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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.45 no.3 Rio de Janeiro  2021  Epub 17-Ago-2021

https://doi.org/10.1590/1981-5271v45.3-20210177.ing 

ARTIGO ORIGINAL

Prevalência de empatia, ansiedade e depressão, e sua associação entre si e com gênero e especialidade almejada em estudantes de medicina

1 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.

2 Universidade do Oeste de Santa Catarina, Joaçaba, Santa Catarina, Brasil.

3 Faculdades Pequeno Príncipe, Curitiba, Paraná, Brasil.


Resumo:

Introdução:

A empatia e a saúde mental são fundamentais para o autocuidado e desempenho do estudante de medicina e seu cuidado dos pacientes.

Objetivo:

Avaliar a prevalência e associação entre empatia, ansiedade e depressão, e com gênero, especialidade almejada e período do curso em estudantes de medicina.

Método:

Estudo transversal com 405 de 543 estudantes (74,6%) de semestres ímpares e do 12º semestre do curso de medicina de duas universidades do Sul do Brasil. Os dados foram coletados com questionário autoaplicado contendo idade, sexo, semestre do curso, especialidade almejada, Escala Jefferson de Empatia (JSE) e Inventários de Ansiedade e de Depressão de Beck (BAI e BDI). Os dados foram analisados com estatística descritiva, testes t-Student, Chi-quadrado e ANOVA bidirecional entre grupos. O nível de significância admitido foi de p < 0,05.

Resultados:

A média da JSE foi de 120,2 (DP = 10,6) [116,9 (DP = 11,0) em homens e 123,4 (DP = 9,2) em mulheres, p = 0,000] e maior entre estudantes que almejavam áreas médicas voltadas a pessoas [123,1 (DP = 10,1)] do que entre os que almejavam áreas voltadas a técnicas e procedimentos [(118,5 (DP = 11,2)], p = 0,003. Não houve diferença por período do curso. As médias de ansiedade e depressão foram, respectivamente, de 16,2 (DP = 11,3) e 11,9 (DP = 9,0) [13,1 (DP = 10,3) e 9,9 (DP = 8,3) em homens, e 19,1 (DP = 11,4) e 13,8 (DP = 9,4) em mulheres, p = 0,000 para ambas]. A prevalência de ansiedade moderada e alta foi de 33,8%, e, incluindo-se ansiedade leve, de 59%. A prevalência de disforia (BDI = 16 - 20) e depressão (BDI > 20) foi de 26,4%, e de 11,9% para ideação suicida. A ansiedade grave associou-se à subescala Walking in patient’s shoes da JSE, mais relacionada ao estresse empático.

Conclusões:

A empatia é alta, estável ao longo do curso nas instituições estudadas e maior entre mulheres e estudantes que almejam especialidades voltadas a pessoas. A prevalência de ansiedade e depressão é alta e maior nas mulheres. A ansiedade grave se associou à subescala “colocar-se no lugar do paciente” da JSE.

Palavras-chave: Estudantes de medicina; Empatia; Ansiedade; Depressão; Educação Médica

Abstract:

Introduction:

Empathy and mental health are crucial for medical students’ self-care and performance as well as for patient care.

Objective:

to assess the prevalence of empathy, anxiety and depression, and their association with each other and sex, intended specialty and course semester.

Method:

Cross-sectional study with 405 of 543 students (74.6%) from odd semesters and from the 12th semester of the medical course of two universities in southern Brazil. Data were collected using a self-administered questionnaire containing information on age, sex, medical course semester, intended specialty, Jefferson Scale of Empathy (JSE) and Beck Anxiety and Depression Inventories (BAI and BDI). The data were analyzed using descriptive statistics, Student’s t-tests, Chi-square, and bidirectional ANOVA between groups. The level of significance was set at p < 0.05.

Results:

The mean JSE score was 120.2 (SD = 10.6) [116.9 (SD = 11.0) in men and 123.4 (SD = 9.2) in women, p = 0.000], being higher among students who wanted to follow medical areas aimed at people [123.1 (SD = 10.1)], than among those whose intended areas aimed at techniques and procedures [118.5 (SD = 11.2)], p = .003. There was no difference between the course periods. The anxiety and depression mean rates were, respectively, 16.2 (SD = 11.3) and 11.9 (SD = 9.0) [13.1 (SD = 10.3) and 9.9 (SD = 8.3) in men and 19.1 (SD = 11.4), and 13.8 (SD = 9.4) in women, p = .000 for both]. The prevalence rate of moderate and high anxiety was 33.8% and, when including mild anxiety, it was 59%. The prevalence rate of dysphoria (BDI = 16 - 20) and depression (BDI > 20) was 26.4%, and 11.9% for suicidal ideation. An association was observed between severe anxiety and the JSE subscale ‘Walking in patient’s shoes’, more related to empathic stress.

Conclusions:

Empathy is high and stable throughout the medical course at the studied institutions and higher in women and students who want to follow people-oriented specialties. Anxiety and depression have higher prevalence rates in women. Severe anxiety is associated with the JSE subscale ‘Walking in patient’s shoes’.

Keywords: Medical Students; Empathy; Anxiety; Depression; Medical Education

INTRODUÇÃO

A empatia e a saúde mental do estudante de medicina influenciam seu autocuidado, desempenho acadêmico e o cuidado do paciente. Porém, diversos fatores podem afetá-las antes e durante a formação acadêmica1),(2.

