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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.46 no.1 Rio de Janeiro  2022  Epub 23-Fev-2022

https://doi.org/10.1590/1981-5271v46.1-20210461.ing 

Artigo Original

A formação generalista e a opção pelo exercício profissional segundo a percepção do estudante

Angélica Pedreira da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-7039-3167

Lorena Moreira Fagundes de Azevedo1 
http://orcid.org/0000-0001-7056-3632

Camila Antunes Ribeiro Cruz2 
http://orcid.org/0000-0001-8033-223X

Eligleide Assis dos Santos2 
http://orcid.org/0000-0001-5652-4450

Walesca Fernanda Gomes Bezerra1 
http://orcid.org/0000-0003-4907-7618

Katia de Macedo Wahrhaftig1 
http://orcid.org/0000-0002-2727-1420

1 União Metropolitana de Educação e Cultura (Unime), Lauro de Freitas, Bahia, Brasil.

2 Faculdade de Tecnologia e Ciências (UNIFTC), Salvador, Bahia, Brasil.


Resumo:

Introdução:

Desde que foram implantadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Medicina com ênfase à formação de profissionais com perfil generalista desconhece-se os fatores que podem contribuir com o interesse pelo exercício profissional.

Metodologia:

Estudo transversal descritivo e analítico de caráter qualitativo explanatório com 523 acadêmicos dos diversos cursos de medicina da cidade de Salvador-Bahia, que responderam um questionário online após assinatura do TCLE. A amostra foi categorizada em interesse na Especialização Imediata (EI) e entre aqueles que pretendem Atuar como Generalistas (AG). A idade e o período do curso também foram categorizados em grupos.

Resultados:

A idade da amostra era de 18 a 25 anos em 83,7% (n=438), sendo 72,5% (n=380) do sexo feminino, cursando do 4º ao 9º semestre em 69% (n=363). O grupo Especialização Imediata representou 27,2% (IC95%: 35%-73%) e o grupo que pretende Atuar como Generalista, 72,8% (IC95%: 68%-76%). A formação generalista não influenciou a opção pelo exercício profissional com RR=0,81 (IC95%: 0,55-1,20) p=0,308. Os fatores associados a AG foram: pertencer a instituição pública (p=0,041) acreditar na capacidade de resolubilidade do generalista e nas diretrizes do SUS (p<0,001), o desejo de contribuir com a sociedade (p=0,005) e a credibilidade da sociedade (p=0,044).

Conclusão:

Os estudantes percebem que a grade curricular contempla a formação generalista, no entanto não influenciou o interesse pelo exercício profissional. O desejo de atuar como generalista está presente em um número expressivo entre eles, movido pelo altruísmo e o desejo de contribuir com a sociedade, respaldados pelas leis orgânicas que fundamentam as Diretrizes do SUS, ao mesmo tempo em que não se sentir valorizado e ter sua credibilidade questionada pela sociedade, estimulam ao exercício profissional apenas de modo temporário.

Palavras-chaves: Clínicos gerais; Especialização; Prática profissional; Escolha da profissão

Abstract:

Introduction:

Since the National Curricular Guidelines for the Medicine course were implemented, with emphasis on the training of professionals with a generalist profile, the factors that may contribute to the interest in professional practice are unknown.

Objective:

This study aimed to analyze the perception of medical students regarding their generalist training and the factors that influence the desire for professional practice.

Methodology:

Descriptive and analytical cross-sectional study of qualitative and explanatory character with 523 students from different medical courses in the city of Salvador-Bahia, who answered an online survey after signing the informed consent form. The sample was categorized into interest in Immediate Specialization (IS) and among those who intend to Act as a Generalist (AG). The age and period of the course were also categorized into groups.

Results:

The age of the sample was 18 to 25 years in 83.7% (n = 438), with 72.5% (n = 380) being female, attending 69% of the 4º to 9º semesters (n = 363). The Immediate Specialization group represented 27.2% (95% CI: 35% -73%) and the group that intends to Act as a Generalist, 72.8% (95% CI: 68% -76%). General training did not influence the option for professional practice with RR = 0.81 (95% CI: 0.55-1.20) p = 0.308. The factors associated with AG were believing in the generalist’s resolution capacity and SUS guidelines (p <0.001), the desire to contribute to society (p = 0.005) and society’s credibility (p = 0.044).

Conclusion:

Students perceive that the curriculum includes general training, however it did not influence the interest in professional practice. The desire to act as a generalist is present in a significant number among them, driven by altruism and the desire to contribute to society, supported by the organic laws that underlie the SUS Guidelines, while not feeling valued and having its credibility, questioned by society, only stimulates professional practice on a temporary basis.

Keywords: General Practitioners; Specialization; Practice Management; Career Choice

INTRODUÇÃO

Desde 2011, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso de Medicina enfatizam a formação de um profissional generalista e com competências gerais e específicas, de modo que ele esteja apto a exercer com qualidade a prática médica1. Com as DCN, a mudança do ensino médico objetiva romper o aprendizado focado em hospitais e transferi-lo para as unidades básicas de saúde2.

