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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.45 no.2 Rio de Janeiro  2021  Epub 02-Jun-2021

https://doi.org/10.1590/1981-5271v45.2-20200129.ing 

ARTIGO ORIGINAL

Motivação acadêmica de estudantes de Medicina: uma análise na perspectiva da Teoria da Autodeterminação

Anizio de Almeida Cadête Filho1 
http://orcid.org/0000-0003-1889-2046

José Maria Peixoto1 
http://orcid.org/0000-0002-2684-0142

Eliane Perlatto Moura1 
http://orcid.org/0000-0002-1884-5680

1 Universidade José do Rosário Vellano, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.


Resumo:

Introdução:

Os princípios da Teoria da Autodeterminação são pertinentes para a educação profissional, na medida em que a diferenciação e expressão dos tipos primários de motivação têm implicações para os múltiplos desfechos da aprendizagem.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivos avaliar a motivação acadêmica em estudantes do quarto ano de Medicina em duas instituições de ensino e discutir os resultados na perspectiva da Teoria da Autodeterminação.

Método:

Trata-se de estudo transversal e quantitativo conduzido por questionário autorrespondido contendo 18 questões sociodemográficas e a Escala de Motivação Acadêmica (EMA). A amostra foi constituída por 147 estudantes do quarto ano de Medicina de escolas com metodologias de ensino distintas: 73 estudantes da instituição A (aprendizagem baseada em problemas - ABP) e 74 estudantes da instituição B (tradicional). Conduziu-se uma análise univariada em que se utilizaram os testes t de Student, a Análise de Variância (ANOVA), o teste qui-quadrado e a correlação de Pearson. Posteriormente, fez-se uma análise de regressão linear múltipla.

Resultados:

Observou-se um perfil moderado de motivação intrínseca (MI) e extrínseca (ME) na amostra de estudantes, com médias de MI superiores às da ME. Níveis elevados de MI foram observados nos domínios de motivação para realização e para o saber, sendo o prazer de ampliar conhecimentos e o aumento da competência profissional os fatores que mais impactaram positivamente a motivação. Na MI, o fator com menor pontuação foi a universidade como local de prazer. A ME foi relacionada ao desejo de ter uma boa vida no futuro, incluindo remuneração. Observou-se que as variáveis sexo feminino, idade menor que 23 anos, morar sozinho, ter feito o curso todo na mesma instituição e a escola com metodologia ABP influenciaram de forma positiva na motivação.

Conclusão:

Os estudantes demonstraram níveis de MI superiores à da ME, com menor pontuação atribuída à universidade como local de prazer. Esse fato apresenta uma oportunidade para estudos futuros, que poderão verificar os fatores do ambiente escolar que se relacionam à motivação em aprender dos estudantes. A ME foi associada às expectativas futuras de vida. Conhecer as variáveis que caracterizam a autorregulação da aprendizagem é fundamental para embasar estratégias de ensino que contribuam para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem.

Palavras-chave: Motivação; Aprendizagem; Educação Médica; Estudantes de Medicina

Abstract:

Introduction:

The principles of the Theory of Self-Determination are relevant to professional education, as the differentiation and expression of the primary types of motivation have implications for the multiple learning outcomes.

Objective:

To evaluate academic motivation in 4th-year medical students at two teaching institutions and discuss the results from the perspective of the Theory of Self-Determination.

Method:

The present is a cross-sectional and quantitative study, conducted through a self-answered questionnaire containing 18 sociodemographic questions and the Academic Motivation Scale (AMS). The sample consisted of 147 4th-year medical students from schools with different teaching methodologies: 73 students from Institution A (Problem-based learning - PBL) and 74 students from Institution B (traditional methodology). A univariate analysis was conducted using Student’s t test, Analysis of Variance (ANOVA), chi-square test and Pearson’s correlation, followed by Multiple Linear Regression analysis.

Results:

There was a moderate profile of intrinsic (IM) and extrinsic (EM) motivation in the sample of students, with a higher IM than EM average. High levels of IM were observed in the domains of motivation for achievement and for knowledge, with the satisfaction of increasing one’s knowledge and increasing professional competence being the factors that most positively impacted motivation. In IM, the factor with the lowest score was the university as a place of enjoyment. EM was related to the desire of having a good life in the future, including monetary compensation. It was observed that the variables female gender, age under 23 years, living alone, having attended the entire course at the same institution and school with the PBL methodology had a positive influence on motivation.

Conclusion:

The students demonstrated higher levels of IM than those of EM, with a lower score attributed to the university as a place of enjoyment. This fact shows an opportunity for future studies, which will be able to verify the factors of the school environment related to the students’ motivation to learn. EM was associated with future life expectations. To know the variables that characterize the self-regulation of learning is crucial to support teaching strategies that contribute to the improvement of the teaching-learning process.

Keywords: Motivation; Learning; Medical Education; Medical Students

INTRODUÇÃO

A motivação é um componente fundamental para o processo de desempenho humano1)-(3. Sua correlação com os contextos de ensino e aprendizagem tem despertado interesse da literatura, uma vez que apresenta poder preditivo no âmbito escolar, pois um estudante motivado é capaz de transformar o conhecimento adquirido em incentivo para aprendizagem continuada4. Percepções objetivas ou subjetivas sobre o nível de eficácia pessoal ou competência no ambiente de estudos acadêmicos podem afetar a intensidade ou a orientação da motivação5.