Ao escolherem a medicina como profissão, muitos estudantes ainda estão em fase de transição da adolescência para a idade adulta, com demandas diversas de adaptação que podem piorar sua saúde mental. O preparo para ingresso no curso de medicina geralmente requer grande dedicação aos estudos devido ao processo de seleção extremamente competitivo. Após entrada no curso, há necessidade de adaptação a diversos aspectos, tais como: socialização com novos colegas e professores; novas formas de ensino-aprendizagem; carga horária integral do curso; avaliações geralmente frequentes e superpostas que requerem estudo contínuo de conteúdos novos excessivos; atividades que podem abalar a capacidade emocional como - por exemplo - aulas de anatomia com cadáveres. Para alguns, somam-se distância da família, ter que morar sozinho ou com novos colegas e limitações financeiras e/ou de acesso à alimentação3. Além de fadiga, estresse e ansiedade, a limitação do tempo por pressões do curso comumente interfere nas oportunidades de lazer e interação com familiares e amigos. No decorrer do curso, os estudantes lidam com o sofrimento de pacientes e de seus entes queridos, com a morte, e recebem mensagens sobre valores e atitudes profissionais de pessoas com as quais convivem - muitas vezes - ambíguas, o que pode torná-los vulneráveis e confusos quanto a seus valores mais profundos. No período final do curso, há ainda responsabilidade progressiva no cuidado dos pacientes, plantões, dúvidas sobre a especialidade a seguir e estresse com a prova de seleção para residência médica ou concurso para um trabalho médico que será a primeira fonte de renda após seis anos de formação que limitam a independência econômica1),(2),(4)-(9.

O diagnóstico de ansiedade e depressão relaciona-se com a duração, frequência e intensidade de manifestações de transtornos do humor e afetivos10. Em sua revisão sistemática, Dyrbye e colaboradores constataram uma prevalência de depressão e ansiedade mais alta entre estudantes de medicina do Canadá e dos Estados Unidos do que na população geral1. Outros estudos têm encontrado este mesmo fenômeno11)-(19 e alguns constatam também maior risco de suicídio entre estudantes de medicina12)-(19.

Metanálise sobre a ansiedade entre estudantes de medicina, incluindo 18 estudos da Ásia, 21 do Oriente Médio, 13 da Europa, 10 da América do Sul, 4 da América do Norte, dois da Oceania e um da África, totalizando 40.348 estudantes de medicina, constatou a prevalência geral de 33,8% (IC95% 29,2 - 38,7%), maior do que na população geral18.

Análise recente de dez revisões sistemáticas sobre a depressão entre estudantes de medicina, incluindo 249 artigos escritos em inglês, chinês, espanhol ou português, totalizando 162.450 estudantes de medicina, mostrou a prevalência de 27,0% (IC95%: 24,7-29,5%). Oito estudos foram na África, 49 na América do Norte ou Central, 37 na América do Sul, 107 na Ásia, 46 na Europa e 3 na Região do Pacífico ocidental. Os autores também encontraram como principais fatores associados a sintomas depressivos o período do curso, gênero, problemas pessoais e condições de saúde19. Ainda, metarregressão incluindo 106 estudos de 32 países, totalizando 84.119 participantes, constatou que mulheres tinham maior chance de depressão do que homens (Razão de chance = 1,3, IC 95%: 1,17 - 1,44, p < 0,01)16. Outra revisão sistemática incluindo 178 estudos de 43 países de língua inglesa também constatou prevalência de ideação suicida de 11,1% (IC de 95% = 9,0 - 13,7%) entre 24 estudos de 15 países que a citaram12.

Estudos têm demonstrado relação entre transtornos depressivos e alterações na empatia. Segundo Rogers, empatia é a habilidade de entrar no mundo perceptual de outra pessoa e tentar compreender seus sentimentos e seu olhar sobre o mundo, porém, sem perder de vista a própria perspectiva20),(21. Trata-se de um construto multidimensional, não havendo consenso quanto às suas dimensões22. Morse et al. consideram que a empatia inclui a dimensão emocional (capacidade intrínseca de compreender os sentimentos), a moral (motivação para querer entender o outro), a cognitiva (entender corretamente as perspectivas e os sentimentos dos outros - acurácia empática) e a comportamental (capacidade de se comunicar e compreender tais sentimentos)23. Hojat et al., entretanto, consideram mais a dimensão cognitiva, que envolve a compreensão das experiências e preocupações do paciente e a capacidade de comunicar esta compreensão a ele24. Schreiter et al., baseando-se em diversos autores, entre eles Davis, que construiu a escala Interpersonal Reactivity Index (IRI), consideram que a empatia inclui a dimensão afetiva e a cognitiva. A dimensão afetiva seria composta por dois componentes: a preocupação empática, que leva a pessoa a ter “compaixão” e importar-se com o outro; e, o estresse empático, caracterizado pela lembrança de situações vivenciadas e compartilhamento da dor ao ver outras pessoas sofrendo. A dimensão cognitiva - empatia cognitiva - seria a capacidade de compreender a perspectiva de outra pessoa, o que propicia maior precisão empática25.