A questão central da formação médica deve ser a garantia do desenvolvimento, durante a graduação, de competências necessárias para atender com qualidade às demandas e necessidades de saúde da população1. Porém, a superespecialização da medicina deixa o profissional mais restrito e fechado à sua área. Assim, a formação generalista, em consonância às novas diretrizes, deseja se tornar ampla e em todos os níveis de atenção à saúde2.

Contudo, ainda que exista um novo foco na formação de profissional com perfil generalista, quase todos os cursos de Medicina seguem o currículo tradicional de formação médica, que é o baseado no relatório Flexner. Os cursos se dividem em ciclo básico, ciclo clínico e internato sem integração de conteúdos e sem visão integral do paciente3.

Além da não integração do ensino médico na graduação, o fato de os médicos generalistas não poderem realizar determinados procedimentos diagnósticos e terapêuticos corrobora uma superespecialização, sendo a valorização profissional atrelada à aquisição de saberes, ao acúmulo de aprendizado e à utilização da tecnologia.

A fim de diminuírem a influência do modelo biomédico de ensino baseado no relatório Flexner, algumas universidades já adotam o modelo de ensino Aprendizado Baseado em Problemas (ABP), o qual busca entender a história do paciente e utilizá-la a favor do diagnóstico e da terapêutica. O método ABP permite uma aprendizagem em espiral cognitiva e atividades que possibilitem a relação entre as dimensões biológica, psicológica e social4. Portanto, ele promove a humanização profissional ao aproximar o estudante e o paciente precocemente por meio das práticas em unidades básicas de saúde, o que ratifica aquilo que predizem as DCN.

A respeito das unidades básicas de saúde, Bland et al.5 fazem ampla revisão da literatura sobre a opção por trabalhar na atenção primária após o curso médico e demonstram que o estudante entra na faculdade com preferência pela atenção primária, porém a prioridade passa a ser outra à medida que tem contato com as especialidades durante o curso.

Ademais, dos médicos em atividade no Brasil, 61,3% têm título de especialista, enquanto os outros 38,7%, os chamados generalistas, não têm, seja ele emitido por sociedade ou via residência médica. Cabe ressaltar que, entre os especialistas, uma quantidade relevante de médicos possui duas ou mais especialidades. Além disso, existem diferenças na quantidade de generalistas e especialistas nas regiões do país, por idade e sexo, e seis especialidades concentram metade dos profissionais: além da clínica médica (especialidade com maior número, o equivalente a 11,3% de todos os títulos de especialista), estão nesse grupo a pediatria, a cirurgia geral, a ginecologia e obstetrícia, a anestesiologia e a medicina do trabalho. Sendo assim, no Brasil, são 55 especialidades médicas reconhecidas, e a tendência é de ascensão do número de especialistas, devido à expansão das vagas em residência médica, entre outros fatores6.

Vários fatores têm sido relatados como impactantes na escolha da especialidade entre estudantes. É dito que um estilo de vida caracterizado por tempo livre para práticas de lazer, família e atividades para recreação, com controle do total de horas semanais gastas com responsabilidades profissionais, é um critério de seleção para a escolha da área. Ademais, estudos relatam que esse fator é mais influente que a remuneração e o prestígio7.

Diante disso, a escolha da especialização médica tem sido objeto de estudo principalmente por conta da sua realização ser feita tão precocemente, ainda no início do curso. A pouca motivação para o exercício da medicina generalista tem preocupado gestores em todo o mundo, além de ir de encontro às diretrizes para a formação do médico generalista8. A literatura ainda é escassa no que se refere aos fatores que influenciam a escolha do exercício profissional generalista, inclusive no Nordeste do Brasil, diante da grande diversidade sociocultural no nosso país.

Sendo assim, este estudo se propôs a analisar a percepção do estudante de Medicina quanto à sua formação generalista e aos fatores que influenciam o desejo pelo exercício profissional. De posse desses dados, estratégias de intervenções poderão ser desenvolvidas, seja em âmbito político ou educacional, a fim de modificar o cenário atual.

MÉTODO

Trata-se de estudo quantitativo, transversal e exploratório descritivo. O período do estudo foi fevereiro de 2019 a abril de 2019. O estudo teve como público-alvo acadêmicos do curso de Medicina do primeiro ao décimo segundo semestre de seis instituições de ensino - quatro privadas e duas públicas - da cidade de Salvador, na Bahia.

População e coleta de dados

Os participantes foram convidados de forma aleatória por e-mail ou WhatsApp via celular a responder, de forma voluntária, a um questionário semiestruturado com 32 perguntas via Google Forms, após assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O questionário foi elaborado pelas pesquisadoras, no qual se analisaram as características sociodemográficas, a percepção sobre o conteúdo curricular na formação generalista, o interesse na especialização e no exercício profissional generalista, além de perspectivas após a graduação. Os dados foram coletados pelas pesquisadoras, cinco estudantes de Medicina integrantes da Liga Acadêmica de Medicina Generalista (Lamege).

