SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.46 número1Itinerários terapêuticos na formação médica: dispositivo para o ensino da Saúde ColetivaERRATA EM: Revista Brasileira de Educação Médica, volume 45, número 1 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.46 no.1 Rio de Janeiro  2022  Epub 16-Mar-2022

https://doi.org/10.1590/1981-5271v46.1-20210176.ing 

Relato de Experiência

Integração curricular na avaliação formativa em educação médica continuada a distância: uso de atividades integradoras

Brenda Wander1 
http://orcid.org/0000-0003-2128-0040

Alessandra Tavares Francisco Fernandes1 
http://orcid.org/0000-0001-5181-5136

Carmen Vera Giacobbo Daudt1 
http://orcid.org/0000-0002-3727-4350

Marta Quintanilha Gomes2 
http://orcid.org/0000-0001-9320-3277

Maria Eugênia Bresolin Pinto2 
http://orcid.org/0000-0002-7536-6299

1 Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.

2Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.


Resumo:

Introdução:

O artigo descreve o desenvolvimento e a implementação de atividades integradoras como avaliação formativa de um curso a distância de especialização de preceptoria em medicina de família e comunidade (MFC) e discute como a utilização dessa atividade é capaz de integrar e avaliar diferentes conhecimentos, práticas e o desempenho dos alunos nessa modalidade de ensino. O currículo do curso envolve unidades com módulos em três áreas: MFC, preceptoria e clínica, permitindo que se abordem os temas essenciais para a prática do preceptor da especialidade, que vão além do estudo dos aspectos pedagógicos.

Relato da experiência:

O aluno era instigado a realizar uma produção textual baseada em problemas contextualizados na preceptoria na atenção primária à saúde, orientada pelo tutor, de forma a refletir criticamente sobre os conteúdos de cada unidade de ensino. Foram utilizadas situações ilustradas no enunciado da atividade, na forma de história em quadrinhos, o que qualificava a interpretação do contexto abordado na atividade e promovia maior aproximação com a realidade vivenciada pelo aluno. A contextualização da atividade e o exercício de se colocar no lugar do preceptor foram considerados pontos positivos pelos tutores.

Discussão:

A interação aluno-tutor é parte fundamental da atividade, pois permite a construção do conhecimento a partir de uma perspectiva interacionista da educação, que é a base da proposta pedagógica do curso. A atividade permitiu a identificação de lacunas e potencialidades na aprendizagem dos alunos e a realização de intervenções pedagógicas singulares.

Conclusão:

Esse tipo de atividade garante dimensões importantes do trabalho avaliativo em cursos de longa duração: o caráter processual e interdisciplinar. O modelo de atividade integradora pode ser utilizado em cursos a distância com diferentes disciplinas, com o objetivo de integrá-las, proporcionando uma abordagem mais aprofundada e aproximando os conteúdos educacionais da realidade do aluno.

Palavras-chave: Educação Médica Continuada; Educação a Distância; Feedback Formativo; Currículo

Abstract

Introduction:

The article describes the development and implementation of integrative activities as a formative evaluation of a distance-learning course of preceptorship specialization in Family and Community Medicine and discusses how the use of this activity is capable of integrating and assessing different knowledges, practices and performance of students in this modality of education. The course curriculum involves units with modules in three areas: family and community medicine, preceptorship and clinical practice, allowing the approach of essential topics for the practice of the specialty preceptor, which go beyond the study of pedagogical aspects.

Experience report:

The student was encouraged to carry out a textual production based on contextualized problems in the Primary Health Care preceptorship, guided by the tutor, aiming to critically reflect on the contents of each teaching unit. Illustrated situations were used in the activity statement, shown in comic strip format, which qualified the interpretation of the context addressed in the activity and promoted greater approximation with the reality experienced by the student. The contextualization of the activity and the exercise of putting oneself in the preceptor’s place were considered positive points by the tutors.

Discussion:

The student-tutor interaction is a fundamental part of the activity, as it allows the construction of knowledge from an interactionist perspective of education, which is the basis of the pedagogical proposal of the course. The activity allowed the identification of gaps and potentialities in the students’ learning and the implementation of particular pedagogical interventions.

Conclusions:

This type of activity ensures important dimensions of evaluative work in long-term courses: the procedural and interdisciplinary features. The integrative activity model can be used in distance courses with different disciplines, aiming at integrating them, providing a more in-depth approach and bringing the educational contents closer to the student’s reality.

