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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.45 no.3 Rio de Janeiro  2021  Epub 16-Ago-2021

https://doi.org/10.1590/1981-5271v45.3-20210151 

ENSAIO

O aprender a aprender na Educação Médica: reflexões a partir de aportes da Teoria Histórico-Cultural

Learning to learn in Medical Education: reflections based on contributions from the Historical-Cultural Theory

Clarisse Daminelli Borges Machado1 
http://orcid.org/0000-0002-3385-8455

Edson Schroeder1 
http://orcid.org/0000-0001-8917-2017

1 Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, Santa Catarina, Brasil.


Resumo:

Introdução:

O termo aprender a aprender, inicialmente desenvolvido como contraponto à Escola Tradicional, visando uma maior emancipação dos estudantes em relação à construção do conhecimento em sala de aula, assim como um incentivo à democracia e autonomia civil destes, passou a ser utilizado, de forma recorrente, como slogan neoliberal nas escolas médicas. Incorporado pelo mercado como sinônimo do termo norte-americano “do it yourself” (faça você mesmo), o conceito de aprender a aprender tornou-se significado de um construtivismo naturalista, partindo do princípio de que os estudantes constroem seus próprios conceitos, habilidades e valores de forma adequada e satisfatória.

Desenvolvimento:

Na Educação Médica, em especial, o termo aprender a aprender figura como proposta pedagógico-metodológica de forma recorrente. Convém salientar que a presença do termo, por si só, não deve ser concebida como danosa à Educação Médica, mas, sim, o contexto pedagógico em que se encontra inserido. Há, portanto, um esvaziamento do papel docente, enquanto regulador, da relação estabelecida entre o estudante e o mundo. Apresentamos três premissas teóricas, a partir da perspectiva histórico-cultural, para refletir e problematizar a natureza e os significados associados ao slogan “aprender a aprender”, com foco sobre a aprendizagem e o desenvolvimento do estudante, destacando a importância do médico-docente neste processo.

Conclusão:

Tanto a atividade de ensino como a de estudo necessitam se transformar em atividades conscientes por parte dos seus protagonistas, atentando-se à unidade criação de significado/aprendizagem conduzindo ao desenvolvimento, como princípio dialético central e como condição indispensável para o que compreendemos como desenvolvimento humano. Somente na atividade torna-se visível a universalidade do sujeito humano e a constituição da personalidade (médica). Deste modo, asseveramos que os médicos-docentes são fundamentais para que os estudantes de Medicina possam ser orientados a atuar nos termos da superação e mudança.

Palavras-chave: Aprendizagem; Desenvolvimento Humano; Educação Médica; Cultura em Saúde

Abstract:

Introduction:

The term learning how to learn, initially developed as a counterpoint to the Traditional School, aiming at a greater emancipation of the students in relation to the construction of knowledge in the classroom, as well as an incentive to their democracy and civil autonomy, started to be used recurrently as a neoliberal slogan in medical schools. Incorporated by the market as a synonym for the American term “do it yourself”, the concept of learning how to learn has become the meaning of a naturalistic constructivism, assuming that students construct their own concepts, skills, and values in an appropriate and satisfactory manner.

Development:

In Medical Education, especially, the term learning to learn appears as a recurrent pedagogical-methodological proposal. It should be noted that the presence of the term, by itself, should not be conceived as harmful to Medical Education, but rather the pedagogical context in which it is inserted. There is, therefore, an emptying of the teaching role as regulator of the relationship established between the student and the world. We present three theoretical premises, from the cultural-historical perspective, to reflect on and problematize the nature and meanings associated with the slogan “learning how to learn”, with a focus on student learning and development, highlighting the importance of the medical professor in this process.

Conclusion:

Both the teaching and the study activities need to become conscious activities by their protagonists, paying attention to the unity of meaning creation/learning leading to development, as a central dialectic principle and as an indispensable condition for what we understand as human development. Only in activity does the universality of the human subject and the constitution of the (medical) personality become visible. Thus, we assert that medical professors are fundamental for medical students to be guided to act in terms of overcoming and changing.

