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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.46 no.1 Rio de Janeiro  2022  Epub 22-Fev-2022

https://doi.org/10.1590/1981-5271v46.1-20210217 

Artigo Original

Avaliação do comportamento de risco de graduandos de Medicina em uma universidade de Alagoas

Evaluation of the risk behavior of Medical students at a university in Alagoas

Aline Maria Fatel da Silva Pires1 
http://orcid.org/0000-0003-4874-0596

Waléria Dantas Pereira Gusmão1 
http://orcid.org/0000-0002-4549-1363

Isabele Rejane de Oliveira Maranhão Pureza2 
http://orcid.org/0000-0002-0652-429X

Maria Helena Leitão Gomes1 
http://orcid.org/0000-0003-3699-5081

Rafaella Maria Bezerra Pinheiro Custódio1 
http://orcid.org/0000-0002-2662-9793

José João Felipe Costa de Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0002-5553-0717

1 Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, Maceió, Alagoas, Brasil.

2 Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil.


Resumo:

Introdução:

Os comportamentos de risco à saúde surgem regularmente nas fases iniciais da vida de uma pessoa e representam um grande catalisador para o desenvolvimento de outras doenças. Nesse sentido, diversos grupos sociais vivenciam diferentes contextos, valores, ambientes e condições de vida que condicionam o estabelecimento de certos comportamentos que podem ser prejudiciais a eles.

Objetivo:

Este estudo teve como finalidade avaliar o comportamento de risco de graduandos de Medicina de uma universidade de Alagoas.

Método:

Para tal, aplicou-se o Questionário de Comportamentos de Risco nos Estudantes Universitários (QREU) que consiste em 24 questões que avaliam seis categorias de comportamentos, a saber: uso de tabaco; consumo de álcool e outras drogas; comportamentos sexuais de risco; hábitos alimentares; inatividade física; e direção perigosa. As respostas foram categorizadas e apresentadas como frequências relativas e absolutas; processaram-se e analisaram-se os dados no software SPSS.

Resultado:

Dos acadêmicos de Medicina matriculados durante o período de coleta, 134 (44,66%) responderam ao questionário. Observou-se diferença estatística entre “tabagismo diário” (p = 0,01), “tranquilizantes sem consentimento médico” (p = 0,03) e “uso de preservativos” (p = 0,01) na análise univariável dos anos de curso. Já em relação ao agrupamento das variáveis sociodemográficas, observou-se diferença estatística em “uso de preservativos” (p = 0,02).

Conclusão:

Os resultados obtidos com relação ao comportamento de risco no grupo estudado apontam uma alerta de conscientização sobre o uso de métodos preventivos de investigação e a realização de futuros trabalhos que envolvam transformações no comportamento de risco dos jovens brasileiros.

Palavras-chave: Comportamento de Risco; Saúde; Estudantes de Medicina

Abstract:

Introduction:

Health risk behaviors often begin in the early stages of a person’s life, and represent a major catalyst for the development of other diseases. In this regard, different social groups experience several contexts, values, environments and living conditions, which lead to the establishment of certain behaviors that can be harmful to themselves.

Objective:

This study aimed to evaluate the risk behavior of medical students at a university in Alagoas.

Methods:

The aim of this study was to evaluate the risk behavior of medical students at a university in Alagoas. To this end, the Questionnaire on Risk Behavior in University Students (QREU) was applied. It consisted of twenty-four questions, which assess six categories of behavior, namely: use of tobacco; consumption of alcohol and other drugs; risky sexual behaviors; eating habits; physical inactivity; and dangerous driving. The responses were categorized, presented as relative and absolute frequencies; the data were processed and analyzed using the SPSS software.

Results:

Of the medical students enrolled during the data collection period, 134 (44.66%) responded to the questionnaires. There was a statistical difference between “daily smoking” (p=0.01), “tranquilizers without medical consent” (p=0.03) and “use of condoms” (p=0.01), in the univariate analysis of the years of course. Regarding the grouping of sociodemographic variables, there was a statistical difference in “condom use” (p=0.02).