A motivação pode ser definida como uma necessidade ou um desejo vinculado à vontade de cumprir um objetivo esperado6, ou como o comportamento regulado por necessidade e instinto para atingir um determinado resultado7. Segundo Pintrich8),(9, no olhar acadêmico, a motivação para a realização de uma tarefa pode ser estimulada por três componentes: 1. uma razão ou um propósito para realizá-la; 2. a crença do indivíduo em sua capacidade para executá-la; e 3. as reações afetivas obtidas com o desempenho da atividade.

Dois tipos de motivação podem ser caracterizados: a motivação intrínseca, em que se faz algo pelo interesse e prazer inerentes à ação; e a motivação extrínseca, em que se faz algo por causa de consequência ou desfecho distinto da ação. A motivação extrínseca assume diferentes formas, que se distinguem pelo grau de internalização de valores e regulação de condutas, refletindo diferentes níveis de autonomia. Uma motivação autônoma relaciona-se com mais qualidade no aprendizado, maior persistência e melhor ajuste psicológico dos aprendizes, em qualquer estágio de formação ou escolarização10),(11. Ou seja, comportamentos extrinsecamente motivados são governados pela relação entre as perspectivas de ganhos e perdas instrumentais (por exemplo, incentivos), enquanto comportamentos intrinsecamente motivados são dirigidos pelo bem próprio (por exemplo, o prazer da tarefa).

Procurando compreender os determinantes motivacionais e as formas autodeterminadas de motivação, Deci et al.12 propuseram o que chamam de Teoria da Autodeterminação, que faz distinções entre os diferentes níveis de motivação: a intrínseca, a extrínseca e a desmotivação. A Teoria da Autodeterminação enfoca, em particular, como internalizamos ideias, valores, objetivos e intenções sob a influência de contextos sociais incorporados, como a interação do indivíduo com o ambiente e o contexto13, e tem inspirado diversos estudos na área de educação no Brasil14)-(17.

O princípio de que o aprendizado se estabelece a partir de mecanismos de motivação se liga às bases da Teoria da Autodeterminação. Esta, por sua vez, compreende o comportamento humano como sendo incentivado por três necessidades psicológicas primárias e universais fundamentais para que a autodeterminação se desenvolva:

  • Autonomia: reflete o desejo de participar de atividades em que a possibilidade de escolha esteja presente.

  • Capacidade: está ligada ao sentir-se capacitado e confiante para realizar um determinado comportamento com determinada aptidão.

  • Relação social: trata-se da necessidade de perceber que o comportamento é reconhecido positivamente por outras pessoas ou que a sua prática facilita a socialização13 (Figura 1).

Figura 1 Necessidades incentivadoras do comportamento pela Teoria da Autodeterminação. 

Os princípios da Teoria da Autodeterminação são pertinentes para a educação profissional, na medida em que a diferenciação e expressão dos tipos primários de motivação têm implicações para os múltiplos desfechos da aprendizagem. Assim, as atribuições de causalidade18),(19 e os conceitos ligados não só ao estabelecimento e ao alcance de metas20),(21, mas também ao tipo de motivação (intrínseca ou extrínseca) ou às orientações motivacionais12, constituem-se importantes tópicos a serem investigados.

A linha de estudos motivacionais relacionados ao aprendizado universitário e, mais especificamente, médico tem ganhado destaque. Hayat et al.22 observaram correlação positiva entre a motivação intrínseca e a extrínseca no desempenho acadêmico de estudantes de Medicina da Shiraz University of Medical Sciences. Kusurkar et al.23, ao estudarem o perfil motivacional de estudantes de Medicina do sexto ano da University Medical Center Utrecht, verificaram correlação positiva entre motivação intrínseca e adequadas estratégias de estudo, horas de autoestudo e desempenho acadêmico e correlação negativa com exaustão. Sobral24 constatou padrões distintos de motivação intrínseca e motivação extrínseca (também denominadas autônomas e controladas, respectivamente) que parecem estar relacionados com a percepção dos estudantes de Medicina sobre o aprendizado e o ambiente educacional.

Segundo Lozano et al.25, em um modelo dinâmico motivacional, um “aluno motivado” considera as atividades educativas propostas úteis ou interessantes (percepção do valor de uma atividade educacional), sente-se capaz de concluir as atividades para sua própria satisfação (autoeficácia percebida) e tem a impressão de ser responsável pelo progresso de seu aprendizado (percepção de controlabilidade).