Realizou-se um estudo-piloto com 15 indivíduos que não participaram da pesquisa, a fim de testar o instrumento, identificar problemas na compreensão das perguntas, fazer alterações no questionário e assim contribuir para a organização do trabalho.

Amostra

Adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: ser acadêmico do curso de Medicina e ter idade igual ou superior a 18 anos. Os critérios de exclusão foram os seguintes: não assinar TCLE, recusa em participar do estudo e questionário incompleto. Os critérios de elegibilidades foram incluídos no Google Forms, portanto, quando presentes, as mensagens eram bloqueadas para envio. Todas as respostas recebidas foram elegíveis.

Cálculo amostral

Para o cálculo amostral, consideraram-se nível de significância de 5%, poder de 90% e chance de 50% de cada aluno participar ou não do estudo, e o tamanho mínimo da amostra é de 375 alunos. Para o estudo, obtiveram-se 523 respostas.

Descrição das variáveis

Sabe-se que não há consenso na utilização da expressão “médico generalista”, seja na literatura nacional ou estrangeira. A definição de “médico generalista” adotada neste estudo diz respeito ao médico sem título de especialista. Foi utilizado, como referência, o estudo Demografia médica no Brasil 2020, fruto de acordo de cooperação técnica entre a Universidade de São Paulo (USP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM), que define o médico generalista como o médico com formação geral em medicina, ou seja, o termo “generalista” não se refere ao especialista em clínica médica, uma especialidade reconhecida, cujo detentor do título é denominado “especialista em clínica médica”, comumente chamado de “clínico geral” ou “clínico”. Generalista, neste estudo, também não se refere ao especialista em medicina da família e comunidade6.

Análise estatística

As variáveis categóricas foram expressas em frequências absolutas e relativas (percentuais). Avaliaram-se as variáveis quantitativas pelo teste de Shapiro-Wilk, descritas como média e desvio padrão (DP), com distribuição normal ou mediana, e como intervalo interquartil (IIQ), com distribuição não normal. Categorizaram-se todas as variáveis quantitativas a fim de testar a associação com os desfechos. Para análise estatística, a amostra foi categorizada em dois grupos: aqueles que desejam a especialização imediata (EI) e aqueles que desejam atuar como generalistas (AG).

No questionário, a variável “período do curso que frequenta” foi categorizada a cada três semestres. Para analisar a associação entre período do curso no momento da entrevista, organizou-se a amostra da seguinte maneira: grupo fase inicial do curso (FI), representado por alunos do primeiro ao sexto semestre, e grupo fase final (FF), representado por alunos do sétimo ao 12º semestre.

As variáveis categóricas foram investigadas por meio da análise bivariada utilizando o teste do qui-quadrado e o teste exato de Fisher. Variáveis com p < 0,05 na análise bivariada foram consideradas significantes.

Utilizou-se o programa SPSS 17 para a montagem do banco de dados e para a análise estatística, levantando-se possíveis justificativas para os dados colhidos.

Termos éticos

Todos os indivíduos da presente pesquisa foram estudados segundo os preceitos da Declaração de Helsinque e do Código de Nuremberg, respeitando as normas de pesquisa que envolvem os seres humanos, de acordo o Conselho Nacional de Saúde (Resolução CNS nº 466/2012). O projeto foi submetido à apreciação do Comitê̂ de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital da Bahia (HBA) e aprovado sob o número 3.102.415.

RESULTADOS

Dos 523 participantes do estudo, 72,7% (n = 380) eram do sexo feminino, e a idade dos entrevistados esteve entre 18 e 25 anos em 83,7% (n = 438) da amostra. Dos participantes, 51% (n = 265) eram naturais da cidade de Salvador, e 49% (n = 258), de alguma cidade interior do estado. Dos entrevistados, 51% (n = 268) tinham algum profissional da área médica na família. Quando questionados sobre o motivo que os levou a optar pela medicina, 89% (n = 465) mencionaram vocação, 5,7% (n = 30) citaram remuneração, e 4,2% (n = 22) indicaram a influência dos pais. Em relação ao período do curso no momento da entrevista, 24% (n = 126) estavam no grupo que cursa do primeiro ao terceiro semestre; 37,3% (n = 195), do quarto ao sexto semestre; 32% (n = 168), do sétimo ao nono semestre; e 6,5% (n = 34), do décimo ao 12º semestre. Destes, 90% (n = 470) estavam cursando Medicina como primeira graduação e negaram ter, no momento, qualquer trabalho remunerado, seja formal ou informal. Dos entrevistados, 82% (n = 427) estudam em instituições privadas de ensino e 38% (n = 199) têm algum financiamento estudantil.

Quando questionados sobre o modelo pedagógico vigente nas instituições de ensino, 14,5% (n = 76) dos estudantes disseram ser o tradicional, enquanto 40,7% (n = 213) estudam por meio do método misto, e 44,7% (234) discentes estudam de acordo a metodologia do ABP (Tabela 1).