Conclusion:

Therefore, the minor observations verified in relation to the risk behavior in the studied group, indicate a warning to raise the awareness about the use of preventive investigation methods and the execution of future works involving changes in the risk behavior of Brazilian youngsters.

Keywords: Risk behavior; Health; Medical students

INTRODUÇÃO

Um comportamento é denominado de risco quando as ações daqueles que as praticam são prejudiciais à saúde, envolvendo o uso de substâncias ilícitas e lícitas, condutas imprudentes e sexuais de risco, comportamento homicida e/ou suicida, além de desequilíbrios alimentares e sedentarismo. Aqueles que assumem tais comportamentos normalmente desejam experimentar novas experiências, inserir-se em um grupo ou manifestar-se contra as regras e as normas da sociedade. Outras vezes, essas posturas arriscadas consistem em uma forma de enfrentar os sofrimentos, a ansiedade e as frustrações do dia a dia1.

Ao contrário do que se espera, os graduandos de Medicina estão imersos em um ambiente e uma rotina propícios para o desenvolvimento de comportamentos de risco. Eles precisam aprender a conviver com alta carga horária curricular, intensas atividades extracurriculares, sofrimento e óbito de pacientes, receio de cometer erros, competitividade, excessiva quantidade de informações que necessitam ser aprendidas, preocupação em manter bom desempenho acadêmico, aprovação em programas de residências médica e constante cobrança para que se tornem bons médicos. Por conseguinte, os acadêmicos de Medicina tendem a ser estressados e subestimam a importância de ter lazer, de praticar exercícios físicos, de se alimentar adequadamente e de ter um sono adequado, o que pode levar ao prejuízo do autocuidado e do cuidado de pacientes2),(3.

Todos esses fatores afetam negativamente a qualidade de vida e a saúde física, mental e emocional dos acadêmicos de Medicina, deixando-os suscetíveis a desenvolver ansiedade, depressão e síndrome de burnout2),(3. Esse contexto se torna propício aos comportamentos de risco, entre os quais se destacam o uso de tabaco, álcool e substâncias cerebrais psicoestimulantes, sedentarismo, transtornos alimentares e comportamentos sexuais de risco4),(5. O álcool e tabaco são as drogas de uso mais prevalentes, e nelas os graduandos buscam uma forma de aliviar o estresse a que estão submetidos nos cenários acadêmico e pessoal4),(5. Além disso, sob o efeito dessas substâncias, há uma associação com outros comportamentos de risco, como envolvimento em brigas, direção perigosa e relações sexuais desprotegidas5.

Os acadêmicos de Medicina utilizam, muitas vezes de forma indiscriminada, substâncias psicoestimulantes para compensar a privação de sono e potencializar a memória, concentração e atenção. As principais substâncias psicoestimulantes utilizadas pelos estudantes são cafeína, anfetamina e bebidas energéticas. Elas, além de serem usadas para melhorar a cognição, teriam como efeito adicional aumentar a motivação, o estado de alerta e até o humor4.

A presença de um alicerce familiar pode ser considerado um fator de proteção ao desenvolvimento de comportamento de risco, uma vez que as estruturas parentais promovem a criação e formação de comportamentos equilibrados e conscientes6.

Tendo em vista a mudança inevitável no estilo de vida dos acadêmicos de Medicina durante o processo de formação, este estudo teve como objetivo avaliar o comportamento de risco dessa população. Os discentes, a fim de mitigarem a rotina estressante e a angústia sofrida pela árdua formação acadêmica, assumem, muitas vezes, comportamentos arriscados que podem provocar consequências irreparáveis na vida deles e prejudicar a saúde física e mental dos futuros médicos.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal de natureza exploratória e descritiva, de abordagem quantitativa, realizado com acadêmicos do curso de graduação em Medicina de uma universidade pública estadual de Alagoas, localizada na cidade de Maceió. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob Parecer nº 3.373.325.

