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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.45 no.3 Rio de Janeiro  2021  Epub 05-Ago-2021

https://doi.org/10.1590/1981-5271v45.3-20200090 

ARTIGO ORIGINAL

Disponibilidade para educação interprofissional em cursos orientados por métodos ativos de ensino-aprendizagem

Readiness for interprofessional education in undergraduate courses based on active learning methods

Guilherme Rodrigues Barbosa1 
http://orcid.org/0000-0003-1486-0928

Ricardo Aurélio Carvalho Sampaio2 
http://orcid.org/0000-0002-0005-1145

Simone Appenzeller3 
http://orcid.org/0000-0001-5075-4474

1 Universidade Federal de Sergipe, Lagarto, Sergipe, Brasil.

2 Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, Sergipe, Brasil.

3 Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, Brasil.


Resumo:

Introdução:

A educação interprofissional (EIP) desenvolve competências colaborativas, aprimora a segurança do paciente e melhora a qualidade da atenção à saúde. A disponibilidade para aprendizagem compartilhada relaciona-se diretamente com a EIP.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivo analisar a disponibilidade dos estudantes para a EIP, de acordo com os ciclos e cursos.

Método:

Trata-se de estudo transversal, descritivo, de abordagem quantitativa. Utilizou-se a Readiness for Interprofessional Learning Scale (RIPLS) via formulário eletrônico. Os testes Mann-Whitney e qui-quadrado foram utilizados para analisar respectivamente variáveis contínuas e categóricas. Nas análises para verificar as diferenças nas pontuações dos fatores 1. trabalho em equipe e colaboração (TEC), 2. identidade profissional (IP) e 3. atenção à saúde centrada no paciente (ACP), além da pontuação global da RIPLS, os cursos e ciclos foram comparados por meio do teste Kruskal-Wallis.

Resultado:

Participaram do estudo 506 estudantes, com taxa de respostas de 32,6%, dos cursos de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição, Odontologia e Terapia Ocupacional de uma universidade pública brasileira. As pontuações dos fatores 1, 2 e 3 e a pontuação global da RIPLS não apresentaram diferenças entre os sexos. Os estudantes do curso de Farmácia apresentaram menor disponibilidade para o fator 3 (ACP) quando comparados com os alunos de Enfermagem, Fisioterapia, Medicina, Odontologia e Terapia Ocupacional (p = 0,007). Os discentes de Fonoaudiologia e Nutrição apresentaram menor pontuação no mesmo fator em comparação com os de Odontologia e Terapia Ocupacional (p = 0,007). Os estudantes de Farmácia (p = 0,004) e Medicina (p = 0,016) foram menos propícios a obter maior pontuação no fator 1 (TEC), enquanto os de Terapia Ocupacional obtiveram maior chance para maior disponibilidade no mesmo fator (p = 0,024). No fator 2 (IP), os estudantes do quinto ciclo foram menos propensos a atitudes positivas (p = 0,046). Observou-se que os estudantes de Terapia Ocupacional apresentaram atitude mais favorável para a EIP expressa tanto no fator 3 (p = 0,034) quanto na pontuação global (p = 0,027), enquanto os alunos do curso de Farmácia apresentaram menor chance para melhor disponibilidade no fator 3 (p = 0,003) e na pontuação global (p = 0,003).

Conclusão:

Considerando a relevância da EIP no processo de reorientação da formação de profissionais de saúde para a construção da integralidade do cuidado e alinhamento com o Sistema Único de Saúde, este estudo pretende contribuir para a reflexão acerca das diferenças na disponibilidade para EIP entre cursos de graduação na área da saúde.

Palavras-chave: Educação Interprofissional; Aprendizagem Ativa; Relações Interprofissionais; Educação Superior

Abstract:

Introduction:

Interprofessional Education (IPE) helps develop collaborative skills, enhance patient safety and improve the quality of health care. Readiness for shared learning is directly related to IPE.

Objective:

To analyze Readiness for IPE among students, according to the cycles and courses.

Method:

This cross-sectional, descriptive study adopted a quantitative approach and used the Readiness for Interprofessional Learning Scale (RIPLS) via an electronic form. Mann-Whitney and chi-square tests were used to analyze the continuous and categorical variables, respectively. Analyses to ascertain differences between scores for the factors (1) Teamwork and Collaboration (TEC), (2) Professional Identity (IP), (3) Patient-Centered Health Care (ACP), and the overall RIPLS score, used the Kruskal-Wallis test to compare courses and cycles.

Result:

A response rate of 32.6% was attained from a sample of 506 students from the Nursing, Pharmacy, Physiotherapy, Speech Therapy, Medicine, Nutrition, Dentistry and Occupational Therapy courses of a Brazilian public university. The scores for factors 1, 2 and 3, and the overall RIPLS score did not differ between genders. Pharmacy students reported a lower Readiness for factor 3 (ACP) compared to students in Nursing, Physiotherapy, Medicine, Dentistry and Occupational Therapy (p=0.007). Speech therapy and Nutrition reported lower scores for the same factor compared to Dentistry and Occupational Therapy (p=0.007). Pharmacy students (p=0.004) and medicine students (p=0.016) were less likely to obtain a higher score in factor 1(TEC), while Occupational Therapy students were more likely to report greater Readiness in the same factor (p=0.024). In factor 2 (IP), fifth grade students were less likely to have positive attitudes (p=0.046). It was observed that Occupational Therapy students showed a more favorable attitude towards IPE expressed both in factor 3 (p=0.034) and in the overall score (p=0.027), while students in the Pharmacy course were less likely to report better readiness in factor 3 (p=0.003) and in the overall score (p=0.003).