Tabela 1 Características gerais da amostra dos acadêmicos de medicina entrevistados na cidade de Salvador, Bahia. 

Variável N = 523
Sexo
Feminino N (%) 380 (72,7)
Idade N (%)
Entre 18 e 25 anos 438 (83,7)
Entre 26 e 35 anos 80 (15,3)
Entre 35 e 43 anos 5 (1)
Naturalidade N (%)
Capital 265 (50,7)
Interior 258 (49,3)
Possui médico na família N (%) 268 (51,2)
Possui outra graduação N (%) 53 (10,1)
Possui trabalho formal ou informal N (%) 55 (10,5)
Período do curso N (%)
Do 1º ao 3º semestre 126 (24,1)
Do 4º ao 6º semestre 195 (37,3)
Do 7º ao 9º semestre 168 (32,1)
Do 10º ao 12º semestre 34 (6,5)
Tipo de instituição de ensino N (%)
Privada 427 (81,6)
Modelo pedagógico N (%)
*ABP 234 (44,7)
Tradicional 76 (14,5)
Misto 213 (40,7)
Pertence à liga acadêmica 343 (65,6)
Tem algum financiamento estudantil N (%) 199 (38)

*ABP: Aprendizado Baseado em Problemas.

Fonte: Elaborada pelas autoras.

Dos estudantes do curso tradicional, 31,6% (n = 24) acreditam que sua grade curricular contempla completamente a formação generalista, enquanto 53% (n = 113) daqueles que estão no modelo misto e 62% (n = 146) dos que estão em ABP têm a mesma percepção, p < 0,001 (Gráfico 1). A análise do papel dos educadores na valorização da atuação generalista revelou que, dos estudantes que acreditam que sua grade curricular contempla completamente a formação generalista, 65,4% (n = 149) acreditam que seus professores valorizam essa proposta, enquanto 38% (n = 62) consideram que eles valorizam a especialização médica e 54,5% (n = 72) acreditam que são indiferentes.

Gráfico 1 Influência do modelo pedagógico na percepção do estudante na formação generalista. 

O desejo pela especialização foi presente em 98,5% (n = 515) dos estudantes. O grupo que deseja a EI foi representado por 27% (n = 132), e o grupo que deseja inicialmente atuar como generalista (AG) foi representado por 73% (n = 381). Destes, 14% (n = 73) já decidiram pela área da especialização antes mesmo de iniciarem a faculdade, enquanto 17,3% (n = 90) decidiram durante o curso, e 67,3% (n = 352) ainda não se decidiram. No grupo AG, as mulheres representaram 71,6% (n = 273) da amostra e os homens 75,5% (n = 108), enquanto no grupo EI as mulheres representaram 28% (n = 107) e os homens 24,5% (n = 35), p = 0,399. Dos alunos da FI, 73,8% (n = 237), pertencem ao grupo AG, enquanto 144 (71,3%) são do grupo de alunos da FF, p = 0,524. No grupo AG, 69,8% (n = 139) têm algum financiamento estudantil, e 74% (n=324) estudam por recursos próprios, p = 0,227. Quando se comparou a percepção entre os grupos, verificou-se que 70,6% (n = 320) do grupo AG acreditam na realização da residência médica como complemento curricular à formação médica, assim como os estudantes acreditam que o especialista é mais bem remunerado quando comparado ao generalista com RR:1,03 (IC 95%,1,01-1,04) p = 0,041, além de ter melhor status social com RR:0,63 (IC 95%,0,43-0,93) p = 0,023 e ter mais credibilidade da sociedade com RR:0,66 (IC 95%,0,45-0,98) p = 0,044 (Tabela 2). Quando questionados sobre a percepção do mercado de trabalho atual, 76,4% (n = 400) acreditam que faltam médicos generalistas, e destes 74,8% (n = 299) são do grupo AG e 25,3% (n = 101) do grupo EI, p = 0,078. Os fatores associados ao desejo de atuar inicialmente como generalista foram os seguintes: pertencer a uma instituição pública RR:1,77 (IC 95%,1,02-3,08) p = 0,041; acreditar na capacidade de resolubilidade do generalista ao final do curso com RR:1,90 (IC 95%,1,21-2,99) p = 0,005; acreditar nas diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) RR:2,71 (IC 95%,1,48-4,93) p = 0,001; contribuir para a sociedade RR:1,71 (IC 95%,1,17- 2,56) p = 0,005.