Realizou-se a coleta entre agosto e dezembro de 2019, por meio do Questionário de Comportamentos de Risco nos Estudantes Universitários (QREU). Esse instrumento foi construído por Santos et al.7, em Portugal, e baseia-se no National College Health Risk Behavior Survey (NCHRBS), desenvolvido em 1997 pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC). O instrumento consiste em 24 questões que avaliam seis categorias de comportamentos, a saber: uso de tabaco, consumo de álcool e outras drogas, comportamentos sexuais de risco, hábitos alimentares, inatividade física e direção perigosa1),(8. O questionário é autoaplicável e possui cinco categorias de resposta1. Utilizaram-se, neste estudo, as questões que envolveram “tabagismo diário”, “consumo de drogas ilícitas”, “consumo de tranquilizantes ou barbitúricos sem consentimento médico”, “quantidade de parceiros sexuais”, “relações sexuais após consumo de álcool”, “uso irregular de preservativos nas relações sexuais”, “uso do cinto de segurança”, “condução de veículo sob efeito de álcool” e “consumo excessivo de álcool”, totalizando nove questões ao todo. Na análise do consumo excessivo de álcool, tomou-se como parâmetro a abordagem realizada por Santos8. A ingestão excessiva de álcool ou binge drinking é definida como o consumo de quatro (cinco para mulheres) doses de bebidas alcoólicas numa ocasião única, em um período determinado, no caso, nos últimos 30 dias.

Incialmente, os pesquisadores foram às salas de aula da instituição de ensino superior, mediante autorização do docente responsável, explicar os objetivos do estudo, convidar os graduandos de Medicina a participar da pesquisa e realizar um levantamento dos seus e-mails para que os responsáveis da pesquisa enviassem um link de acesso ao questionário, o qual foi redigitado na plataforma de criação de formulários do Google. Nessa plataforma, há a opção nas configurações de “limitar apenas uma resposta” por e-mail inscrito, bem como o recebimento de uma cópia das respostas aos participantes sem possibilidade de alteração após envio.

Os estudantes que disponibilizaram os e-mails receberam um convite no qual havia o link de acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), um questionário sociodemográfico e o QREU em formatos virtuais. Todos os participantes receberam informações sobre a garantia do caráter confidencial e voluntário da pesquisa. Além disso, indicou-se que eles teriam total liberdade de escolha na participação do estudo e nas respostas. Os acadêmicos respondentes foram divididos em dois grupos: anos iniciais do curso médico (primeiro, segundo e terceiro) e anos finais do curso médico (quarto, quinto e sexto), levando em consideração a proximidade de disciplinas e o estresse a que estão submetidos.

Como o instrumento é baseado no comportamento dos participantes, a análise das características psicométricas é difícil, especialmente por haver algumas respostas nominais. Na tentativa de minimizar tais dificuldades, as respostas foram recategorizadas, o que implicou algumas modificações em relação ao instrumento original. As categorias foram escolhidas conforme as perguntas utilizadas do questionário. Os indivíduos não praticantes de comportamento de risco em determinada categoria de risco foram aqueles que não consumiram tabaco, drogas ilícitas ou tranquilizantes e que não consumiram álcool excessivamente nos últimos 30 dias; que tiveram apenas um parceiro sexual ou não tiveram nenhum, que usaram regularmente o preservativo e que não tiveram relação sexual sob efeito do álcool nos últimos 12 meses; que sempre utilizaram cinto de segurança e nunca conduziram veículo sob efeito do álcool nos últimos 30 dias. No caso de qualquer outra resposta contrária, os indivíduos foram classificados como “em risco” para determinada categoria.

As variáveis categóricas foram apresentadas como frequências relativas e absolutas. Para comparar a frequência dos anos de curso e as variáveis sociodemográficas, realizou-se o teste qui-quadrado, e, na presença de mais de 20% das células com contingência esperada menor que cinco, adotou-se o teste exato de Fisher. A fim de avaliar a associação entre os anos de curso e os comportamentos de risco nos últimos 30 dias, realizou-se uma regressão logística de Poisson com variância robusta para análise univariável, e, no modelo multivariável, foram incluídas, para ajuste estatístico, as variáveis: idade, sexo, estado civil, compartilhamento de residência e se possuíam crença religiosa. Todas as análises foram conduzidas com auxílio do software estatístico SPSS (IBM Inc, v.21., Chicago, IL).

