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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.46 no.1 Rio de Janeiro  2022  Epub 23-Mar-2022

https://doi.org/10.1590/1981-5271v46.1-20210264.ing 

Artigo Original

Tecnologias assistivas para deficiência visual e auditiva ofertadas aos estudantes de medicina no Brasil

Maria Isabel do Nascimento1 
http://orcid.org/0000-0001-9001-8543

Rhian Costa Torres1 
http://orcid.org/0000-0003-2189-451X

Klynsman Grisotto Faria Ribeiro1 
http://orcid.org/0000-0002-6518-845X

1 Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.


Resumo:

Introdução:

As tecnologias assistivas (TA) são produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias e estratégias que podem ser usados na educação para promover o aprendizado com autonomia e o sucesso acadêmico de estudantes que têm algum tipo de deficiência.

Objetivo:

O objetivo foi analisar as TA disponibilizadas nos cursos de medicina no Brasil para apoiar os estudantes com diminuição de audição e/ou visão.

Métodos:

Este é um estudo descritivo que usou dados de cursos de graduação em medicina que participaram do Censo do Ensino Superior coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2018. As TA para estudantes com deficiência auditiva e/ou visual que eram disponibilizadas nos cursos de medicina foram avaliadas considerando as características da instituição, como a categoria administrativa (pública versus privada), a localização (capital versus interior) e o ano de abertura do curso (a partir do ano 2000 versus antes do ano 2000).

Resultados:

Em 2018, havia 323 cursos de medicina funcionando no Brasil. A maioria deles (90%) confirmou a oferta de pelo menos um tipo de TA. A disciplina de Língua Brasileira de Sinais foi a TA mais frequentemente ofertada (80%), e o material tátil foi a TA menos ofertada (32%). Houve maior completude de oferta de TA para estudantes de medicina nos cursos de administração privada quando se compararam aos públicos. A localização e o ano de abertura do curso não influenciaram a oferta de TA no Brasil. Os cursos apresentaram melhor completude de TA para apoiar estudantes com deficiência auditiva do que com deficiência visual.

Conclusão:

A maioria dos cursos de medicina oferta TA para os estudantes com deficiência visual e/ou auditiva, mas de modo incompleto. Apesar de a localização do curso e o tempo em que ele está em funcionamento não terem influenciado a oferta, o estudo revelou desigualdades. Estudantes de medicina com deficiência visual e/ou auditiva encontram TA sobretudo nos cursos de administração privada, adicionando mais barreiras às suas possibilidades financeiras, que já são suficientemente comprometidas pelo fato de terem que suprir as necessidades essenciais comuns às pessoas vivendo com deficiência.

Palavras-chave: Tecnologia Assistiva; Pessoas com Deficiência; Inclusão Escolar; Política Pública; Estudantes de Medicina

Abstract:

Introduction:

Assistive technologies (AT) are products, equipment, devices, resources, methodologies and strategies that can be used in education to promote autonomous learning and academic success for students who have some type of disability.

Objective:

The objective was to analyze the AT available in medical courses in Brazil to support medical students with hearing and/or visual impairment.

Methods:

This is a descriptive study that used data from undergraduate medical courses participating in the Higher Education Census coordinated by Anísio Teixeira National Institute of Educational Studies and Research (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, INEP), in 2018. AT for students with hearing and/or visual impairment that were available in medical courses were evaluated considering the characteristics of the institution, such as the type of administration (public versus private), location (capital versus interior) and the year the course started (from the year 2000 versus before year 2000).

Results:

In 2018, there were 323 active medical courses in Brazil. Most of them (90%) confirmed the offer of at least one type of AT. The discipline of Brazilian Sign Language (LIBRAS, Linguagem Brasileira de Sinais) was the most frequently offered AT (80%) and tactile material was the least offered AT (32%). There was greater comprehensiveness of AT supply for medical students in courses with a private administration, compared to the public ones. The location and the year the course started did not influence the provision of AT in Brazil. The courses showed better AT comprehensiveness to support students with hearing impairment than those with visual impairment.

Conclusion:

Most medical courses supply AT for people with visual and/or hearing impairments who are medical students, but incompletely. Although the location of the course and the length of time that the course has been active did not influence AT provision, the study revealed inequalities. Medical students with visual and/or hearing impairments have access to assistive technologies especially in courses with private administration, adding more barriers to their financial possibilities, which are already sufficiently affected by the fact that they have to meet the essential needs common to people living with disabilities.

Keywords: Assistive Technologies; Person with Disability; Mainstreaming Education; Public Policy; Medical Students

INTRODUÇÃO

As tecnologias assistivas (TA) são produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços usados para promover a funcionalidade e aumentar a autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social de pessoas com deficiência (PCD)1. O uso de TA na educação é essencial para o desenvolvimento e sucesso acadêmico de estudantes que são PCD, particularmente no que concerne ao suprimento de suas necessidades no ambiente escolar e à promoção de empoderamento e equiparação de oportunidades2.