Keywords: Learning; Human Development; Medical Education; Health Culture

INTRODUÇÃO

O lema aprender a aprender, inicialmente introduzido no Brasil como contraponto à Escola Tradicional passou a ser utilizado, mais recentemente, como slogan neoliberal nas escolas médicas, incorporado pelo mercado como sinônimo do termo norte-americano do it yourself (faça você mesmo). Aprender a aprender tornou-se significado de um construtivismo naturalista em que os estudantes desenvolvem, de forma “autônoma”, seus próprios conceitos e habilidades, evidentemente, alinhados a uma determinada lógica de mercado.

Na Educação Médica, mais especificamente, o lema tem sido utilizado, de forma recorrente, como inspiração de propostas pedagógico-metodológicas, orientadas pelas últimas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)1. Oportuno salientar que o termo, por si só, não deve ser concebido como problema para a Educação Médica, mas, sim, a ideia a ele associado - como lema, no contexto pedagógico em que se encontra inserido. Nestes termos, os processos de ensinar e de aprender, em muitas escolas médicas, têm uma lógica centrada na figura do estudante como aquele que faz a si mesmo, ou, self-made man, ao desenvolver um elevado senso de autonomia.

Deste modo, com o texto que segue, problematizamos a apropriação neoliberal do termo “aprender a aprender” e suas implicações, especialmente em relação aos significados relacionados à autonomia do estudante de Medicina. Em nossas reflexões, apresentamos contrapontos com base na Teoria Histórico-Cultural, destacando três premissas que consideramos centrais, uma vez que é perceptível o esvaziamento do papel docente e do conhecimento na concepção neoliberal do termo. Partimos da compreensão de que as necessidades de docentes e de estudantes, materializadas na relação ensino/estudo, como atividades práticas, quando realizadas de forma consciente e com vistas a um ideal comum - a aprendizagem, se tornam a chave para uma Educação Médica formadora de humanidades.

Asseveramos que na atividade prática acontece a convergência das formas mais gerais de organização do comportamento pelo qual a espécie humana obtém acesso ao mundo, a partir de uma necessidade (um ideal). Fundamentalmente, uma atividade se caracteriza pelas ações orientadas para objetivos; de tal modo, a consideramos como unidade de análise que contempla sujeitos em processos interativos, mediados por instrumentos (em nosso caso, o conhecimento). No contexto das reflexões que seguem, na atividade prática (consideramos a de ensinar e a de estudar), divisamos o princípio essencial do paradigma histórico-cultural de análise.

Outrossim, consideramos que a unidade “criação de significado/aprendizagem conduzindo ao desenvolvimento” contribui para pensarmos o papel do médico-docente na formação profissional e humana dos estudantes de Medicina, via atividade de ensino. Sinalizamos para o conceito de atividade prática como a relação mediada entre sujeitos e estes consigo mesmos e com o mundo para compreendermos a dialética “ensino/estudo”, que insere o estudante em formas desenvolvidas de consciência social (como cultura). Fazemos isto a partir das seguintes premissas que incorporam as complexidades associadas às atividades de ensinar e estudar:

  1. O ensino, assim como o estudo tem como centralidade o compartilhamento de consciências, que é determinado por leis históricas numa relação dialética que não é direta, mas sempre mediada na sua forma simbólica - o conhecimento como instrumento mediador.

  2. A aprendizagem e o desenvolvimento têm gênese nas formas históricas e sociais da experiência humana, portanto, a formação profissional (e humana) implica que o estudante se aproprie dos conhecimentos, condutas e dos procedimentos, fazendo com que se tornem meios de sua futura atividade profissional, agora como personalidade médica.

  3. A aprendizagem e o desenvolvimento baseiam-se na participação conjunta de reciprocidades: docente ↔ estudantes e estudantes ↔ estudantes, engajados em torno do conhecimento e objetivos comuns. A participação expressa a natureza social do comportamento.