Considerando a importância do construto motivação para o processo de aprendizagem no ensino médico e sua relação com a Teoria da Autodeterminação, este estudo objetivou avaliar a motivação acadêmica em estudantes do quarto ano de Medicina em duas instituições de ensino de Belo Horizonte, em Minas Gerais, e discutir os resultados na perspectiva da Teoria da Autodeterminação. Os resultados deste estudo poderão servir de parâmetros para a elaboração de intervenções que possam impactar a aprendizagem dos estudantes de Medicina.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal e quantitativo conduzido por meio de um questionário autorrespondido para avaliar a motivaçã o dos estudantes de Medicina. A amostra foi composta por 147 estudantes do quarto ano de Medicina de duas instituições particulares de ensino situadas em Belo Horizonte, em Minas Gerais, com metodologias de ensino diferentes, sendo 73 discentes da instituição A (metodologia de aprendizado baseado em problemas - ABP) e 74 da instituição B (metodologia tradicional). Essa amostra representou, respectivamente, 44,2% e 55,2% do total de estudantes de Medicina matriculados no quarto ano das instituições A e B. O quarto ano de ensino foi escolhido por tratar-se do último período em que os dois cursos apresentam diferenças em sua metodologia de ensino. A partir desse momento, inicia-se o internato, quando as atividades de ensino passam a apresentar maior homogeneidade em ambas as instituições, uma vez que se caracterizam por atividades práticas em serviços de saúde. Até esse momento do curso, as duas instituições apresentam diferenças nas metodologias. Na tradicional, a transição do ensino dos temas das áreas básicas para as práticas é mais definida, quando essa metodologia é comparada à proposição do currículo orientado pelo ABP, em que essas atividades ocorrem simultaneamente. A amostra foi determinada por conveniência entre os estudantes que cursavam o quarto ano e estavam presentes em sala de aula no momento de aplicação do questionário. O convite foi realizado pelos pesquisadores nas salas de aula, em horário predeterminado com o professor, seguido do preenchimento do questionário pelos estudantes que concordaram em participar e assinaram o termo de consentimento. O instrumento de pesquisa continha 46 questões: 18 referentes à avaliação sociodemográfica, para identificação de fatores comportamentais, de saúde, familiares e relacionados ao ambiente de ensino, elaboradas pelos pesquisadores; e 28 concernentes à Escala de Motivação Acadêmica (EMA) elaborada por Vallerand et al.26 e validada para o português por Sobral24. Optou-se por essa escala devido ao grande número de citações dela na literatura. O tempo para preenchimento foi de livre necessidade dos estudantes, mas apresentou duração média de 20 minutos.

  • Questionário sociodemográfico: Constituído por 18 questões sociodemográficas, acadêmicas e familiares. As variáveis analisadas foram: nome, gênero, idade, renda familiar, ter parente de primeiro grau médico, estado civil, morar sozinho ou com a família, ter trabalhado remunerado, número de horas semanais trabalhadas, ter algum problema de saúde, usar medicação antidepressiva, usar medicação crônica, ter feito o curso todo na instituição, estar regularmente matriculado no curso, exercer atividade extracurricular e motivo principal da atividade extracurricular.

  • Escala de Motivação Acadêmica (EMA): A versão original da escala foi desenvolvida na língua francesa do Canadá por Vallerand et al.26, pressupondo a multifatorialidade dos processos motivacionais, e traduzida e adaptada para o português do Brasil por Sobral24. É composta por 28 itens e pontuada em uma escala do tipo Likert de sete pontos (1 = nenhuma correspondência e 7 = total correspondência). A escala apresenta sete dimensões, com o propósito de mensurar três tipos de motivação intrínseca (MI) e três tipos de motivação extrínseca (ME), além da desmotivação (quadros 1, 2 e 3).

Quadro 1 Motivação intrínseca para 

saber porque sinto satisfação e prazer enquanto aprendo coisas novas.
pelo prazer quando descubro coisas novas que nunca tinha visto ou conhecido antes.
pelo prazer que tenho em ampliar meu conhecimento sobre assuntos que me atraem.
porque meus estudos permitem que continue a aprender sobre muitas coisas que me interessam.
realização porque acho que a formação universitária ajuda a me preparar melhor para a carreira que escolhi.
porque o curso me capacitará, no final, a entrar no mercado de trabalho de uma área de que eu gosto.
porque isso me ajudará a escolher melhor minha orientação profissional.
porque eu creio que a formação universitária aumentará minha competência como profissional.
vivenciar estímulos porque gosto muito de vir à universidade.
porque para mim a universidade é um prazer.
pelo prazer que tenho quando me envolvo em debates com professores interessantes.
pela euforia que sinto quando leio sobre vários assuntos interessantes.

Quadro 2 Motivação extrínseca por 

identificação pelo prazer que sinto quando supero a mim mesmo no estudo.
pelo prazer que sinto quando supero a mim mesmo em algumas de minhas realizações pessoais.
pela satisfação que sinto quando estou no processo de realização de atividades acadêmicas difíceis.
porque a universidade me permite sentir uma satisfação pessoal na minha busca por excelência na formação.
regulação e introjeção para provar para mim mesmo que sou capaz de completar o curso.
por causa do fato que me sinto importante quando sou bem-sucedido na universidade.
para mostrar a mim mesmo que sou uma pessoa inteligente.
porque quero mostrar a mim mesmo que posso ter sucesso nos meus estudos.
regulação externa porque preciso do diploma, ao menos, a fim de conseguir uma ocupação bem remunerada no futuro.
a fim de obter um emprego de prestígio no futuro.
porque quero levar uma boa vida no futuro.
a fim de ter uma boa remuneração no futuro.

Quadro 3 Desmotivação. 

● Honestamente, não sei; acho que estou perdendo meu tempo na universidade.
● Já tive boas razões para isso; agora, entretanto, eu me pergunto se devo continuar.
● Não atino [percebo] por que venho à universidade e, francamente, não me preocupo com isso.
● Não sei; não entendo o que estou fazendo na universidade.