Tabela 2 Análise dos fatores associados ao desejo de especialização imediata (EI) e de atuar como generalista (AG) 

Variáveis % (N) AG N = 381 EI N = 132 RR IC (95%) P&
Sexo feminino 72% (273) 28% (107) 1,20 (0,77-1,88) 0,399
Ter médico na família 71% (190) 29% (78) 0,81 (0,55-1,20) 0,303
Possuir outra formação 68% (36) 32% (17) 0,76 (0,41-1,41) 0,395
Período do curso
Grupo FI (do 1º ao 6º semestre)* 73,8% (237) 26,3% (84) 0,87 (0,58-1,29) 0,524
Grupo FF (do 7º ao 12º semestre)* 71,1% (143) 29% (58)
Participar de ligas acadêmicas 73% (251) 27% (268) 1,04 (0,70-1,57) 0,815
Financiamento estudantil
Não possui 74,7% (242) 25,3% (82) 0,78(0,530-1,163) 0,227
Fies**/Prouni***/ 60,85 (139) 30,2% (60)
Banco privado
Instituição de ensino
Privada 71% (303) 29% (124) 1,77 (1,02-3,08) [0,041]
Pública 78% (78) 18,8% (18)
Resolubilidade do generalista 76% (316) 24% (102) 1,90 (1,21-2,99) [0,005]
Acredita favorecer ao especialista:
Mercado de trabalho 72% (325) 28% (127) 0,68 (0,37-1,25) 0,252
Valorização pela sociedade 67% (81) 33% (40) 0,68 (0,44-1,06) 0,096
Credibilidade 68% (137) 32% (65) 0,66 (0,45-0,98) [0,044]
Status social 68% (161) 32% (76) 0,63 (0,43-0,93) [0,023]
Remuneração 72% (370) 28% (142) 1,03 (1,01-1,04) [0,041]
Diretrizes do SUS 86% (87) 14% (14) 2,71 (1,48-4,93) [0,001]
Desejo de contribuir para a sociedade 78% (216) 22% (61) 1,71 (1,17-2,56) [0,005]
Infraestrutura das UBS**** 74% (312) 26% (111) 1,26 (0,78-2,03) 0,336
Faltam planos de cargos e carreira 76,5% (162) 23,5% (50) 1,36 (0,91-2,03) 0,130
Faltam concursos públicos 69% (18) 31% (8) 0,83 (0,35-1,95) 0,655

&Teste x². RR: risco relativo, IC: intervalo de confiança. ***Prouni: programa universidade para todos. **Fies: fundo de financiamento estudantil. ****UBS: unidade básica de saúde.

[ ]: significância estatística p < 0,005. *FI: fase inicial do curso. *FF: fase final do curso.

Fonte: Elaborada pelas autoras.

DISCUSSÃO

A saúde no Brasil sofreu fortes mudanças nas décadas de 1980 e 1990 com a criação de um sistema universal, o SUS. Apesar de ser o sistema de saúde vigente, amparado na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis Orgânicas de 1990, ainda são muitos os obstáculos à sua consolidação. Seus princípios democráticos trabalham diretrizes, conceitos e práticas que eram e ainda são contra-hegemônicos na sociedade. O sistema hegemônico, o chamado modelo flexneriano, apresenta a atenção à saúde centrada na assistência curativa, hospitalar e superespecializada, na vertente de interesses econômicos e corporativos. A substituição desse sistema pelo sistema universal, que busca modelos de atenção que valorizem a integralidade, o cuidado humanizado e a promoção da saúde, depende do perfil de formação e da prática dos profissionais de saúde9.

A consolidação das DCN pressupõe que a escola médica avance na reorientação do processo de formação, integrando-se aos serviços de saúde, com o objetivo de formar profissionais médicos generalistas propositivos e resolutivos, aptos a atender às necessidades da população brasileira e à operacionalização do SUS9),(10. Segundo o inciso V do artigo 29 das DCN, a estrutura do curso de graduação em Medicina deve criar oportunidades de aprendizagem, desde o início do curso e ao longo de todo o processo de graduação, tendo as ciências humanas e sociais como eixo transversal na formação de profissional com perfil generalista11),(12. Assim, a medicina generalista deve ser a prioridade da formação médica.

Em consonância com as novas DCN, os estudantes entrevistados neste estudo convivem, desde os primeiros semestres da graduação, com profissionais e usuários dos serviços de saúde e, de modo geral, percebem que a grade curricular contempla a formação generalista. No que se refere aos modelos pedagógicos, observou-se que os entrevistados contemplam grades curriculares em diferentes formas de modelos, como tradicional, misto e ABP, e a maioria deles está cursando Medicina pelo modelo totalmente ABP.

Quando se analisaram os modelos pedagógicos vigentes no curso de Medicina, constatou-se um aumento linear na percepção do estudante quanto à formação generalista à medida que os métodos pedagógicos tradicionais foram trocados pelas metodologias ativas. Estas, a exemplo do APB, ancoram-se na pedagogia crítica, trabalham com problemas para o desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem e valorizam o aprender a aprender13. Também atendem a duas principais exigências e mudanças nas DCN: aumento das práticas médicas e a formação de um médico que atenda ao SUS e às políticas de atenção básica, ou seja, generalista13. No inciso II do artigo 29 das DCN, é referido que a estrutura do curso de graduação em Medicina deve utilizar metodologias que privilegiem a participação ativa do aluno na construção de conhecimento e na integração entre os conteúdos, assegurando a indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão12. Portanto, as metodologias ativas de ensino e aprendizagem corroboram o perfil almejado pelas DCN para o graduando em Medicina.