Uma Educação Médica formadora de humanidades expressa a compreensão exposta por Vigotski2 de que: “[...] nos tornamos nós mesmos através dos outros.” Esta compreensão conduz ao conceito de alteridade3, ou seja, a relação mantida com o outro, como fonte de desenvolvimento pelo entrelaçamento de histórias, uma determinante psicológica que nos remete ao conceito de ação mediada4: a aprendizagem e o desenvolvimento do estudante se apresentam como decorrência deste encontro de consciências, portanto, manifestam a profunda subjetividade da vivência em uma sala de aula.

O aprender a aprender neoliberal e o esvaziamento do sujeito

O lema aprender a aprender toma corpo como concepção pedagógica no Brasil a partir do ideário da Escola Nova (1930). Esse movimento, que visou a superação da Escola Tradicional, pautada pelo ensino catedrático, burguês, e com forte domínio da igreja católica, teve como seu maior representante Anísio Teixeira que, por sua vez, inspirou-se no filósofo e pedagogo norte-americano, John Dewey (1859-1952), que defendeu ideais de liberdade e democracia no ensino. De forte tendência pragmática e liberal, seus escritos definem uma escola do aprender fazendo, pela experimentação5.

Aspecto importante do escolanovismo, fortalecido pelo lema aprender a aprender, é a centralidade do processo pedagógico no estudante e nas metodologias de ensino. Aprender seria, portanto, resultado direto do interesse dos estudantes, sendo estes protagonistas, digamos, “independentes” no processo, e o desenvolvimento intelectual passaria, necessariamente, pelo desvelar das aptidões inatas de cada um6.

Aprender sozinho seria algo que contribuiria para o aumento da autonomia do indivíduo, ao passo que aprender algo como resultado de um processo de transmissão por outra pessoa seria algo que não produziria a autonomia e, ao contrário, muitas vezes até seria um obstáculo para a mesma7.

O lema, inicialmente desenvolvido como contraponto à Escola Tradicional, visando uma maior emancipação dos estudantes em relação à construção do conhecimento em sala de aula e um incentivo à democracia e autonomia civil destes, passou a ser utilizado, mais recentemente, como slogan neoliberal. Incorporado pelo mercado como sinônimo do termo norte-americano do it yourself (faça você mesmo), o aprender a aprender tornou-se significado de um “construtivismo naturalista”, partindo do princípio de que os estudantes constroem seus próprios conceitos, habilidades e valores”8. Em muitas propostas pedagógicas que o apresentam como princípio organizador pode-se constatar o predomínio de uma concepção exclusivamente individualista de aprendizagem. Nossa crítica à essa concepção de autonomia fundamenta-se na percepção de que o desenvolvimento da autonomia intelectual do estudante e a participação ativa de um docente que possibilita tal desenvolvimento são dimensões que se completam, portanto, não são excludentes entre si:

[...] o núcleo definidor do lema “aprender a aprender” reside na desvalorização da transmissão do saber objetivo, na diluição do papel da escola em transmitir esse saber, na descaracterização do papel do professor como alguém que detém um saber a ser transmitido aos seus alunos, na própria negação do ato de ensinar7.

Sob uma óptica neoliberal, parte-se do princípio de que o estudante “autônomo”, capaz de aprender de forma “emancipada”, se encontra no controle daquilo que deseja aprender. O que nos permite afirmar que a prática do aprender a aprender, numa concepção neoliberal, altera a compreensão de aprendizagem e desenvolvimento, que se baseia na participação conjunta de reciprocidades entre docentes e estudantes, engajados em torno do conhecimento e objetivos comuns.