Os tipos de motivação intrínseca abrangem: motivação intrínseca para saber (fazer algo pelo prazer que decorre de aprender, explorar ou entender), motivação intrínseca para realizar coisas (fazer algo pelo prazer que decorre da busca de realização ou criação de coisas) e motivação intrínseca para vivenciar estímulo (fazer algo a fim de experimentar sensações estimulantes, de natureza sensorial ou estética). Os tipos de motivação extrínseca incluem: regulação por identificação (fazer algo porque se decidiu fazê-lo), regulação por introjeção (fazer algo porque se pressiona a si próprio a fazê-lo) e regulação externa (fazer algo porque se sente pressionado por outros a fazê-lo). Por fim, o conceito de desmotivação implica ausência de percepção de contingências entre as ações e seus desfechos (falta de motivos intrínsecos ou extrínsecos). A análise dos tipos de motivação seguiu os parâmetros descritos por Lopes et al.14 (quadros 1, 2 e 3).

Os itens apresentados nos quadros 1, 2 e 3 foram analisados pelas médias dos escores obtidos por meio da escala de Likert com pontuação de 1 a 7. Sendo assim, adaptados do estudo de Azevedo et al.27, utilizaram-se os seguintes pontos de corte: ≤ 3,0 (baixa motivação), > 3,0 e < 6,0 (média motivação) e ≥ 6,0 (alta motivação).

Mediu-se o desempenho acadêmico pela média geral das notas obtidas, levando-se em consideração todas as matérias cursadas até o momento do estudo, que foram disponibilizadas pelas instituições.

Utilizaram-se a média do somatório dos escores dos 28 itens da EMA para avaliar a motivação acadêmica em cada instituição (escore total) e a média dos escores dos itens relacionados a cada uma das dimensões para avaliar a motivação dos alunos em cada domínio do instrumento. Para a análise dos dados, realizou-se estatística descritiva e conduziu-se uma análise univariada em que se utilizaram os testes t de Student e/ou Análise de Variância (ANOVA), o teste qui-quadrado e a correlação de Pearson com o propósito de pré-selecionar as variáveis de interesse para a condução da análise multivariada, em que foi aplicada a análise de regressão linear múltipla. O nível de significância utilizado foi de 5% (p < 0,05). Utilizou-se o programa SPSS 14.0 for Windows (software estatístico).

O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade José do Rosário Vellano, tendo recebido parecer favorável, com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 84589418.5.0000.5143.

RESULTADOS

O estudo envolveu 147 estudantes que cursavam o quarto ano de Medicina de duas instituições de ensino situadas em Belo Horizonte. No geral, estas eram as características dos participantes: a maioria do gênero feminino (70%); faixa etária de 19 a 30 anos; predomínio de renda familiar maior que dez mil reais (63%); não ter parente médico (69%); estar solteiro (96%), não ter trabalho remunerado (97%); não ter problema de saúde (80%); não usar medicamento antidepressivo (82%) ou para doença crônica (82%); não ser fumante (97%); não ter mudado de instituição de ensino no curso de Medicina (85%); exercer atividade extracurricular (82%); e estar regular no curso (94%).

A análise dos escores da motivação acadêmica dos 147 estudantes demonstrou valor médio de escore de motivação intrínseca maior que o observado na motivação extrínseca (Tabela 1). Na avaliação individual dos itens que compõem a EMA, em relação à motivação intrínseca, observou-se que o domínio “motivação intrínseca para realização” obteve a maior média de escore. Os itens que receberam maior pontuação foram os relacionados à percepção de que a formação universitária prepara melhor para a carreira que escolheu e aumenta a competência profissional. O item que recebeu a menor pontuação foi sobre a influência da universidade na escolha da orientação profissional. No domínio “motivação intrínseca para saber”, o item mais pontuado foi o prazer em ampliar conhecimentos sobre assuntos atrativos; e o menos pontuado, o prazer em descobrir coisas novas. O domínio “motivação intrínseca para vivenciar estímulos” foi o que apresentou a menor média de escore. Nesse domínio, o item relacionado à leitura de assuntos interessantes foi o mais pontuado, enquanto o item que considera a universidade um prazer apresentou pontuação menor.

Tabela 1 Escores médios de motivação dos estudantes de Medicina do quarto ano avaliada pela Escala de Motivação Acadêmica (EMA), 2018. 

Domínios Escore (média /dp) p*
Motivação intrínseca (MI) 5,9 ± 0,7 * <0,001
MI para saber 6,0 ± 1,1
MI para realização 6,3 ± 0,9
MI para vivenciar estímulos 4,5 ± 1,4
Motivação extrínseca (ME) 5,3 ± 1,2 *
ME para identificação 5,0 ± 1,6
ME para introjeção 4,1 ± 1,7
ME para controle externo 5,7 ± 1,2
Desmotivação 1,6 ± 1,1*

Base de dados: 147 alunos. A probabilidade de significância refere-se ao teste t de Student para amostras pareadas (p*).

Em relação à motivação extrínseca, o domínio “motivação extrínseca para controle externo” obteve a maior média de escore, com as maiores pontuações para os itens referentes a ter uma vida boa e uma boa remuneração no futuro, ao passo que a obtenção de um emprego de prestígio recebeu a menor pontuação. No domínio “motivação extrínseca para identificação”, o item mais pontuado foi o prazer de se superar nas realizações pessoais; e o menos pontuado, a satisfação com as realizações de atividades acadêmicas difíceis. O domínio “motivação extrínseca para introjeção” obteve a menor média. O item mais pontuado foi referente a mostrar a si mesmo que pode ser bem-sucedido nos estudos; e o menos pontuado, mostrar a si mesmo que é um indivíduo inteligente. No domínio “desmotivação”, o item mais pontuado foi não ver razão para continuar fazendo o curso.