RESULTADOS

Dos 300 discentes de Medicina matriculados, em 2019, na instituição, 134 (44,66%) aceitaram participar da pesquisa, assinaram o TCLE e responderam ao questionário de caracterização sociodemográfica e ao QREU. Na Tabela 1, podemos observar que, dentre os 300 alunos, 118 (88,10%) cursavam o estágio inicial do curso, compreendido pelos alunos matriculados do primeiro ao terceiro ano e 16 (11,8%) cursavam o estágio final, que contempla do quarto ao sexto ano do curso de Medicina. Majoritariamente, a amostra era composta por indivíduos com mais de 26 anos (81,3%), do sexo feminino (54,47%), solteiros (88,80%), que residiam com mais de uma pessoa (68,65%) e possuíam crença religiosa (70,14%). Quando se compararam essas variáveis sociodemográficas com os estágios inicial e final do curso, nenhuma variável foi associada aos estágios do curso (Tabela 2).

Tabela 1 Dados sociodemográficos dos acadêmicos de Medicina de uma universidade pública estadual de Alagoas, de agosto a dezembro de 2019. 

Dados sociodemográficos n %
Anos de curso
1º, 2º e 3º anos 118 88,1%
4º, 5º e 6º anos 16 11,8%
Faixa etária
De 18 a 25 anos 25 18,6%
> 26 anos 109 81,3%
Sexo
Feminino 73 54,4%
Masculino 61 45,5%
Estado civil
Solteiro 119 88,8%
Casado/relação estável 12 8,9%
Separado/divorciado 3 2,2%
Reside...
Sozinho 42 31,3%
Com os pais, outros familiares, outros estudantes ou cônjuge/parceiro 92 68,6%
Crença religiosa
Possui 94 70,1%
Não possui 40 2,9%
Total 134 100,0%

Fonte: Elaborada pelos autores.

Tabela 2 Dados sociodemográficos, categorizados de acordo com os anos de curso, dos acadêmicos de Medicina de uma universidade pública estadual de Alagoas, de agosto a dezembro de 2019. 

Dados sociodemográficos Ano de curso p-valor
1º, 2º e 3º anos 4º, 5º e 6º anos
Faixa etária
De 18 a 25 anos 99 (83,9%) 10 (62,5%) 0,05
>26 anos 19 (16,1%) 6 (37,5%)
Sexo
Feminino 67 (56,8%) 6 (37,5%) 0,18
Masculino 51 (43,2%) 10 (62,5%)
Estado civil
Solteiro 106 (89,8%) 13 (81,3%) 0,24
Casado/relação estável 10 (8,5%) 2 (12,5%)
Separado/divorciado 2 (1,7%) 1 (6,3%)
Reside...
Sozinho 80 (67,8%) 12 (75%) 0,58
Com os pais, outros familiares, outros estudantes ou cônjuge/parceiro 38 (32,2%) 4 (25%)
Crença religiosa
Possui 81 (68,6%) 13 (81,3%) 0,39
Não possui 37 (31,4%) 3 (18,8%)

Total: 134 indivíduos.

Teste qui-quadrado (p-valor < 0,05).

Fonte: Elaborada pelos autores.

Na Tabela 3, pode ser observada a associação entre estágio do curso e comportamento de risco nos últimos 30 dias. Na análise univariável, apenas tabagismo diário (OR = 1,05; p = 0,01) e uso de preservativos (OR = 0,77; p = 0,01) apresentaram diferença entre o estágio inicial e o final do curso. Quando se realizou o ajuste para variáveis colisoras, apenas o uso de preservativo manteve significância estatística (OR = 0,79; p = 0,02).

Tabela 3 Associação entre os anos de curso e comportamentos de risco, nos últimos 30 dias, em acadêmicos de Medicina de uma universidade estadual de Alagoas, de agosto a dezembro de 2019. 