Desta forma, compreendemos que a relação entre o ensino, a aprendizagem e o desenvolvimento humano se fundamenta em um aspecto teórico determinante na obra vigotskiana: a dinâmica real e histórica da atividade prática como condição para se criar significados (na forma de cultura médica) e - com ele - nos situarmos à frente de nós mesmos: referimo-nos ao desenvolvimento de uma personalidade médica (aqui a consideramos como expressão histórico-cultural da consciência, na interação com o outro e com o mundo, mas numa relação de alteridade. Em nosso contexto argumentativo, a expressão histórico-cultural da consciência diz respeito à formação profissional/humana dos estudantes de Medicina). Nestes termos, as atividades - ensinar e estudar - aqui concebidas como unidade dialética, são imperativas à formação humana. Entretanto, diante desse cenário, a prática educacional neoliberal se apropria do lema a fim de exercer domínio e controle sobre aquilo que os estudantes devem ou não aprender, sempre guiados por uma perspectiva unilateral (individualista) e que segue lógicas de mercado. Ratifica-se a ideia de que a prática tem predomínio frente à teoria, disseminando-se o ideário neoliberal de que para saber, basta saber fazer.

A atividade como condição para a aprendizagem e o desenvolvimento humano: contribuições da Teoria Histórico-Cultural

Baseado no materialismo histórico-dialético em Marx, Lev Semionovich Vigotski (1896-1934), psicólogo bielo-russo, propôs uma psicologia como ciência que abarcasse os processos de desenvolvimento humano, determinados a partir das relações sociais na e pela atividade prática, alinhando-se com a tese marxista do desenvolvimento histórico-dialético. Em sua proposta teórica, passa a existir uma compreensão investigativa que incorpora o conceito da atividade como condição imperativa para o desenvolvimento humano, como consciência expressada na forma de uma personalidade.

Seu programa de pesquisa tem centralidade teórica na ação mediada e tem como foco a modificação de contextos históricos, institucionais e culturais. É nessa relação entre a formação da personalidade, como existência social, que a tese proposta por Vigotski vislumbra a natureza histórica da origem do psiquismo humano. Em síntese, o sujeito constrói sua história a partir da história do outro, por interações mediadas por sistemas simbólicos: assim posto, o conhecimento se torna instrumento imperioso que medeia a relação sujeito ↔ mundo e sujeito ↔ sujeito.

Tornar-se humano - segundo Vigotski - é possível na medida em que internalizamos a cultura como atividade social, tornando-a nossa própria atividade, transformando, desta forma, o fluxo e a estrutura das funções psicológicas, da mesma maneira como um instrumento modifica materialmente o objeto nas operações de trabalho9. Logo, o desenvolvimento humano a que Vigotski se refere, diz respeito a uma construção consciente dos processos de pensamento, isto é, como desenvolvemos e lidamos com o pensamento. O núcleo teórico da questão situa-se - justamente - na ação mediada e na intervenção com a participação do outro, tendo-se como movimento central a transformação de contextos históricos, institucionais e culturais.

Neste núcleo, o conceito de atividade encontra-se nos fundamentos vigotskianos revelados pela lei genética geral do desenvolvimento cultural: em Vigotski9) “Toda forma superior de comportamento aparece em cenas duas vezes durante seu desenvolvimento: primeiro, como forma coletiva do mesmo, como forma interpsicológica, um procedimento externo de comportamento”, acrescentando que “[...] qualquer processo volitivo é inicialmente social, coletivo, interpsicológico”9. Importante ressaltar que o processo de internalização não incide na passagem da realidade externa para um “plano de consciência e reflexões internas antecedentes, mas sim na produção deste plano”10. É sob esta perspectiva que o termo aprender a aprender necessita ser compreendido.

Percebemos - assim - um entendimento histórico-cultural da aprendizagem e do desenvolvimento, uma vez que a base que fundamenta os processos cognitivos internos trata-se do próprio processo consciente de como a atividade humana e social, historicamente constituída, transforma-se em atividade e em pensamento. É na atividade prática onde ocorre a manifestação da universalidade do sujeito: “Toda a atividade espiritual humana está determinada pela prática social e compartilha com ela uma estrutura fundamentalmente semelhante. A atividade é a substância da consciência humana”10. Na unidade ensino/estudo está contida a ideia de desenvolvimento humano; portanto, ambas assumem como ideal a atividade prática profissional. Isto ocorre pela internalização da cultura médica, uma vez que a dialética ensinar e estudar tem implicações sobre a formação da consciência e o desenvolvimento de novas e importantes formações psicológicas - as neoformações, como a personalidade médica.