Keywords: Continuing medical education; Distance Education; formative feedback; Curriculum

INTRODUÇÃO

Com a expansão das vagas de residência em medicina de família e comunidade (MFC) no Brasil, foram desenvolvidas algumas estratégias para ampliar a formação de preceptores nessa especialidade. Uma dessas estratégias foi a criação de um curso de especialização de preceptoria em MFC na modalidade a distância, tutorado, de abrangência nacional, com carga horária de 550 horas distribuídas ao longo de dois anos. No início de sua terceira oferta, o curso contava com 709 alunos matriculados, atingindo 70,94% de aprovação ao seu término. O curso foi uma ação do Hospital Moinhos de Vento (HMV), em parceria com a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). A iniciativa teve o apoio da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) e foi parte do Plano Nacional de Formação de Preceptores do eixo educação do Programa Mais Médicos pelo Brasil.

O currículo do curso envolvia oito unidades de ensino, cada uma com módulos em três eixos curriculares - MFC, preceptoria, e clínica, por meio do estudo de casos complexos. A organização do currículo permitia que se abordassem os temas essenciais para a prática do preceptor da especialidade, que vão além do estudo dos aspectos pedagógicos e incluem a formação técnica e ética. Essa organização trouxe consigo a necessidade da construção de uma ferramenta de avaliação que integrasse os assuntos abordados, ao mesmo tempo que se relacionasse com a prática e a realidade de cada aluno, no contexto de um curso a distância. A integração curricular tem sido estudada no contexto do ensino de graduação, na modalidade presencial, focada na integração vertical e horizontal, envolvendo disciplinas científicas básicas e disciplinas clínicas1; porém, faltam dados de experiências com integração curricular na avaliação da aprendizagem no contexto da educação a distância (EAD), neste artigo entendida também como e-learning.

A EAD é resultante do trabalho conjunto de diferentes áreas do conhecimento, como a pedagogia, a tecnologia de informação e a comunicação, e, em tempos atuais, tem estado ainda mais presente nos sistemas educacionais, incluindo a formação médica. Conforme o conceito ampliado de Sangrà et al.2:

O e-learning é uma abordagem de ensino e aprendizagem, representando todo ou parte do modelo educacional aplicado, que se baseia no uso de mídia e de dispositivos eletrônicos como ferramentas para melhorar o acesso ao treinamento, à comunicação e à interação, facilitando a adoção de novas formas de compreender e desenvolver a aprendizagem. (p. 152)

A avaliação tem um efeito fundamental na aprendizagem dos alunos e serve a diversos propósitos, incluindo fornecimento de feedback no acompanhamento do percurso de aprendizagem do aluno e melhora na motivação e no engajamento dele3. Entre os desafios desse curso a distância, esteve a escolha de métodos de avaliação que pudessem ter potencial pedagógico, ao problematizarem situações da rotina do aluno como médico de família e como preceptor. A problematização apresenta a possibilidade de uma observação contínua do aluno em seus próprios espaços e tempos; tal observação tem a função de atualizar e complementar o processo de construção do conhecimento do aluno4. A avaliação formativa é realizada ao longo do processo de ensino e aprendizagem, sendo parte integrante dele, tanto em contextos de educação convencional como a distância5),(6. Esse tipo de avaliação também manifesta uma mudança de paradigma nas estratégias pedagógicas e no uso da tecnologia para a oferta eficaz de ensino em EAD, e baseia-se em fornecer ao aluno feedbacks para melhorar o desempenho nas tarefas subsequentes6.

O planejamento da avaliação na EAD, como qualquer processo de avaliação, inclui uma cuidadosa reflexão sobre os tipos de avaliação adequados e sobre como eles se relacionam com os objetivos de aprendizagem e com o currículo como um todo, considerando também que serão realizados de forma eletrônica7. A estratégia de avaliação mais comum nos cursos de EAD baseia-se em conhecimento, por exemplo, com o uso de questões de múltipla escolha que podem ter um feedback imediato, o que é fundamental, considerando-se o aspecto formativo da atividade. Porém, do ponto de vista cognitivo, a avaliação na EAD pode oferecer uma gama mais ampla de perguntas e possibilidades de interação do que a avaliação baseada em questões de múltipla escolha7. A avaliação no ambiente virtual pode ser de outros tipos, baseada no desempenho (por exemplo, usando casos de pacientes), na prática (por exemplo, usando portfólios) ou em comportamento/atitude (por exemplo, baseada em contribuições em fóruns de discussão)7.

