensino centrada no estudante (PBL) como também insere o aluno em um papel central na produção do cuidado. Além de adquirirem conhecimento mais consistente e duradouro a partir dos atendimentos, os estudantes de Medicina contribuem para a atenção mais qualificada dos pacientes e das famílias, por meio de planos de cuidados elaborados em bases científicas que incorporam referências da medicina centrada na pessoa. Sob um conceito mais amplo, podemos considerar que o PBL clínico é uma estratégia de ensino centrada no estudante e no paciente.

Em algumas dimensões do questionário aplicado, observaram-se itens com avaliação “insatisfatória” que despertaram a atenção dos professores e gestores e serviram de base para mudanças e ajustes na estrutura da atividade. Na dimensão “percepção da aprendizagem”, segundo as opiniões dos respondentes, nem sempre a atividade é estimulante e nem sempre o tempo a ela destinado é bem aproveitado. No PBL clínico, a qualidade da discussão depende em grande parte da qualidade dos relatos apresentados. Relatos superficiais ou incompletos geram discussões pouco desafiadoras e desestimulantes. Diante dessas percepções, a qualidade dos relatos de casos passou a ser pontuada e se tornou um dos componentes da avaliação da atividade. Após esse ajuste, houve melhora perceptível na qualidade dos relatos e na participação dos estudantes nas discussões.

Na dimensão “percepção das relações sociais”, identificou-se como ponto de insatisfação o anseio por um bom programa de apoio aos estudantes estressados. Sabe-se que a sobrecarga de atividades e exigências do curso de Medicina é um fator estresse emocional para os estudantes41. Ante o conhecimento dessas expectativas dos estudantes, foi instituído em 2018 um serviço de apoio psicológico a todos os estudantes no curso de Medicina da Unaerp, que contou com o suporte de professores do curso de Psicologia.

Este estudo apresenta como limitação a aplicação do questionário DREEM somente após a implementação do PBL clínico na APS. Entretanto, houve uma porcentagem elevada de respondentes, a confiabilidade da aplicação do instrumento foi satisfatória e os resultados demonstraram uma nítida percepção positiva dos estudantes em relação à maioria dos itens avaliados, o que demonstra a ampla aceitação do PBL clínico pelo corpo estudantil.

Esta investigação procurou avaliar o uso do PBL clínico aplicado à APS como opção pedagógica efetiva diante da sobrecarga de estudantes de Medicina nas UBS e USF, e da necessidade de aprendizagem mais consistente a partir dos casos atendidos. De acordo com os nossos resultados, concluímos que o PBL clínico é uma estratégia de ensino bem-aceita pelos estudantes, potencializa o aprendizado a partir da prática e qualifica o cuidado. Acreditamos que o tema aqui abordado será de grande utilidade aos profissionais de saúde, professores e gestores que precisam lidar no dia a dia com os desafios do ensino médico em cenários de assistência à saúde cada vez mais escassos e sobrecarregados.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à gestão, aos docentes e aos discentes do curso de Medicina da Unaerp, sem os quais este trabalho não seria possível.

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Recebido: 26 de Abril de 2020; Aceito: 31 de Agosto de 2020

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Gustavo Salata Romão. Avenida Costábile Romano, 2201, Ribeirânia, Ribeirão Preto, SP, Brasil. CEP: 14096-900. E-mail: gsalata@uol.com.br

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Todos os autores participaram de forma suficiente na concepção, no desenho, na análise e na interpretação dos dados deste estudo, assim como na redação deste texto, assumindo a autoria e a responsabilidade pública pelo conteúdo deste artigo.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores informam que não existe conflito de interesses. Esse projeto não recebeu financiamento externo.

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