SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.44 número4A Importância do Emprego da Terminologia Anatômica nas Ciências da SaúdeTeorias de Mudança de Comportamento: um Novo Paradigma da Educação Médica? índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.44 no.4 Rio de Janeiro  2020  Epub 17-Ago-2020

https://doi.org/10.1590/1981-5271v44.4-20200258 

Carta ao editor

A Pandemia da Covid-19: Repercussões do Ensino Remoto na Formação Médica

The Covid-19 Pandemic: Repercussions of Remote Education on Medical Training

Vânia Thais Silva GomesI 
http://orcid.org/0000-0002-1545-0042

Roberto Oliveira RodriguesII 
http://orcid.org/0000-0002-1097-092X

Raimundo Nonato Silva GomesIII 
http://orcid.org/0000-0002-8739-2734

Maria Silva GomesIV 
http://orcid.org/0000-0002-8627-2503

Larissa Vanessa Machado VianaV 
http://orcid.org/0000-0002-0685-8572

Felipe Santana e SilvaII 
http://orcid.org/0000-0002-5919-8213

IUniversidade de Gurupi, Gurupi, Tocantins, Brasil.

IIUniversidade Estadual do Maranhão, São Luís, Maranhão, Brasil.

IIIUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

IVForça Estadual de Saúde do Maranhão, São Luís, Maranhão, Brasil.

VUniversidade Federal do Acre, Rio Branco, Acre, Brasil.


Cara Editora,

Em dezembro de 2019, foi descoberto um novo vírus, denominado SARS-CoV-2, que causa a doença COVID-19, assim denominada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O SARS-CoV-2 surgiu inicialmente na cidade de Wuhan, na China, e se espalhou rapidamente por todo o mundo. Já em 30 de janeiro de 2020, a OMS reconheceu o surto dessa nova doença como uma emergência de saúde pública de importância internacional, que é considerado o maior nível de alerta. Posteriormente, no dia 11 de março de 2020, a OMS caracterizou a COVID-19 como uma pandemia1.

Até o dia 08 de julho de 2020, no mundo, foram registrados 11.994.182 casos da COVID-19 e 547.931 óbitos. No Brasil, nessa mesma data, já haviam sido confirmados 1.716.196 casos da doença e 68.055 óbitos. O vírus é transmitido através de gotículas respiratórias, do contato direto ou objetos e de superfícies contaminadas. Ou seja, a doença possui múltiplas vias de transmissão, fato que justifica a grande necessidade de distanciamento social1.

Com o distanciamento social, medida profilática mais efetiva contra a doença, houve a necessidade de reavaliação do processo de ensino-aprendizagem, visto que o distanciamento social obrigou estudantes de medicina do mundo inteiro a adotar tecnologias da informação e comunicação (TIC) para continuar com a rotina de estudos. Assim, as TICs e a internet têm sido cada vez mais utilizadas pelas instituições de ensino superior para suprir essa ausência nas salas de aulas. No entanto, devemos questionar se esse novo método de ensinar e aprender, denominado homeschooling, pode influenciar na formação de estudantes de medicina.

Com o advento da pandemia, as estratégias de ensino remoto são importantes meios de contenção dos efeitos do distanciamento social; no entanto, as evidências sugerem que inúmeras lacunas serão criadas sem a interação professor-estudante de medicina. Nesse sentido, para o pós-pandemia, é indispensável que as instituições de ensino planejem um robusto conjunto de ações para garantir o contato do estudante de medicina com pacientes, sejam em hospitais, ambulatórios ou na atenção primária em saúde.

Além das estratégias de ensino utilizadas por instituições de educação, é necessária uma regulamentação do Ministério da Educação (MEC) e demais órgãos regulamentadores. Assim, em 28 de abril, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou por unanimidade a resolução com diretrizes para orientação sobre aulas remotas durante a pandemia.

A Portaria Nº 343, de 17 de março de 2020, dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas remotas enquanto durar a pandemia da COVID-19. A Portaria veta a substituição de aulas práticas e estágios no curso de medicina. Já em 16 de junho de 2020, o MEC publica a Portaria Nº 544, autorizando a substituição de estágio e práticas por aulas remotas no curso de medicina. Seguindo as recomendações do MEC, as faculdades de medicina do país podem interromper esse contato prático durante a pandemia, o que certamente poderá comprometer o processo de formação de estudantes de medicina, uma vez que o contato com doentes é essencial para sedimentar conhecimentos teóricos.

Além disso, no curso de medicina, as relações humanas são de extrema relevância na construção do conhecimento e no estabelecimento de uma boa inter-relação. A prática médica requer mais do que conhecimento técnico, necessita de habilidades que possibilitem um cuidado humanizado e integral. Essas habilidades são cada vez mais necessárias à sociedade, o que fundamenta a necessidade de contato humano como parte sine qua non na formação médica. A fragilidade psicossocial provocada pela pandemia da COVID-19 é um grande exemplo da necessidade de um médico humanizado e com ampla capacidade de interação com o paciente/familiar2.