Quando questionados sobre a especialização, quase que todos os discentes apresentaram a intenção de se especializarem, embora a grande maioria ainda não tenha decidido pela área de atuação, enquanto outros já escolheram a área da especialização antes mesmo de entrarem na faculdade. Esses dados também foram descritos por Costa et al.14 que entrevistaram estudantes de Medicina sobre a influência do novo modelo curricular na “trajetória profissional” deles. De acordo com os autores, os discentes entenderam que se tratava de um questionamento sobre alguma dúvida acerca da especialidade que pretendiam adquirir, e não um questionamento a respeito da formação deles como generalistas. Para justificar tais achados, é necessário compreender a visão dos estudantes de Medicina quanto aos valores priorizados na fase de formação e à relação entre a graduação e o início da prática profissional.

A vocação continua sendo o fator determinante na escolha da carreira médica, do mesmo modo que o desejo de contribuir para a sociedade está atrelado a atuar como generalista, com metade deles trazendo relato de modelos médicos na família. Estudos anteriores destacaram os valores familiares pelos jovens médicos generalistas como: foco nos estudos, honestidade, autonomia pessoal e altruísmo. Quase a totalidade dos jovens médicos generalistas referia história familiar altruísta, seja por engajamento político, por convicção religiosa ou humanitária15.

De certo modo, os universitários entrevistados demonstraram valores humanitários e uma visão sociopolítica da carreira profissional quando expressaram acreditar nas diretrizes que norteiam o SUS e o desejo de contribuir para as necessidades da sociedade. Por esse motivo, desejam exercer a medicina generalista após a formação. Segundo Matta16, devemos considerar que existe a dificuldade em definir claramente a diferença entre princípio e diretriz do SUS. Aparentemente é uma tarefa simples, se não fosse a dificuldade apresentada pelos legisladores ao formularem o texto constitucional e a Lei Orgânica da Saúde. Essas dificuldades encontram-se também entre os alunos, os docentes e, principalmente, os usuários do SUS. Com base nessa possibilidade, entende-se que, ao afirmarem que “acreditam nas diretrizes do SUS”, há uma visão mais ampliada dos princípios e das diretrizes que orientam o SUS e marcam historicamente a luta popular pelo direito universal, igualitário e integral à saúde.

Os valores priorizados na fase de graduação são pontos de ancoragem para compreender a relação entre a formação médica e a decisão da prática profissional. Entretanto, estudos prévios demonstraram que os valores dos estudantes de Medicina podem mudar durante a formação deles17),(18. Apesar disso, em nosso estudo, os dados encontrados demonstraram que o interesse pela especialização se manteve inalterado, sendo semelhante entre os estudantes dos primeiros três anos de curso e os dos últimos três anos.

Um dado que deve considerado é a influência dos educadores na valorização da formação e prática da medicina geral e no incentivo a esses aspectos. Quando foram questionados sobre a contribuição dos educadores na escolha do exercício profissional, os discentes perceberam alguns professores como indiferentes ou que valorizam a especialidade médica em detrimento da atuação generalista, demonstrando que as raízes do modelo flexneriano ainda são muito firmes na medicina atual. A influência do método tradicional de ensino, centrado no professor e nos conteúdos, ainda é fortemente verificada no cotidiano daqueles que se propõem a ser educadores na área da saúde. Também persiste o pensamento tecnicista, com uma prática pedagógica mecanicista, controlada e dirigida pelo professor. Nesse conceito, o professor é um mero especialista na aplicação de manuais, o que vai ao encontro do modelo de cuidado fragmentado, biologista e superespecializado, tornando a formação profissional desarticulada dos contextos social e político14. Portanto, as escolas médicas, em caráter de urgência, precisam ser atualizadas quanto à sua estrutura e aos seus docentes; estes, em sua grande maioria, são médicos formados por instituições de caráter tradicional. Segundo Franco de Sá15, os professores são vistos como modelos profissionais. Conhecer quem é o modelo para o estudante ajuda a compreender os valores privilegiados pelo profissional em formação. É necessário um corpo docente habilitado pedagogicamente para abrir as possibilidades e ampliar as reflexões, além de servir de exemplo com uma postura ética, crítica e reflexiva.

Dados sugeridos por Meireles et al.19, ao questionarem estudantes de uma instituição mineira que adota o método ABP, revelaram que o curso era mais humanizado e que algumas disciplinas foram introduzidas. Além disso, os discentes se mostraram receptivos à discussão sobre as diversidades culturais do Brasil. Contudo, mencionaram a necessidade de melhorias na estrutura e queixaram-se de professores sem didática e de extensa carga horária.