Pessoas com depressão subclínica também parecem ter sua atuação social prejudicada mesmo após remissão da depressão, a qual pode influenciar a persistência ou piora na depressão porque elas tendem a evitar interações sociais com quem poderia ajudá-las a superar momentos difíceis26),(27. Aventa-se, também, a possibilidade de que certas áreas cerebrais afetadas na depressão possam levar à dificuldade na comunicação social e na capacidade de perceber e compreender os outros, fundamental para a empatia28. Revisão sistemática, incluindo 37 estudos publicados em inglês, analisou a associação entre a empatia em adultos com diagnóstico primário de depressão maior ou subclínica primária que não haviam procurado ajuda, e que não tivessem outras doenças mentais ou somáticas. Foi verificado que pessoas com depressão não tinham alteração na preocupação empática, mas tendiam a ter maior estresse empático e menor empatia cognitiva. O estudo de Schreiter et al. mostrou que a depressão, além de ser maior entre as mulheres, poderia causar uma queda maior na empatia cognitiva das mulheres do que na dos homens com depressão; entretanto, os autores chamam atenção para as limitações dos estudos analisados, porque todos eram transversais, com variação na população incluída em cada estudo e nos instrumentos usados para avaliar a depressão. Ainda, alguns instrumentos utilizados eram preenchidos pelo próprio participante, o que os tornava mais sujeitos a viés25.

Como a empatia é um componente do profissionalismo médico29)-(31 e um dos pilares da relação médico-paciente, ela tem sido bastante investigada32)-(35. Estudos demonstram que médicos mais empáticos e com comunicação mais centrada no paciente criam maior vínculo com seus pacientes e têm melhores resultados terapêuticos, como por exemplo, menor duração do resfriado comum36, melhor controle da glicemia e do diabetes37),(38, diminuição da ansiedade de seus pacientes e ampliação das estratégias destes para enfrentar seus problemas de saúde39),(40. Levando em conta sua importância na área da saúde, Hojat e colaboradores desenvolveram a Jefferson Scale of Empathy (JSE, Escala Jefferson de Empatia em português) para avaliar a empatia na educação médica e na atenção à saúde24. A JSE tem boa consistência interna e, até 2012, já havia sido traduzida e validada em mais de 40 países. A escala contém 3 subescalas (fatores): Perspective taking, mais relacionada à dimensão cognitiva da empatia; Compassionate care, mais relacionada à afetiva, no sentido de se importar com os sentimentos do paciente; e, Walking in Patient’s shoes, que significa “colocar-se no lugar do outro”, que poderia ser considerado como ficar no lugar do paciente, podendo causar estresse empático41)-(43. Estudo conduzido por Hojat et al. constatou diminuição da empatia no 3º ano do curso de medicina, época em que se inicia o período clínico ou o internato em universidades americanas44. Porém, metanálise com 12 estudos sobre empatia em estudantes de medicina ao longo do curso, restrita a artigos escritos em inglês, sem restrição de data, constatou variação em seus níveis, especialmente em estudos que usaram a JSE45. Outra revisão sistemática recente para avaliar a empatia e variáveis que a influenciavam, incluindo 30 artigos publicados entre 2010 e 2019 em língua inglesa e escandinava, tendo 25 deles usado a JSE, constatou declínio da empatia no decorrer do curso apenas em 14 estudos e sua estabilidade ou até aumento, nos outros 16. Esta variação ocorreu não só entre os países, mas também entre as diversas instituições do mesmo país. A empatia foi maior em mulheres em 18 de 27 estudos e entre estudantes com preferência por especialidade voltada a pessoas em três de nove estudos46. Segundo Hojat, as especialidades voltadas a pessoas são aquelas em que o médico tem encontros frequentes com os pacientes para acompanhar sua saúde ao longo de um longo período de tempo, o que inclui médicos de família, clínicos, pediatras, ginecologistas/obstetras e psiquiatras. As especialidades voltadas a técnica ou procedimentos abrangem as outras especialidades, incluindo especialistas clínicos (como cardiologistas ou gastroenterologistas) e anestesistas, cirurgiões, patologistas e radiologistas43.

Portanto, frente à importância da empatia e da saúde mental dos estudantes de medicina, as seguintes perguntas de pesquisa foram levantadas: Como está a empatia, a ansiedade e a depressão entre estudantes de medicina e como elas se relacionam? Há diferença nestas variáveis entre estudantes de um curso da rede privada e de um da rede pública com currículos diferentes? Quais são as associações entre empatia, ansiedade, depressão com idade, sexo e especialidade almejada por estes estudantes?

Para responder a essas questões, o objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência de empatia, ansiedade e depressão, sua associação entre si e com gênero, especialidade almejada e período do curso.

Nossas hipóteses foram: 1. Não há diferença entre os estudantes de cursos de redes distintas; 2. A prevalência de ansiedade é em torno de 34% e a de depressão, de 27% entre os estudantes; 3. A empatia, a ansiedade e a depressão são maiores entre mulheres; 3. A empatia é maior entre estudantes que pretendem seguir especialidades orientadas a pessoas; 4. A ansiedade e a depressão se correlacionam negativamente com a empatia.

MÉTODO

Delineamento do estudo e preceitos éticos

Estudo transversal, descritivo, com autorização do autor da JSE para seu uso na pesquisa, da Associação de Psicologia, para uso dos Inventários de Depressão e de Ansiedade de Beck, e das duas instituições incluídas, Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas em Seres Humanos da UFSC com CAAE 66299217.3.0000.0121, sob o número 2.280.876. Os dados só foram coletados após todas as aprovações. Antes de aplicar a pesquisa, eram explicados os objetivos, o método e todos os preceitos éticos da pesquisa, sendo então entregue duas vias do Termo de Consentimento Livre Esclarecido ou de Assentimento Esclarecido para os menores de 18 anos, ficando uma delas com o participante e outra com o pesquisador.

Participantes

Os participantes foram os estudantes de Medicina do 1º, 3º, 5º, 7º, 9º, 11º e 12º semestres regularmente matriculados no curso no segundo semestre de 2018 da UFSC e da UNOESC. Os estudantes do primeiro semestre e 11º e 12º semestres foram incluídos, para possibilitar comparações entre o período inicial e final do curso.