Comportamento de risco nos últimos 30 dias Univariável Modelo 1b
OR p-valor OR p-valor
Tabagismo diário 1,05 0,01 0,95 0,06
Binge drinkinga 1,03 0,79 1,10 0,47
Drogas ilícitas 0,92 0,93 1,78 0,46
Tranquilizantes sem consentimento médico 0,96 0,03 0,96 0,09
Parceiros sexuaisc 1,20 0,05 1,14 0,21
Uso de preservativos 0,77 0,01 0,79 0,02
Relação sexual e consumo de álcool 1,01 0,87 1,02 0,72
Uso de cinto segurança 1,07 0,44 1,05 0,57
Condução de veículo sob efeito de álcool 1,01 0,86 1,08 0,92

a Ingestão excessiva de álcool definida como consumo de cinco (quatro se for mulher) ou mais doses de bebidas alcoólicas em única ocasião e num período limitado de tempo, neste caso, no último mês7.

b Modelo 1: ajustado para idade, sexo, estado civil, possuir crença religiosa e compartilhamento de moradia.

c Avaliação nos últimos 12 meses.

Total: 134 indivíduos.

Fonte: Elaborada pelos autores.

DISCUSSÃO

A transição para o ensino superior representa um período de risco para jovens adultos, pois há maiores oportunidades para iniciar e estabelecer comportamentos prejudiciais à saúde. O espaço universitário é ideal para abordar a temática do comportamento de risco e da mudança no estilo de vida na comunidade acadêmica, especialmente porque os estudantes de ciências da saúde provavelmente serão disseminadores de promoção à saúde.

Os estudantes universitários correm um risco particularmente alto para o uso de substâncias, sendo o álcool a substância mais utilizada. Em geral, o consumo de álcool, cigarro e outras drogas está associado à depressão, à ansiedade e à dependência química9. Jao et al.9) revelaram, em seu estudo com acadêmicos norte-americanos, uma significativa relação entre comportamento de risco, como envolvimento com álcool, tabagismo e consumo de maconha, e consequente prejuízo à saúde mental.

Vale ressaltar, no entanto, que grande parte dos acadêmicos de Medicina não utilizou, nos últimos 30 dias, maconha, tranquilizantes e barbitúricos sem consentimento médico, drogas sintéticas ou tabaco, com diferença estaticamente significativa entre os anos de curso, na análise univariável, em relação ao tabagismo diário (p = 0,01) e ao uso de tranquilizantes sem consentimento médico (p = 0,03).

Peltze et al.10) acreditam que há uma consciência mais forte do comportamento viciante em estudantes de ciências da saúde, atuando provavelmente como um impedimento para a adoção de tais hábitos.

Já em relação ao comportamento “binge drinkings”, ressalta-se que a maioria dos estudantes não apresentou um perfil de ingestão excessiva de bebida alcoólica. Guimarães et al.11 consideraram consumo excessivo de álcool a partir de 30 gramas para homens e 24 para mulheres em um único episódio. As bebidas alcoólicas são usadas como estratégia de descontração, alívio de tensão e fortalecimento de elos de socialização entre os universitários, especialmente entre os mais jovens. O consumo de álcool é incentivado nas festas universitárias pelos colegas e pela mídia, porém o consumo habitual e abusivo acarreta prejuízos para a saúde e para a vida familiar, financeira e social12),(13.

Em relação a acidentes de trânsito, a população jovem é a mais vulnerável. A pouca experiência em dirigir veículos e o estilo de vida mais arriscado, típico da juventude, aumentam as chances da ocorrência de acidentes automobilísticos. Essa fase da vida se caracteriza pela impulsividade e pela necessidade de autoafirmação, implicando a indução de comportamentos agressivos típicos, como dirigir em alta velocidade, não priorizar a segurança e, principalmente, experimentar e ingerir álcool e drogas, o que, invariavelmente, resulta em acidentes1.