Outro dado revelado em nosso estudo foi que, embora a maioria dos entrevistados pertença à instituição privada e estude com recursos próprios, pertencer à faculdade pública influenciou na decisão de atuar como generalista. Considerando que nas universidades públicas estão aqueles com menor recurso financeiro, estudantes de origem social mais humilde, segundo Maheux et al.20, buscam carreiras mais sociais e generalistas. As universidades públicas tradicionais talvez sejam instituições com melhor orientação social na abordagem da educação médica e assim exerçam mudanças sociopolíticas nas atitudes dos alunos, do mesmo modo que se diferenciam do modelo estrutural quando comparadas às instituições privadas, principalmente as mais recentes. Em 2015, um levantamento do CFM21 revelou que metade dos municípios com escolas médicas não têm estrutura para formar adequadamente os profissionais, o que é traduzido pela insuficiência de leitos públicos, de equipes de atenção básica e de hospitais de ensino em cidades que possuem cursos de Medicina22.

Podemos perceber que, no campo da prática profissional, permanece, nos estudantes de Medicina, o desejo de atuar como generalista, mas essa decisão é apenas temporária. Atuar definitivamente como generalista, na visão do estudante, é ir contra a maré. Como generalistas, eles consideram o mercado de trabalho mais escasso, percebem-se com pouco status social, com falta de credibilidade pelos colegas médicos e pela sociedade, e com remuneração mais baixa, quando comparados ao especialista.

Ademais, em nosso estudo, as mulheres foram maioria, o que corrobora uma crescente feminização da carreira médica, como mostram os levantamentos mais recentes do estudo Demografia médica no Brasil. Ser mulher não influenciou o desejo pelo exercício profissional generalista, o que está de acordo com os dados atuais a respeito da distribuição segundo o gênero de médicos titulados em geral e de especialistas em cada especialidade, tendo em vista que, entre os homens, 62,9% são especialistas, e, entre as médicas, 59,5% possuem título de especialista. Esses dados sugerem que a mulher vem construindo, ao longo do tempo, uma identidade profissional semelhante à dos homens, pautada em um comportamento mais competitivo ditado pelo mercado de trabalho atual, e, assim, a especialização tem se tornado uma forma de imposição para inserção no mercado de trabalho e um modo de causar maior qualificação do serviço, com melhores vínculos empregatícios e melhor remuneração23.

Somado a isso, o mercado de trabalho não facilita a melhora da saúde no Brasil, tendo em vista que favorece especialistas, os quais se concentram em setores privados e em grandes centros urbanos, enquanto os médicos generalistas e iniciantes tendem a ocupar empregos em áreas geográficas mais carentes de saúde (e, na maioria das vezes, de outros setores também) e em setores públicos. Sabe-se que o generalista atua na atenção primária, o que não é sinônimo de trabalhar apenas na unidade de saúde da família, pois ele também pode ocupar cargos nas emergências e ambulatórios. No entanto, a unidade básica de saúde (UBS) costuma ser o local trabalho onde eles estão em maior número, visto que não requer especialização dos médicos e não é atrativo para a maioria dos especialistas, diferentemente daqueles que acabaram de se formar e almejam estar empregados o quanto antes.

Entretanto, também devemos considerar a percepção dos estudantes em relação ao cenário nacional do sistema de saúde público brasileiro, principal local em que os médicos recém-formados atuam, no que se refere à gestão do trabalho em saúde. O Plano de Carreira Cargos e Salários (PCCS) pode ser definido como um instrumento de gestão do trabalho que tem como finalidade instaurar o processo de carreira nas instituições. A implantação de um PCCS não significa apenas ganhos em termos remuneratórios. O PCCS pode ser como um instrumento poderoso de melhorias das condições de trabalho, capacitação profissional e, mais do que isso, de valorização do trabalhador. Nesse contexto, quando questionados sobre a falta de PCCS no setor público de saúde, entende-se que ele é percebido pelos estudantes como um instrumento de valorização profissional24. Logo, ao afirmarem em sua grande maioria que faltam PCCS adequados no setor público de saúde, entende-se que, pela visão do estudante, o médico generalista não é valorizado, também, pelos seus gestores.

A falta de credibilidade do generalista é outro dado considerado relevante para a especialização profissional, segundo os entrevistados. Para eles, a sociedade não entende o papel do médico generalista, assim como a maioria também acredita que a sociedade não confia na atuação do médico generalista. Eles afirmam, na sua totalidade, que a procura pelo médico generalista apenas se dá quando não se consegue um especialista. Essa crença é devida à visão sociocultural de que médicos não especializados carregam pouco conhecimento, na qual o médico generalista bem treinado não é visto como alguém que tenha feito treinamento especial ou adquirido habilidades e competências em exercício capaz de desenvolver senso crítico e trazer resolubilidade, mesmo que a graduação em Medicina tenha a maior carga horária, com seus seis longos anos, dos quais dois incluem 100% prática em todas as principais áreas. Contudo, os estudantes, quando arguidos sobre suas habilidades e competências, acreditam que estão aptos a resolver os principais problemas de saúde ao se formarem, mas percebem a residência médica como importante para complementação da formação.

