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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.45 no.3 Rio de Janeiro  2021  Epub 18-Jun-2021

https://doi.org/10.1590/1981-5271v45.3-20200351 

ENSAIO

Desenvolvimento docente pós-COVID-19: mudanças ou troca de cenário?

Teacher development after COVID-19: changes or just a change of scenario?

Eliane Pedra Dias1  2 
http://orcid.org/0000-0002-0917-6091

Maria Amélia Ferreira2 
http://orcid.org/0000-0001-6789-3796

1 Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.

2 Universidade do Porto, Porto, Portugal.


Resumo:

Introdução:

O mundo tem milhões de infectados pelo SARS-CoV-2, e o desfio permanece em 2021, com a vacinação e o aparecimento das novas cepas. Este é um texto sobre reflexões de como a pandemia está mobilizando as escolas médicas e se as mudanças induzidas pela emergência sanitária nos paradigmas pedagógicos serão revertidas em mudanças culturais.

Desenvolvimento:

A experiência de confinamento tem sido emocionalmente rica, entremeada por desafios, mergulhos pedagógicos reflexivos e muito trabalho. Analisamos o confronto entre a pandemia e as escolas médicas, com ênfase nos questionamentos a respeito das adaptações e se serão revertidas em mudanças culturais. O desenvolvimento docente não tem sido priorizado nas instituições de educação médica, e a troca do presencial para o remoto não garante mudanças.

Conclusão:

O docente tem papel nuclear na formação de médicos com competência, ética e humanidade. É necessário avançar, para além do brilho da hiperconectividade, com a instalação de um fórum permanente sobre desenvolvimento docente.

Palavras-chave: Covid-19; Educação Médica; Docência; Aprendizagem On-line; Tecnologia Educacional

Abstract:

Introduction:

Millions of people around the world are infected with the SARS-CoV-2 virus, and the ongoing challenge in 2021 involves vaccination and the emergence of new strains. This text presents reflections on how the pandemic has mobilized medical schools, and whether the changes induced by the health emergency in our pedagogical paradigms will reverberate in cultural changes.

Development:

Self-isolation has proved to be an emotionally rich experience, pervaded by challenges, contemplative explorations in teaching, and a lot of work. We investigated how medical schools have tackled the pandemic, focusing on issues of the adaptations made and whether they will unfold into cultural changes. Teacher development has not been prioritized at medical schools, and the shift from the classroom to remote learning does not guarantee changes.

Conclusion:

The teacher plays a central role in the training of competent, ethical and humane physicians. It is necessary to move beyond the gloss of hyperconnectivity and install a permanent forum on teacher development.

Keywords: Covid-19; Medical Education; Teaching; Online Learning; Educational Technology

INTRODUÇÃO

Desde quando a China anunciou oficialmente a epidemia do coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2, SARS-CoV-2), em poucos meses o mundo passou a ter milhões de infectados e milhares de mortes, num contexto complexo e com especificidades regionais. Imersos na incerteza, foi preciso manter-se no momento de investigação ao longo do enfrentamento da pouco conhecida Doença do Coronavírus 2019 (Coronavirus Disease 2019, COVID-19), em que a educação médica ampliou sua participação científica. A urgência em planejar as atividades pedagógicas dos alunos de graduação resultou num esforço global em comunicar experiências para que a formação na área da saúde fosse mantida1)-(6. Entretanto, o desafio do preparo docente para a educação médica requer mais que tecnologia e transferência dos ambientes de aprendizagem para salas de aulas virtuais ou instruções on-line7)-(9. No pós-Covid-19, a educação médica brasileira vai investir em planejamento e ações para o desenvolvimento docente? O preparo pedagógico do docente médico não tem sido priorizado, e é preocupante o relato documentado de que 161 (81%) de 200 preceptores entrevistados nunca realizaram nenhuma espécie de treinamento para o exercício da função10.

Neste texto, apresentamos uma investigação crítica a respeito de como a pandemia está mobilizando as escolas médicas, alterando as rotinas dos estudantes e provocando mudanças disruptivas na vida dos docentes. E, com foco no preparo docentes, apresentamos reflexões a respeito das mudanças induzidas pela emergência sanitária nos paradigmas pedagógicos, em especial, se serão revertidas em mudanças culturais ou serão vivências com mudança impositiva predominantemente no ambiente de aprendizagem.