A UFSC tem currículo modular integrado e seu vínculo administrativo é federal, sendo doravante denominada Universidade A. A UNOESC tem currículo baseado em problemas e seu vínculo administrativo é privado, sendo doravante denominada Universidade B.

Critérios de inclusão: estudantes presentes em sala de aula no dia da coleta dos dados que aceitassem participar do estudo.

Critérios de exclusão: não preenchimento de mais de 4 questões da Escala Jefferson de Empatia ou seu preenchimento com o mesmo número, e não preenchimento do Inventário de Ansiedade Beck (BAI) e do Inventário de depressão Beck (BDI).

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada com questionário autoaplicado contendo dados de identificação do participante (7 números do meio do CPF, universidade de origem), semestre do curso, sexo, idade, especialidade almejada, empatia avaliada pela JSE, versão validada para o Brasil para estudantes38, o BAI e o BDI.

A JSE é um instrumento autopreenchido, com vinte itens, respondidos em escala de sete pontos, em que 1 é “discordo fortemente” e 7 é “concordo fortemente”. Seu escore é calculado pela somatória dos valores de cada item após inversão de 10 itens, alcançando valor mínimo de 20 pontos e máximo de 140 pontos, com maior nível de empatia para a maior pontuação24),(41)-(43. Como a escala é composta por 3 fatores (subescalas), também podem ser calculados os escores em cada fator. Esses fatores são: Perspective taking (itens 2, 4, 5, 9, 10, 13, 15, 16, 17 e 20), Compassionate care (itens 1, 7, 8, 11, 12, 14, 18 e 19) e Walking in patient’s shoes (itens 3 e 6)43.

O BAI é uma escala para medir a presença e gravidade dos sintomas de ansiedade. É composto por 21 itens, respondidos em escala de 0 a 3, conforme presença e intensidade dos sintomas que afetam o respondente. Seu escore é calculado pela somatória dos valores em cada item. Os pontos de corte para a classificação da ansiedade descritos no manual brasileiro do inventário são: 0 a 10: mínima; 11 a 19: leve; 20 a 30: moderada; e 31 a 63: grave47.

O BDI I tem como objetivo identificar e avaliar a gravidade de sintomas de depressão. É composto por 21 itens com afirmativas, às quais o respondente seleciona a(s) que melhor descreve(m) como ele se sentiu na última semana. Caso o participante assinale mais de uma opção, a mais elevada é contabilizada. O escore é calculado pela somatória das notas nos itens. Os pontos de corte recomendados para a classificação da versão brasileira do BDI I47 são: 0 a 11: depressão mínima; 12 a 19: depressão leve; 20 a 35: depressão moderada; de 36 a 63: depressão grave. Kendal et al. alertam que o BDI deve ser usado como uma medida de síndrome de depressão, mas que seus escores, por si só, são insuficientes como índice de depressão nosológica, pois podem refletir outros diagnósticos como esquizofrenias, transtornos de ansiedade e abuso de substâncias, e podem ser afetados por aspectos como eventos estressantes de vida. Os autores sugerem que outros estados afetivos sejam agregados em pesquisas sobre depressão para identificar que efeitos são específicos para depressão relativos a outras condições do humor. Criticam sua classificação, pois, mesmo quando o escore total é igual a zero, o respondente é classificado como tendo depressão mínima, em vez de ser identificada a ausência de depressão. Afirmam ainda que pontos de corte para depressão como 10 ou 16 podem gerar diagnósticos falso positivos. Recomendam que sejam considerados sem alterações indivíduos com escore até 9 e com depressão leve entre 10 e 20, mas ponderam que pessoas com escores até 17 poderiam ser consideradas como disfóricas (afetividade negativa não específica). Escores acima de 17 aumentariam a probabilidade de haver depressão, a qual deveria ser considerada moderada quando os escores estiverem entre 20 e 30, e severa quando acima de 3048. A recomendação do limite de escore acima de 20 para depressão e abaixo deste ponto de corte para disforia tem sido adotada no Brasil em estudos com estudantes universitários49 e de medicina50. Gorenstein et al. adotaram os pontos de cortes do BDI de menor do que 16 para normalidade, 16 a 20 para disforia e mais de 20 para depressão no subgrupo não clínico em seu estudo para avaliar as propriedade psicométricas da versão brasileira do BDI49. Portanto, no presente estudo, além da classificação recomendada na versão brasileira47, também será considerada essa classificação49.

Análise dos dados

Os dados foram inseridos e analisados usando-se o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), Version 26.0 for Windows.

Além da análise individual da variável semestre do curso, esta foi também aglutinada em período inicial (1º e 3º semestres), intermediário (5º e 7º semestres) e final do curso (9º, 11º e 12 º semestres) para análises mais robustas.

A análise estatística foi descritiva com frequência absoluta e relativa para dados categóricos e média e desvio-padrão para variáveis contínuas. Foi utilizado teste-t Student e teste qui-quadrado para verificar associações em variáveis categóricas para verificar associações entre dois grupos e One-Way Analysis of Variance (ANOVA) para mais de dois grupos em variáveis contínuas. Para estudar a correlação entre as variáveis contínuas, foi usado o teste de correlação de Spearman. Foi usada análise de regressão múltipla tendo como variável dependente a empatia pela JSE e suas subescalas de JSE, a ansiedade (BAI) e a depressão (BDI) e como variáveis independentes, idade, sexo, semestre do curso, semestre do curso aglutinado e especialidade almejada. Foi usada a Two-Way Analysis of Variance para analisar o efeito individual e conjunto de duas variáveis independentes com grupos diferentes em uma variável dependente, cujo tamanho do efeito foi calculado pelo Eta2, interpretado como pequeno quando menor do que 0,01, moderado quando igual a 0,06 e grande quando 0,14, segundo Cohen, conforme citado por Pallant51.