Conclusion:

Considering the relevance of IPE in the process of redirecting health care training to build comprehensive care and ensure alignment with the Unified Health System, this study aims to reflect on the differences in readiness for IPE between undergraduate courses in health area.

Keywords: Interprofessional Education; Active Learning; Interprofessional Relations; Higher Education

INTRODUÇÃO

A educação interprofissional (EIP) em saúde é estratégica para o desenvolvimento de competências colaborativas, com o objetivo de ampliar a segurança do paciente, com maior resolutividade dos serviços e melhor qualidade da atenção ao indivíduo no sistema de saúde1)-(3. A “EIP ocorre quando duas ou mais profissões aprendem sobre os outros, com os outros e entre si para a efetiva colaboração e melhora dos resultados na saúde”4, reformulando a lógica uniprofissional, em que cada profissão encerra-se em si mesma.

A EIP pretende o desenvolvimento de três competências que devem estar integradas: competências comuns a todas as profissões, competências específicas de cada área profissional e competências colaborativas, garantindo o respeito às especificidades de cada profissão na construção de uma rede colaborativa5. Nesse sentido, um estudo recentemente publicado6 constatou que estudantes de graduação têm a percepção clara do desenvolvimento de competências colaborativas no ato da construção de um plano integrado de cuidados.

Debate-se na literatura o melhor momento para efetivar a EIP em instituições de ensino e de assistência à saúde1),(7)-(12. Os estudantes no primeiro ano de graduação já expressam estereótipos consolidados em relação a outros grupos profissionais, o que suporta a ideia de que iniciativas de EIP no início da graduação podem contribuir para a desconstrução do estereótipo preconcebido. Contudo, iniciativas de EIP ao final ou mesmo após a graduação podem ser mais efetivas, uma vez que os participantes possuem melhor compreensão da própria identidade profissional e, portanto, apresentam melhor capacidade para interagir entre as profissões. A partir dessa discussão, sugerem-se o início precoce e a continuidade da EIP ao longo do programa educacional.

O estilo educacional influencia o sucesso da EIP. Métodos de ensino aprendizagem problematizadores, contextualizados com a prática profissional e que demandam interação entre as profissões potencializam o desenvolvimento das competências colaborativas1),(13),(14.

A sensibilização de estudantes de graduação para a importância do trabalho em equipe produzindo uma efetiva colaboração é um dos grandes desafios da reorientação da formação profissional15. Conhecer a disponibilidade e a atitude de estudantes de graduação na saúde para a EIP é essencial para a construção de competências colaborativas16.

A Readiness for Interprofessional Learning Scale (RIPLS) é uma escala atitudinal utilizada globalmente e validada em língua portuguesa, como um instrumento para avaliar a disponibilidade e a atitude para a EIP16. A disponibilidade para aprenderem juntos tem expressão direta nas atitudes17. Pesquisas que utilizaram a RIPLS demonstraram diferenças nas atitudes entre diferentes grupos profissionais2),(15),(18.

Este estudo justifica-se pela necessária investigação da disponibilidade para a EIP entre estudantes de um campus universitário que se destaca em sua organização curricular no contexto dos campi da saúde no cenário brasileiro. O campus de Lagarto da Universidade Federal de Sergipe (UFS), criado em 2011 e alinhado às Diretrizes Curriculares Nacionais, envolve oito cursos - Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição, Odontologia e Terapia Ocupacional. Os currículos são organizados em ciclos anuais, integrando teoria e prática, orientados pela aprendizagem baseada em problemas (ABP) e pela problematização pelo Arco de Maguerez como métodos de ensino-aprendizagem, turmas pequenas e inserção em práticas de ensino na comunidade desde o início da graduação. Sublinha-se a estrutura do primeiro ciclo/ano letivo que é comum aos oito cursos, constituído por turmas mistas, proporcionando experiências interdisciplinares e oferecendo um momento fértil para o desenvolvimento de EIP. Contudo, o caminho percorrido pelos estudantes a partir do segundo ciclo negligencia a interação interprofissional19, ameaçando as potencialidades da vivência interdisciplinar prévia10.

Nesse contexto, surgiram as seguintes inquietações: Qual é a disponibilidade dos estudantes para a EIP? Há variação significativa entre os estudantes de diferentes ciclos e cursos? Fatores como sexo, idade e ter cursado uma graduação anterior interferem na disponibilidade?

O objetivo deste trabalho foi analisar a disponibilidade e a atitude dos estudantes dos oito cursos para a EIP, de acordo com os diferentes ciclos e cursos, ajustando-se para idade, sexo e graduação anterior.

MÉTODOS

Realizou-se um estudo transversal, descritivo, de abordagem quantitativa. A coleta de dados ocorreu entre outubro de 2017 e junho de 2018 utilizando formulário on-line.

O convite foi enviado por meio eletrônico para todos os estudantes matriculados no campus, considerando os endereços cadastrados no Departamento de Administração Acadêmica, totalizando 1.549 convites. Semanalmente, enviaram-se lembretes com o link de acesso para o preenchimento do formulário.

O formulário on-line foi construído na plataforma Google Forms O estudante que, após a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) disponível na página de abertura do formulário, aceitou participar foi direcionado às seguintes seções do formulário:

  • Dados gerais: sexo, idade, curso, ciclo e graduação anterior.

  • Readiness for Interprofessional Learning Scale (RIPLS), na versão traduzida e adaptada para a língua portuguesa por Peduzzi et al.16, composta por 27 itens apresentados em três fatores. O fator 1, denominado “trabalho em equipe e colaboração” (TEC), agrupa 14 itens (1-9 e 12-16) que envolvem atitudes positivas relacionadas à disponibilidade para aprendizagem compartilhada, à confiança e ao respeito a outras áreas profissionais. Por sua vez, o fator 2 - “identidade profissional” (IP) - envolve oito itens (10, 11, 17-22). Entre esses itens, há cinco que simbolizam atitudes negativas para a aprendizagem interprofissional, enquanto os demais (18, 20 e 22) relacionam-se a objetivos clínicos das profissões e à autonomia profissional. Portanto, deve-se destacar que o fator 2 expressa, parcialmente, relação com um componente competitivo vinculado à IP. Finalmente, o fator 3 - “atenção à saúde centrada no paciente” (ACP) - envolve cinco itens, de 23 a 27, que se referem a atitudes positivas direcionadas ao reconhecimento das necessidades de saúde na perspectiva do paciente, pautando-se por relações de cooperação, confiança e compaixão. Os itens dos três fatores estão correlacionados entre si e mesclados na estrutura da RIPLS.

Seguindo a orientação relativa à aplicação da RIPLS, o formulário foi configurado de modo a estabelecer as respostas no formato de escala Likert de cinco pontos: (1) discordo totalmente; (2) discordo; (3) não concordo nem discordo; (4) concordo; (5) concordo totalmente16. A análise foi feita pelo cálculo das pontuações individuais (global e por fator). A pontuação global poderia variar entre 27 e 135, e as pontuações máximas para os fatores 1, 2 e 3 são 70, 40 e 25, respectivamente. Quanto mais alta é a pontuação, maior é a disponibilidade, e quanto menor é a pontuação, menores são a disponibilidade e a atitude dos estudantes para a EIP. Os itens 10, 11, 17, 19 e 21 da RIPLS remetem a atitudes negativas perante a EIP, e, portanto, para a análise, os escores desses itens foram invertidos20. Os dados foram organizados em planilha do Microsoft Excel.

O teste de Kolmogorov-Smirnov foi usado para verificar a normalidade da distribuição dos dados; assim, descritivamente, estão apresentados como mediana [mínimo-máximo] para variáveis contínuas e frequência (%) para valores categóricos. Para comparar as características dos participantes de acordo com o sexo, utilizaram-se o teste Mann-Whitney e qui-quadrado para variáveis contínuas e categóricas, respectivamente. Nas análises para verificar as diferenças nas pontuações dos fatores 1, 2 e 3 da RIPLS, bem como sua pontuação global, os cursos e ciclos foram comparados por meio do teste Kruskal-Wallis. Quando se encontraram diferenças estatisticamente significativas, realizou-se o teste post hoc least significant difference (LSD) de Fisher para identificá-las.

Adicionalmente, visando verificar a disponibilidade e atitude dos participantes do estudo para a EIP, as pontuações dos fatores 1, 2 e 3 e a pontuação global da RIPLS foram dicotomizadas de acordo com a mediana (isto é, 60, 20, 22 e 101, respectivamente) e utilizadas como variável dependente para a regressão logística multivariada, método enter (ajustada por sexo, idade e graduação anterior). Aqueles que obtiveram pontuação inferior à mediana foram codificados como “0”, enquanto os que obtiveram escores acima foram codificados como “1”. Para melhor formulação do modelo estatístico, dicotomizaram-se também as variáveis independentes curso e ciclo de estudo. A significância estatística foi determinada como p < 0,05. Realizaram-se todos os testes com o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, versão 21.0).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFS, via Plataforma Brasil com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) no 56593816.7.0000.5546. O TCLE foi apresentado aos participantes, e somente avançaram para etapa de resposta ao formulário aqueles que responderam ao TCLE com aceite.

RESULTADOS

Dentre os 1.549 estudantes convidados para participar da pesquisa, 565 responderam ao formulário, e 59 respostas foram repetidas. Portanto, o número efetivo de participantes da pesquisa foi de 506 estudantes - taxa de respostas válidas de 32,6%.