Neste artigo, descrevemos como desenvolvemos e implementamos atividades integradoras (AIs) como avaliação formativa no curso a distância de especialização de preceptoria em MFC, e sobre como a utilização dessa atividade é capaz de integrar e avaliar diferentes conhecimentos, práticas e a construção da aprendizagem dos alunos nessa modalidade de ensino.

RELATO DE EXPERIÊNCIA

A AI foi sendo desenvolvida desde a primeira oferta do curso, iniciado no ano de 2016, sofrendo desde então um processo de aprimoramento pedagógico. Seu objetivo se manteve o mesmo: registrar as reflexões e as aprendizagens, integrando as teorias estudadas às práticas vivenciadas nas ações de MFC e de preceptoria. Com o intuito de qualificar ainda mais as ações educacionais, a cada oferta o curso foi avaliado por alunos, pelos tutores e pela equipe pedagógica, o que resultou em modificações estruturais e metodológicas. A AI acompanhou essas mudanças, de forma que, neste relato, vamos descrever a estrutura de como ela foi aplicada na terceira oferta do curso.

Para cada unidade de ensino, a equipe formada por duas profissionais com formação em pedagogia e uma médica especialista em MFC planejava a AI, elaborava um texto orientador para os tutores e realizava com eles uma webconferência. A proposta da AI era disponibilizada aos 28 tutores antes da webconferência. O encontro era dividido em dois momentos: um que avaliava a AI da unidade anterior, para analisar como os tutores perceberam o desempenho dos alunos e se a atividade atingiu o objetivo proposto; e outro voltado para a próxima AI, com caráter mais formativo, para dirimir dúvidas e analisar clareza, grau de dificuldade e critérios de avaliação para construção dos feedbacks, com o objetivo de avaliar a atividade proposta, alinhar os feedbacks e aprimorar a mediação do tutor. Esse processo também era acompanhado pelas coordenações do curso, incluindo a coordenação geral, a pedagógica e a de tutoria.

O aluno, ao final de cada unidade de ensino, era instigado a realizar uma produção textual, fundamentada na literatura em estudo, que contemplasse uma orientação apresentada em tópicos, baseada nos conteúdos da unidade de ensino, indicando o passo a passo a ser percorrido para elaborar a atividade. A proposta pedagógica da atividade deveria ser baseada em problemas contextualizados na preceptoria na atenção primária à saúde e proporcionar ao aluno a reflexão crítica acerca dos conteúdos em estudo. A Tabela 1 traz como exemplo os temas trabalhados na unidade de ensino 6, cuja AI será mostrada de forma sucinta no modelo da Figura 1.

Tabela 1 Temas trabalhados nos três eixos curriculares na unidade de ensino 6. 

Unidade 6 Eixo MFC Eixo preceptoria Eixo clínica de MFC (casos complexos) Atividade integradora
Abordagem familiar Ferramentas para a abordagem familiar Processo de ensino e aprendizagem II - foco na abordagem familiar Caso Maria: - Cardiopatia isquêmica - Tontura e vertigem - Osteoartrose - Prevenção quaternária Tendo como base o caso clínico Maria, o aluno deveria indicar ferramentas de abordagem familiar para o manejo do caso, analisar um contexto de atuação de preceptoria, realizar o planejamento de ensino para o residente e indicar mudanças no seu planejamento devido ao cenário pandêmico.
Caso linha dos imigrantes: - Imunizações do adulto - Dor no ombro - Erisipela e celulite - Vulnerabilidade

Fonte: Adaptado do curso de Especialização de Preceptoria em Medicina de Família e Comunidade.

Fonte: Adaptada do curso de Especialização de Preceptoria em Medicina de Família e Comunidade.

Figura 1 Modelo de atividade integradora. 

Eram utilizadas situações ilustradas no enunciado da atividade, na forma de história em quadrinhos (HQ), o que qualificava a interpretação do contexto abordado na atividade e promovia maior aproximação com a realidade vivenciada pelo aluno. As HQs foram criadas com os mesmos personagens de um programa fictício de residência em MFC, que contextualizava diversas situações de ensino e de aprendizagem presentes nos módulos do curso.