O CONFRONTO ENTRE A PANDEMIA E AS ESCOLAS MÉDICAS

A experimentação reflexiva gera experiência. A vivência comprometida da monitoria, iniciação científica, residência médica, especialização em didática para o ensino superior, o mestrado, doutorado, pós-doutorado, além da docência, pesquisa, assistência e administração como processo integrado e contínuo, gera a possibilidade de olhar a educação médica com uma essencialidade concreta. E essa essencialidade tem tornado possível, em confinamento absoluto ou relativo, fazer pesquisa, análises críticas e propostas para além da pandemia. E este relato é um dos produtos dessa experimentação de confinamento em país estrangeiro, emocionalmente rica, entremeada por desafios, mergulhos pedagógicos, muitas reflexões e trabalho.

As ações de enfrentamento da pandemia resultaram no fechamento das escolas e cancelamento de todo o ensino presencial e estágios4),(5. Apesar da desorientação inicial, a comunicação via internet tornou-se intensa, e rapidamente várias instituições conseguiram incorporar a internet no processo de aprendizagem, bem como organizar salas de discussões virtuais, colaborações na produção de material, indicar vídeos e experiências em simulação5),(6. Qual será o impacto desses meses no desenvolvimento e na adaptação das funções dos docentes e na formação de milhares de estudantes da graduação, internos e residentes? Todos com seus planejamentos, rotinas pessoais, profissionais e sociais bruscamente interrompidas pela Covid-19. Após as primeiras semanas, começamos a parar de olhar um pouco para os dígitos dos infectados, internados e óbitos para tentar enxergar oportunidades. Como auxiliar os estudantes e estagiários a se manter ativos, estimulando a aprendizagem personalizada ou colaborativa? Podemos motivar docentes a refletir quem é o médico necessário num contexto em que a informatização e a inteligência artificial pretendem esvaziar nossas prateleiras, produzir conteúdos objetivos de minutos e, ao ouvir a queixa dos pacientes, apresentar o diagnóstico e a proposta terapêutica?

Em julho de 2020, enquanto a União Europeia agia no desconfinamento planejado, enfrentamento dos surtos, preparo do retorno à aprendizagem presencial e planejamento político-financeiro para os próximos anos, o continente americano ainda lutava para controlar a pandemia11. O Brasil atravessa a sua trajetória, com dificuldades em níveis da governança, protagonizando um enfrentamento da ciência e da medicina que precisa ser aprofundado. A população se mantém assistida por um sistema público que precisa não só ser mantido, como também fortalecido e modernizado. A aprovação do Projeto de Lei n° 696, de 2020, que dispõe sobre o uso da telemedicina durante a pandemia, facilitou a relação entre as estruturas da saúde, os profissionais e os pacientes, causando impacto positivo também na educação médica12. Apesar da relevância da aprendizagem presencial, o mais importante passou a ser a manutenção de atividades significativas e o incentivo para as possibilidades disponíveis e outras que surgiram nesses poucos meses13),(14.

AS ADAPTAÇÕES IRÃO RESULTAR EM MUDANÇAS CULTURAIS?

A participação ativa em lives e webinários brasileiros tem sido uma fonte de questionamentos. Apesar da presença de estudantes, docentes e médicos, a comunicação reflexiva entre docentes sobre docência parece tímida. Escolas médicas, sociedades de especialidades, ligas acadêmicas, centros de estudo, hospitais, todos estão mobilizados pela Covid-19 e promovendo atividades remotas, que, com raras exceções, são adaptações das tradicionais palestras presenciais para versão on-line. A Covid-19 parece ter deixado ainda mais evidente a força da tradicional transferência de informações nos processos de aprendizagem e ensino. Essa temática poderá ser alvo de reflexões e planejamento de ações docentes na formação médica pós-Covid-1915. Será que podemos pensar em tudo que está ocorrendo e canalizar a comunicação para um grande fórum docente? Nos Estados Unidos, muitos estudantes que não haviam pensado sobre como a Covid-19 os afetaria estão buscando alternativas6. Se desejamos mudanças, é importante a documentação das vivências diante do confinamento, na linha de frente da Covid-19, nos grupos sociais e nas instituições6),(8),(14. Medo e coragem são necessários no enfrentamento da pandemia e, da mesma forma, no enfrentamento das necessidades contemporâneas de médicos no exercício da docência. Facilitar a aprendizagem não é tarefa fácil, e a cultura de ações individuais baseadas em lideranças aleatórias talvez não tenha o impacto institucional desejado. A pandemia nos colocou diante da atividade remota, que não é recente para muitos estudantes de Medicina da fase pré-clínicas que não frequentam aulas presenciais e assistem a palestras on-line8.