Todos os oito cursos do campus foram representados no estudo, com a seguinte distribuição entre os sexos: sexo masculino, n = 136, feminino, n = 370, mediana de idade 21 anos em ambos os sexos. A Tabela 1 apresenta a descrição geral dos participantes e a comparação das variáveis de acordo com o sexo. Considerando os diferentes cursos, Medicina apresentou maior proporção de indivíduos do sexo masculino, enquanto Nutrição teve maior proporção de mulheres. Em relação aos ciclos, apenas o sexto ciclo (estudantes de Medicina) apresentou maior proporção de homens. As pontuações dos fatores 1, 2 e 3 e a pontuação global da RIPLS não apresentaram diferenças entre os sexos (Tabela1).

Tabela 1 Características gerais dos participantes do estudo (N = 506). 

Variável N (%) ou mediana [mínimo-máximo] P
Geral Masculino (n = 136) Feminino (n = 370)
Idade(anos) 21,0 [17,0-63,0] 21,0 [17,0-58,0] 21,0 [17,0-63,0] 0,718
Curso
Enfermagem 58 (11,5) 14 (10,3) 44 (11,9) 0,617
Farmácia 62 (12,3) 15 (11,0) 47 (12,7) 0,611
Fisioterapia 111 (21,9) 24 (17,6) 87 (23,5) 0,157
Fonoaudiologia 57 (11,3) 11 (8,1) 46 (12,4) 0,171
Medicina 62 (12,3) 36 (26,5) 26 (7,0) < 0,001*
Nutrição 56 (11,1) 8 (5,9) 48 (13,0) 0,024*
Odontologia 53 (10,5) 20 (14,7) 33 (8,9) 0,059
Terapia Ocupacional 47 (9,3) 8 (5,9) 39 (10,5) 0,110
Ciclo de estudo
Primeiro ciclo 126 (24,9) 42 (30,9) 84 (22,7) 0,059
Segundo ciclo 137 (27,1) 34 (25,0) 103 (27,8) 0,524
Terceiro ciclo 90 (17,8) 19 (14,0) 71 (19,2) 0,174
Quarto ciclo 96 (19,0) 23 (16,9) 73 (19,7) 0,474
Quinto cicloa 50 (9,9) 13 (9,6) 37 (10,0) 0,883
Sexto ciclob 7 (1,4) 5 (3,7) 2 (0,5) 0,007*
Graduação anterior (sim) 33 (6,5) 11 (8,1) 22 (5,9) 0,387
RIPLS
RIPLS Fator 1 60,0 [32,0-70,0] 60,0 [32,0-70,0] 60,0 [36,0-70,0] 0,660
RIPLS Fator 2 20,0 [9,0-40,0] 20,0 [10,0-40,0] 20,0 [9,0-40,0] 0,246
RIPLS Fator 3 22,0 [13,0-25,0] 22,0 [15,0-25,0] 22,0 [13,0-25,0] 0,958
RIPLS - Pontuação global 101,0 [66,0-135,0] 101,0 [83,0-135,0] 101,0 [66,0-135,0] 0,993

*Significante estatisticamente. aEstudantes dos cursos de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Medicina e Odontologia. bSomente estudantes do curso de Medicina.

Em relação a ter cursado alguma graduação anteriormente, 33 (6,52%) estudantes passaram por essa experiência, enquanto 473 (93,48%) estavam cursando a primeira graduação na ocasião da pesquisa. Não houve diferença estatisticamente significante entre as pontuações na RIPLS quando se compararam esses dois grupos: fator 1 (p-valor = 0,834), fator 2 (p-valor = 0,373), fator 3 (p-valor = 0,068) e global (p-valor = 0,300).

A Tabela 2 apresenta comparações entre os oito cursos para a disponibilidade e atitude em relação à EIP. Observou-se que o curso de Farmácia apresentou menor disponibilidade para o Fator 3 da RIPLS em comparação aos cursos de Enfermagem, Fisioterapia, Medicina, Odontologia e Terapia Ocupacional. Os cursos de Fonoaudiologia e Nutrição apresentaram menor pontuação no mesmo fator em comparação aos cursos de Odontologia e Terapia Ocupacional. Nenhuma outra diferença foi observada para os demais fatores e a pontuação global da RIPLS (Tabela 2).

Tabela 2 Disponibilidade dos participantes do estudo para a educação interprofissional de acordo com o curso (N = 506). 

Variável Enfermagem (n = 58) Farmácia (n = 62) Fisioterapia (n = 111) Fonoaudiologia (n = 57) Medicina (n = 62) Nutrição (n = 56) Odontologia (n = 53) Terapia Ocupacional (n = 47) P
RIPLS Fator 1 61,0 [44,0-70,0] 57,5 [47,0-70,0] 60,0 [37,0-67,0] 60,0 [36,0- 70,0] 57,0 [32,0-70,0] 62,0 [39,0-67,0] 60,0 [41,0-67,0] 62,0 [49,0-70,0] 0,052
RIPLS Fator 2 19,0 [12,0-37,0] 20,0 [9,0-40,0] 20,0 [10,0-37,0] 21,0 [10,0-40,0] 21,0 [14,0-40,0] 20,0 [13,0-35,0] 20,0 [10,0-32,0] 19,0 [12,0-39,0] 0,334
RIPLS Fator 3 23,0 [15,0-25,0] 21,0 [15,0-25,0] 22,0 [16,0-25,0] 22,0 [16,0-25,0] 21,5 [15,0-25,0] 22,0 [13,0-25,0] 22,0 [15,0-25,0] 23,0 [18,0-25,0] 0,007*
RIPLS - Pontuação global 102,0 [83,0-131,0] 98,0 [81,0-135,0] 101,0 [80,0-124,0] 101,0 [76,0-135,0] 99,0 [85,0-135,0] 101,0 [66,0-122,0] 103,0 [81,0-119,0] 102,0 [88,0-131,0] 0,069