Profissionais da saúde possuem pouco treinamento para a abordagem das questões de saúde de PCD3. Para Meeks et al.3, TA são importantes para a remoção de barreiras que interpelam a formação de médicos mais experientes nesse campo que conheçam mais intimamente as dificuldades enfrentadas por PCD e que tenham maior compreensão sobre os problemas sociais e biomédicos relacionadas às incapacidades.

No Brasil, várias políticas públicas inclusivas para PCD têm sido elaboradas, aumentando o acesso à educação regular e proporcionando um efeito benéfico de aumento do número de PCD no ensino superior4. Nos Estados Unidos, considerando apenas os estudantes de medicina, observou-se um crescimento 2,7% para 4,9% de PCD matriculadas em escolas médicas norte-americanas de 2016 para 20195. A tendência de crescimento de matrículas de PCD nas escolas médicas é um cenário que demanda adequação das instituições de ensino às necessidades dos estudantes.

Com respeito aos médicos que possuem deficiência, uma campanha nacional conduzida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) buscou dimensionar seu número e estabelecer as necessidades de adequações ao ambiente de trabalho6. Nos primeiros cinco meses, a instituição recebeu 247 registros, e os médicos afirmaram possuir deficiência auditiva (18%) e visual (17%), e alguns não especificaram o tipo (11%), sendo que 23% do total informou que a deficiência era de origem congênita6.

Médicos que são PCD podem influenciar na qualidade do cuidado de outras PCD que são também pacientes, não só pela vivência e compreensão de problemas e barreiras enfrentados por ambos7, mas, sobretudo, por simbolizar a realidade dessas pessoas, que desse modo pode ser experenciada por seus colegas de trabalho8. Contudo, há, no Brasil, pouca informação sobre a oferta e completude dos cursos de medicina quanto à oferta de ajudas técnicas aos estudantes que possuem algum tipo de deficiência. Para aumentar a compreensão do cenário que envolve a formação de médicos que são PCD, o presente estudo teve o objetivo de analisar a oferta de TA de apoio aos estudantes de medicina com redução sensorial de audição e/ou visão disponibilizadas nos cursos de medicina no Brasil.

MÉTODOS

Este é um estudo descritivo que usou dados do Censo do Ensino Superior do Brasil, os quais são manejados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)9, uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação. Os microdados utilizados podem ser obtidos no site do Inep (https://www.gov.br/inep/pt-br), seguindo <Pesquisas, Estatísticas e Indicadores Educacionais>, <Censo da Educação Superior>, <Resultados> e <Microdados>. No ícone “Orientações”, do mesmo endereço eletrônico, o Inep fornece os questionários referentes a cada um dos módulos de investigação - instituição de ensino superior (IES), aluno, curso e docente - e coleta de dados utilizados nas IES, discriminando as variáveis que compõem o Sistema do Censo da Educação Superior (Censup) e demais informações concernentes ao processo de coleta de dados.

As TA ofertadas pelos cursos são rotineiramente avaliadas por consulta formulada pelo Inep a todas as IES do Brasil, anualmente, mediante a coleta de dados dos Censos da Educação Superior, módulo curso. O presente estudo teve o enfoque nas TA que visam aumentar a autonomia, independência e inclusão de PCD, em particular aquelas com diferenças sensoriais de visão e audição, conforme especificado no manual do Inep10 e discriminado a seguir.

  • TA destinadas às pessoas com redução sensorial da visão, conforme especificado pelo Inep:

    1. Material didático digital acessível (trata-se de material com reprodução em áudio e sincronização de trechos selecionados que permitem leitura via caracteres ampliados, anotações e exportação para impressão em Braille).

    2. Material didático em formato impresso em caractere ampliado (trata-se de material impresso com caracteres maiores do que o usual).

    3. Material pedagógico tátil (são recursos pedagógicos que permitem ou facilitam o aprendizado de pessoas com deficiência visual).

    4. Material didático em formato impresso acessível (trata-se de material elaborados com o uso de determinadas características como fonte, corpo, número de caracteres, entrelinhas, espaço entre palavras, letras, cores, tipo de papel e ilustrações que promovem autonomia às pessoas com baixa visão).

    5. Material em áudio (trata-se de material gravado com voz humana que possibilita o acesso de pessoas cegas ou com baixa visão a diversos conteúdos).

    6. Material em Braille (material elaborado com o uso do Sistema Braille que permite leitura e escrita dos conteúdos).

  • TA destinada às pessoas com redução sensorial da audição:

    1. Material didático em Língua Brasileira de Sinais - Libras (material produzido em Libras visando ao ensino de surdos).

    2. Inserção da disciplina de Libras no curso (oferta de matéria Libras aos alunos do curso).

    3. Tradutor e intérprete de Libras (oferta de profissional especializado na tradução, interpretação e transmissão de informação entre surdos e ouvintes).