Logo, se desejarmos atribuir um significado ao aprender a aprender, estamos nos referindo, sobretudo, a processos de desenvolvimento como neoformações11. Para Vigotski12, isto pressupõe, pelo estudante, o desenvolvimento de capacidades de reflexão, análise e planejamento, mas com pensamento teórico-científico. O que destacamos é que o desenvolvimento do pensamento tem sua gênese cultural, fruto da vida social que, nos contextos de um curso de Medicina, têm a sua materialidade na atividade de ensino, como atividade social: “O desenvolvimento da atividade prática social [...] da pessoa se fundamenta no desenvolvimento histórico do pensamento”10.

O aprender a aprender, na perspectiva histórico-cultural refere-se - portanto - ao desenvolvimento de níveis cada vez mais elaborados das funções psicológicas consideradas essenciais à educação. Nesse sentido, referimo-nos a uma autonomia que possibilite o desenvolvimento do pensamento, ao mesmo tempo, independente e criativo. Logo, médicos-docentes são essenciais no processo se considerarmos um importante plano da atividade: o da participação orientada. Nesse plano, focam sua atenção sobre o conhecimento a ser ensinado e a natureza do acompanhamento, imprescindíveis à atividade de estudo, além de decidirem sobre as ocasiões em que podem se distanciar dos estudantes, orientando-os a desempenharem níveis crescentes de autonomia intelectual. Trata-se do plano das intersubjetividades, determinadas pela atividade de ensino, que são complexas e crescentes.

O aprender a aprender nas escolas médicas

A partir do ano de 2001, os cursos de nível superior passaram a guiar seus projetos pedagógicos e curriculares por meio das Diretrizes Curriculares Nacionais, instituídas com a aprovação do Plano Nacional de Educação13. Essas diretrizes surgiram como resposta aos movimentos políticos e sociais há muito presentes no que tange à educação brasileira, como o movimento da Escola Nova, a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1961, assim como a revisão da LDB de 1996. Essa revisão valorizou a formação cidadã, destacando a flexibilização curricular e as fronteiras da ciência no exercício profissional14.

As Diretrizes para os cursos de Medicina dos anos 2001; posteriormente a 2014, foram então formuladas a fim de que a formação do médico passasse - obrigatoriamente - pela aquisição de conhecimentos requeridos para o exercício da profissão, pautando-se no desenvolvimento de competências e habilidades, visando a formação de um médico generalista, crítico e reflexivo, construída por meio de uma educação médica em que o estudante deve “aprender a aprender [...] e aprender com autonomia”1),(13. A importância do professor neste processo é salientada:

O Curso de Graduação em Medicina deverá manter permanente Programa de Formação e Desenvolvimento da Docência em Saúde, com vistas à valorização do trabalho docente na graduação, ao maior envolvimento dos professores com o Projeto Pedagógico do Curso [...] por meio do domínio conceitual e pedagógico, que englobe estratégias de ensino ativas, pautadas em práticas interdisciplinares, de modo a assumirem maior compromisso com a transformação da escola médica [...]1.

Os cursos adequaram seus currículos e Projetos Político Pedagógicos (PPP) a fim de atender aos preceitos estabelecidos pelas Diretrizes. O termo aprender a aprender foi - então - incorporado à Educação Médica e compreendido como processo emancipador em que o estudante é um construtor “autônomo de conhecimentos”15 Sob influência das Diretrizes1),(13, a Educação Médica se apresentou, a partir dos anos 2000, como modelo que incentivava os processos de aprendizagem “emancipadores” em que o graduando seria responsável pela própria formação inicial e continuada15.