*Significante estatisticamente. Valores são mediana [mínimo - máximo]. Post hoc LSD de Fisher - RIPLS fator 3: Farmácia < Enfermagem; Fisioterapia; Medicina; Odontologia; Terapia Ocupacional. Fonoaudiologia < Odontologia; Terapia Ocupacional. Nutrição < Odontologia; Terapia Ocupacional.

No que se refere à comparação dos fatores 1, 2 e 3 e à pontuação global da RIPLS entre os diferentes ciclos de estudo, nenhuma diferença estatisticamente significativa entre os grupos foi encontrada (Tabela 3).

Tabela 3 Disponibilidade dos participantes do estudo para a educação interprofissional de acordo com o ciclo de estudo (N = 506). 

Variável 1º ciclo (n = 126) 2º ciclo (n = 137) 3º ciclo (n = 90) 4º ciclo (n = 96) 5º ciclo (n = 50)a 6º ciclo (n = 7)b P
RIPLS Fator 1 60,0 [32,0-70,0] 60,0 [37,0-70,0] 61,0 [36,0-70,0] 61,0 [41,0-70,0] 58,0 [41,0-70,0] 54,0 [44,0-66,0] 0,561
RIPLS Fator 2 20,0 [12,0-40,0] 19,0 [9,0-40,0] 20,0 [10,0-40,0] 20,0 [10,0-40,0] 19,0 [14,0-37,0] 22,0 [18,0-40,0] 0,121
RIPLS Fator 3 22,0 [13,0-25,0] 22,0 [15,0-25,0] 22,0 [15,0-25,0] 22,0 [15,0-25,0] 21,5 [17,0-25,0] 22,0 [19,0-25,0] 0,836
RIPLS - Pontuação global 102,0 [66,0-135,0] 101,0 [80,0-135,0] 101,0 [74,0-135,0] 101,0 [85,0-135,0] 99,0 [81,0-131,0] 97,0 [92,0-131,0] 0,601

Valores são mediana [mínimo-máximo]. aEstudantes dos cursos de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Medicina e Odontologia. bSomente estudantes do curso de Medicina.

A Tabela 4 apresenta as análises de regressão logística multivariada - método enter - para cada fator da RIPLS e para a pontuação global no instrumento. Após essas variáveis serem dicotomizadas de acordo com as medianas, foram inseridas como dependentes nas análises, e testaram-se os cursos e ciclos de estudo um a um no modelo multivariado ajustado por sexo, idade e graduação anterior. Observou-se que os estudantes dos cursos de Farmácia e Medicina foram menos propícios a obter maior pontuação no fator 1 (Farmácia, OR 0,42 95% IC [0,24-0,75], p = 0,004), ao contrário dos alunos do curso de Terapia Ocupacional, que apresentaram maior propensão à disponibilidade para o TEC (OR 2,08 95% IC [1,10-3,92], p = 0,024). No fator 2 (IP), os estudantes do quinto ciclo foram menos propensos a atitudes positivas (quinto ciclo, OR 0,52 95% IC [0,27-0,99], p = 0,046). No fator 3 (ACP), observou-se que os estudantes do curso de Farmácia apresentaram menor disponibilidade a maiores pontuações nesse domínio (Farmácia, OR 0,40 95% IC [0,21-0,73], p = 0.003), enquanto os discentes de Terapia Ocupacional demonstraram maior inclinação à disponibilidade para a ACP (OR 1,97 95% IC [1,05-3,70], p = 0,034). E, finalmente, observou-se que os estudantes do curso de Farmácia apresentaram menor propensão a maiores pontuações (OR 0,40 95% IC [0,22-0,73], p = 0,003), enquanto aqueles de Terapia Ocupacional apresentaram atitude mais favorável para a EIP de acordo com a pontuação global da RIPLS (Terapia Ocupacional, OR 2,04 95% IC [1,08-3,85], p = 0,027). Nenhuma diferença foi encontrada para os outros cursos ou ciclos de estudo (Tabela 4).

Tabela 4 Regressão logística multivariada. Os fatores 1, 2 e 3 e a pontuação global da RIPLS (dicotomizados a partir da mediana) foram inseridos como variáveis dependentes, enquanto os cursos e ciclos de estudo foram testados como variáveis independentes nos modelos ajustados por sexo, idade e graduação anterior. 