Neste estudo, os fatores sociodemográficos, acadêmicos e familiares que influenciaram nos escores de motivação obtidos pela EMA foram: gênero, idade, morar sozinho, tomar medicamento antidepressivo, não ter feito o curso todo na mesma instituição e a metodologia de ensino adotada pela instituição (Tabela 2). O gênero feminino apresentou médias de escores mais elevadas na maioria dos domínios das escalas de motivação (p < 0,05), com exceção da motivação extrínseca para controle externo e desmotivação, em que as médias de escores se apresentaram semelhantes entre os sexos (p > 0,05). Foi identificada uma correlação negativa significativa e fraca (r = -0,19 - p < 0,029) entre as idades na subescala de motivação extrínseca para controle externo, na qual os estudantes mais jovens tendem a apresentar resultados superiores. Os estudantes que moram sozinho apresentaram resultados superiores (p < 0,05) nas subescalas motivação intrínseca para saber e para vivenciar estímulo, e motivação extrínseca para identificação quando comparados com os alunos que moram com a família. Os estudantes que fazem uso de medicamento antidepressivo apresentaram valores superiores (p < 0,05) na subescala que avalia desmotivação. Os estudantes da instituição com metodologia ABP apresentaram valores mais elevados de motivação intrínseca e motivação extrínseca em todos os domínios da escala, exceto na motivação extrínseca para controle externo que foi semelhante nas duas instituições. Ressalta-se que o domínio desmotivação teve escore mais elevado na instituição com metodologia tradicional.

Tabela 2 Influência dos fatores sociodemográficos, familiares e acadêmicos na média de escore de motivação medida pela Escala de Motivação Acadêmica (EMA) de estudantes de Medicina - Belo Horizonte, 2018. 

Variáveis Domínios
MI saber p MI realização p MI vivenciar estímulo p ME identificação p ME introjeção p ME controle externo p Desmotivação p
média ± dp média ± dp média ± dp média ± dp média ± dp média ± dp média ± dp
Sexo
Feminino 5,4 ± 1,3 0,001 5,8 ± 1,1 0,002 3,8 ±1,3 < 0,001 4,2 ± 1,6 < 0,001 3,6 ± 1,9 0,031 5,6 ± 1,4 0,511 1,9 ± 1,2 0,073
Masculino 6,2 ± 1,0 6,4 ± 0,8 4,8 ±1,3 5,3 ± 1,5 4,3 ± 1,6 5,7 ± 1,1 1,5 ± 1,0
Idade
r 0,07 0,424 -0,09 0,270 0,05 0,584 -0,02 0,0,73 -0,13 0,144 0,19 0,029 -0,05 0,598
Renda familiar (R$)
Até 5.000,00 6,5 ± 0,4 0,394 6,5 ± 0,6 0,773 4,9 ± 1,5 0,407 5,3 ± 1,3 0,212 4,8 ± 1,1 0,210 6,3 ± 0,7 0,391 1,5 ± 0,6 0,469
Acima de 5.000,00 6,2 ± 0,8 6,4 ± 0,7 4,8 ± 1,3 4,8 ± 1,6 4,1 ± 1,5 5,6 ± 1,4 1,5 ± 1,0
Parente médico
Sim 5,8 ± 1,3 0,306 6,1 ± 1,0 0,312 4,3 ± 1,3 0,113 4,8 ± 1,7 0,337 4,3 ± 1,7 0,408 5,7 ± 1,4 0,943 1,8 ± 1,2 0,303
Não 6,1 ± 1,1 6,3 ± 0,9 4,6 ± 1,4 5,1 ± 1,5 4,0 ± 1,7 5,7 ± 1,1 1,6 ± 1,0
Morar sozinho
Sim 6,2 ± 1,0 0,029 6,4 ± 0,8 0,056 4,8 ± 1,3 0,010 5,4 ± 1,5 0,006 4,3 ± 1,6 0,130 5,7 ± 1,2 0,684 1,5 ± 0,8 0,059
Não 5,8 ± 1,3 6,1 ± 1,0 4,3 ± 1,4 4,6 ± 1,6 3,9 ± 1,7 5,7 ± 1,2 1,8 ± 1,3
Problema de saúde
Sim 6,0 ± 1,1 0,748 6,1 ± 0,7 0,353 4,9 ± 1,2 0,047 5,2 ± 1,6 0,412 4,5 ± 1,7 0,211 5,8 ± 1,0 0,577 1,7 ± 0,8 0,790
Não 6,0 ± 1,2 6,3 ± 1,0 4,4 ± 1,4 4,9 ± 1,6 4,0 ± 1,7 5,7 ± 1,2 1,6 ± 1,1
Medicamento antidepressivo
Sim 5,7 ± 1,4 0,291 5,9 ± 1,0 0,065 4,4 ± 1,6 0,575 4,6 ± 1,8 0,193 4,0 ± 1,6 0,725 5,8 ± 1,1 0,798 2,1 ± 1,1 0,012
Não 6,0 ± 1,1 6,3 ± 0,9 4,6 ± 1,3 5,1 ± 1,5 4,1 ± 1,7 5,7 ± 1,2 1,5 ± 1,0
Medicamento para doença crônica
Sim 5,9 ± 1,1 0,792 6,2 ± 0,6 0,574 4,9 ± 1,2 0,110 5,0 ± 1,6 0,899 4,4 ± 1,7 0,284 5,9 ± 0,9 0,291 1,9 ± 1,1 0,182
Não 6,0 ± 1,2 6,3 ± 1,0 4,4 ± 1,4 5,0 ± 1,6 4,0 ± 1,7 5,7 ± 1,2 1,6 ± 1,1
Curso todo na instituição
Sim 6,0 ±1,1 0,692 6,3 ± 0,9 0,335 4,5 ± 1,3 0,877 4,9 ± 1,6 0,778 4,3 ± 1,7 0,011 5,7 ± 1,2 0,937 1,6 ± 1,0 0,739
Não 6,1 ± 1,4 6,1 ± 1,1 4,6 ± 1,6 5,1 ± 1,7 3,3 ± 1,5 5,7 v 1,2 1,7 ± 1,4
Atividade extracurricular
Sim 6,0 ± 1,1 0,588 6,3 ± 0,9 0,751 4,5 ± 1,4 0,909 5,0 ± 1,6 0,346 4,1 ± 1,7 0,588 5,8 ± 1,1 0,142 1,6 ± 1,0 0,337
Não 5,9 ± 1,2 6,2 ± 0,9 4,5 ± 1,5 4,7 ± 1,7 4,3 ± 1,6 5,3 ± 1,4 1,9 ± 1,4
Desempenho escolar
r 0,02 0,847 -0,03 0,695 0,05 0,566 -0,03 0,703 -0,16 0,052 -0,08 0,338 -0,1 0,206

Base de dados: 147 alunos. MI: motivação intrínseca; ME: motivação extrínseca. A probabilidade de significância refere-se ao teste t de Student, Análise de Variância e análise de correlação.

DISCUSSÃO

Este estudo teve como objetivos avaliar a motivação acadêmica de estudantes do quarto ano do curso de Medicina em duas instituições de ensino de Belo Horizonte e discutir os resultados na perspectiva da Teoria da Autodeterminação. Os resultados obtidos pela EMA revelaram níveis moderados de motivação intrínseca e motivação extrínseca, sendo as médias da motivação intrínseca superiores às da extrínseca. Ressalta-se que níveis elevados de motivação intrínseca foram observados nos domínios de motivação para realização e para o saber, sendo o prazer de ampliar conhecimentos sobre temas atrativos e o aumento da competência profissional os fatores que mais impactaram positivamente a motivação dos estudantes analisados. Entretanto, escores baixos foram observados no item frequentar a universidade por prazer. A motivação extrínseca se relacionou com o desejo de ter uma boa vida e uma boa remuneração no futuro.

O predomínio da motivação intrínseca revela que o que mais motiva os estudantes é o prazer pela atividade em si. Os dados obtidos no presente estudo estão em consonância com os resultados de pesquisas anteriores no que concerne ao predomínio da motivação intrínseca em estudantes universitários tanto do curso de Medicina15 quanto de outros cursos das áreas biológicas, humanas e exatas14),(28),(29.

O fato de a motivação intrínseca predominar no grupo de alunos estudados é um dado esperado e positivo em ambas as instituições que fizeram parte deste estudo, pois, de acordo com a Teoria da Autodeterminação, os seres humanos são naturalmente inclinados para o desenvolvimento pessoal, procurando internalizar elementos psíquicos e sociais que favoreçam a construção de um sentido sobre si mesmos30, sendo a motivação intrínseca o fenômeno que melhor representa o potencial positivo da natureza humana, configurando-se como uma tendência natural para exercitar as próprias capacidades, buscando novidades e desafios.

Refere-se ao envolvimento em determinada atividade por sua própria causa, por esta ser interessante, envolvente ou, de alguma forma, geradora de satisfação, o que promove maior interesse dos estudantes pela aprendizagem e a confiança nas próprias capacidades e atributos16),(31. Assim, a motivação intrínseca representa o melhor tipo de motivação, pois é autônoma ou autodeterminada. A curiosidade dos alunos e o interesse pessoal pelo material de aprendizagem direcionam para um aprendizado caracterizado pelo senso de liberdade psicológica e um lócus interno de causalidade31, o que pode ser demonstrado neste estudo pelas elevadas médias de escore observadas nos domínios da motivação intrínseca para realizações (que se refere à interação com o meio e o sentimento de competência para criar) e no domínio motivação para saber (que está relacionado com a exploração, curiosidade e objetivos). A motivação intrínseca conduz à criação de metas internas, nomeadas como metas de aprendizagem32, diferentemente das metas externas ou de rendimento que guiam a motivação extrínseca, que objetiva o recebimento de recompensas ou ausência de punição32. Estudantes orientados por metas de aprendizagem buscam mais o desenvolvimento de suas competências, enquanto aqueles orientados por metas de rendimento procuram a obtenção de avaliações positivas32.