A remuneração esteve em segundo plano como forma de incentivo ao exercício profissional generalista, embora a maioria perceba o especialista como mais bem remunerado, dados também observados no estudo realizado por Chehuen et al2. Esses achados, podem ser explicados pela falta de preocupações econômicas imediatas de grande parte dos estudantes, que ainda estariam sob a proteção de famílias com padrão socioeconômico favorável8, uma vez que a maioria dos entrevistados estuda em instituição privada, não possui trabalho remunerado e está na primeira graduação, bem como apenas pequena parcela depende de financiamento estudantil, e esse fato não influenciou a atuação generalista. Esses dados também servem para justificar a pequena quantidade de participantes que escolheu a remuneração como principal motivação para iniciar o curso de Medicina, e melhorar a remuneração não mudaria a escolha profissional generalista.

É vista uma transição econômica no mercado de trabalho dos médicos, de acordo com França25, os quais têm se transformado em profissionais assalariados, dependentes das orientações dos planos de saúde e das equipes de trabalho. Essa hierarquia econômica não mudou suas responsabilidades morais e legais quanto à conduta médica, entretanto distanciou os pacientes do médico. Aquele que era o amigo da família, que acompanhava as pessoas desde o nascimento, passa a ser visto como um prestador de serviços e sem interação emocional com o paciente, e este passa a se tornar cliente, situação que propicia rotineiramente conflitos.

Assim, podemos dizer que a motivação fundamental para busca da especialização é a realização profissional, atrelada à credibilidade e ao prestígio social adquiridos. Podemos concluir que atuar na porta de entrada do sistema de saúde ainda é visto como uma forma de trabalho temporário. Prevalece o desejo pela especialização e, ainda, em uma fase muito precoce, o que demonstra uma divergência entre concordar com as mudanças governamentais, perceber sua influência na formação profissional e as decisões pessoais de cada discente. Muito ainda se deve fazer para modificar esse cenário, iniciando pela consolidação e valorização da formação médica ampliada, humanista e generalista, com criação de cenários de treinamentos práticos que formem sujeitos crítico-reflexivos. Também se devem estabelecer mudanças metodológicas pedagógicas já sugeridas em prol da construção do pensamento médico crítico na tomada de decisões, principalmente no momento em que o estudante começa a atuar em campo, ou seja, desde os primeiros anos do curso. Ainda, a ciência e a pesquisa devem caminhar em paralelo com a prática médica e não negligenciando a atenção individualizada e comunitária, bem como é inerente capacitar os médicos educadores quanto às inovações de ensino-aprendizagem e à organização curricular. É necessário que, atrelado a isso, haja a promoção de habilidades e competências para lidar com problemas reais e formular ações originais e criativas capazes de transformar a realidade social.

O que se deseja é desenvolver uma medicina generalista na qual o médico compartilhe o seu saber com seu paciente, tornando este um sujeito ativo do seu processo de tratamento com tomada de decisões. Embora tal postura pareça não ter a mesma credibilidade socioeconômica que outras especialidades, isso confirma a necessidade urgente de transformação das instituições formadoras, pela devida importância do seu papel tanto para quem já traz fortes valores solidários e focados na redução das iniquidades e no enfrentamento dos determinantes sociais, quanto para abrir novas possibilidades para aqueles que não apresentam as características apontadas como relevantes na socialização primária.

No entanto, muito além da necessidade de consolidação das modificações nas bases curriculares das instituições e do corpo docente, é fundamental uma mudança de paradigma cultural da sociedade e, inclusive, da própria classe médica para que seja possível concretizar o exercício da medicina na atenção primária à saúde. É inerente a transformação social a respeito do médico generalista, de modo que ele seja valorizado e reconhecido com competências e habilidades para solucionar a maioria dos problemas de saúde.

CONCLUSÃO

Os estudantes percebem que a grade curricular contempla a formação generalista, no entanto não influenciou o interesse pelo exercício profissional. O desejo de atuar como generalista está presente em um número expressivo de estudantes, movidos pelo altruísmo e pelo desejo de contribuir para a sociedade, respaldados pelas leis orgânicas que fundamentam as diretrizes e os princípios do SUS. Contudo, o fato de os discentes não se sentirem valorizados e terem sua credibilidade questionada pela sociedade estimula-os ao exercício profissional apenas de modo temporário.

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7Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO Declaramos não haver financiamento.

Recebido: 08 de Julho de 2021; Aceito: 30 de Novembro de 2021

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editora associada: Rosana Alves.

CONTRIBUIÇÃO DAS AUTORAS

Angélica Pedreira da Silva participou da elaboração do projeto, da coleta de dados e da redação, revisão e tradução do artigo. Lorena Moreira Fagundes de Azevedo, Camila Antunes Ribeiro Cruz, Eligleide Assis dos Santos, Walesca Fernanda Gomes Bezerra e Katia de Macedo Wahrhaftig participaram da elaboração do projeto, da coleta de dados e da redação e revisão do manuscrito.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

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