  • TA destinadas às pessoas com redução sensorial da audição e/ou da visão:

    1. Guia-intérprete (profissional capacitado em formas de comunicação utilizadas por pessoas com surdocegueira, podendo fazer interpretação ou transliteração).

    2. Recursos de acessibilidade à comunicação (são recursos que eliminam barreiras na comunicação de PCD, independentemente da limitação, incrementando o acesso ao conteúdo, à apresentação da informação e, por conseguinte, ao conhecimento).

    3. Recursos de informática acessível (são recursos que permitem adaptações e aumento da interação com o uso do computador).

Coleta de dados e variáveis de interesse

A coleta de dados enfocou as informações do módulo curso, correspondente ao ano de 2018, disponibilizadas on-line, selecionando apenas os cursos identificados pelo Inep como “MEDICINA”. Além das informações sobre TA, foram coletados dados sobre a categoria administrativa da IES (pública versus privada), local de oferta do curso (capital e interior) e ano de início de funcionamento do curso (a partir do ano 2000 e antes do ano 2000).

A completude da oferta de TA foi investigada considerando o tipo de deficiência sensorial a que a TA se destina (para visão, para audição e para ambas) e o quantitativo de TA oferecida (todas, pelo menos uma, nenhuma).

Análise dos dados

O estudo abrangeu uma análise descritiva e apresentação de frequências absolutas e relativas. A análise estatística foi feita por comparação de proporções e pela aplicação do teste estatístico qui-quadrado, considerando o erro alfa de 5%.

Aspectos éticos

O estudo seguiu as recomendações para pesquisa envolvendo seres humanos e foi conduzido com dados disponibilizados publicamente via web, sem qualquer identificação dos sujeitos de pesquisa. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da IES que sediou o estudo, com parecer no 3.490.540, datado de 7 de agosto de 2019.

RESULTADOS

O Censo do Ensino Superior sintetizou dados de 323 cursos de medicina ofertados no Brasil, em 2018. A maior parte deles era da Região Sudeste (41,80%) seguida de Nordeste (24,15%), Sul (17,03%), Centro-Oeste (8,67%) e Norte (8,36%). A maioria dos cursos confirmou a oferta de tecnologias para estudantes com deficiência (sim: 90,09% versus não: 9,91%). A TA mais frequentemente (261/323) ofertada nos cursos de medicina foi “disciplina em Libras” (80,80% versus 19,20%), e a menos ofertada (106/323) foi “material tátil” (32,82% versus 67,18%).

Analisando a frequência de cursos que oferecem TA (n = 291) por Unidade da Federação, 19,00% (55/291) estão localizados em São Paulo, 15,50% (45/291) estão em Minas Gerais, e 6,5% (19/252) estão localizados igualmente na Bahia, no Rio de Janeiro, no Paraná e no Rio grande do Sul, sendo o restante distribuído em menor proporção nas demais Unidades da Federação. Acre, Rio Grande do Norte e Santa Catarina disponibilizam todas as TA em mais de 50% dos seus cursos de medicina. A Figura 1 sintetiza a oferta de TA nos cursos de medicina segundo Unidade Federativa.

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do Censo do Ensino Superior, Inep, 2018.

Figura 1 Distribuição da oferta de tecnologias assistivas nos cursos de medicina, por Unidade da Federação, de acordo com os dados do Censo do Ensino Superior, 2018. 

No Brasil como um todo, a frequência de oferta de TA foi maior nos cursos privados em relação aos públicos, com diferença estatisticamente significativa nos quatro diferentes conjuntos de completude de oferta de TA analisados. O pior cenário foi a falta de tecnologias exclusivas para deficiência visual em quase 50% dos cursos públicos no país. A comparação de frequências de oferta de TA por macrorregião reproduz o padrão de falta de oferta predominando nos cursos públicos (Tabela 1).

Tabela 1 Distribuição de tecnologias assistivas nos cursos de medicina públicos e privados, no Brasil e nas macrorregiões, 2018. 

Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Público Privado Público Privado Público Privado Público Privado Público Privado Público Privado
n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
  128 (39,6) 195 (60,4) 14 (51,8) 13 (48,2) 41 (52,6) 37 (47,4) 36 (26,7) 99 (73,3) 19 (34,5) 36 (65,5) 18 (64,3) 10 (35,7)
TA a (todas)
todas 14 (10,9) 36 (18,5) 0 (0,0) 1 (7,7) 5 (12,2) 2 (5,4) 4 (11,1) 22 (22,2) 2 (10,5) 9 (25,0) 3 (16,7) 2 (20,0)
algumas 92 (71,9) 149 (76,4) 12 (85,7) 12 (92,3) 25 (61,0) 33 (89,2) 26 (72,2) 72 (72,7) 17 (89,5) 24 (66,7) 12 (66,6) 8 (80,0)
nenhuma 22 (17,2) 10 (5,1) 2 (14.3) 0 (0,0) 11 (26,8) 2 (5,4) 6 (16,7) 5 (5,1) 0 (0,0) 3 (8,3) 3 (16,7) 0 (0,0)
p valorb < 0,001 0,226 0,014 0,048 0,153 0,393
TA a (visão)
todas 26 (20,3) 46 (23,6) 1 (7,1) 1 (7,7) 6 (14,6) 4 (10,8) 10 (27,8) 27 (27,3) 6 (31,6) 12 (33,3) 3 (16,7) 2 (20,0)
algumas 39 (30,5) 101 (51,8) 4 (28,6) 8 (61,5) 16 (39,0) 22 (59,5) 11 (30,6) 49 (49,5) 8 (42,1) 18 (50,0) 0 (0,0) 4 (40,0)
nenhuma 63 (49,2) 48 (24,6) 9 (64,3) 4 (30,8) 19 (46,3) 11 (29,7) 15 (41,6) 23 (23,2) 5 (26,3) 6 (16,7) 15 (83,3) 4 (40,0)
p valorb < 0,001 0,199 0,193 0,069 0,685 0,011
TA a (audição)
todas 35 (27,3) 73 (37,4) 4 (28,6) 2 (15,4) 9 (21,9) 11 (29,7) 9 (25,0) 40 (40,4) 7 (36,8) 17 (47,2) 6 (33,3) 3 (30,0)
algumas 64 (50,0) 107 (54,9) 8 (57,1) 11 (84,2) 19 (46,3) 23 (62,2) 18 (50,0) 51 (51,5) 10 (52,6) 15 (41,7) 9 (50,0) 7 (70,0)
nenhuma 29 (22,7) 15 (7,7) 2 (14,3) 0 (0,) 13 (31,7) 3 (8,1) 9 (25,0) 8 (8,1) 2 (10,5) 4 (11,1) 3 (16,7) 0 (0,0)
p valorb < 0,001 0,211 0,036 0,020 0,726 0,343
TA a (ambas)
todas 26 (20,3) 75 (38,5) 0 (0,0) 3 (23,1) 13 (31,7) 10 (27,0) 8 (22,2) 39 (39,4) 2 (10,5) 21 (58,3) 3 (16,7) 2 (20,0)
algumas 44 (34,4) 94 (48,2) 8 (57,1) 9 (69,2) 5 (12,2) 23 (62,2) 14 (38,9) 47 (47,5) 14 (73,7) 9 (25,0) 3 (16,7) 6 (60,0)
nenhuma 58 (45,3) 26 (13,3) 6 (42,9) 1 (7,7) 23 (56,1) 4 (10,8) 14 (38,9) 13 (13,1) 3 (15,8) 6 (16,7) 12 (66,6) 2 (20,0)
p valorb < 0,001 0,036 < 0,001 0,003 < 0,001 0,036

a Tecnologias assistivas. b Teste qui-quadrado e erro alfa de 5%.

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do Censo do Ensino Superior, Inep, 2018.

A localização do curso em capitais ou no interior não influenciou a oferta de TA no país. As exceções foram encontradas apenas nas Regiões Sudeste (todas as TA) e Centro-Oeste (TA para visão) (Tabela 2).

Tabela 2 Distribuição de tecnologias assistivas nos cursos de medicina em capitais e no interior, no Brasil e nas macrorregiões, 2018. 

Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Capital Interior Capital Interior Capital Interior Capital Interior Capital Interior Capital Interior
n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
  98 (30,3) 225 (69,7) 18 (66,7) 9 (33,3) 32 (41,0) 46 (59,0) 27 (20,0) 108 (80,0) 9 (16,4) 46 (83,6) 12 (42,9) 16 (57,1)
TA a (todas)
todas 10 (10,2) 40 (17,8) 1 (5,6) 0 (0,0) 4 (12,5) 3 (6,5) 2 (7,4) 24 (22,2) 0 (0,0) 11 (23,9) 3 (25,0) 2 (12,5)
algumas 75 (76,5) 166 (73,8) 15 (83,3) 9 (100,0) 24 (75,0) 34 (73,9) 20 (74,1) 78 (72,2) 9 (100,0) 32 (69,6) 7 (58,3) 13 (81,3)
nenhuma 13 (13,3) 19 (8,4) 2 (11,1) 0 (0,0) 4 (12,5) 9 (19,6) 5 (18,5) 6 (5,6) 0 (0,0) 3 (6,5) 2 (16,7) 1 (6,2)
p valorb 0,122 0,430 0,516 0,031 0,159 0,406
TA a (visão)
todas 15 (15,3) 57 (25,3) 2 (11,1) 0 (0,0) 4 (12,5) 6 (13,0) 4 (14,8) 33 (30,6) 2 (22,2) 16 (34,8) 3 (25,0) 2 (12,5)
algumas 45 (45,9) 95 (42,2) 8 (44,4) 4 (44,4) 16 (50,0) 22 (47,8) 13 (48,2) 47 (43,5) 4 (44,4) 22 (47,8) 4 (33,3) 0 (0,0)
nenhuma 38 (38,8 73 (32,4) 8 (44,4) 5 (55,6) 12 (37,5) 18 (39,1) 10 (37,0) 28 (25,9) 3 (33,3) 8 (17,4) 5 (41,7) 14 (87,5)
p valorb 0,129 0,561 0,982 0,222 0,512 0,017
TA a (audição)
todas 27 (27,6) 81 (36,0) 3 (16,7) 3 (33,3) 11 (34,4) 9 (19,6) 6 (22,2) 43 (39,8) 3 (33,3) 21 (45,7) 4 (33,3) 5 (31,2)
algumas 55 (56,1) 116 (51,6) 13 (72,2) 6 (66,7) 15 (46,9) 27 (58,7) 15 (55,6) 54 (50,0) 6 (66,7) 19 (41,3) 6 (50,0) 10 (62,5)
nenhuma 16 (16,3) 28 (12,4) 2 (11,1) 0 (0,0) 6 (18,7) 10 (21,7) 6 (22,2) 11 (10,2) 0 (0,0) 6 (13,0) 2 (16,7) 1 (6,3)
p valorb 0,289 0,411 0,335 0,107 0,286 0,640
TA a (ambas)
todas 27 (27,6) 74 (32,9) 2 (11,1) 1 (11,1) 11 (34,4) 12 (26,1) 8 (29,6) 39 (36,1) 3 (33,3) 20 (43,5) 3 (25,0) 2 (12,5)
algumas 42 (42,9) 96 (42,7) 11 (61,1) 6 (66,7) 10 (31,2) 18 (39,1) 11 (40,7) 50 (46,3) 5 (55,6) 18 (39,1) 5 (41,7) 4 (25,0)
nenhuma 29 (29,6) 55 (24,4) 5 (27,8) 2 (22,2) 11 34,4) 16 (34,8) 8 (29,6) 19 (17,6) 1 (11,1) 8 (17,4) 4 (33,3) 10 (62,5)
p valorb 0,517 0,950 0,681 0,372 0,653 0,307

a Tecnologias assistivas. b Teste qui-quadrado e erro alfa de 5%.

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do Censo do Ensino Superior, Inep, 2018.

A autorização mais recente (a partir do ano 2000) para o funcionamento do curso, comparada aos cursos mais antigos, não mostrou relação com a oferta de TA no Brasil e nas Regiões Norte e Centro-Oeste. Contudo, no Nordeste e Sudeste, a proporção de cursos mais antigos (antes do ano 2000) que não oferecem nenhuma das TAs de apoio tanto para visão quanto para audição foi o dobro daquela encontrada nos cursos mais novos (Tabela 3).

Tabela 3 Distribuição de tecnologias assistivas nos cursos de medicina abertos antes e depois do ano 2000, no Brasil e nas macrorregiões, 2018. 

Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Novos Antigos Novos Antigos Novos Antigos Novos Antigos Novos Antigos Novos Antigos
n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
  222 (69,8) 96 (30,2) 19 (79,2) 5 (20,8) 64 (82,1) 14 (17,9) 82 (61,7) 51 (38,3) 34 (61,8) 21 (38,2) 23 (82,1) 5 (17,9)
TA a (todas)
todas 32 (14,4) 17 (17,7) 1 (5,3) 0 (0,0) 5 (7,8) 2 (14,3) 18 (21,9) 7 (13,7) 5 (14,7) 6 (28,6) 3 (13,0) 2 (40,0)
algumas 168 (75,7) 69 (71,9) 16 (84,2) 5 (100,0) 50 (78,1) 8 (57,1) 59 (71,9) 38 (74,5) 26 (76,5) 15 (71,4) 17 (73,9) 3 (60,0)
nenhuma 22 (9,9) 10 (10,4) 2 (10,5) 0 (0,0) 9 (14,1) 4 (28,6) 5 (6,1) 6 (11,8) 3 (8,8) 0 (0,0) 3 (13,0) 0 (0,0)
p valorb 0,733 0,636 0,263 0,304 0,207 0,296
TA a (visão)
todas 43 (19,4) 28 (29,2) 1 (5,2) 1 (20,0) 8 (12,5) 2 (14,3) 24 (29,3) 12 (23,5) 7 (20,6) 11 (52,4) 3 (13,0) 2 (40,0)
algumas 105 (47,3) 33 (34,4) 9 (47,4) 2 (40,0) 33 (51,6) 5 (35,7) 40 (48,8) 19 (37,3) 20 (58,8) 6 (28,6) 3 (13,0) 1 (20,0)
nenhuma 74 (33,3) 35 (36,5) 9 (47,4) 2 (40,0) 23 (35,9) 7 (50,0) 18 (21,9) 20 (39,2) 7 (20,6) 4 (19,0) 17 (73,9) 2 (40,0)
p valorb 0,059 0,569 0,545 0,1 0,038 0,285
TA a (audição)
todas 73 (32,9) 33 (34,4) 3 (15,8) 2 (40,0) 16 (25,0) 4 (28,6) 33 (40,2) 15 (29,4) 14 (41,2) 10 (47,6) 7 (30,4) 2 (40,0)
algumas 120 (54,1) 48 (50,0) 14 (73,7) 3 (60,0) 37 (57,8) 5 (35,7) 41 (50,0) 27 (52,9) 15 (44,1) 10 (47,6) 13 (56,5) 3 (60,0)
nenhuma 29 (13,1) 15 (15,6) 2 (10,5) 0 (0,0) 11 (17,2) 5 (35,7) 8 (9,8) 9 (17,7) 5 (14,7) 1 (4,8) 3 (13,0) 0 (0,0)
P valorb 0,751 0,418 0,220 0,271 0,512 0,677
TA a (ambas)
todas 71 (32,0) 29 (30,2) 2 (10,5) 1 (20,0) 18 (28,1) 5 (35,7) 35 (42,7) 11 (21,6) 13 (38,2) 10 (47,6) 3 (13,0) 2 (40,0)
algumas 99 (44,6) 37 (38,5) 13 (68,4) 3 (60,0) 28 (43,8) 0 (0,0) 35 (42,7) 25 (49,0) 15 (44,1) 8 (38,1) 8 (34,8) 1 (20,0)
nenhuma 52 (23,4) 30 (31,2) 4 (21,1) 1 (20,0) 18 (28,1) 9 (64,3) 12 (14,6) 15 (29,4) 6 (17,7) 3 (14,3) 12 (52,2 2 (40,0)
p valorb 0,327 0,848 0,004 0,021 0,788 0,354

a Tecnologias assistivas. b Teste qui-quadrado e erro alfa de 5%.

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do Censo do Ensino Superior, Inep, 2018.

DISCUSSÃO

Este estudo teve como foco as TA utilizadas no ensino superior no Brasil e mostrou que a maioria dos cursos de medicina ofertam TA para os estudantes com deficiência visual e/ou auditiva. Apesar de a localização e o tempo de funcionamento do curso não terem influenciado a oferta de TA, o estudo revelou desigualdades. Os estudantes de medicina com deficiência visual e/ou auditiva encontram TA de apoio sobretudo nos cursos privados, adicionando mais barreiras às suas possibilidades financeiras, que já são suficientemente comprometidas pelo fato de terem que suprir as necessidades essenciais comuns às pessoas que vivem com deficiência.

A predominância de oferta de TA nas escolas médicas privadas levanta a suspeita de que esse recurso possa estar sendo vivenciado em outros cursos superiores no país. O que de fato foi encontrado nos cursos de medicina reforça o cenário de exclusão vivenciado por PCD e tem implicações nos ganhos que PCD poderiam ter com as políticas afirmativas que têm sido implementadas no Brasil. Uma análise global de dados de 2018 mostrou que o quantitativo de estudantes com deficiência matriculados nas IES privadas foi quase o dobro daqueles que estudavam em IES públicas do Brasil11. Esse quadro configura um ambiente de desigualdade que penaliza os alunos com deficiência, que, além de terem que superar, ao longo da vida, diversos fatores limitantes ao acesso ao ensino superior, agregam compromissos financeiros que precisam ser honrados para aquisição da formação profissional. Considerando esse contexto de dificuldades, a educação perde parte da sua função democratizadora e inclusiva, uma vez que a existência de obstáculos, como contratar financiamentos para pagar as mensalidades, não é uma simples opção e sim quase uma obrigatoriedade para essas pessoas.

À luz das TA avaliadas pelo Inep, os estados de Santa Catarina, Rio Grande do Norte e Acre apresentam maior completude de oferta, pois todas as diferentes TA estão presentes em mais de 50% dos cursos dessas Unidades da Federação. No geral, os cursos parecem mais bem equipados para acomodar estudantes com redução da audição ou surdez do que com redução da visão ou cegueira. Na Índia, uma análise que envolveu 250 estudantes e investigou 42 diferentes tipos de TA para melhorar a visão mostrou que as tecnologias baseadas em som/tato (talking watch, Braille typewriter, audio format) e na visão (optical magnifiers, electronic magnifiers, large keyboard for computer) foram as mais requeridas pelos discentes12. As barreiras de acesso mais comuns encontradas na Índia foram a não disponibilidade de TA nas escolas e a falta de recursos financeiros para aquisição de TA pelos próprios estudantes.