Conforme Sandars et al.8, experiências em e-learning podem ser muito úteis para educadores médicos em outros contextos, mas é essencial que os relatos contenham informações que permitam que essas experiências sejam reproduzidas. O uso de templates estruturados para mostrar a intervenção pode garantir que o relato contenha informação suficiente para que essa intervenção possa ser adotada por outros educadores médicos. Na Figura 1, apresentamos um modelo da estrutura geral da atividade, com os principais pontos de uma atividade desenvolvida para integração de um caso complexo de abordagem de idosa com múltiplas comorbidades e relações familiares frágeis com o tema da abordagem familiar e seu ensino na preceptoria, no contexto do início da pandemia por coronavirus disease 2019 (Covid-19) no Brasil - situação que estava efetivamente sendo vivenciada pelos alunos.

A orientação solicitava que o aluno se colocasse no lugar do preceptor de residência e descrevesse uma tomada de decisão na situação apresentada. Além de analisar as estratégias de abordagem familiar mais adequadas para o caso complexo e construir um planejamento de ensino de competências em abordagem familiar, o aluno deveria refletir sobre adaptações necessárias na assistência e nas atividades de ensino como preceptor, em uma situação de mudança brusca de contexto devido à pandemia da Covid-19.

O aluno dispunha de quatro semanas para construir a versão preliminar da atividade e enviá-la ao tutor, que fornecia um feedback com questionamentos relacionados ao conteúdo, instigando a articulação dos conhecimentos dos três eixos curriculares, orientando sobre as formas de qualificar a atividade e indicando se os objetivos esperados de aprendizagem foram alcançados. O aluno então tinha a oportunidade de realizar alterações e reenviar a atividade em sua versão final em uma semana. Essa versão era novamente analisada pelo tutor, que retornava com novo feedback em até uma semana, indicando sucintamente se dessa vez o aluno havia atingido os objetivos de aprendizagem. Essa elaboração colaborativa proporcionou uma abordagem orientada e aprofundada da construção do conhecimento acerca dos temas integrados.

O próximo passo consistiu na composição das AIs em um portfólio reflexivo, que foi avaliado como trabalho de conclusão de curso (TCC). O aluno deveria integrar as discussões desencadeadas por meio de um texto conclusivo final, refletindo sobre o seu próprio processo de aprendizagem. Assim como em cada AI, o portfólio também foi entregue em versão preliminar, e, nessa última oportunidade de interação, o tutor orientava sobre todas as AIs, além dos capítulos de introdução e conclusão e aspectos de formatação do TCC. Na Tabela 2, é possível visualizar de forma resumida o processo de elaboração da AI e entrega do portfólio ao final do curso.

Tabela 2 Etapas da elaboração e avaliação da AI. 

Etapas Descrição Prazo Responsável
Elaboração da orientação da atividade - Aspectos pedagógicos 1 semana Pedagogas
- Aspectos do conteúdo Médica especialista em MFC
Webconferência com tutores - Qualificação da atividade Coordenações do curso (geral, de tutoria, e pedagógica)
- Antes do início da unidade de ensino Tutores
Entrega preliminar da AI - Primeira versão da atividade 4 semanas Aluno
Feedback formativo - Questionamentos e sugestões com vistas a qualificar a atividade 2 semanas Tutor
- Estímulo à articulação dos conteúdos
Entrega final da AI - Segunda versão da atividade 1 semana Aluno
Feedback final - Atingiu os objetivos de aprendizagem ou 1 semana Tutor
- Precisa ajustar
Portfólio - versão preliminar - TCC com todas as AIs, introdução e conclusão Aluno
- Final do curso
Feedback do portfólio - Orientação quanto a todas as AIs 4 semanas Tutor
- Orientação sobre formatação e capítulos de introdução e conclusão do TCC
Portfólio - versão final - Avaliativo 10 dias Aluno

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Os ambientes virtuais de aprendizagem dispõem de várias ferramentas interativas e de avaliação que podem ser customizadas para a realização da AI (destacando-se o fórum de discussão, por proporcionar aprendizagens colaborativas e a participação assíncrona); porém, a escolha da ferramenta de envio de arquivos se deu pela intenção de se realizar uma abordagem focada na relação dual aluno-tutor e pela proposta de elaboração de atividades em etapas mais direcionadas, uma vez que elas iriam compor o portfólio do aluno.