O nível de significância admitido foi de p < 0,05.

RESULTADOS

Entre 543 estudantes do 1º, 3º, 5º, 7º, 9º, 11º e 12º semestres das Universidades A e B, 414 (76,2%) responderam ao questionário; nove foram excluídos, quatro por colocarem o mesmo valor na JSE e cinco por não preencherem todos os itens das escalas, restando 405 alunos (74,6%) para a análise. Quatro participantes não forneceram informação sobre o seu sexo. Entre os 231 estudantes da universidade A, 127 eram do sexo masculino e 104, do feminino, enquanto entre os 170 da universidade B, 67 eram do sexo masculino e 103, do feminino, Ӽ2(1) = 9,5, p = 0,002.

A média da idade dos participantes foi de 22,9 anos (Desvio Padrão - DP = 3,4), sem diferença entre sexo feminino (22,9 anos, DP = 3,2) e masculino (22,9 anos, DP = 3,6), t(399) = 0,104, p = 0,92 e sem diferença por universidade (Universidade A: mulheres = 23,2, DP = 3,4, n = 104 e homens = 23,1, DP = 4,0, n = 127; Universidade B: mulheres = 22,6, DP = 2,8, n = 1-3 e homens = 22,7, DP = 2,8, n = 67, t(229) = -0, 194, p = 0, 846).

Na Tabela 1, são apresentadas as médias de empatia, ansiedade e depressão por universidade e semestres do curso estudados. Como se observa, na universidade B, o valor médio da empatia foi menor no 12º semestre do que nos 3º e 5º semestres, o da ansiedade foi maior nos estudantes do 11º semestre do que em todos os outros semestres e o da depressão foi maior no 11º semestre do que no 12º semestre.

Tabela 1 Médias de empatia, ansiedade e depressão entre 405 estudantes de medicina por universidade e semestre do curso. 

Universidade Semestre n Empatia (JSE)a Ansiedade (BAI)b Depressão (BDI)c
Média (DP) Média (DP) Média (DP)
A 43 116,2 (12,0) 19,0 (11,8) 11,1 (8,8)
42 118,9 (10,0) 18,4 (13,5) 15,0 (10,0)
37 118,9 (10,1) 14,5 (7,8) 12,0 (7,8)
33 122,2 (8,5) 13,6 (10,1) 12,0 (9,0))
34 119,4 (10,4) 12,4 (7,3) 10,6 (7,3)
11º 11 116,7 (10,3) 10,5 (7,4) 9,8 (10,3)
12º 34 121,2 (10,9) 14,7 (12,8) 9,8 (7,7)
Total 234 119,2 (10,5) 15,4 (11,0) 11,8 (8,7)
B 24 122,2 (10,8) 15,4 (13,7) 11,7 (13,2)
28 125,0 (10,2) 17,3 (11,8) 11,6 (6,7)
34 125,1 (8,6) 12,6 (7,5) 9,6 (5,5)
28 121,5 (10,4) 18,3 (10,9) 11,4 (6,4)
23 118,6 (9,7) 17,8 (12,0) 11,6 (8,9)
11º 18 119,1 (9,5) 28,8 (11,7) 23,1 (13,2)
12º 16 115,1 (14,8) 14,5 (7,3) 8,4 (7,4)
Total 171 121,6 (10,7) 17,3 (11,6) 12,1 (9,5)
Totala 67 118,4 (11,9) 17,7 (12,5) 11,3 (10,5)
70 121,3 (10,5) 17,9 (12,8) 13,7 (9,0)
71 121,9 (9,8) 13,6 (7,7) 10,9 (6,8)
61 121,9 (9,3) 15,8 (10,7) 11,7 (7,8)
57 119,1 (10,1) 14,6 (9,7) 11,0 (8,0)
11º 29 118,2 (9,7) 21,9 (13,6) 18,1 (13,7)
12º 50 119,2 (12,5) 14,6 (11,2) 9,4 (7,5)
Total 405 120,2 (10,6) 16,2 (11,3) 11,9 (9,0)

Abreviatura - n: número de estudantes; JSE: Escala Jefferson de Empatia; DP: Desvio-padrão; BAI: Inventário de Ansiedade de Beck; BDI: Inventário de Depressão de Beck.

a. Análise de Variância (ANOVA) bidirecional entre grupos - Universidade: F(1) = 2,77, p = 0,097; Semestre do curso: F(6) = 1,63, p = 0,138; Interação Universidade*Semestre: F(6) = 2,72, p = 0,013, Eta2 parcial = 0,040 [Universidade B: média no 12º semestre menor do que médias no 3º (p = 0,041) e 5º (p = 0,029) semestres].

b. ANOVA bidirecional entre grupos - Universidade: F(1) = 7,03, p = 0,008, Eta2 parcial = 0,018, Semestre: F(6) = 1,77, p = 0,104, Interação Universidade*Semestre: F(6) = 4,29, p = 0,000, Eta2 parcial = 0,062 (Universidade B com média no 11º semestre maior do que em todos os outros semestres).

c. ANOVA bidirecional entre grupos - Universidade: F(1) - 1,17, p = 0,28, Semestre: F(6) = 3,39, p = 0,02, Eta2 parcial = 0,037 (Universidade B: 11º semestre maior do que 12º semestre), Interação Universidade*Semestre: F(6) = 3,39, p = 0,003, Eta2 parcial = 0,049.