As TA do grupo de tecnologias da informação e da comunicação são as mais sofisticadas e seguem em contínua e rápida evolução13. Nesse grupo, incluem-se hardwares e softwares, teclados modificados, monitores especiais e impressoras e linhas em Braille13. Embora sejam TA que facilitam simultaneamente a inclusão digital de estudantes que têm deficiência visual e/ou auditiva, a sua distribuição nas escolas médicas públicas no Brasil está longe de atender às necessidades acadêmicas e de se adequar às políticas afirmativas de inclusão de PCD.

Um inquérito conduzido em escolas públicas de São Paulo mostrou que alguns professores não se valem de tecnologias que podem ser usadas por estudantes com deficiência visual, apesar de declararem que tais ferramentas são essenciais nas escolas14. Diversas razões são alegadas para a não utilização desses recursos, como a falta de preparação para o manejo das TA no programa regular de curso, a ausência de programas mais específicos para alunos com deficiência visual, a falta de informação dirigida a docentes e discentes sobre TA disponibilizadas nos cursos, além da descrença de PCD visual sobre sua própria capacidade em utilizar tais recursos. No ambiente educacional, o convívio com a diversidade humana é real. Se o foco é a educação inclusiva com o professor protagonizando o papel central de mediador do processo ensino-aprendizagem, é mister a remoção de barreiras pedagógicas15. Nesse contexto, estão incluídas a preparação técnica docente e a promoção da acessibilidade atitudinal caracterizada pela eliminação de preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações16.

Apesar de os cursos de medicina no Brasil aparentarem estar mais completos para receber estudantes com audição reduzida ou surdez, essas pessoas demandam ainda mais atenção ao adentrarem na fase clínica do curso. Autores alertam que os atos de ouvir sons do coração, dos pulmões e dos intestinos, bem como a comunicação verbal com o uso de máscaras cirúrgicas e por telefone, fazem parte dessa etapa da formação e configuram desafios a serem superados por esses estudantes17. Acrescentam que ruídos ambientais comuns podem dificultar a comunicação com os clínicos, residentes, internos e principalmente com os pacientes. Como esses estudantes têm seus direitos garantidos por lei1, tais necessidades devem ser devidamente supridas pelos gestores do ensino médico no Brasil.

O grau de completude dos cursos de medicina para atender alunos com deficiência deveria ser público e facilmente conhecido por todos os interessados. Isso, além de facilitar as escolhas, reservaria ao estudante o direito à confidencialidade sobre questões pessoais que podem determinar direcionamentos futuros no processo ensino-aprendizagem e sobretudo manteria o foco naquilo que os cursos oferecem, e não nas características dos indivíduos com deficiência, que seriam poupados de fazer revelações pessoais precocemente. Ressalta-se a necessidade de estabelecer uma relação de profissionalismo e impessoalidade entre aluno com deficiência e faculdade18. Diretrizes assim ajudam a evitar o constrangimento de intromissão na vida pessoal do aluno e a manter o foco nas suas necessidades acadêmicas. Reforça-se ainda que cabe exclusivamente ao aluno escolher o que ele quer revelar sobre sua deficiência, sendo recomendado explicitar apenas as demandas voltadas à própria acessibilidade. A ideia é evitar comentários e tentativas de intervenções desnecessárias baseadas no tipo de deficiência e prover ao aluno exclusivamente aquilo de que ele necessita18.

As TA nos cursos de medicina podem favorecer a formação de médicos que tenham algum tipo de deficiência e sejam, pela própria condição, mais preparados para sensibilizar seus pares, profissionalmente, dentro do ambiente acadêmico, e assistir pacientes com deficiência que demandam cuidados. De acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)19, importante parcela da população brasileira precisa de profissionais de saúde sensíveis às suas necessidades. Os dados do censo demográfico revisados em 2018 mostraram que cerca de 6,7% (12.748.663) das pessoas que residem no país têm algum tipo de deficiência. Essa informação permitiu observar a proporção das PCD e categorizar os tipos de deficiência na população nacional: deficiência auditiva (1,1%), deficiência visual (3,4%), deficiência motora (2,3%) e deficiência mental (1,4%). Com base nesses dados, é possível ter um melhor conhecimento para a ampliação e o aprimoramento de serviços e ações institucionais, e a adequação dos recursos. No Canadá, por exemplo, 13,1% dos jovens de 15 a 24 anos reportaram alguma deficiência no ano de 201720. Essa estatística canadense enfatiza a importância de conhecer o perfil de necessidades de PCD, de modo a suprir acomodações e favorecer a transição desses jovens do ensino secundário ao ensino superior ou diretamente ao mercado de trabalho.