Nas reuniões realizadas por webconferência com os tutores, os relatos deles foram sendo registrados por meio da gravação das reuniões e da redação de atas. Constatamos por meio desses registros que eles perceberam um avanço gradativo na qualidade das atividades entregues pelos alunos ao longo do curso, especialmente com a melhora da aprendizagem sobre a articulação das diferentes etapas de elaboração do planejamento de ensino. Essa percepção é importante, no sentido de que a atividade contribuiu para que os alunos desenvolvessem conhecimento sobre fundamentos do planejamento em educação e habilidades docentes em preceptoria médica. A contextualização e o exercício de se colocar no lugar do preceptor foram considerados pontos positivos pelos tutores, fazendo com que a atividade fosse mais bem compreendida pelos alunos e possibilitando o reconhecimento de que o planejamento pedagógico não pode ter como base o conhecimento do senso comum, e, sim, das competências a serem desenvolvidas. Como ponto negativo, é possível que, em alguns casos, o processo colaborativo entre tutor e aluno tenha sido insuficiente e não tenha resultado em mudanças reais na versão final da atividade.

DISCUSSÃO

A formação em saúde, em diferentes níveis e modalidades de educação, incluindo a EAD, tem despertado em algumas instituições a necessidade da discussão acerca da criação e implementação de currículos inovadores. Nessa perspectiva de mudança do paradigma curricular, podemos encontrar iniciativas que se movimentam em prol da integração dos conteúdos, o que inclui também a integração das atividades propostas. De acordo com Alonso (apud Barboza et al.9):

Essa característica multidisciplinar do currículo em questão torna-se viável na medida em que se consegue elaborar redes de conteúdos das diferentes áreas do conhecimento e objetivos em termos de competências e atitudes transversais a serem trabalhadas, numa perspectiva globalizadora e integradora do saber e da experiência [...] As atividades integradoras que o compõem privilegiam as metodologias investigativa, reflexiva, colaborativa e ativa, e defendem uma perspectiva significativa e construtiva do saber e da experiência, de modo que os educandos possam encontrar sentido e relevância no que aprendem [...]. (p. 30-33)

Na experiência desse curso, considerando seu objetivo geral de qualificar os profissionais médicos residentes para que possam atuar como preceptores na atenção primária e MFC, a forma como os temas estão mobilizados na AI permite que o aluno se coloque como preceptor, realize o planejamento de ações educacionais voltadas para a aprendizagem baseada em competências e reflita sobre como agir para solucionar questões nos temas específicos da atuação da MFC e de situações clínicas. Na AI mostrada como exemplo, os alunos primeiramente analisaram as competências e estratégias de abordagem familiar a serem trabalhadas pelo preceptor com a residente fictícia da HQ, e elaboraram o planejamento da ação pedagógica, com os métodos de ensino e de avaliação a serem utilizados tanto no cenário do consultório como do domicílio; em um segundo momento, ao refletirem sobre as possíveis soluções para o ensino no local de trabalho durante a pandemia, os alunos trouxeram ideias que não haviam sido previstas na formulação da atividade. Um exemplo é que muitos transformaram métodos de ensino presenciais em atividades on-line, como a realização de entrevista familiar, ferramenta da abordagem familiar na MFC, com a presença do preceptor por videoconferência, com posterior feedback por meio do uso do mesmo recurso tecnológico. Segundo Amarilla Filho4:

A problematização não pode ser pensada como uma estratégia temporária ou esporádica, mas deve ser pensada na Educação a Distância como elemento fundamental ao processo didático, em que é possível observar e analisar os caminhos que os alunos percorrem e o que podem fazer com o saber quando estão fora dos ambientes virtuais. (p. 66)

Em sua concepção pedagógica na experiência desse curso, podemos destacar duas características principais da AI: integração curricular e aprendizagem colaborativa por meio de feedbacks formativos. Sabe-se que a avaliação formativa promove o desenvolvimento de processos cognitivos complexos, como a autorregulação, e que o feedback formativo tem o potencial de estimular o envolvimento do aluno, aumentar seu entusiasmo para aprender e levar a um melhor desempenho acadêmico10. O desenvolvimento da habilidade autorregulatória auxilia a aprendizagem do aluno e seu desempenho acadêmico e também em sua prática profissional, pois alguns princípios que norteiam o processo autorregulatório, como o monitoramento, o controle e a reflexão, podem ser aplicados em diversas áreas da vida11)-(13. O objetivo primordial do feedback é fornecer ferramentas para melhorar o desempenho do aluno, identificando seus pontos fracos e ajudando-o a criar alternativas para superá-los. Dessa forma, o feedback pode ser compreendido como um dos elementos centrais da avaliação formativa e pressupõe que os avaliadores tenham domínio do conhecimento a ser ensinado, empatia para com o processo de aprendizagem do aluno e habilidade para avaliar14. Em relação à frequência, as boas práticas em termos de avaliação formativa recomendam que o feedback seja oferecido regularmente, de modo a propiciar oportunidades para o estudante refletir e rever suas práticas ainda durante a experiência educacional14.

Nesse sentido, cabe aqui uma breve discussão sobre a interação na EAD, que interfere no aprendizado e na satisfação do curso por parte do aluno15)-(17. O Ministério da Educação estabelece referenciais de qualidade para a modalidade a distância que reforçam a necessidade de interação entre tutores e alunos, e essa interação deve ser privilegiada e garantida18. Ainda que a interação entre os atores no ambiente virtual de aprendizagem seja diferente do ensino presencial, há potencialmente maiores oportunidades de aprendizagem na EAD, visto que ela permite estender o tempo que normalmente se utiliza nas aulas presenciais19. Porém, considerando que comunicação mediada pela tecnologia não é inerentemente interativa e depende de diversos fatores, incluindo a natureza e a pontualidade da interação15, é fundamental a qualificação dessa interação entre tutor e aluno. A AI desponta como oportunidade de interação qualificada, no sentido de proporcionar feedbacks em tempo hábil e previamente definido, individualizados e com orientações adequadas ao desenvolvimento de competências para o contexto real de atuação do aluno.

É importante ressaltar que o curso era tutorado por especialistas em MFC com experiência em preceptoria, que participaram de uma oficina de formação para realizar a tutoria a distância e eram acompanhados em reuniões sistemáticas. Eles interagiam com o mesmo grupo de alunos durante todo o curso, por meio de feedbacks de atividades, mensagens e fóruns. Os alunos eram orientados na construção das AIs, e essa interação era parte fundamental da atividade, pois permitia a construção do conhecimento a partir de uma perspectiva interacionista da educação, que valoriza o diálogo e os conhecimentos prévios do aluno e que representa a base da proposta pedagógica do curso. Nessa perspectiva, as necessidades dos alunos devem ser identificadas, e eles devem ser apoiados e expostos a diversas metodologias que incluem resolução de problemas, e os tutores, por sua vez, devem interagir com os alunos e orientá-los20. A avaliação formativa e o feedback fornecem aos alunos uma oportunidade de compreender melhor a lacuna entre o desempenho atual e o desejado20.

Ao longo do curso, constatou-se uma importante heterogeneidade nos níveis de conhecimento dos alunos quanto à MFC e à preceptoria. Nesse sentido, a AI se caracteriza como uma metodologia formativa efetiva, à medida que permite a abordagem integrada dos conteúdos curriculares, a identificação por parte dos tutores das lacunas e potencialidades na aprendizagem dos alunos, e a realização de intervenções pedagógicas singulares por meio de feedback formativo. Além disso, ela contribui para a vivência de um processo colaborativo, reflexivo, processual e funcional, que poderá vir a qualificar as experiências de ensino e aprendizagem do futuro preceptor.

CONCLUSÕES

A EAD na formação médica continuada tem sido cada vez mais utilizada no Brasil e no mundo, o que evidencia a necessidade de as instituições de ensino estarem preparadas para a utilização de novos métodos de ensino e avaliação nessa modalidade ou mesmo para uma reformulação desses métodos. Nesse contexto de inovações na educação médica, é fundamental que se discutam formas de avaliação que se aproximem do cotidiano de uma ampla gama de alunos e que consigam integrar os diferentes conteúdos de um curso.

Como é desenvolvida em cada unidade de ensino durante o percurso de aprendizagem do curso, esse tipo de atividade garante dimensões importantes do trabalho avaliativo em cursos de longa duração: o caráter processual e interdisciplinar. O modelo de AI pode ser utilizado em cursos nas modalidades presencial, híbrida ou a distância com diferentes disciplinas, proporcionando uma abordagem mais aprofundada e aproximando os conteúdos educacionais da realidade do aluno.

AGRADECIMENTOS

As autoras agradecem a contribuição de Denise Macedo de Miranda, José Fialho de Oliveira Junior e Leonardo Slaviero Martins na elaboração deste artigo.