Variável RIPLS
Fator 1 Fator 2 Fator 3 Pontuação global
Cursos OR (95% IC) P OR (95% IC) P OR (95% IC) P OR (95% IC) P
Enfermagem 1,15 (0,66-2,01) 0,600 0,79 (0,45-1,40) 0,435 1,52 (0,87-2,64) 0,138 1,22 (0,70-2,11) 0,480
Farmácia 0,42 (0,24-0,75) 0,004* 0,88 (0,51-1,51) 0,652 0,40 (0,21-0,73) 0,003* 0,40 (0,22-0,73) 0,003*
Fisioterapia 1,07 (0,70-1,64) 0,726 0,92 (0,60-1,41) 0,715 0,81 (0,52-1,25) 0,347 0,86 (0,56-1,31) 0,491
Fonoaudiologia 1,15 (0,65-2,01) 0,624 1,39 (0,79-2,43) 0,245 0,85 (0,47-1,52) 0,589 1,24 (0,70-2,18) 0,446
Medicina 0,48 (0,27-0,87) 0,016* 1,67 (0,96-2,92) 0,069 1,05 (0,59-1,85) 0,857 0,65 (0,36-1,15) 0,139
Nutrição 1,66 (0,94-2,94) 0,078 1,07 (0,61-1,88) 0,800 1,14 (0,65-2,01) 0,633 1,06 (0,60-1,86) 0,828
Odontologia 1,06 (0,60-1,89) 0,823 0,85 (0,47-1,52) 0,592 1,28 (0,72-2,29) 0,394 1,78 (0,99-3,18) 0,052
Terapia Ocupacional 2,08 (1,10-3,92) 0,024* 0,70 (0,37-1,32) 0,280 1,97 (1,05-3,70) 0,034* 2,04 (1,08-3,85) 0,027*
Ciclos de estudo
Primeiro ciclo 0,78 (0,51-1,20) 0,276 1,46 (0,95-2,23) 0,078 1,15 (0,75-1,78) 0,510 1,20 (0,78-1,83) 0,401
Segundo ciclo 1,02 (0,68-1,51) 0,920 0,81 (0,54-1,22) 0,331 0,98 (0,66-1,47) 0,945 1,05 (0,70-1,56) 0,793
Terceiro ciclo 1,43 (0,90-2,27) 0,124 1,00 (0,63-1,59) 0,983 0,85 (0,53-1,36) 0,505 0,99 (0,62-1,57) 0,984
Quarto ciclo 1,24 (0,79-1,95) 0,335 1,01 (0,64-1,59) 0,952 0,94 (0,59-1,49) 0,795 0,93 (0,59-1,47) 0,778
Quinto ciclo 0,61 (0,33-1,13) 0,122 0,52 (0,27-0,99) 0,046* 1,06 (0,58-1,95) 0,829 0,74 (0,40-1,37) 0,349
Sexto ciclo 0,49 (0,09-2,62) 0,406 8,38 (0,98-71,34) 0,052 1,43 (0,30-6,85) 0,649 0,59 (0,11-3,17) 0,543

OR: odds ratio; IC: intervalo de confiança. *Significante estatisticamente.

DISCUSSÃO

Este estudo demonstrou que a disponibilidade e atitude de estudantes dos oito cursos da saúde para a EIP variaram entre cursos e ciclos. O campus universitário estudado apresenta particularidades na proposta pedagógica dos cursos, sobretudo concernentes ao primeiro ciclo comum às oito profissões, com turmas mistas, o que oferece o ensejo para o desenvolvimento de habilidades potentes para a formação e prática interprofissional. A oportunidade de os estudantes de diferentes profissões desenvolverem atividades juntos não garante necessariamente a construção de uma aprendizagem “com”, “sobre” e “entre si”, construindo competências colaborativas e efetivando uma EIP3),(15),(21),(22. Desse cenário emergiu a relevância desta pesquisa, no sentido de reconhecer a disponibilidade e atitude dos participantes para uma EIP.

A RIPLS é um instrumento amplamente utilizado para avaliação da disponibilidade para a EIP (2),(16, originalmente aplicada a estudantes de oito cursos de graduação do Reino Unido em 199923. Foi traduzida e validada para diferentes línguas, com versões modificadas, e aplicada em cursos de graduação e pós-graduação e também para profissionais da saúde em diversos contextos, com estudos transversais12),(15),(17),(24),(25),(26) e longitudinais8),(20),(27),(28),(29. No Brasil, destacam-se sete estudos2),(15),(16),(17),(24),(24),(30),(31) que utilizaram a RIPLS com estudantes de graduação, todos com delineamento transversal e com dois ou mais cursos pesquisados, e alguns apresentam semelhança com o presente estudo, e todos estão inclusos na discussão adiante.

Dentre os diferentes meios de aplicação da RIPLS, tais como impresso e eletrônico16),(17),(20),(24)-(26, a opção deste estudo, via formulário eletrônico Google Forms observou as vantagens oferecidas pela modalidade - gerenciamento em tempo real dos respondentes, possibilidade de reenvio dos convites, exigência de resposta completa e saída dos dados em planilha Microsoft Excel -, de modo a evitar erros na tabulação das respostas e baixo custo de implementação32),(33. Porém, há desafios desse método de coleta, sobretudo no que concerne à taxa de respostas32)-(34. A taxa de resposta foi expressiva, 32,6%, considerando o método de coleta definido, já que alguns autores33),(34 apontam taxas em torno de 25%, podendo ser ainda menor, em torno de 10%, com discentes34.