Um dado interessante observado neste estudo é que, dentre os componentes da motivação intrínseca, aquele que atingiu a menor pontuação na autopercepção da motivação dos estudantes foi o item que relaciona a universidade a local de prazer. A literatura aponta diversos fatores relacionados ao ambiente escolar capazes de influenciar a motivação para aprendizagem, dos quais o mais importante é o que ocorre em sala de aula, desde os materiais didáticos utilizados, a metodologia de ensino empregada até os fatores afetivos vigentes na relação professor-aluno33),(34. A sala de aula deve ser um local afável, que propicia ao aluno um sentimento de pertencimento, sendo a motivação mediada pelo professor, pelo ambiente da sala e pela cultura escolar31.

Uma vez que a motivação é influenciada pela interação dos componentes intrínsecos e extrínsecos34, a possibilidade de despertar a motivação do aluno pela universidade, relacionando-a como um local de prazer, é uma importante contribuição identificada neste estudo, que salienta a oportunidade para que professores e gestores possam planejar ações metodológicas, de capacitação e do próprio ambiente educacional, que oportunizem vivências estimuladoras para os estudantes.

Apesar da predominância de motivação intrínseca nos estudantes avaliados, o componente extrínseco, regulado por recompensas e restrições, também se mostrou presente. Segundo Boruchovitch28 e Ryan et al.33, a presença da orientação extrínseca, relacionada com comportamentos que são utilizados como um meio para atingir um fim e não por si mesmos, quando acompanhada da motivação intrínseca, pode também produzir bons resultados na aprendizagem.

No domínio da motivação extrínseca, as maiores pontuações foram observadas nos itens referentes às expectativas futuras de vida, incluindo remuneração, e naqueles relacionados ao prazer de se superar para realizações pessoais; e verificaram-se as menores pontuações em atividades acadêmicas difíceis e obtenção de um emprego de prestígio. Observa-se, portanto, que os itens que mais mobilizam a motivação extrínseca são os relacionados à satisfação de desejos pessoais e à obtenção de autonomia, e aqueles que despertam o interesse do estudante mais por identificação do que pela obrigação em fazer. Afinal, a motivação humana é guiada pela necessidade de autorrealização, que considera o atendimento das necessidades básicas, como a segurança e a estima35. Nossos dados demonstraram que os estudantes reconhecem a universidade como o melhor meio de preparação para a carreira escolhida, o que confirma a proposição de que a necessidade da formação acadêmica seja reflexo do desejo de se desenvolver como indivíduo35.

É importante salientar que, apesar de o componente extrínseco da motivação ser relevante para a aprendizagem, ele deve ser utilizado com o objetivo de despertar a motivação intrínseca, que é associada a alto grau de desempenho educacional e prazer dos alunos36. O uso de recompensas extrínsecas sem planejamento pode promover redução na motivação intrínseca, uma vez que não desperta no estudante a satisfação em aprender por aprender37.

O conhecimento dos objetivos e das orientações motivacionais dos estudantes são importantes, pois fundamentam a sequência motivacional desencadeada diante de uma tarefa a ser realizada, com impacto na aprendizagem28. O tipo de orientação motivacional dos estudantes tem sido associado a diferenças nas variáveis gênero, idade, semestre, características do estabelecimento de ensino, crenças, percepção de tempo futuro, entre outras28. Orsini et al.38 conduziram uma revisão sistemática de fatores que influenciam a motivação e os categorizaram em cinco grupos: 1. determinantes intrapessoais, como idade e sexo; 2. determinantes interpessoais, como condições acadêmicas; 3. resultados cognitivos, como crenças; 4. resultados afetivos, como ansiedade ou depressão; e 5. resultados comportamentais, como o envolvimento acadêmico. A escolha, o reconhecimento de sentimentos e a oportunidade de autodireção também aumentaram a motivação intrínseca, porque esses fatores facilitaram um maior senso de autonomia39. Assim, a análise da influência das variáveis sociodemográficas dos estudantes é importante, na medida em que elas têm implicações quer no seu processo acadêmico e social de integração, quer no seu percurso acadêmico e profissional em curto, médio e longo prazos40.

Em conformidade com o que foi encontrado por outros pesquisadores16),(24),(41),(42, os resultados do presente estudo demonstraram que as estudantes do sexo feminino apresentaram médias de escore mais elevadas de motivação, quando comparadas aos estudantes do sexo masculino. Em relação à idade, observou-se que os estudantes mais jovens apresentaram escore maior de motivação extrínseca, o que não corrobora os achados da literatura, uma vez que alguns estudos não encontraram associação entre idade e motivação, enquanto em outros os alunos mais velhos exibiram um perfil mais autônomo43)-(45. Diferentemente dos resultados obtidos por Azevedo et al.27, observou-se que os estudantes que moram sem os pais apresentaram níveis mais elevados de motivação. Na tentativa de explicar esse fato, podemos inferir que a nova realidade social vivenciada pelo estudante que se encontra longe de sua família estimula o desenvolvimento da autonomia que é uma das bases da Teoria da Autodeterminação. Outro achado importante foi a ausência de vínculo entre o desempenho acadêmico e o grau de motivação, o que reforça a motivação autodeterminada dos estudantes avaliados.