Com a mudança do perfil de estudantes de medicina e das instituições de ensino, nunca foi tão necessário diversificar os métodos de ensino-aprendizagem. Assim, no contexto da pandemia da COVID-19, existe a necessidade de uma diversidade de suportes e métodos para apoiar a criação de uma rotina positiva para os estudantes de medicina. Para que os estudantes de medicina consigam superar as barreiras educacionais impostas pela pandemia, é necessário que haja resiliência e que as instituições de ensino garantam um cenário de aprendizagem com metodologias ativas e inovadoras; assim, poderemos herdar um legado no pós-pandemia que possa contribuir na formação de novos médicos.

Seguindo as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso de graduação em Medicina, de 2014, o graduado em medicina deve ter uma formação generalista baseada no compromisso com o respeito e defesa à cidadania, à dignidade humana e à integralidade do ser humano. Além disso, terá como eixo transversal na sua prática médica diária os determinantes sociais do processo de saúde-doença. No entanto, o homeschooling pode não ser suficiente para atender às necessidades interacionais no processo de formação de um médico mais calcado nos princípios da Política Nacional de Humanização e nas DCN vigentes2),(3.

A aquisição de habilidades de comunicação efetiva é um dos pilares da formação médica, sendo necessária para a interação com colegas de trabalho, usuários e familiares. A efetiva comunicação está na base da formação de médicos, não apenas para a realização da anamnese, mas também para a construção de uma relação de parceria médico-paciente. A educação a distância (ensino remoto) é um grande obstáculo à aquisição dessa habilidade, uma vez que as TICs dificultam a interação professor-estudante e estudante-estudante, processo indispensável à construção de uma boa comunicação2),(4.

A simples observação da interação do professor com o doente em estágios e práticas clínicas permite ao estudante de medicina organizar um raciocínio clínico e inferir possíveis condutas diagnósticas e terapêuticas. Além disso, o contato humano permite ao estudante a compreensão da realidade humana e social em que está inserido e como pode interferir na vida de um doente/familiar4),(5.

Nessa perspectiva, a interação com o professor tem um papel extremamente relevante na construção do conhecimento do estudante de medicina. O papel de facilitador desempenhado pelo docente é mais efetivo quando existe o vínculo garantido pela interação professor-estudante. Nesse sentido, o ensino-aprendizagem à “beira leito” tão necessário à formação médica ficou inviável durante a pandemia da COVID-19. Assim, faz-se necessário um processo de construção de novas metodologias direcionadas à garantia de uma boa formação aos estudantes de medicina à luz da nova legislação e da pandemia da COVID-19.

Por fim, a necessidade de ressignificar o ensino de medicina é extremamente necessária e a pandemia da COVID-19 trouxe consigo as TICs como alternativa ao isolamento social; no entanto, é necessário ter em mente que a formação do médico vai muito além da aquisição de habilidades técnicas (possivelmente garantidas pela TICs); ela requer interação presencial professor-estudante, estudante-estudante e estudante-paciente.

REFERÊNCIAS

1. Díaz-Castrillón FJ, Toro-Montoya AI. SARS-CoV-2/COVID-19: el virus, la enfermedad y la pandemia. Med Laborat. 2020;24(3):183-205. DOI: https://doi.org/10.36384/01232576.268Links ]

2. Moura ACA, Mariano LA, Gottems LBD, Bolognani CV, Fernandes SES, Bittencourt RJ. Teaching-learning strategies for humanistic, critical, reflective and ethical undergraduate medical training: a systematic review. Rev Bras Educ Med. 2020;44(3):67-76. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-5271v44.3-20190189Links ]

3. Pimente CE, Vasconcelos MVL, Rodarte RS, Pedrosa CMS, Pimente FSC. Teaching and Learning in Supervised Internship: Integrated Internship in Health. Rev Bras Educ Med . 2015;39(3):352-358. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981-52712015v39n3e01262014. [ Links ]

4. Meireles MAC, Fernandes CCP, Silva SL. Curricular guidelines and medical education: expectations of first year medical students at a higher education institution. Rev Bras Educ Med . 2019;43(2):67-78. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981-52712015v43n2RB20180178Links ]

5. Gomez E, Azadi J, Magid D. Innovation Born in Isolation: Rapid Transformation of an In-Person Medical Student Radiology Elective to a Remote Learning Experience During the COVID-19 Pandemic. Acad Radiol. 2020;32(20):35-44. DOI:10.1016/j.acra.2020.06.001 [ Links ]

Recebido: 10 de Julho de 2020; Aceito: 18 de Julho de 2020

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Raimundo Nonato Silva Gomes. Av. Carlos Chagas Filho, 373, Cidade Universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 21941-590. E-mail: raigomes.ufrj@gmail.com

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Gomes VTS, Rodrigues RO, Gomes RNS, Gomes MS, Viana LVM e Silva FS participaram da concepção, delineamento, análise e interpretação dos dados, escrita do manuscrito e revisão crítica do conteúdo. Todos os autores aprovam a versão final a ser publicada.

CONFLITO DE INTERESSES

Não existe.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons