INTRODUÇÃO
Paulo Freire1, em Pedagogia da autonomia, afirma a educação como prática social que se concretiza nas relações entre docência e discência, imbricando diferentes saberes, vivências e diálogos intersubjetivos, marcados pelos modos de estar no mundo e influenciados pelas condicionantes de classe social, identidades culturais e etnias. Os atos de educar são, substantivamente, formar para e na perspectiva da transformação social.
Essa perspectiva freiriana fundamenta e ilumina o entendimento da formação em saúde como um processo complexo e ordenado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em diálogo com políticas institucionais, valores éticos e estéticos, na perspectiva do compromisso social. Inscreve-se como socialmente referenciada, produzida e produtora do trabalho vivo de trabalhadores, usuários, comunidade, estudantes e docentes.
No contexto brasileiro, os movimentos de reorientação da formação em saúde2) fomentam propostas inovadoras que situam as interações, os encontros, a escuta sensível e o olhar atento e implicado com o outro como fundamentais para formar profissionais críticos, reflexivos, interdisciplinares, éticos e comprometidos com a produção de práticas de atenção à saúde emancipatórias e cuidadoras na perspectiva da integralidade.
Nessas propostas inovadoras, algumas características têm sido valorizadas, como interdisciplinaridade, interprofissionalidade, currículos integradores, metodologias ativas e participativas de aprendizagem e ensino, e avaliação formativa. E emerge, nesse contexto, o resgate de espaços de diálogo, conversação, escuta e acolhimento, que envolvem os diferentes sujeitos e cruzam vivências e saberes.
É possível, assim, reconhecer que docentes e estudantes são deslocados em seus papéis e ações, implicando-os nas dinâmicas da corresponsabilidade formativa. Conquistam-se, cotidianamente, projetos de acompanhamento do estudante em sua trajetória de desenvolvimento pessoal e profissional3),(4. Criam-se, implantam-se e avaliam-se projetos de mentoria na educação superior.
As origens da expressão mentoria remete à mitologia grega: Mentor é o responsável pela orientação, guarda e proteção de Telêmaco, filho de seu amigo, Odisseu, que foi para a guerra de Troia, passagem contada na obra Odisseia, de Homero5),(6. Dessa origem mitológica, mentoria guarda uma complexa rede de compreensão semântica, expressando uma polissemia que, se, por um lado, pode ser entendida como algo que confunde ou provoca equívocos, traduz, por outro, uma potência transformadora, na medida em que comporta leituras e entendimentos múltiplos.
No percurso de "desdobrar" sentidos, as definições dicionarizadas trazem aspectos relevantes para a compreensão da palavra mentoria: 1. ser mentor, ofertar mentoria, sentir propósito em ser mentor7),(8; 2. sistema formado por pessoa experiente com função de orientação e encaminhamento de uma menos experiente9),(7; 3. prática de ajudar ou de aconselhar uma pessoa menos experiente durante um período de tempo7.
Chiavenato10) relata que, a partir de 1750, a palavra mentor passa a compor os dicionários de línguas inglesa e francesa como sinônimo de conselheiro, sábio e protetor. Assim, o mentorado ou aprendiz é quem recebe acompanhamento do mentor9.
Esses sentidos dicionarizados atribuídos à mentoria já permitem reconhecer a importância do referido acompanhamento na formação em saúde, considerando o longo percurso formativo, as exigências e expectativas que compõem o itinerário de formar-se profissional, o que demanda suporte e apoio empático e experiente11),(12.
A literatura em língua inglesa sobre mentoria apresenta convergência significativa com os desdobramentos semânticos dicionarizados anteriormente expostos, nos quais a dimensão da escuta, do aconselhamento e do estímulo de um parceiro mais experiente (mentor) compõe a trajetória acadêmica de um parceiro iniciante (mentorado)11),(12.
Sheri et al.13, em um estudo de revisão, indicam que a mentoria assume um lugar singular na educação médica, constituindo em fonte de motivação, aprendizagem de posturas profissionais resilientes e construção de identidades profissionais mais desenvolvidas em relação a colegas que não participam da mentoria. Corroborando esses dados, situa-se o estudo de Dimitriadis et al.14) que salientam o impacto positivo das relações construídas na mentoria no enfrentamento de questões centrais no desenvolvimento profissional dos estudantes de Medicina.
Ramani et al.15 também afirmam que os(as) mentores(as) desempenham um papel fundamental no desenvolvimento dos(as) estudantes, influenciando em aprendizagens, aspirações e construção da identidade profissional deles. Heeneman et al.16 observaram que as percepções dos mentores(as) sobre os processos de reflexão e desenvolvimento da autonomia influenciam as relações que constroem com os mentorados(as) nas sessões de mentoria.
Já a incursão na literatura sobre mentoria em línguas portuguesa e espanhola traz uma relação estreita entre mentoria e tutoria. Simão et al.17, ao refletirem sobre experiências em universidades portuguesas, enfatizam que a tutoria/mentoria apresenta uma amplitude e diversidade que se constroem conforme as necessidades dos estudantes e seus contextos formativos. Essa relação assume uma expressão relevante quando se estuda o Processo de Bolonha, o qual compreendeu a reforma educacional do ensino superior em países da União Europeia18),(19. Por esse processo, a tutoria/mentoria se apresenta como uma estratégia que visa atingir diferentes objetivos, como auxiliar os discentes individualmente ou em grupo, e como mediadora de atividades a conduzi-los ao aprendizado adequado17.
Rodríguez et al.20 e Alpízar et al.21 situam o mentor/tutor como parceiro mais experiente, relevante e necessário no processo formativo integral do estudante, identificando, além das dificuldades acadêmicas, as de origem externa que afetam seu aprendiz, como os familiares e pessoais.
É importante sublinhar que, a despeito das especificidades presentes na literatura em língua inglesa e na literatura em línguas portuguesa e espanhola, ambas apreendem dimensões do(a) mentor(a) já apontadas na obra clássica de Daloz22, com especial ênfase nas ações do(a) mentor(a) como orientador(a) presente ao longo das trajetórias dos(as) estudantes, mobilizando a confiança pelo reconhecimento de que já trilharam os caminhos anteriormente. É o lugar do parceiro mais experiente que acolhe, oferece suporte, desafia e favorece uma visão mais ampliada da própria jornada do(a) mentorado(a)22),(23.
Emergem, com potência, os processos de aprendizagem que são construídos nas interações sociais, produzidas nas zonas de desenvolvimento proximal (ZDP), como proposto por Vygotsky24, não se restringindo ao conhecimento já apropriado, mas investindo em saberes que ainda serão aprendidos. As ZDP, na ótica vygotyskiana24, configuram interações entre parceiros mais experientes (professores, por exemplo) e iniciantes, partilham níveis de conhecimento real (o que já foi aprendido, apropriado) e fomentam níveis de desenvolvimento proximal ou potencial (o que está sendo aprendido, o vir a ser).
Nas relações de mentoria, dessa forma, o(a) mentor(a) desenvolve papéis de supervisão, orientação e interlocução crítica com escuta ativa25. Jacobi26) descreve que o(a) mentor(a) configura práticas que abrangem ajuda, relacionamento interpessoal, modelo profissional e o(a) parceiro(a) que contribui para projetar o futuro.
É possível, pois, identificar que os papéis de mentor(a) se aproximam na direção de uma prática construtiva e autônoma, apoiando o(a) estudante a identificar e superar suas dificuldades, aspirações, projetos, relações consigo e com os outros21),(27),(28.
Nesse panorama, é fundamental analisar e compreender como os programas de mentoria têm sido desenvolvidos, em diferentes contextos institucionais, na perspectiva de consolidá-los como uma intervenção relacional potente na formação em saúde25.
No itinerário até aqui percorrido, este artigo tem como objetivos apresentar uma revisão integrativa (RI) buscando responder à seguinte questão:
O que as publicações têm revelado sobre as experiências brasileiras de mentoria desenvolvidas por docentes do ensino superior em saúde?
E, a partir desta revisão, pretende-se analisar e apreender os significados de mentoria presentes nessas publicações. As diferentes definições de mentoria na literatura impulsionaram, partindo de uma análise de conteúdo, a conhecer seus significados no corpus desta revisão.
MÉTODO
A metodologia utilizada foi a RI, sintetizando estudos publicados sobre experiências de mentoria no Brasil e buscando aprofundamentos, apreensões e compreensões sobre essa temática29),(30.
Esta revisão combina "dados da literatura teórica e empírica, incorporando um vasto leque de propósitos: definição de conceitos, revisão de teorias e evidências e análise de problemas metodológicos de um tópico particular"31 (p. 105).
Entre outubro de 2020 e janeiro de 2021 elaborou-se a questão de pesquisa - "O que as publicações têm revelado sobre as experiências brasileiras de mentoria desenvolvidas por docentes do ensino superior em saúde?" -, determinou-se a estratégia de busca e definiram-se os critérios de inclusão e exclusão32),(33.
Para as bases de vocabulário controlado, foram utilizados os descritores (inglês/português): mentoring, combinado isoladamente com education, mentors e faculty. Para a base de palavras-chave, utilizaram-se as mesmas combinações, exceto com education, substituída por health education/educação em saúde.
A busca ocorreu via Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), sendo consultadas as bases de dados Lilacs e Medline via BVS, SciELO (Web of Science) e Scopus. Para ampliar a compreensão, o tempo não foi delimitado.
Adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: 1. artigos originais e relatos de experiência docente, publicados na íntegra e de livre acesso, de criação ou implementação ou avaliação de atividades de programas de mentoria, desenvolvidas por docentes em cursos de graduação da área da saúde, nos idiomas português e inglês; e 2. artigos originais e relatos de experiência docente que trouxessem em seus títulos e/ou resumo as palavras programa de tutoria, mentoria, mentor e tutoria.
Como critérios de exclusão, definiram-se manuscritos com natureza de texto compreendida pelos estudos de revisão, anais, relatórios, entrevistas, editoriais, cartas, trabalhos de conclusão de graduação, monografias, teses, dissertações, conferências, guias, manuais, livros, e-books e relatos de experiência discentes. Outro critério de exclusão foi artigo que, após a leitura na íntegra, não abordava experiências de mentoria e/ou investigava experiências de peer mentoring.
As informações apreendidas descrevem autores, ano, instituição, estado, curso, objetivos da pesquisa e metodologias utilizadas, bem como os principais resultados e conclusões29.
Realizou-se uma análise de conteúdo do tipo temático no tocante aos significados de mentoria apresentados nas publicações, apreendendo unidades de contexto, unidades de registro e categorias, interpretando-as à luz da literatura científica34),(35.
RESULTADOS
A partir dos objetivos traçados, os resultados são divididos em duas partes.
Revisão integrativa
A busca revelou 878 artigos, conforme visualiza-se no Quadro 1.
Descritores Palavras-chave | Base de dados Portal de Busca | Estratégia 1 Mentoring AND education | Estratégia 2 Mentoring AND mentors | Estratégia 3 Mentoring AND faculty | Estratégia 4 Tutoria AND educação | Estratégia 5 Tutoria AND mentores | Estratégia 6 Tutoria AND docentes | Total por base |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Vocabulário controlado (DeCS/MeSH) | SciELO (Web Of Science) | 86 | 0 | 25 | 76 | 10 | 59 | 256 |
Vocabulário controlado (DeCS/MeSH) | Lilacs via BVS | 264 | 32 | 27 | 147 | 20 | 44 | 534 |
Vocabulário controlado (DeCS/MeSH) | Medline via BVS | 1 | 0 | 1 | 0 | 1 | 0 | 3 |
Palavras-chave | Scopus | 27 | 42 | 11 | 0 | 1 | 4 | 85 |
Total geral | - | 378 | 74 | 64 | 223 | 32 | 107 | 878 |
Desses artigos, 119 eram duplicatas. A leitura dos títulos e resumos e a identificação da natureza do texto geraram a exclusão de 718 documentos que não contemplaram o primeiro grupo de critérios de inclusão. Um total de 41 artigos foi lido na íntegra, resultando na exclusão de 29 por não atenderem ao segundo grupo de critérios de exclusão.
Ao fim das estratégias de busca, selecionaram-se 12 artigos que compõem o corpus da presente RI, sendo nove artigos originais36)-(44 e três relatos de experiência45)-(47 (Figura 1).
O Quadro 2 apresenta os artigos incluídos por ano, autor, periódico e contexto.
Nº | ANO | AUTORES | Periódico | CONTEXTO |
---|---|---|---|---|
1 | 2004 | Bellodi, PL, Martinho, T, Massaroppe, B, Martins, MA, Santos, MAS | Revista Brasileira de Educação Médica | Graduação em Medicina |
2 | 2004 | Bellodi, PL | Revista Brasileira de Educação Médica | Graduação em Medicina |
3 | 2009 | Colares, MFA, Castro, M, Peres, CM, Passos, ADC, Figueiredo, JFC, Rodrigues, MLV, Troncon, LEA | Revista Brasileira de Educação Médica | Graduação em Medicina |
4 | 2009 | Santana, CS, Kebbe, LM, Carlo, MMRP, Carreta, RYD, Elui, VMC | Trabalho, Educação e Saúde | Graduação em Terapia Ocupacional |
5 | 2011 | Bellodi, PL, Chebabo, R, Abensur, SI, Martins, MA | Revista Brasileira de Educação Médica | Graduação em Medicina |
6 | 2011 | Bellodi, PL | Revista Brasileira de Educação Médica | Graduação em Medicina |
7 | 2012 | Gonçalves, MCN, Bellodi, PL | Interface - Comunicação, Saúde e Educação | Graduação em Medicina |
8 | 2012 | Gonçalves, MCN, Bellodi, PL | São Paulo Medical Journal | Graduação em Medicina |
9 | 2013 | Ribeiro, MMF, Martins, AF, Fidelis, GTA, Goulart, GC, Molinari, LC, Tavares, EC | Revista Brasileira de Educação Médica | Graduação em Medicina |
10 | 2014 | Fidelis, GTA | Revista Médica de Minas Gerais | Graduação em Medicina |
11 | 2016 | Martins, AF, Bellodi, PL | Interface - Comunicação, Saúde e Educação | Graduação em Medicina |
12 | 2020 | Moreira, SNT, Albuquerque, ICS, Pinto Junior, FEL, Gomes, AHB | Revista Brasileira de Educação Médica | Graduação em Medicina |
Os achados evidenciam trabalhos publicados entre 2004 e 2020, com peculiaridades de programas de mentoria inseridos em cursos de Medicina36)-(44),(46),(47 e um no curso de Terapia Ocupacional45, todos em instituições públicas.
A Região Sudeste concentra dez publicações, com sete em instituições de São Paulo36)-(40),(42),(45 e três de Minas Gerais43),(44),(46. A Região Nordeste apresenta uma publicação47. Um artigo não sinaliza a origem geográfica, nem institucional41.
Os autores são docentes e discentes inseridos nas experiências de mentoria, compondo a coordenação de programas, grupos de educação médica e instâncias institucionais dos cursos. Observa-se ênfase no periódico Revista Brasileira de Educação Médica como o principal veículo de publicação dos manuscritos (sete publicações), seguido por Interface - Comunicação, Saúde e Educação (dois artigos), Trabalho, Educação e Saúde (um), Revista Médica de Minas Gerais (um) e São Paulo Medical Journal (um).
Os estudos selecionados foram realizados em diferentes contextos: programa tutores - sistema de tutoria (mentoring)36),(37),(39),(40),(42, programa de tutoria - mentoring38),(41),(45, tutoria no formato mentoring43),(44),(46 e programa de mentoria47.
O Quadro 3 apresenta os artigos incluídos, seus objetivos e desenhos metodológicos.
Nº | Objetivos | Desenho metodológico |
---|---|---|
1 | Descrever o processo de construção do temário no momento de implantação do Programa Tutores na FMUSP. Apresentar os principais temas surgidos. Comparar a distribuição dos temas entre os ciclos básicos, clínico e internato. Discutir os resultados obtidos no contexto da formação médica durante a graduação. | Questionário com três perguntas abertas aplicado a 201 estudantes de Medicina dos ciclos básico, clínico e internato. Análise de conteúdo das questões abertas, estatística descritiva e teste do qui-quadrado para a comparação das respostas por ciclos. |
2 | Relatar a participação do Programa Tutores com os calouros de 2002 e discutir essa experiência com base em relatos dos tutores e dos novos alunos que dela participaram. | Questionário com perguntas abertas aplicado a calouros e tutores buscando a percepção do primeiro encontro de tutoria do semestre. Análise por levantamento dos temas mais frequentes. Estatística descritiva com percentuais das respostas. |
3 | Descrever os achados relativos à avaliação dos aspectos motivacionais e as percepções dos alunos e mentores que participaram de reuniões regulares do grupo por pelo menos um ano. | Estudo transversal e descritivo com dados coletados por meio de questionários com questões abertas, aplicados a estudantes frequentadores do mentoring e não frequentadores, bem como a dez mentores. Apreensão de categorias a partir de leituras flutuantes. |
4 | Descrever experiência de tutoria desenvolvida no curso de graduação de Terapia Ocupacional na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), no âmbito dos modelos de práticas de tutoria desenvolvidas na formação em saúde, especificamente baseadas nas dimensões educativa e cuidativa. | Relato docente de experiência, descritivo, associado à pesquisa bibliográfica. |
5 | Explorar e discutir as razões apresentadas pelos alunos quanto ao seu envolvimento com a atividade, considerando especialmente o período de 2004-2005, antes e depois das mudanças realizadas no programa. | Análise de item de um questionário de avaliação do mentoring referente ao grau de adesão dos estudantes ao programa. Análise de conteúdo, modalidade temática. |
6 | Descrever e discutir o nível de satisfação, dificuldades e percepção de mudanças resultante do programa. | Entrevista em profundidade com questões sobre a satisfação, dificuldades e percepções de mudanças resultantes do programa ao longo do tempo, realizada com 80 mentores de uma escola médica. Análise de conteúdo, modalidade temática. |
7 | Compreender as motivações de um grupo de tutores e identificar as possíveis transformações ocorridas ao longo do tempo. | Estudo qualitativo exploratório. Entrevista semiestruturada com questões abertas sobre experiências vividas por 14 tutores ao longo do tempo. O trabalho explora três questões inerentes às percepções, motivações e mudanças. Análise de conteúdo, modalidade temática. |
8 | Investigar as percepções de um grupo de mentores sobre as dificuldades vivenciadas ao longo do tempo e os recursos utilizados para enfrentá-las. | Estudo qualitativo exploratório. Entrevista semiestruturada com 14 mentores, perguntas abertas sobre dificuldades da mentoria e recursos de suporte. Análise de conteúdo, modalidade temática. |
9 | Avaliar, na visão do estudante, a relevância da tutoria em sua formação e as características comuns aos vários grupos. | Questionário com perguntas abertas e fechadas aplicado a estudantes do sexto, 11º e 12º períodos do curso de Medicina. Análise descritiva dos dados quantitativos e análise de conteúdo, modalidade temáticas das questões abertas. |
10 | Historiar o início do desenvolvimento do Projeto de Tutoria (Mentoring) na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), além de abordar conceitos e aspectos teóricos do mentoring na formação médica e assinalar o Projeto Tutores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) como referência importante para projetos semelhantes em todo o Brasil. | Relato do percurso histórico da criação e implantação de um programa de mentoring. |
11 | Compreender a experiência vivida por alunos de Medicina na atividade de Tutoria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). | Pesquisa documental com análise fenomenológica de 25 relatórios produzidos por alunos de Medicina entre 2001 e 2010. |
12 | Relatar a experiência de um programa de mentoria desenvolvido no curso de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), descrevendo sua implementação e seu desenvolvimento ao longo do tempo. | Relato de experiência de um programa de mentoria. |
Os objetivos assumem focos no registro descritivo-analítico do percurso histórico das experiências e, também, na avaliação de percepções e vivências no cotidiano delas.
Observa-se uma centralidade na abordagem qualitativa de pesquisa e de relato de experiência, em que se utilizaram entrevistas ou questionários na produção de dados36)-(43, ou, ainda, análise documental44. Também se identifica a existência de pesquisas com desenho quali-quantitativo36),(37),(43, e três manuscritos45)-(47 descrevem o percurso metodológico na modalidade de relato qualitativo.
Nº | Resultados | Conclusões/considerações finais |
---|---|---|
1 | As temáticas sugeridas foram: revelação de expectativas sobre a vida pessoal, ensino-aprendizagem, ética médica, relação médico-paciente, desenvolvimento profissional e de carreira, faculdade e universidade, ser aluno de Medicina, ser médico, medicina e sociedade, temas médicos diversos e temas não médicos. Alguns estudantes não fizeram sugestão de temas. | O temário elaborado teve um importante papel para os futuros tutores durante seu treinamento e evidenciou as principais áreas de interesse dos alunos, apontando as diferenças ao longo dos vários anos e vislumbrando as possíveis utilizações dos espaços da tutoria. |
2 | O primeiro encontro foi considerado bastante satisfatório (“excelente/bom”) tanto para os tutores quanto para os calouros. A principal razão de insatisfação diz respeito a grupos com pequeno comparecimento e participação dos demais alunos veteranos. Relação de mão dupla entre o programa e a integração do calouro ao mesmo. | A tutoria mostrou-se um ingrediente importante ao ampliar a rede de suporte na instituição, e o calouro, por sua vez, um elemento que traz “vida nova” ao grupo, incrementando a motivação e a dinâmica grupal. |
3 | Tanto os estudantes que participaram regularmente do programa como os que não haviam participado expressaram opiniões positivas sobre o programa. Os mentores expressaram alto grau de satisfação em participar do programa e opinaram que o programa vem sendo útil também para auxiliar na formação docente. | O programa de apoio ao estudante ingressante, baseado em grupos que operam ao redor de mentores, é viável e efetivo no auxílio ao estudante e pode também contribuir para a formação e o desenvolvimento dos docentes e médicos que participam como mentores. |
4 | Programa implantado em 2006 no curso de Terapia Ocupacional para todos os estudantes, com encontros mensais, acolhendo as demandas, facilitando, orientando e estimulando processos reflexivos, e encaminhando os apontamentos ao colegiado docente e à coordenação do curso. As demandas mais importantes são discutidas em fórum, com as peculiaridades de terem o docente como narrador das questões, cabendo ao aluno sentir-se representado nas falas, complementá-las e discuti-las. | A experiência de tutoria permite o reconhecimento dos alunos e tutores como sujeitos ativos do processo formativo, que passa pela alteridade, pela legitimação da voz que é dada a cada uma das partes e pela percepção de que o conhecimento pode, e que deve ser construído numa relação mais horizontal entre seus atores. |
5 | Fatores facilitadores da adesão: troca de experiência mediada por um tutor habilidoso e inserção do programa na grade horária oficial. Fatores dificultadores: tutores que se desligam do programa, agendamento irregular dos encontros, comunicação não efetiva e discussão de temas desinteressantes O mentoring informal e grupos com uma dinâmica ruim também justificam, para os alunos, uma menor adesão. | O sucesso de um programa de mentoring, no que diz respeito à adesão dos alunos, mostra estar vinculado não apenas a uma estrutura adequada, mas também às características pessoais e aos valores dos participantes. |
6 | Satisfação e dificuldades dos mentores fortemente associadas ao grau de envolvimento dos alunos. Mudanças observadas nos alunos relacionadas a questões dessa fase de vida. Para alguns, ainda não há reconhecimento do programa pela instituição. Reconhecimento de importantes mudanças em si mesmos: como professores, como membros da faculdade e como pessoa. | A adesão dos alunos mostra-se crucial tanto para a relação de mentoring quanto para a própria consolidação do programa. Alunos envolvidos com a atividade motivam os mentores para o ensino e o aprimoramento do currículo, criando assim um círculo virtuoso, que beneficia o curso e a formação médica como um todo. |
7 | Motivações relativas ao aluno (o aluno em si, o aluno como representante da juventude, o tutor quando aluno no passado) e motivações relativas à instituição (oficializar uma função, colaborar com a formação, atualizar-se sobre a faculdade, retribuir as oportunidades recebidas). Para os tutores, a relação tutor-aluno possibilitou a revisão de si mesmos e do contexto em que se encontram, ampliou sua visão e abriu espaço para mudanças. | Há, entre os tutores, um desejo de restabelecer a antiga, significativa e próxima relação do mestre com o seu discípulo. Simbolicamente, buscam estar em contato com o seu “aluno interno ferido” e dele cuidar. Nessa jornada, podem - mas não necessariamente isso acontece a todos - transformar e ser transformados pelo outro. |
8 | Muitos mentores reconheceram como dificuldades as dúvidas iniciais com o papel, a frustração com a adesão dos alunos e a sobrecarga de tarefas do cotidiano. Para enfrentá-las, eles utilizam recursos externos, sua própria experiência de vida e o modo pessoal de abordar as situações. Uma parcela dos mentores não reconheceu dificuldades para eles ou para os alunos. | Muitas das dificuldades percebidas pelos mentores mostram ser derivadas do próprio contexto da formação médica. Os tutores não se ressentem da falta de suporte para a sua função. A “dificuldade em perceber dificuldades”, apresentada por alguns mentores, demanda investigações posteriores para melhor e maior compreensão. |
9 | Participação de 81% dos estudantes do sexto período e 51% do sexto ano. Controvérsia sobre a relevância da atividade, muitas vezes relacionada com obrigatoriedade e inadequação dos tutores. Necessidade de espaço para discutir temas não relacionados com a formação médica puramente técnica. | Numa perspectiva geral, a tutoria é atividade importante no quadro curricular, mas é urgente aprimorar o programa, a seleção e a formação dos tutores. |
10 | Projeto criado em 2000. Origem a partir da demanda significativa de estudantes, cujos problemas afetivos e sociais interferiam no desenvolvimento acadêmico e interpessoal. O programa se apresenta como espaço de reflexão, acolhimento e orientação sobre temas e vivências estressoras. O projeto é módulo de uma disciplina obrigatória no quinto período, em virtude da transição do ciclo básico para o profissional. | Apesar do terreno fértil encontrado nas reformas e adaptações curriculares para a implantação da tutoria, muitos problemas, dificuldades e resistências têm sido encontrados, como docentes muito conservadores e resistentes a mudanças, disputa de carga horária dentro das instituições e desvalorização da atividade em termos de pesquisa e produção científica, além de dificuldades em aproveitamento e alocação dos docentes. |
11 | Os elementos experienciais revelaram três conjuntos temáticos: o contexto da tutoria, o vivido na tutoria e a avaliação da experiência. A tutoria mostrou contribuir tanto para o enfrentamento das vicissitudes da formação quanto para o exercício de habilidades como escuta, aceitação e comunicação, fundamentais para a boa atuação do médico. | Mentoring como interseções importantes entre as ações de suporte ao bem-estar do estudante e as demandas de formação do futuro médico em áreas humanísticas. Desenvolve as habilidades relacionais, contribuindo para, mais do que ampliar os espaços didáticos humanísticos nos currículos, deixá-los mais vivos e próximos dos alunos. |
12 | Programa implantado em 2014, com a participação de mentores juniores, discentes e docentes-mentores da Medicina, como disciplina optativa. Atividades integrativas enfatizando mesa-redonda, Consultório Filosófico, Mentoring Solidário, Gincana Mentoring, Cine Mentoring e Arraiá do Mentoring. | A partir do engajamento e dos feedbacks recebidos, o programa, apesar de apresentar alguns desafios, vem se configurando como uma iniciativa capaz de transformar as relações interpessoais entre discentes e mentores, ao promover a integração entre alunos dos diferentes períodos do curso e criar um ambiente favorável ao diálogo e à construção do conhecimento. |
Significados de mentoria
Os resultados e as conclusões/considerações finais expressam a potência dos achados e das interpretações construídas pelos autores dos artigos. Esta revisão possibilitou empreender uma análise de conteúdo do tipo temático, na perspectiva de apreender os significados de mentoria, partindo da concepção de Vygotsky24:
Uma palavra adquire o seu sentido no contexto em que surge; em contextos diferentes, altera o seu sentido. O significado permanece estável ao longo de todas as alterações do sentido. O significado dicionarizado de uma palavra nada mais é do que uma pedra no edifício do sentido, não passa de uma potencialidade que se realiza de formas diversas da fala (p. 125).
Nesse sentido, a leitura e interpretação analítica dos artigos que constituem o corpus desta RI, bem como a polissemia da palavra mentoria já expressa e tecida neste manuscrito, estimulam a discutir os significados de mentoria, na perspectiva de dialogar com uma formação em saúde socialmente referenciada, contribuindo com algumas "pedras" para a compreensão da mentoria como relação entre sujeitos.
A mentoria emerge como cuidado com o estudante em oito publicações:
[Os tutores] Acreditam que podem, a partir de suas experiências, contribuir para o enfrentamento de situações novas ou difíceis vividas pelos alunos, oferecendo o suporte que gostariam de ter recebido quando eram estudantes41.
Ajudar os alunos a se adaptarem a um novo ambiente e oferecer suporte para aqueles que passam por dificuldades […]38.
A mentoria foi significada também, em dez publicações, como promoção e desenvolvimento do(a) estudante, por investir em diálogos acadêmicos, profissionais36),(39, identificar dificuldades40, além de favorecer compartilhamentos de vivências36),(37),(40),(41),(42),(45 e estimular as reflexões na interface formação-vida46.
Consideramos ainda que o Programa de Mentoria, como iniciativa pioneira no curso de Medicina [...] mostrou relevância ao propor a formação integral do indivíduo como pilar do processo de ensino aprendizagem. [...] Além disso, demonstra o compromisso da instituição com a proposta do programa e reforça a importância do mentoring para o desenvolvimento integral dos alunos [...]47.
Os alunos reconheceram, no mentoring, uma experiência de desenvolvimento integral44.
A promoção de vínculo entre professor(a) e estudante é outro significado de mentoria revelado na análise dos artigos, compreendendo momentos de encontros e diálogos protegidos, discussões de aspectos pessoais e profissionais, avaliação e cuidados com o curso.
De acordo com a maioria dos mentores [...], sentir-se um verdadeiro mentor envolve duas experiências: compartilhar suas experiências, dar bons conselhos e ajudar na tomada de decisões e quando os alunos procuram mentores espontaneamente, mesmo que em raras ocasiões, fora das reuniões programadas40.
Há, entre os tutores, um desejo de restabelecer a antiga, significativa e próxima relação do mestre com o seu discípulo41.
Nesse contexto, a mentoria surge como espaço de troca de experiências entre os envolvidos:
Em seus objetivos específicos, [...] busca promover a troca organizada de experiências entre os alunos dos diferentes anos [...]41.
Depreende-se dos encontros, das trocas e dos compartilhamentos que são construídos uma dimensão fundante da mentoria: a reflexão46),(47, do fazer e pensar a respeito:
Essas temáticas são escolhidas livremente por cada grupo, a partir dos interesses e das necessidades de seus componentes e aptidões do mentor que tem o papel de facilitar as discussões, levantando questionamentos e reflexões47.
A mentoria com o significado de humanização na formação do(a) estudante foi também desvelada no estudo:
Deve ser um processo através do qual o saber vai perpassando as relações, as dificuldades do dia a dia e os encantos e desafios que esta experiência propicia45.
Os alunos identificaram o mentoring como um necessário movimento de humanização do curso de medicina44.
Esses significados se articulam com as motivações dos(as) mentores(as) para participar de experiências de mentoria:
A maioria dos tutores relatou o desejo de, por meio deste papel e atividade, estar mais próximo dos alunos. Buscam essa proximidade porque se ressentem da pequena interação com os alunos durante o cotidiano da formação. Mostram, em suas respostas, desejo de vínculo e relação continuada para além do contato breve e pontual como professor em sala de aula41.
Configura-se, assim, a mentoria como um acompanhamento protegido, incluindo encontros regulares para discussões temáticas, visando contribuir para o desenvolvimento pessoal, profissional37),(39) e global do(a) estudante41.
DISCUSSÃO
A apreensão dos significados de mentoria permite uma leitura sobre os modos de ser mentor(a) e de organizar os momentos de encontros com os(as) estudantes que estão imbricados com cuidado, promoção, desenvolvimento, vínculo. Assim, o design de mentoria configura uma arquitetura simbólica de acolhimento dialógico, combinando encontros coletivos e individuais, no compromisso com o acompanhamento protegido dos itinerários formativos dos(as) estudantes.
O acolhimento dialógico identifica necessidades36 ou acolhe demandas45 e abre um espaço de trocas na transição para o ciclo profissional do curso43. Esse acolhimento se materializa em encontros para discussões de aspectos pessoais e profissionais, avaliação e cuidados para com problemas pessoais e com o curso, além de relacionamento interpessoal46),(47. É muito importante sublinhar as composições de momentos grupais e individualizados, investindo nas conversas sobre a vida acadêmica, pessoal, social e profissional36),(43.
A mentoria, a partir da RI empreendida, favorece diálogos, compartilhamentos e vivências para além dos acadêmicos, reconhecendo estudantes e mentores(as) como protagonistas do processo formativo.
Os significados de mentoria que foram apreendidos estão permeados por diversos aspectos relacionados a docentes e estudantes no processo formativo da graduação em saúde, como singularidades e trajetórias de vida e o contexto sócio-político-cultural em que a formação em saúde está inscrita.
Isso envolve cuidado com o(a) estudante em suas vivências acadêmicas e pessoais, mediadas por auxílio, suporte e amparo perante a dinâmica do processo formativo. Trata-se de um contexto em que "o compartilhar de experiências e de conhecimentos torna-se parte da contribuição individual para o crescimento coletivo, com vistas à meta de formação humana que foi assumida por todos"48) (p. 8).
A perspectiva da formação humanizada se expressa no reconhecimento da mentoria como espaço de segurança para o(a) estudante, implicando um "estar com o outro" que inclui, partilha e troca. Weide et al.49 destacam a dimensão do diálogo, do suporte e do apoio, o que é corroborado pelos achados desta RI.
Há também convergência entre o revelado nesta pesquisa e o que apontam outros estudos. Segundo Hur et al.50, a mentoria abrange confiança, respeito, aconselhamento e potencialização do desenvolvimento do(a) aprendiz. Os autores afirmam que a mentoria favorece a criação de uma atmosfera de aprendizado, experiência coletiva e relacionamento aberto entre estudantes e professores(as).
Partilhar experiências e pensar sobre elas possibilita colocar em questão as impressões e as certezas, e, assim, redimensionar decisões e escolhas. Nesse sentido, a reflexão constitui as relações construídas na mentoria, visto que implica confiança, vínculo, sensibilidade e disponibilidade ao outro51.
No que se refere às potências e experiências exitosas, os artigos analisados sublinharam o apoio institucional, a motivação dos mentores(as) e a adesão dos(as) estudantes ao encontrarem apoio, escuta e acolhimento. Esses resultados são corroborados pelos estudos de Schafer et al.52, Kukreja et al.53 e Bergelt et al.54.
Em relação às dificuldades, apontaram-se a necessidade de melhorias do programa, a adesão de estudantes às atividades, além da seleção, formação e atuação dos(as) mentores(as). Para Cheong et al.55, as expectativas desalinhadas entre mentores e estudantes e a falta de formação do mentor que limita a abordagem das necessidades do aprendiz se revelam potenciais riscos na prática de mentoria.
Nesse sentido, Tan et al.56 sinalizam a necessidade de promoção de uma cultura que contemple aspectos como seleção adequada de mentores(as) e estudantes e o preparo para a mentoria. Depreende-se, assim, a relevância de propostas formativas que invistam em culturas acadêmicas promotoras de pertencimento e desenvolvimento humano, indo ao encontro do que foi destacado nos documentos da Organisation de Coopération et de Développement Économiques (OCDE)57),(58.
No âmbito das atividades e características inscritas nos programas, apreendem-se a criação e a construção de novos modos e arranjos interacionais entre docentes e estudantes: como interpretar e significar esses novos modos e arranjos?
Em busca de pistas para a construção dessa resposta, emerge a interlocução com Pierre Bourdieu et al.59 e sua proposição teórica de habitus: produto da história, um sistema e disposições duradouras e transferíveis, estruturadas e predispostas a funcionar como estruturante que orienta as ações individuais e coletivas trabalhando com as probabilidades e possibilidades de ação. Não se trata de algo consciente e pode ser expresso por meio de várias ações cotidianas (comportamento em geral, modo de se vestir etc.), ou seja, está em toda ação humana48. Bourdieu et al.59, Pies60, Stival et al.61) e Setton62 reconhecem o habitus como mediações entre as pessoas e a sociedade, superando olhares deterministas. Setton62 afirma:
Os habitus individuais, produtos da socialização, são constituídos em condições sociais específicas, por diferentes sistemas de disposições produzidas em condicionamentos e trajetórias diferentes, em espaços distintos como a família, a escola, o trabalho, os grupos de amigos e/ou a cultura de massa (p. 65).
A mentoria como novo habitus na formação em saúde fica realçada pelos processos de mediação, diálogo e reflexão, instauração de outros vínculos entre mentor(a) e mentorandos(as) e superação das relações já consolidadas de transmissão de informações científicas entre professor(a) e estudante. É um novo habitus tecido a partir de um resgate de caminhos (a relação mestre e discípulo) com movimentos de fomento e indução à autonomia, às relações solidárias e colaborativas, aos saberes plurais e ao reconhecimento das ignorâncias63 e das sabedorias plurais64.
Nesse escopo, resultados analisados nesta RI sinalizam que os mentores são fundamentais para ampliação da rede de suporte da instituição37) ao desenvolverem ações favoráveis ao bem-estar do estudante e às demandas formativas em contextos humanísticos44. Devem-se considerar ainda a transformação e a formação dos mentores na perspectiva da vivência de processos de reflexão e diálogo, o que envolve desafios e projetos para e na vida acadêmica e nas práticas assistenciais em saúde46),(47.
Para a compreensão da mentoria como um novo habitus na formação do profissional em saúde, outras revisões tornam-se importantes para maior análise e crítica de relações fundamentais: mentoria e identidade profissional65; mentoria e desenvolvimento de carreira66; mentoria e desenvolvimento do pensamento reflexivo e colaborativo66),(67; mentoria, estudante, paciente e prática interprofissional68; e mentoria e desempenho acadêmico69. A esse convite de aprofundamento, agrega-se a necessidade de uma interlocução com um número maior de estudos internacionais que possam ampliar e consolidar os achados e as análises.
CONCLUSÃO
O desenvolvimento desta RI e a análise sobre os significados de mentoria permitem reconhecê-la como uma possibilidade de criação de um novo habitus na paisagem acadêmica brasileira. Na constituição desse habitus, os estudos analisados conferem realce a relações de apoio e acolhimento, resgatando a relação mestre e discípulo na perspectiva de relações interpessoais dialógicas e integradoras, comprometidas com o bem-estar dos(as) estudantes.
O presente estudo permite reconhecer a importância da criação e sustentabilidade da mentoria, assumindo o compromisso com uma formação em saúde socialmente referenciada, tendo o SUS como ordenador da formação e o contexto do trabalho vivo de trabalhadores, usuários, comunidade, estudantes e docentes.
O diálogo, o amor e a empatia presentes nas conversações entre professores(as) e estudantes são constituintes de práticas de mentoria na formação em saúde coadunadas com a humanização da formação e do cuidado.