Com o intuito de reduzir acidentes automobilísticos associados ao consumo abusivo de álcool, o Congresso Brasileiro aprovou a Lei Seca, em 19 de junho de 2008, que impõe penalidades mais severas ao condutor que dirigir sob influência do álcool, como de seis meses a três anos de detenção, multa e suspensão ou proibição de obter carteira de habilitação14),(15. Dessa forma, entende-se que há certo receio da população em geral de dirigir sob efeito de álcool. Além disso, sugere-se que o ingresso dos motoristas de aplicativos nas cidades brasileiras facilitou o deslocamento a festas e eventos pelos jovens brasileiros, especialmente pela acessibilidade ao preço e pela despreocupação com o consumo de álcool, tanto pela não exposição aos acidentes de trânsito como pelo receio de ser penalizado pela Lei Seca.

As estatísticas atuais sobre o vírus da imunodeficiência humana (human immunodeficiency virus - HIV)/síndrome da imunodeficiência adquirida (acquired immune deficiency syndrome - Aids) indicam que metade de todas as novas infecções por HIV em todo o mundo ocorre entre jovens de 15 a 24 anos. Os dados estimam que, a cada minuto, cinco jovens em todo o mundo sejam infectados por HIV/Aids16),(17. Petruželka et al.18 confirmaram, em seu estudo com adolescentes e jovens das universidades da República Tcheca e Eslováquia, que esse grupo etário é o mais vulnerável às consequências negativas do álcool e comportamento sexual de risco, uma vez que 32% dos 890 indivíduos que consumiam álcool revelaram arrependimento após o sexo e/ou sexo inseguro. No presente estudo, contudo, 91,80% dos acadêmicos de Medicina negaram atividade sexual vinculada ao consumo de álcool, embora a amostra do estudo anterior tenha sido maior.

Ter relações sexuais nos últimos 12 meses foi referido por 85 (63,44%) acadêmicos de Medicina estudados, dos quais 22 (16,43%) tiveram mais de um parceiro sexual durante esse período. Uma pesquisa realizada na Universidade Aksum com 313 universitários, no campus de Shire, na Etiópia, revelou uma prevalência de 64,4% de universitários que tiveram mais de um parceiro sexual, o que é mais do que o dobro do presente estudo16. A multiplicidade de parceiros sexuais é um dos fatores que favorecem a vulnerabilidade dos jovens às infecções sexualmente transmissíveis (IST). Spindola et al.17 demonstraram em seu estudo que a prática sexual com parceiro fixo foi declarada por mais da metade das jovens participantes. Nesta investigação, não foi possível verificar se a última relação sexual dos entrevistados foi com parceiro eventual ou estável. Percebe-se, no entanto, uma adequação do conhecimento sobre os riscos à saúde reprodutiva e as desvantagens de ter múltiplos parceiros sexuais, especialmente porque envolve uma população ligada à área da saúde.

Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas em Aids (Unaids), o uso do preservativo em todas as relações sexuais é o mais simples e eficiente método disponível para a prevenção da transmissão sexual do HIV e das demais IST19. Embora grande parte dos indivíduos não tenha múltiplos parceiros nem pratique atividade sexual sob efeito do álcool, apenas 27 (20,14%) indivíduos afirmaram sempre utilizar o preservativo nas relações sexuais. Estudos sugerem que o sexo sem proteção é uma forma de exaltar a masculinidade entre os estudantes do sexo masculino, evitando qualquer rotulagem inferior20. Mthembu et al.21) apontaram, em seus resultados, que os homens jovens não se sentiam “homens de verdade” se usassem preservativos fornecidos gratuitamente. Norton et al.22) sugerem que adultos jovens estão mais preocupados em experimentar uma gravidez indesejada do que se infectar pelo HIV. Tais achados reforçam o comportamento impulsivo típico da juventude entre os estudantes, pois, apesar de cursarem Medicina e saberem dos riscos, ainda se arriscam em praticar sexo sem proteção.