Depreende-se - portanto - que a interpretação do termo naturaliza uma suposta aprendizagem “autônoma” desconsiderando-se a relação ensino/estudo como unidade indispensável ao processo. Trata-se da ideia de que, para a formação do estudante, parece ser mais importante a “construção de um método de aquisição, elaboração, descoberta, construção de conhecimentos, do que aprender os conhecimentos que foram elaborados por outras pessoas”7. Logo, subentende-se um esvaziamento da função docente, enquanto organizadora e reguladora da atividade de ensino em contextos interpsicológicos.

Do ponto de vista teórico, entendemos que o ensino tem papel imperioso para o desenvolvimento, na medida em que seus mais importantes protagonistas partilham da necessidade de ensinar e de aprender o repertório cultural médico, com conhecimento e profissionalismo, resultando em formas muito mais complexas de ser, fazer e estar neste mundo. Ressaltamos nossa concepção de desenvolvimento humano como o processo histórico em que o sujeito, ao compreender e transformar o meio, transforma, também, a si mesmo. Logo, o pressuposto diz respeito à internalização da cultura (médica) como atividade humana, social e histórica, condição para a transformação dos estudantes, mas como atividade criativa e produtiva. Ou seja, são solicitados na lógica da produção e não da reprodução. Ratificamos a formação médica conexa à ideia da existência do princípio de reciprocidades, refletindo a natureza social do comportamento, evidenciando-se o senso de cooperação que se baseia, sobretudo, na participação e na confiança. Em nosso entendimento o lema neoliberal desconsidera este princípio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de individualização dos estudantes, fomentado por um ambiente educacional pautado no sucesso pessoal e na meritocracia, toma fôlego frente à concepção pedagógica neoliberal do aprender a aprender. Tal premissa parte do princípio de que o estudante deve ser o construtor do próprio conhecimento, de forma “autossuficiente”.

Na Educação Médica, entendemos como necessário centrar a atenção sobre a participação orientada, com foco em processos essenciais como a interação entre estudantes e docentes e esses entre si, em contextos de comunicação e coordenação de esforços de natureza histórico-cultural - o princípio das reciprocidades, conforme já havíamos mencionado anteriormente. A participação orientada diz respeito às relações interpessoais conforme já argumentou Vigotski16: “O que é que move os significados? A cooperação entre consciências. O processo de alteridade da consciência.” Diante do exposto, afirmamos que os sujeitos elaboram e compreendem a sua existência não apenas por estarem inseridos em determinado contexto social; sim, por serem - ao mesmo tempo - produtos e produtores da história social em que vivem, retomando, pela atividade prática.

Ratificamos a importância dos médicos-docentes como formadores que - por meio da atividade de ensino - necessitam estar atentos sobre as orientações necessárias, o apoio e o acompanhamento, buscando manter os estudantes engajados em suas atividades de estudo, em contextos sociais de aprendizagem. Estes, pouco a pouco, internalizam formas ideais do pensamento humano (como cultura médica); com elas, internalizam - também - intenções, valores, bem como os sistemas de crença da prática médico-científica. Vigotski nos auxilia no desenvolvimento de uma concepção não determinista sobre como um curso de Medicina pode conduzir à formação profissional e humana, constituída pelas atividades culturalmente mediadas entre sujeitos, em torno de objetivos comuns.

Por fim, o ensino e o estudo necessitam se transformar em atividades conscientes por parte dos seus protagonistas, atentando-se à unidade criação de significado/aprendizagem e conduzindo ao desenvolvimento como princípio dialético basilar. O aprender a aprender sendo - então - compreendido como possibilidade para os estudantes de se situarem à frente de si mesmos. Essa é condição indispensável para o que concebemos como desenvolvimento humano, assegurando condições fundamentais para que os estudantes de Medicina possam ser orientados para atuarem nos termos da superação e mudança segundo Vigotski, reiteradamente, se referiu.

AGRADECIMENTOS

À CAPES.

REFERÊNCIAS

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2Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO Declaramos não haver financiamento.

Recebido: 29 de Abril de 2021; Aceito: 18 de Julho de 2021

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Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Gustavo Antonio Raimondi.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Todos(as) os(as) autores(as) contribuíram igualmente na construção do artigo.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

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