REFERÊNCIAS

1. Brueckner JK, Gould DJ. Health science faculty members’ perceptions of curricular integration: insights and obstacles. J Int Assoc Med Sci Educ. 2006;16(1):31-4. [ Links ]

2. Sangrà A, Vlachopoulos D, Cabrera N. Building an inclusive definition of e-learning: an approach to the conceptual framework. Int Rev Res Open Distance Learn. 2012;13(2):145-59. [ Links ]

3. Marriott P, Lau A. The use of on-line summative assessment in an undergraduate financial accounting course. J Account Educ. 2008;26(2):73-90. [ Links ]

4. Amarilla Filho P. Educação a distância: uma abordagem metodológica e didática a partir dos ambientes virtuais. Educ Rev. 2011;27(2):41-72. [ Links ]

5. Patronis M. Summative and formative online assessments. Proceedings of 7th International Conference. The Future of Education; 2017 Jun 8-9; Florence, Italy. Florence: Pixel International Conferences; 2017. [ Links ]

6. Ogange B, Agak J, Okelo K, Kiprotich P. Student perceptions of the effectiveness of formative assessment in an online learning environment. Open Praxis. 2018;10(1):29-39. [ Links ]

7. Ellaway R, Masters K. AMEE Guide 32: e-Learning in medical education Part 1: learning, teaching and assessment. Med Teach. 2008;30(5):455-73. [ Links ]

8. Sandars J, Patel R. The challenge of online learning for medical education during the Covid-19 pandemic. Int J Med Educ. 2020;11:169-70. [ Links ]

9. Barboza JS, Felício, HMS. Integração curricular a partir da análise de uma disciplina de um curso de medicina. Rev Bras Educ Med. 2018;42(3):27-35. [ Links ]

10. McLaughlin T, Yan Z. Diverse delivery methods and strong psychological benefits: a review of online formative assessment. J Comput Assist Learn. 2017;33(6):562-74. [ Links ]

11. Bembenutty H, White MC. Academic performance and satisfaction with homework completion among college students. Learn Individ Differ. 2013;24:83-8. [ Links ]

12. Schunk DH, Zimmerman BJ. Motivation and self-regulated learning: theory, research, and applications. New York: Lawrence Erlbaum Associates; 2008. [ Links ]

13. Wolters CA. Regulation of motivation: contextual and social aspects. Teach Coll Rec. 2011;113(2):265-83. [ Links ]

14. Borges MC, Miranda CH, Santana RC, Bollela VR. Avaliação formativa e feedback como ferramenta de aprendizado na formação de profissionais da saúde. Medicina (Ribeirão Preto). 2014;47(3):324-31. [ Links ]

15. Swan K. Virtual interaction: design factors affecting student satisfaction and perceived learning in asynchronous online courses. Distance Educ. 2001;22(2):306-31. [ Links ]

16. Roblyer MD, Wiencke WR. Exploring the interaction equation: validating a rubric to assess and encourage interaction in distance courses. J Async Learn Network. 2004;8(4):25-37. [ Links ]

17. Mattar J. Tutoria e interação em educação à distância. São Paulo: Cengage Learning; 2012. [ Links ]

18. Ministério da Educação. Referenciais de qualidade para a educação superior a distância. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação a Distância; 2007. [ Links ]

19. García Cabrero B, Márquez L, Bustos A, Miranda G, Mabel S. Análisis de los patrones de interacción y construcción del conocimiento en ambientes de aprendizaje en línea: una estrategia metodológica. Rev Electron Investig Educ. 2008;10(1):1-19 [ Links ]

20. Amoako I. Formative assessment practices among distance education tutors in Ghana. Afr J Teach Educ. 2018;7(3):22-36. [ Links ]

7Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO Os dados apresentados foram obtidos em parceria com o Ministério da Saúde do Brasil, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS).

Recebido: 02 de Dezembro de 2021; Aceito: 11 de Janeiro de 2022

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Danilo Borges Paulino.

CONTRIBUIÇÃO DAS AUTORAS

Brenda Wander, Alessandra Tavares Francisco Fernandes, Carmen Vera Giacobbo Daudt, Marta Quintanilha Gomes e Maria Eugênia Bresolin Pinto participaram igualmente da concepção do trabalho, da análise e interpretação dos dados, da redação e revisão crítica do manuscrito, e da aprovação final da versão a ser publicada.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

Creative Commons License This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License