Fonte: as autoras.

A Figura 1 exibe a média dos escores de empatia, analisada com a JSE, por sexo, período do curso e especialidade almejada da empatia. Observa-se que a média foi alta (apresentada nas observações), maior no sexo feminino e entre estudantes que almejavam seguir especialidades voltadas a pessoas, independente do sexo. Não houve diferença entre os períodos do curso.

Figura 1 Empatia (Escala Jefferson de Empatia) entre 401 estudantes de medicina por sexoa, período do curso e especialidade almejada e suas interaçõesb,c

A Figura 2 exibe a média dos escores de ansiedade, analisada com o BAI, por sexo, período do curso e especialidade almejada entre os participantes do estudo. Como pode ser observado, o sexo feminino teve maiores médias.

Figura 2 Ansiedade (Inventário de Ansiedade de Beck) entre 401 estudantes de medicina por sexoa, período do curso e especialidade almejada e suas interaçõesb, c,

Na Figura 3, são apresentadas as médias dos escores de depressão, analisada com o BDI, por sexo, período do curso e especialidade almejada. Como se observa, o sexo feminino tem médias mais altas de depressão.

Figura 3 Depressão (Inventário de Depressão de Beck) entre 401 estudantes de medicina por sexoa, período do curso e especialidade almejada e suas interaçõesb,c

A Tabela 2 exibe a prevalência de ansiedade e depressão por sexo e por universidade. Como pode ser observado, a prevalência de ansiedade e de depressão foi similar nas duas universidades e maior no sexo feminino.

Três estudantes haviam pensado em se matar na semana em que o questionário foi aplicado, sendo dois da Universidade A e um da B, um do sexo masculino e dois do feminino.

Tabela 2 Prevalência de ansiedade e depressão por universidade e sexo entre estudantes de medicina de duas universidades do sul do Brasil. 

Transtornos Sexoa Ӽ2(gl) p (Eta, se p<0,05) Sexo Universidade (U) Ӽ2(gl) p (Eta, se p<0,05) U
Masculino n (% no sexo) Feminino n (% no sexo) Total n (%) A n (% na U) B n (% na U) Total n (%)
Ansiedade b
mínima (BAI ≤ 10) 104 (53,6) 61(29,5) Ӽ2(3) = 32,9 p = 0,000 (0,29) 165 (41,1) 99 (42,3) 67 (39,2) Ӽ2(3) = 3,7 p = 0,294 166 (41,0)
leve (BAI:11 a 19) 48 (24,7) 52 (25,1) 100 (24,9) 61 (26,1) 41 (24,0) 102 (25,2)
moderada (BAI: 20 a 30) 32 (16,5) 59 (28,5) 91 (22,7) 54 (23,1) 38 (22,2) 92 (22,7)
grave (BAI: ≥31) 10 (5,2) 35 (16,9) 45 (11,2) 20 (8,5) 25 (14,6) 45 (11,1)
Depressão b
mínima (BDI: 0 a 11) 130 (67,0) 100 (48,3) Ӽ2(3) = 19,4 p = 0,000 (0,21) 230 (57,4) 134 (57,3) 99 (57,9) Ӽ2(3) = 0,8 p = 0,844 233 (57,5)
leve (BDI:12 a 19) 46 (23,7) 58 (28,0) 104 (25,9) 61 (26,1) 44 (25,7) 105 (25,9)
moderada (BDI: 20 a 35) 15 (7,7) 43 (20,8) 58 (14,5) 35 (15,0) 23 (13,5) 58 (14,3)
grave (BDI: >35) 3 (1,5) 6 (2,9) 9 (2,2) 4 (1,7) 5 (2,9) 9 (2,2)
Depressão e disforia c
Normal a mínima (BDI até 15) 157 (80,9) 137 (66,2) Ӽ2(2) = 14,1 p = 0,001 (0,19) 294 (73,3) 171 (73,1) 127 (74,3) Ӽ2(2) = 0,1 p = 0,94 298 (73,6)
Disforia (BD entre 16 e 20) 20 (10,3) 25 (12,1) 45 (11,2) 27 (11,5) 18 (10,5) 45 (11,1)
Depressão (BD > 20) 17 (8,8) 45 (21,7) 62 (15,5) 36 (15,4) 26 (15,2) 62 (15,3)
Ideação suicida
Sim 19 (9,8) 29 (14,0) Ӽ2(1) = 1,7 p = 0,194 48 (12,0) 26 (11,1) 22 (12,9) Ӽ2(1) = 0,3 p = 0,59 48 (11,9)
Não 175 (90,2) 178 (86,0) 353 (88,0) 208 (88,9) 149 (87,1) 357 (88,1)
Total 194 (100,0) 207 (100,0) Ӽ2(3) = 32,9 p = 0,000 (0,29) 401a(100,0) 234 (100) 171 (100) Ӽ2(3) = 3,7 p = 0,294 405 (100,0)

Abreviaturas - Ӽ2:: Chi-quadrado; gl: graus de liberdade; U: Universidade; BAI: Inventário de Ansiedade de Beck; BDI: Inventário de Ansiedade de Beck.

a Quatro participantes não preencheram esta variável, resultando em 401 estudantes nessa variável.

b Classificação conforme o Manual da versão em português das Escalas Beck47.

c. Classificação da versão brasileira do BDI utilizada por Gorenstein et al.49 para subgrupos não clínicos.

Fonte: as autoras.