Por fim, observou-se que os alunos da escola que adota a metodologia do APB apresentaram médias dos escores da EMA maiores em relação aos da escola com metodologia tradicional. Esse fato pode ser explicado à luz da Teoria da Autodeterminação, que estabelece como pilares da motivação a autonomia, a competência e o relacionamento10, que são aspectos favorecidos pela metodologia APB39),(46. Na concepção desenvolvida por Ryan e Deci33, o ambiente acadêmico é preponderante, uma vez que ele pode facilitar ou inibir a motivação intrínseca, em decorrência do suporte ou da obstrução das necessidades psicológicas de competência e autonomia dos aprendizes. Segundo Reeve47, estudantes que se percebem autônomos em suas interações escolares apresentam resultados positivos em relação à motivação, ao engajamento, ao desenvolvimento, à aprendizagem, à melhoria do desempenho e ao estado psicológico. Assim, um contexto que estimula a autonomia é propício à aprendizagem e ao desempenho com efeito na motivação, na internalização de valores e regras, que proporcionarão às pessoas maior autodeterminação. No entanto, não é possível afirmar, a partir desses dados, que a metodologia do APB seria capaz de isoladamente influenciar a motivação dos estudantes, uma vez que este estudo não objetivou comparar as duas instituições de ensino em relação às diversas variáveis que se associam à motivação dos discentes.

Apesar da tendência natural para o desenvolvimento pessoal que os estudantes possuem, é importante observar que fatores externos podem dificultar que a motivação intrínseca se manifeste em sua plenitude30. Com o objetivo de favorecer a motivação intrínseca, o ensino deveria estimular a autonomia dos estudantes de Medicina, ter o planejamento das atividades partindo das necessidades deles, com desafios oportunos ao nível cognitivo em que se encontram, incentivando a participação ativa e o desenvolvimento de responsabilidade pelo próprio aprendizado, além de fornecer apoio emocional e feedback construtivo48.

Sabendo que a motivação se constitui de estados dinâmicos e não traços estáveis de personalidade49),(50, como limitações do estudo, podemos citar:

  • A metodologia transversal impede que os resultados possam ser generalizados. Por conta disso, estudos longitudinais se fazem necessários para melhor conhecimento do perfil de motivação dos estudantes ao longo do curso, bem como da influência dos fatores sociodemográficos nesse percurso.

  • O uso de uma escala de autorrelato traz o risco da subjetividade das respostas pelo efeito da desejabilidade social.

  • Esta pesquisa não avaliou os fatores do ambiente escolar que se relacionam à motivação do estudante, que poderão ser explorados em estudos futuros.

  • O estudo não comparou as instituições de ensino com o objetivo de verificar se a metodologia de ensino empregada se relaciona à motivação dos estudantes. Em razão disso, estudos futuros poderão avançar nesse conhecimento.

Este estudo contribui para fomentar a discussão da necessidade de se considerar, além dos elementos cognitivos curriculares, um dos mais importantes aspectos relacionados à aprendizagem: a motivação. A motivação se relaciona ao aprendizado profundo e favorece o hábito da aprendizagem ao longo da vida profissional, proporcionando a formação de profissionais competentes. Considerando que no ambiente acadêmico a motivação e a aprendizagem são integralmente relacionadas, é importante que o tema seja considerado por gestores e professores durante o planejamento das atividades acadêmicas, inclusive quando da organização do currículo, que deveriam levar em conta estratégias para o atendimento das necessidades de autonomia dos estudantes, de modo a promover o sentimento de confiança em suas competências e relacionamentos sociais, que são as necessidades básicas defendidas pela Teoria da Autodeterminação51.

CONCLUSÃO

Este estudo evidenciou que os estudantes de Medicina do quarto ano apresentaram um perfil moderado de motivação intrínseca e motivação extrínseca, com médias da motivação intrínseca superiores às da extrínseca. Os níveis elevados de motivação intrínseca foram observados nos domínios de motivação para realização e para o saber, sendo o prazer de ampliar conhecimentos e o aumento da competência profissional os fatores que mais impactaram positivamente a motivação dos estudantes. Dentre os fatores de motivação intrínseca, aquele que recebeu a menor pontuação foi a universidade como local de prazer. Esse fato apresenta uma oportunidade para estudos futuros, que poderão verificar os fatores do ambiente escolar que se relacionam à motivação em aprender dos estudantes. A motivação extrínseca estava altamente relacionada com o desejo de ter uma boa vida no futuro, incluindo remuneração. A motivação acadêmica foi influenciada pelos fatores: sexo feminino, morar sozinho e estudar em instituição com metodologia APB. Conhecer as variáveis que caracterizam a autorregularão da aprendizagem é fundamental para embasar estratégias de ensino que contribuam para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem.

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7Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO Declaramos que não houve financiamento para a realização desta pesquisa.

Recebido: 11 de Maio de 2020; Aceito: 23 de Março de 2021

Editora-chefe: Daniela Chiesa. Editor associado: Maurício Abreu Pinto Peixoto.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Anizio de Almeida Cadête Filho participou ativamente do delineamento da pesquisa, da coleta de dados, da discussão dos resultados e da redação do artigo. Trata-se dos resultados da dissertação de mestrado. José Maria Peixoto participou da revisão e aprovação da versão final do texto. Eliane Perlatto Moura participou ativamente do delineamento da pesquisa, da coleta de dados, da discussão dos resultados, da redação do artigo, da revisão e aprovação da versão final do texto.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses neste estudo.

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