Este estudo tem o mérito de avaliar a oferta de TA nos cursos de medicina do Brasil. Vale ressaltar que a formação de médicos representantes de PCD e consequentemente mais bem preparados para lutar e lidar com o processo de inclusão, garantia de direitos e redução de discriminação é de alta relevância para o ambiente acadêmico e assistencial. Entretanto, o tema ainda é pouco explorado no país.

Os desafios para a inclusão de PCD no ensino superior demandam enfrentamento e soluções efetivas e urgentes. O presente estudo permitiu estimar que quase 10% dos cursos de medicina não ofertam quaisquer das TA monitoradas pelo Inep. Também é notório que no Brasil os conteúdos curriculares dos cursos de medicina são transdisciplinares, abrangendo ciências humanas, exatas e da saúde propriamente dita21, configurando um contexto de complexidade para a adaptação e a provisão das necessidades educacionais visando às PCD. Não obstante o que versam as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)21 sobre a formação de médicos preparados para lidar com PCD, as estratégias educacionais para esse fim foram consideradas insuficientemente mencionadas nos projetos pedagógicos de 89 cursos que tornaram seus projetos pedagógicos publicamente acessíveis via internet, entre os 320 cursos existentes no Brasil22. Ou seja, independentemente do modelo curricular, se “por competências”, “baseado em problemas”, “tradicional” etc., o projeto pedagógico do curso precisa reconhecer que a escola médica tem compromisso com as PCD e que o estudante que possui deficiência é uma realidade presente no corpo discente, demandando modos de inclusão/integração, bem como preparação do ambiente, mas sobretudo dos docentes.

O esforço deve ser em função de suprir as necessidades individuais de cada aluno, que jamais pode ser visto como incapaz, mas apenas necessitando de adaptações que o coloquem nas mesmas condições que os demais estudantes. Um exemplo disso foi vivenciado na Faculdade de Medicina de Itajubá23. A adaptação abrangeu a disciplina de histologia, adotou algumas tecnologias específicas e atendeu às necessidades de um estudante com discromatopsia congênita (daltonismo), que não conseguia distinguir corretamente as tonalidades de roxo e rosa, comuns nas práticas da disciplina. A Associação Americana de Faculdades de Medicina17) (Association of American Medical Colleges) destaca que as combinações de cores que a pessoa daltônica tem mais dificuldade para distinguir são vermelho/verde, seguidas de azul/verde e de azul/amarelo, sendo mister identificar precocemente o problema para evitar erros causados pela má percepção de cor.

Este estudo tem algumas limitações. Ainda que o investimento do Inep para garantir a qualidade dos dados do censo seja alto, algumas inconsistências podem ter influenciado nossos resultados. É o caso da sub ou superestimação de medidas como consequência de dados coletados administrativamente, sem intenção de pesquisa. É importante reconhecer também que a qualidade do processo de coleta de dados da escola e de transmissão ao Inep para a alimentação da plataforma do censo é dependente do compromisso e envolvimento das pessoas responsáveis pela execução do trabalho na IES. Contudo, o Inep tem investido na qualidade da informação fornecida, e relatos de metodologias para lidar com o Censo têm sido publicados e mostram o comprometimento dos pesquisadores institucionais com o Censo do Ensino Superior no Brasil24. O fluxo de trabalho contempla a oferta de treinamento na sede do Inep para o pesquisador institucional cadastrado que executa a coleta local e descentralizada. Por fim, vale assinalar também que o fato de a IES informar que tem a TA não significa que a tecnologia está realmente acessível ao estudante que dela necessita. Tendo essas limitações em mente, acreditamos que o estudo está revelando um perfil de possibilidades de fornecimento de TA pelos cursos de medicina e, por conseguinte, fazendo possível um julgamento por parte dos estudantes com deficiência que conseguem romper as barreiras e chegam à escola médica no Brasil.

CONCLUSÃO

As tecnologias assistivas são ofertadas na maioria dos cursos de medicina do Brasil, mas de modo incompleto e desigual. Os cursos privados são mais bem equipados do que os públicos, principalmente no que concerne à oferta de TA que são simultaneamente utilizadas por estudantes que têm deficiência auditiva, bem como por aqueles que têm deficiência visual. Apesar do aparato legal de apoio à PCD, o fato de as TA serem mais frequentemente encontradas em escolas médicas privadas impõe um ônus adicional aos estudantes que por serem PCD certamente investiram grande parte de seus recursos para chegar ao ensino superior e precisarão continuar investindo para que possam se tornar médicos.

REFERÊNCIAS

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7Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO Declaramos não haver financiamento.

Recebido: 11 de Novembro de 2021; Aceito: 17 de Dezembro de 2021

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Pedro Tadao Hamamoto Filho.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Os autores contribuíram igualmente nas fases de concepção do estudo, análise e interpretação dos resultados e redação do manuscrito. Os autores se responsabilizam pelo conteúdo do trabalho e aprovaram a versão do manuscrito.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

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