A idade dos estudantes não se associou à ansiedade (segundo a classificação de ansiedade por Cunha), F(3) = 0,63, p = 0,59, nem à depressão (segundo a classificação de Cunha), F(3) = 1,78, p = 0,15. Também não houve associação da idade com depressão mínima ou leve (BDI menor do que 16), disforia (BDI entre 16 e 20) e presença de depressão (acima de 20), F(2) = 0,295, p = 0,745.

A média global da JSE não se associou à ansiedade (segundo a classificação de ansiedade por Cunha), F(3) = 0,80, p = 0,493, nem à depressão, (segundo a classificação de Cunha), F(3) = 0,99, p = 0,398. Também não houve associação entre empatia com depressão mínima ou leve (BDI menor do que 16), disforia (entre 16 e 20) e presença de depressão (acima de 20), F(2) = 0,93, p = 0,396.

Houve associação entre ansiedade (segundo a classificação de Cunha) e a subescala Walking in patient’s shoes da JSE, F(3) = 6,2, p = 0,00. A média desta subescala entre estudantes com ansiedade mínima (BAI ≤ 10) nesta subescala foi de 8,4 (DP = 2,7), de 7,9 (DP = 2,7) entre os com ansiedade leve (BAI entre 11 e 19), de 7,4 (DP = 2,6) entre os com ansiedade moderada (BAI entre 20 e 30) e 9,5 (DP = 3,1) entre os com ansiedade grave (BAI ≥ 31). No teste post-hoc, identificou-se diferenças estatísticas significativas, sendo a média maior entre estudantes com ansiedade mínima quando comparados aos com do que ansiedade moderada, e também maior entre estudantes com ansiedade grave quando comparados aos com ansiedade leve, com p < 0,05. Não houve associação de ansiedade com a subescala Perspective taking, F(3) = 1,21, p = 0,31, ou com a Compassionate care, F(3) = 1,70, p = 0,917.

A depressão (segundo a classificação de Cunha) não se associou com as subescalas Perspective taking, Compassionate care e Walking in patient’s shoes da JSE, com ANOVA em cada uma destas subescalas de, respectivamente, F(3) = 1,0, p = 0,40, F(3) = 0,9, p = 0,43 e F(3) = 1,7, p = 0,92. Não houve também associação entre depressão mínima ou leve (BDI < 16), disforia (BDI = 16 a 20) e presença de depressão (BDI > 20) e estas subescalas, com ANOVA de, respectivamente, F(2) = 0,6, p = 0,537, F(2) = 0,94, p = 0,39 e F(2) = 0,51, p = 0,94). Entre estudantes sem ideação suicida (n = 357) e com ideação suicida (n = 48), a média da subescala Perspective taking foi de, respectivamente, 61,9 (DP = 6,5) e 62,5 (DP = 5,6), t(403) = - 0,6, p = 0,546, a média da subescala Compassionate care foi de, respectivamente, 49,9 (DP = 5,2) e 50,8 (DP = 3.6), t(403) = - 1,06, p = 0,29 e, a da Walking in patient’s shoes foi de, respectivamente, 8,1 (DP = 2,8) e 8,9 (DP = 2,9), t(403) = - 1,9, p = 0,054.

DISCUSSÃO

Em nosso estudo, a média de empatia foi alta em ambas as universidades e maior entre as mulheres. Estes achados vão ao encontro de artigos incluídos na revisão de Andersen et al.46. Quanto à maior empatia entre estudantes que pretendiam seguir especialidades voltadas a pessoas, estes autores também apontam estudos com achados semelhantes46.

Nossa hipótese inicial de um declínio da empatia ao longo do curso não foi confirmada, não havendo diferença na empatia ao longo do curso nas duas universidades analisadas, o que também vai ao encontro de alguns estudos da metanálise de Spatoula et al., que encontraram estudos com achados variáveis45.

Constatamos também que a média da depressão e ansiedade entre as mulheres foi mais alta que entre os homens, o que vai ao encontro dos achados de diversos estudos12)-(14),(16.

Em nosso estudo, a prevalência de ansiedade foi de 59% ao considerarmos sua presença de ansiedade leve a grave (BAI > 10). Essa prevalência é maior do que a prevalência global de ansiedade da metanálise de Tian-Ci Quek et al., que foi de 33,8% (IC95% 29,2 - 38,7%) e também maior do que a constatada por estes autores em países do Oriente Médio, que foi de 42,4%, (IC95%: 33,3 - 52,1%) e em países da Ásia, que foi 35,2% (IC95%: 26,3 - 45,3%)18. Porém, ao considerarmos apenas a ansiedade moderada a grave (BAI > 19), a prevalência de ansiedade em nosso estudo fica em 33,8%, igual à prevalência global encontrada por estes autores18. Aventamos a hipótese de que a maior prevalência encontrada em nosso estudo seja ocasionada pela inclusão da ansiedade leve.

Quanto à depressão, sua prevalência não diferiu entre as duas universidades, sendo de 42,4%, se incluirmos desde a depressão leve até a grave (BDI ≥ 12). Esta prevalência é bem acima da global encontrada na revisão das revisões sistemáticas por Tam e Pacheco, que foi de 27,0% (IC95%: 24,7 - 29,5%), e semelhante à encontrada por estes autores em países da África, que foi de 40,9% (IC95%: 28,8 - 54,4%)19. Entretanto, se considerarmos apenas valores acima de 15, que incluem disforia (BDI = 16 a 20) e depressão (BDI > 20)49, a prevalência de depressão em nosso estudo fica em 26,4%, similar à global constatada por Tam e Pacheco19.