A diferença do número de participantes por ciclo, consideravelmente menor no quinto e sexto ciclos, tem relação com a duração dos cursos. Fonoaudiologia, Nutrição e Terapia Ocupacional estão organizados em quatro ciclos, enquanto Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia e Odontologia possuem cinco ciclos, e o curso de Medicina tem duração de seis ciclos. Optou-se por manter a comparação entre todos os cursos e ciclos, mesmo com essa diferença de participantes, buscando manter afinidade com as inquietações que motivaram o estudo e os respectivos objetivos.

Houve predominância de participantes do sexo feminino (73%) em relação ao masculino (27%), o que se assemelha a outros estudos que também apontam uma maior adesão de mulheres entre os participantes2),(15),(26),(28,exceto Medicina com maior proporção de indivíduos do sexo masculino (58%), assemelhando-se aos resultados de Zechariah et al.12 e reiterando o perfil dos estudantes e profissionais da área da saúde. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes nas pontuações entres homens e mulheres tanto em cada um dos três fatores quanto na pontuação global da RIPLS. Esse achado se alinha ao estudo de Tompsen et al.17) e difere de outros2),(11),(26) nos quais as participantes do sexo feminino apresentaram pontuações significativamente mais altas na RIPLS. A mediana da idade dos participantes foi a mesma para ambos os sexos, 21 anos, e assemelha-se com a média de idade encontrada em estudos análogos2),(15),(28),(29, que também não encontraram variação significativa da idade em relação ao sexo.

Não houve diferença estatisticamente significante entre as pontuações da RIPLS em nenhum dos fatores, nem na pontuação global, entre os estudantes que já tinham uma graduação anterior, corroborando o resultado obtido por Nuto et al.2, e nem mesmo em relação aos diferentes ciclos. Outras pesquisas11),(26 investigaram se estudantes com experiência prévia de trabalho no setor de saúde apresentariam melhor desempenho na pontuação da RIPLS e registraram não haver diferença estatisticamente significativa. Em relação aos ciclos, o resultado alinha-se com o achado de Al-Eisa et al.25, descartando a hipótese inicial que previa piores desempenhos na disponibilidade nos ciclos mais avançados. Há estudos1),(7)-(12 que sinalizam claramente a importância de iniciativas de EIP desde o início da graduação, mantendo a transversalidade no currículo ao longo de todo o percurso da graduação. A ausência de diferença estatisticamente significante na comparação entre os ciclos nesta pesquisa pode sinalizar a necessidade de novas investigações acerca da possível relação entre o primeiro ano comum aos oito cursos e o efeito de tal experiência na disponibilidade dos estudantes para a EIP ao longo da formação. No tocante à disponibilidade dos participantes para EIP de acordo com os cursos, a suposição de diferenças relevantes na disponibilidade para EIP não se comprovou. Houve diferença estatisticamente significativa no fator 3 (ACP), conforme descrito nos resultados, e este estudo não permite afirmar o motivo de alguns cursos terem tido pior desempenho do que outros apenas nesse fator.

Quando se relacionaram as pontuações dos participantes na RIPLS, por fatores e global, com os cursos e ciclos e ajustando-se para sexo, idade e graduação anterior, outros achados vieram à tona. Em relação ao fator 1 (TEC), os estudantes de Terapia Ocupacional apresentaram melhor desempenho, enquanto aqueles dos cursos de Farmácia e Medicina apresentaram a menor chance de obter melhor desempenho, corroborando os achados de outros estudos2),(15 no tocante ao curso de Medicina e sugerindo a necessidade de pesquisar o que justifica esse desempenho, ao mesmo tempo que demanda uma atenção maior aos currículos desses cursos no sentido de aprimoramento das estratégias de trabalho em grupo, buscando potencializar a colaboração interprofissional. No Fator 2 (IP), o quinto ciclo apresentou menor propensão a atitudes positivas, o que pode indicar que parte dos estudantes está desenvolvendo maior tendência a uma IP focada na uniprofissionalidade na fase mais avançada dos cursos, sugerindo risco importante à interprofissionalidade20. Em contraponto a esse achado, Axelsson et al.11, ao investigarem estudantes de Enfermagem do primeiro e terceiro anos, em estudo transversal, encontraram maior disponibilidade para a EIP nos participantes da fase mais avançada do curso.

Os outros quatro achados - a menor chance para melhor disponibilidade dos estudantes do curso de Farmácia no fator 3 e no fator global, e o melhor desempenho dos estudantes do curso de Terapia Ocupacional tanto no fator 3 quanto na pontuação global da RIPLS - não puderam ser explicados por esta pesquisa. Um estudo recentemente publicado35 aponta para diversos aspectos que podem estar associados com as diferenças entre as profissões em relação à EIP, tais como características individuais dos estudantes, cultura individual e do programa educacional, experiência de vida e profissional pregressa, e fatores sociais. Uma suposição levantada pelo pesquisador para o melhor desempenho dos estudantes de Terapia Ocupacional é a vivência no campo da saúde mental, assim como proximidade com o setor da assistência social36, características que podem proporcionar aos estudantes oportunidades de trabalhar com maior profundidade aspectos relacionados ao relacionamento interpessoal. Matulewicz et al. (35 recentemente apontaram para uma menor pontuação no fator IP de estudantes do curso Farmácia, possivelmente relacionada à experiência de trabalho solitário no contexto comunitário. Porém, esses mesmos estudantes, após participação em um programa de EIP, passaram a apresentar sinais de IP mais altos, enxergando perspectivas de atuação em diferentes contextos, como membros integrais de equipes de saúde.

Um estudo recentemente publicado37 demonstrou que um programa educacional orientado pela ABP e organizado em grupos interprofissionais foi capaz de favorecer a construção conjunta de habilidades cognitivas e outras atividades colaborativas, por meio de uma aprendizagem interativa, relacionadas à competência de solucionar problemas de saúde. O presente estudo não permitiu estabelecer uma análise conclusiva sobre a possível relação entre o desempenho dos estudantes na RIPLS e os métodos de ensino-aprendizagem que orientam os currículos dos cursos estudados, o que pode ser tema de uma pesquisa futura.

Há algumas limitações neste estudo. Pode ter ocorrido um distanciamento entre as respostas ao instrumento e a prática, uma vez que os participantes responderam a formulários autoaplicados e não houve uma observação no local de trabalho/realidade. Outro aspecto diz respeito ao desenho transversal do estudo, que não permitiu avaliar a disponibilidade e atitude dos mesmos estudantes antes e depois de terem vivenciado uma experiência de aprendizagem compartilhada. O reduzido número de estudantes do sexto ciclo participantes deste estudo não possibilitou uma análise fidedigna, na regressão logística multivariada, da possível associação entre o desempenho dos participantes desse ciclo com os fatores da RIPLS, retratado pelo alto intervalo de confiança obtido na análise dos resultados dos participantes do sexto ciclo. Deve-se também citar que há na literatura críticas em relação a algumas versões da RIPLS, sobretudo no tocante às propriedades psicométricas22),(38)-(40, mesmo sendo um instrumento amplamente utilizado18. Contudo, a versão da RIPLS utilizada nesta pesquisa demonstrou adequada consistência interna e confiabilidade, e reconheceu que o fator 2 (IP) é o menos estável16, e há estudos focados no aprimoramento da referida versão17. Destacam-se ainda estudos recentes2),(15),(16),(17),(24 que utilizaram a versão da RIPLS desta pesquisa no contexto brasileiro com estudantes de cursos de graduação da saúde.

CONCLUSÕES

Com base na análise da disponibilidade dos estudantes dos oito cursos para EIP apresentada, a comparação dos escores obtidos na RIPLS entre os ciclos e cursos apresentou diferença significativa apenas entre os cursos e no fator 3 (ACP). Nesse sentido, os estudantes do curso de Farmácia apresentaram menor disponibilidade em comparação aos cursos de Enfermagem, Fisioterapia, Medicina, Odontologia e Terapia Ocupacional. Os estudantes dos cursos de Fonoaudiologia e Nutrição apresentaram menor pontuação no mesmo fator em comparação aos cursos de Odontologia e Terapia Ocupacional. Reflete-se, considerando o destaque do fator 3 neste estudo, sobre a existência de possíveis desafios relacionados à aprendizagem compartilhada entre os estudantes dos diferentes cursos do campus no processo de cuidado em saúde com a atenção focada nas necessidades do usuário do sistema de saúde.

A disponibilidade para EIP dos estudantes dos diferentes ciclos, quando comparados, não apresentou diferenças significativas, e os estudantes do quinto ciclo apresentaram a menor chance para maior disponibilidade. Esse achado pode alinhar-se às evidências de que oferecer no currículo atividades para que os estudantes dos diferentes cursos estejam juntos não garante necessariamente a construção de uma aprendizagem interprofissional, sobretudo no tocante ao aprimoramento da disponibilidade para EIP.

Os participantes do curso de Terapia Ocupacional apresentaram destaque positivo na chance de uma maior disponibilidade para a EIP, sobretudo em relação aos fatores 1 (TEC) e 3 (ACP) e à pontuação global, enquanto aqueles dos cursos de Farmácia e Medicina apresentaram destaque negativo. Registra-se a inquietação acerca dos motivos relacionados a esses resultados.

Dada a relevância da EIP no processo de reorientação da formação de profissionais de saúde no sentido da construção da integralidade do cuidado e alinhamento com o Sistema Único de Saúde, este estudo pretende contribuir para a reflexão acerca das diferenças na disponibilidade para EIP entre cursos de graduação na área da saúde.

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2Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO Declaramos não haver financiamento.

Recebido: 30 de Março de 2020; Aceito: 09 de Julho de 2021

guirbarbosa@gmail.com sampaiorac@gmail.com appenzellersimone@gmail.com

Editora-chefe: Daniela Chiesa. Editor associado: Maurício Abreu Pinto Peixoto.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Guilherme Rodrigues Barbosa participou da elaboração do projeto de pesquisa, da coleta e análise de dados, e da elaboração e leitura final do manuscrito. Ricardo Aurélio Carvalho Sampaio participou da análise de dados e da leitura final do manuscrito. Simone Appenzeller participou da elaboração do projeto de pesquisa, da análise de dados e da elaboração e leitura final do manuscrito.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

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