De acordo com o Ministério da Saúde, 94% dos indivíduos sabem que o preservativo é a melhor forma de evitar a transmissão do HIV, entretanto somente 39,1% usaram preservativo na última relação sexual23. Assim, percebe-se que o presente estudo está em consonância com os dados nacionais, no qual se observa baixa frequência do uso de preservativos de forma consistente, nos últimos 12 meses, em acadêmicos de Medicina com atividade sexual ativa, apesar do alto grau de conhecimento dessa população sobre a importância do uso de preservativo para a prevenção de IST e HIV. Gutierrez et al.24 destacam o antagonismo entre o grau de conhecimento e a motivação para o uso de preservativos, demonstrando que as principais dificuldades relatadas pelos jovens para uso de preservativo são a diminuição do prazer sexual, a confiança no parceiro(a) e não ter o preservativo no momento da relação sexual.

Entretanto, vale ressaltar o papel desses jovens como formadores de opinião, definidos como um grupo-chave quando se formulam estratégias de educação e prevenção da infecção pelo HIV e pelas demais IST. Preocupa, portanto, o fato de que esse restrito grupo de estudantes de Medicina apresente comportamento de risco inerente às relações sexuais, não só pelo conhecimento específico a que estão normalmente expostos, mas também por virem a estar futuramente envolvidos com a prevenção dessas afecções e pela eventual assistência a pessoas acometidas em sua prática profissional25.

Na análise multivariada das variáveis sociodemográficas, observou-se diferença estatística significativa no uso regular do preservativo (p = 0,02). As religiões, em geral, promovem abstinência sexual e monogamia, porém não incentivam o uso de preservativo26. No entanto, o estudo não é capaz de afirmar que a baixa prevalência do uso de preservativo se dá somente pela crença religiosa, de modo que a compreensão de outros aspectos religiosos que possam modular o uso do preservativo, com a afiliação religiosa e a frequência às reuniões/cultos de cunho religioso, pode ser necessária. Além disso, outras variáveis podem estar relacionadas ao sexo seguro. Um estudo sobre o comportamento sexual de estudantes do sexo feminino da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) verificou que as discentes que não moravam com a família praticavam sexo seguro em maior proporção do que as que moravam com os pais ou o parceiro27. Aragão et al.25) apontam que o uso inconsistente do preservativo durante as relações sexuais se deve a uma percepção, nem sempre verdadeira, de que há um menor risco de transmissão de doenças entre pessoas que vivem em relacionamentos estáveis.

Como limitação convém destacar que o presente estudo se restringiu a dados coletados em um único momento e em um segmento da população (acadêmicos de um curso de Medicina). Além disso, os resultados, no geral, não tiveram diferença significativa no comportamento de risco, provavelmente por se tratar de um grupo sem poder amostral suficiente.

CONCLUSÃO

Foram observadas características de risco, no que se refere ao uso de preservativo, quanto ao comportamento sexual do grupo estudado. Esse dado aponta para a necessidade de ações de educação em saúde para incentivar os estudantes de Medicina, participantes da pesquisa, quanto a importância da prática de sexo seguro. Acredita-se que este estudo abre possibilidades de futuras pesquisas que envolvam investigações e conscientização visando à prevenção da adoção de comportamentos de risco entre jovens brasileiros.

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2Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO Declaramos não haver financiamento.

Recebido: 21 de Outubro de 2021; Aceito: 06 de Dezembro de 2021

alinepires96@gmail.com waleriadantasnut@gmail.com isabelemaranhaonut@hotmail.com maria.mhlg@gmail.com rafaella-pinheiro@hotmail.com jose.felipe@academico.uncisal.edu.br

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Gustavo Antonio Raimondi.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Aline Maria Fatel da Silva Pires participou como bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Pibic/Fapeal) e contribuiu com a idealização e elaboração do projeto e com a coleta dos dados, escreveu o artigo e revisou a versão final. Maria Helena Leitão Gomes, Rafaella Maria Bezerra Pinheiro Custódio e José João Felipe Costa de Oliveira realizaram a coleta dos dados e a revisão da versão final do artigo. Waléria Dantas Pereira Gusmão foi a professora orientadora, contribuiu com a idealização e elaboração do projeto e com a coleta dos dados, escreveu o artigo e revisou a versão final. Isabele Rejane de Oliveira Maranhão Pureza realizou a análise estatística.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

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