A prevalência de ideação suicida em nosso estudo foi de 11,9%. Este achado causa grande preocupação se pensarmos que cerca de 12 em cada 100 estudantes havia pensado em suicídio na semana que antecedia a data de coleta dos dados. Achados similares foram encontrados por Rotenstein et al., que foi de 11,1% (IC de 95% = 9,0 - 13,7%)12.

Nossa hipótese inicial de que a ansiedade e a depressão aumentariam ao longo do curso não foi confirmada, sendo encontrado aumento apenas no 11º semestre do curso em uma das universidades.

Encontramos associação da ansiedade com a subescala Walking in patient’s shoes da JSE, que equivale ao estresse empático, com maior média entre estudantes com ansiedade grave. Porém, não encontramos associação dessa subescala com depressão, como apontado na associação entre depressão e constatamos sua associação com ansiedade25. Há também uma tendência à associação entre ideação suicida e esse componente (p = 0,05), a qual deve ser mais explorada em estudos futuros com maior número de participantes.

Não encontramos nenhuma associação da JSE e de suas subescalas Perspective taking e Compassionate care com ansiedade ou depressão.

Nosso estudo tem algumas limitações. Uma delas foi a dificuldade de contato com estudantes de internato, especialmente do 11º e 12º semestres do curso, porque eles são distribuídos em grupos menores, com atividades em diversos setores dentro e fora da universidade. Como foram constatadas maiores médias de ansiedade e depressão entre os estudantes da 11ª fase da Universidade B, questionamos se este achado poderia ter um viés de participação, por adesão de estudantes mais ansiosos ou depressivos. Outra limitação foi o uso de instrumentos autopreenchidos, que são sujeitos à desejabilidade social (social desirability). Também, não foi questionado se o participante usava algum medicamento para depressão ou ansiedade, que indicaria sua presença entre eles e aumentaria o número de estudantes com diagnóstico de depressão e ansiedade. Ainda, foi considerado apenas o sexo biológico e não a identidade de gênero. Por fim, uma limitação que tem ocorrido nos estudos de prevalência de ansiedade e depressão é a variabilidade da sua prevalência decorrente de diferentes pontos de corte em sua classificação, até mesmo para um mesmo instrumento.

Chamamos atenção para a alta prevalência de ansiedade, depressão e ideação suicida entre os estudantes de medicina de nosso estudo. Aventamos a hipótese de que estudantes que se colocam no lugar dos pacientes, passando a se sentir como eles e perdendo suas próprias perspectivas, podem ter maior ansiedade, o que pode também pode gerar maior estresse e perda do potencial terapêutico.

Sugerimos, portanto, maior atenção à saúde mental dos estudantes, com busca de estratégias para sua promoção, bem como para prevenir e tratar seus agravos, visto que é preciso cuidar desses estudantes para que eles se sintam bem ao longo do curso e possam, no futuro, cuidar de forma mais eficiente de sua saúde e da saúde da população atendida.

CONCLUSÕES

A prevalência de ansiedade, de depressão e ideação suicida entre estudantes de medicina foi alta, indo ao encontro dos achados da literatura. A média da empatia, da ansiedade e da depressão foi maior nas mulheres do que nos homens.

A empatia foi maior entre estudantes que pretendiam seguir especialidades voltadas a pessoas e não houve alteração em sua média ao longo do curso.

A depressão e a ansiedade se mantiveram estáveis ao longo do curso, exceto maior ansiedade e depressão entre estudantes do 11º semestre de uma das universidades estudadas.

Houve associação entre ansiedade grave e a subescala Walking in patient’s shoes da JSE, mais relacionada ao estresse empático. Mais estudos devem ser realizados para investigar esta associação.

Os achados demonstram a necessidade urgente de atenção e cuidado à saúde mental dos estudantes de medicina, sendo grande a responsabilidade dos educadores e gestores para sua efetivação.

AGRADECIMENTOS

As autoras agradecem o financiamento da bolsa de Iniciação Científica por CNPq-UFSC para a primeira autora, aos estudantes que participaram do estudo e a todos que participaram com contribuições.

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7Avaliado pelo processo de double blid review.

FINANCIAMENTO O projeto de pesquisa foi financiado por bolsa de Iniciação Científica por CNPq-UFSC 217 - 2018 sob o nome Projeto Empatia e Depressão em Estudantes de Medicina: um estudo em duas universidades de Santa Catarina (registrado no Sistema Integrado de Gerenciamento de Projetos de Pesquisa e de Extensão) e número 201702963, contemplado com uma bolsa para Camila Brunfentrinker, sob orientação de Suely Grosseman, e foi premiado como um dos dois melhores trabalhos de iniciação científica da área das Ciências da Vida.

Recebido: 30 de Abril de 2021; Aceito: 13 de Julho de 2021

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Fernando Antonio de Almeida.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Camila Brunfentrinker participou na elaboração do projeto, na coleta e análise de dados e na redação e revisão do manuscrito, que foi o trabalho de iniciação científica (o qual recebeu prêmio como um dos dois melhores trabalhos na área das Ciências da vida) e de conclusão de curso que apresentou como requisito do curso de graduação em medicina na UFSC. Regina Pinho Gomig participou na elaboração do projeto, na coleta e análise de dados e na redação do manuscrito. Suely Grosseman participou na orientação de Camila Brunfentrinker e na elaboração do projeto, na coleta e análise de dados e na redação e revisão do manuscrito e confecção do projeto, da coleta e análise dos dados e da redação e revisão do manuscrito.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

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