Todo esse turbilhão emocional com alerta total da razão é um estímulo à reflexão, e, nesse contexto, buscamos perceber a resposta dos educadores em atividade remota4)-(6),(16. Será que a resposta positiva de vários docentes foi em consequência de experiências anteriores? O tipo de tecnologia utilizada pela premência interferiu? Qual é o impacto motivacional do medo e da necessidade de ocupar um tempo inesperadamente ocioso? E se o interesse já existia, era a motivação insuficiente? Várias experiências têm sido publicadas, o que permite somar questões que necessitam de aprofundamento, treinamento ou reflexão15. Destacamos a importância da interatividade das plataformas que oferecem várias possibilidades remotas, adequadas ao planejamento em curto prazo. É perceptível os esforços mundiais e nacionais para auxiliar docentes com guias e cursos14),(16)-(18.

Pode ser um bom momento para refletirmos sobre a educação médica baseada em competências (Competency-Based Medical Education - CBME), que traz como assinatura a flexibilização do tempo para aprendizagem. A aprendizagem personalizada é a pérola dos educadores e o desespero dos gestores e administradores da educação. Entretanto, quando assistimos ao florescer de tantas oportunidades, podemos aproveitar o tempo para encontrar soluções práticas para percebermos nossos estudantes e docentes de forma mais atenta, de modo a viabilizarmos a ampliação dos caminhos para adquirir as mesmas competências. Precisamos avançar em soluções digitais, simples e factíveis de acompanhamento personalizado, de modo a viabilizar a implantação plena da CBME19.

Uma rápida resposta está garantindo a aprendizagem e dando mais visibilidade à relutância em admitir que as tecnologias digitais e a internet podem ser experiências positivas6),(14),(15. A reflexão nos transporta para duas questões que merecem compreensão e amplo debate: o sucesso do ensino é revelado pela aprendizagem e a avaliação integrada. A aquisição de competências dependentes de forte domínio cognitivo, como discussão de casos clínicos, propostas investigativas e interpretações de dados laboratoriais e de imagem, pode ajustar-se com mais facilidade aos desafios da Covid-1920),(21. Já no atendimento aos pacientes ambulatoriais que tiveram suas cirurgias ou consultas adiadas, o planejamento de ações pós-Covid-19 é preocupante16),(22. É preciso reorganizar o fluxo dos pacientes e criar experiências para os estudantes nos hospitais ou nos ambulatórios, e persistir buscando formas inovadoras de aprendizagem18),(23),(24.

Há décadas, várias escolas têm introduzido mudanças pedagógicas profundas, utilizando a tecnologia de modo racional, favorável à integração dos conteúdos, para romper barreiras na comunicação e concretizar a memorização associada com a aplicabilidade25. Mais forte ainda surgiram a simulação, telemedicina, telepatologia, aprendizagem e ensino em equipe, a realidade aumentada e virtual, tudo com foco no estímulo à aprendizagem ativa, no contexto da CBME e de atividades médicas confiáveis (Entrustable Professional Activities - EPA)19),(26. Este é um momento para contribuir com transformações que possam melhorar a carreira profissional e, para muitas disciplinas médicas, um momento em que as ações integrativas podem avançar para a integração6),(21.

No Brasil, o apoio aos docentes para manter as disciplinas ativas de forma remota é perceptível, com muitas iniciativas institucionais. A Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) publicou recomendações, após ouvir estudantes, docentes e instituições27. Várias atividades remotas estão sendo promovidas por associações de docentes, dirigentes, ligas acadêmicas, sociedades de especialidades, universidades, hospitais e conselhos de classes. A quantidade de lives e webinários reflete o movimento daqueles que agem na gestão da crise. Em especial, o Ciclo de Webinários sobre Educação em Ciências da Saúde chamou a atenção pela regularidade e qualidade das atividades. Os temas foram diversos para docentes do ensino superior, e a dinâmica com apresentações curtas, seguidas de debate, auxiliou muitos docentes das escolas médicas. É possível que, se houver um aumento importante no número de docentes se disponibilizando para a experimentação tecnológica, muitas mudanças permaneçam23. Destacamos duas áreas em que o desenvolvimento docente poderá ser muito útil na formação dos novos médicos: os cuidados virtuais e a aprendizagem clínica virtual23.

Com a pandemia da Covid-19, o uso da tecnologia foi rápido e inovador na tentativa de manter o ensino e a aprendizagem26. As experiências bem-sucedidas auxiliam a quebra de resistências a respeito da implementação curricular de um ambiente educacional virtual. As instituições de ensino médico talvez possam investir mais em tecnologia da informação e da comunicação, vislumbrando soluções muito práticas e positivas13.

A EDUCAÇÃO MÉDICA APÓS A COVID-19

Após a pandemia, teremos planejamento e ações para o desenvolvimento docente ou utilizaremos novas ferramentas nos mesmos conteúdos e ambientes de prática? Podemos deixar brotar dessa experiência em curso um entendimento mais significativo e profundo do que é ser um profissional de saúde e de todos os problemas nos nossos sistemas educacionais e ambientes de aprendizagem que ainda precisam ser resolvidos28. Com todas as demandas médicas da atenção primária e da secundária, será que estamos preparados para avançar para uma formação médica sem atividades presenciais desnecessárias17? É possível avançarmos para uma escola médica centrada na formação e não nas disciplinas? Conseguiremos produzir conteúdos participativos on-line8? Ou implantar a CBME sem mantermos a estrutura disciplinar disfarçada de “atenção integral”, em que trocamos ou modernizamos nomenclaturas? A educação médica centralizada na formação requer, entre outros fatores, integração; racionalização e qualificação de conteúdo; ampliação do treinamento prático em ambientes mais adequados, precedida por simulações e realidade virtual; e implantação de EPA, organizadas por etapas delimitadas por milestone4),(19),(26),(28.

A partir da escolha por Medicina, um estudante vai construir a sua identidade médica, em contato com muitos profissionais, em que três modelos se destacam: o médico, o docente e o pesquisador. O perfil médico e o de pesquisa são mais nítidos e caracterizados. Já a construção da identidade docente não parece igualmente protagonizada no universo da docência médica. Távora et al.29 publicaram seus resultados a respeito das “características de um professor exemplar”. Identificaram convergência de opiniões em vários aspectos, com destaque paras atitudes, comportamento e características pessoais do professor. Os aspectos técnicos associados à docência (plano de ensino e uso novas metodologias) foram menos valorizados pelos estudantes, e aspectos de pesquisa, pelos docentes e alunos29.

Casademont30, para quem os “professores têm que trabalhar no ensino”, traz à luz a docência sem liberação das atividades médicas e a dificuldade no cuidado dos alunos. Essa é uma questão que demanda debate amplo e profundo, com ações institucionais. Casademont30 ressalta a importância da reformulação das disciplinas básicas, ao exemplificar que, se o conhecimento sobre as artérias do membro superior é necessário a um cirurgião, não o será para um médico de família. Esse exemplo aguça a reflexão: como poderemos identificar os pontos de pulso arterial, os trajetos vasculares para realização de punção em pacientes com pele fragilizada, a adequada aferição da pressão arterial e a avaliação da evolução de celulite sem conhecermos a teoria e a prática do sistema de vasos? Possivelmente o autor estava referindo-se a uma memorização aparentemente sem aplicabilidade. Na docência, é preciso ter os pés no chão e o olhar no imprevisível futuro médico do aluno. Quando aprendemos sobre músculos, ossos e tendões, estamos aprendendo, sobretudo, como nos movimentamos, do simples ato de levar um garfo à boca até a complexidade diferencial entre enxergar e ver. Quando aprendemos sobre síntese proteica, estamos compreendendo como todo o corpo funciona, sobre genética, ética e por que a dosagem laboratorial do dímero D é tão importante na Covid-19. Um bom desafio docente é, com foco na formação médica, como distribuir conteúdo teórico e atividades demonstrativas, simuladas ou práticas ao longo de seis anos, com o envolvimento de todos os docentes. Esse desafio cotidiano reflete a organização da gestão do processo de aprendizagem, ensino e avaliação, e, por vezes, uma distorção do conceito de autonomia docente.

Como podemos formar profissionais para o atendimento integral ao indivíduo, da atenção primária à quaternária, distribuir, de forma harmônica, as atividades essenciais para a aquisição das competências sem que possamos conversar e compreender em nós, docentes, o desejo humano de estar no palco? O trabalho em equipe é desafiante, requer confiança e trabalho integrativo permanente. A pandemia nos oferece a oportunidade de refletir e desenvolver-nos como uma equipe, bem como compreender que a competência para trabalhar em equipe é tão importante na docência médica quanto no exercício da medicina.

Como médicos se tornam docentes? Além das competências profissionais, que outras são necessárias para ser um docente de medicina? No Reino Unido, embora existam cursos de treinamento sobre os fundamentos do ensino, eles tendem a ser muito caros, e o estímulo docente pode ser iniciado na graduação31. No Brasil, a monitoria tem sido um grande incentivo e uma grande escola na iniciação à docência32.

Muitas vezes a ausência de um espaço dedicado ao desenvolvimento docente é o estímulo para a busca individual. Entretanto, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, cabe à pós-graduação (mestrados e doutorados) o preparo para a docência superior. Essa responsabilidade é subvalorizada em relação ao preparo técnico e científico, como se tanto garantisse o preparo para a docência. Embora seja tema invariavelmente incluso em todas as reformas e adaptações curriculares, o preparo e desenvolvimento docente permanecem como importante desafio33. van Roermund et al.34 entrevistaram professores de pós-graduação em educação médica e médicos de família holandeses sobre “o bom professor”. Concluíram que é necessário conhecer o modelo de identificação já existente, antes de implementar uma nova estrutura de ensino e programas para o desenvolvimento docente34. No Brasil, a maioria das escolas médicas não valoriza a institucionalização de programas de formação docente35.

Em 2020, em plena fase de início do período letivo de todas as mais de 340 escolas médicas brasileiras, a epidemia da Covid-19 espalhou-se com rapidez inesperada na União Europeia e nos demais continentes. Em Portugal, duras, precoces e organizadas medidas sanitárias foram assumidas pelo governo, apoiadas pelos partidos políticos e seguidas pelos portugueses. Mas não teve o mesmo êxito no controle da segunda onda, que aumentou significativamente o número de infectados e de óbitos. No Brasil, a emergência sanitária foi questionada e politizada, com mais de 90 mil óbitos por Covid-19 em cinco meses. E as escolas médicas, contextualizadas num âmbito universitário e desalinho sanitário, tentaram se preparar para iniciar o segundo semestre de forma totalmente remota. Estamos em 2021, no Brasil o Sars-CoV-19 já infectou 10.168.174, e os óbitos passam de 400 mil. As escolas médicas tentam sair da aprendizagem remota para um formato híbrido. Entretanto, grande quantidade de atividades remotas facilmente acessíveis no YouTube, sob o ponto de vista pedagógico, reproduzem as tradicionais aulas teóricas, on-line ou em vídeos. Vamos conseguir avançar para a instalação de um fórum permanente sobre desenvolvimento docente?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quatorze meses depois do anúncio da Covid-19, ainda permanecemos em plena pandemia. A União Europeia chora por um número de óbitos que jamais imaginou na primeira onda. No Brasil, as escolhas no enfrentamento da Covid-19 têm prolongando o estado de emergência sanitária. Nada tem sido fácil, e os próximos anos mais se assemelham a pontos de interrogação. A estruturação psicoemocional dos sobreviventes terá sido abalada de forma definitiva, e ainda não temos como prever de que modo as lideranças mundiais irão exercer os seus poderes. O desenvolvimento docente precisa avançar para além do brilho da hiperconectividade como ferramenta de solucionar problemas e melhorar significativamente a intercomunicação e a intervenção para o keep in Touche, por meio de plataformas digitais. Uma certeza teremos que manter: a medicina precisa continuar a formar os médicos com competência, ética e humanidade. Com um futuro desafiador, as escolas médicas podem se deslocar em direção a uma medicina sem fronteiras, centrada na qualidade da formação médica, na atenção aos pacientes e em sistemas de saúde individual e das populações.

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2Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO Declaramos não haver financiamento.

Recebido: 18 de Agosto de 2020; Aceito: 10 de Abril de 2021

elianepedra@hotmail.com mameliaferreira@gmail.com

Editora-chefe: Daniela Chiesa. Editor associado: Roberto Zonato Esteves.

CONTRIBUIÇÃO DAS AUTORAS

Declaramos a participação em todas as etapas da redação e revisão crítica do manuscrito.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

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