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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.46 no.2 Rio de Janeiro  2022  Epub 05-Jul-2022

https://doi.org/10.1590/1981-5271v46.2-20210422 

Artigo Original

Percepções discentes sobre as abordagens tradicional e baseada em problema na anatomia patológica

Student perceptions about tradicional and problem-based approaches in pathological anatomy

Fernanda Aranha Marques1 
http://orcid.org/0000-0002-2373-4176

Marcelo Antônio Pascoal Xavier1 
http://orcid.org/0000-0002-9081-1493

1Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.


Resumo:

Introdução:

O ensino da patologia, ciência que estuda as doenças e um dos ramos fundamentais da medicina, atravessa um período reflexivo sobre quais estratégias metodológicas se adaptam melhor à nova matriz curricular médica.

Objetivo:

Para o aprofundamento dessas reflexões à luz dos estudantes, o presente estudo analisou o comportamento e a preferência discentes em aulas práticas tradicionais e baseadas em problema na disciplina Anatomia Patológica II do curso de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.

Método:

As análises qualitativas do comportamento e da preferência foram realizadas por meio da observação das aulas e da aplicação de questionário semiaberto, on-line e baseado na escala Likert.

Resultado:

Os resultados demostraram a clara preferência dos alunos pela metodologia ativa, tanto no que tange ao desenvolvimento das habilidades e competências estabelecidas para um eficiente ensino da patologia quanto no que concerne à participação em sala de aula.

Conclusão:

Assim, o estudo fortalece a importância da escuta acadêmica no planejamento do ensino da patologia.

Palavras-chave: Metodologia; Ensino Superior; Aprendizado Baseado em Problema; Educação de Graduação em Medicina; Educação Médica; Patologia

Abstract:

Introduction:

The teaching of Pathology, a science that studies diseases and one of the fundamental branches of Medicine, is going through a period of reflection, in which methodological strategies are better suited to the new medical curriculum matrix.

Objective:

In order to expand these reflections in accordance with the students, the present study analyzed the students’ behavior and preferences in traditional and problem-based practical classes in the discipline of Pathological Anatomy II of the Medical course at Universidade Federal de Minas Gerais.

Method:

The qualitative analyses of behavior and preferences were carried out through the observation of classes and the application of a semi-open online questionnaire, based on the Likert scale.

Result:

The results showed the students’ obvious preference for the active methodology, both regarding the development of established skills and competences for an efficient teaching of Pathology, as well as participation in class.

Conclusion:

Therefore, the study reinforces the importance of academic listening when planning the teaching of Pathology.

Keywords: Methodology; Higher education; Problem-based learning; Undergraduate Medical Education; Pathology

INTRODUÇÃO

A patologia pode ser conceituada como a ciência que estuda as doenças, os seus mecanismos, os locais em que ocorrem e as alterações morfológicas e funcionais que se estabelecem no organismo. Assim, é ela que fornece as bases para o entendimento de outros campos essenciais, como manifestações clínicas, diagnóstico, tratamento, evolução e prognóstico das doenças, configurando-se como um dos ramos fundamentais da medicina1.

O ensino da patologia se divide em duas grandes áreas: patologia geral e patologia especial. A primeira aborda os aspectos comuns às diferentes doenças, em relação a suas causas, mecanismos patogenéticos, lesões estruturais e alterações da função. A segunda foca as doenças específicas de um determinado órgão ou sistema ou estuda doenças agrupadas por suas causas. No currículo do curso de Medicina, a disciplina de Patologia Especial dos Sistemas pode ser também denominada como Anatomia Patológica, uma vez que os patologistas tradicionalmente dão maior ênfase ao componente morfológico das doenças1.

Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o ensino da patologia nas disciplinas de Anatomia Patológica Médica (APM) baseia-se na abordagem tradicional e na avaliação conteudista. Todavia, em atendimento à implementação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso de Medicina, as disciplinas APM da UFMG, bem como das outras escolas médicas, atravessam período reflexivo sobre quais estratégias metodológicas se adaptam melhor à nova matriz curricular médica, que é orientada para metodologias mais ativas2.

Historicamente, desde a década de 1950, grandes transformações e necessidades de desenvolvimento tecnológico, político e social iniciaram um processo de mudanças curriculares no ensino médico brasileiro que vieram em resposta às alterações ocorridas nas políticas públicas relacionadas ao sistema de saúde3. A partir do século XX, novas e integrativas diretrizes curriculares foram estabelecidas com o propósito de estimular a utilização de inúmeras metodologias de ensino que possibilitavam a adequação do processo de aprendizagem de acordo com as habilidades e competências preconizadas. Entre elas, as metodologias ativas de aprendizagem surgiram como um movimento de reação aos currículos das escolas médicas sob a forte influência do modelo flexneriano, que, mesmo tendo sido importante na construção do ensino médico, constituiu-se num relatório publicado no início do século XX responsável por restringir os cursos de Medicina a uma visão simplista e conteudista, com pouco espaço para dimensões que vão muito além da medicina e de seus médicos4.

As propostas dessas metodologias foram pautadas na realidade social imediata, na análise dos problemas e seus fatores determinantes, e na estruturação de uma atuação com a intenção de transformar a realidade social e política5. Para a formação profissional na área da saúde, sobretudo na educação médica, destaca-se a abordagem baseada em problemas (ABP) como metodologia. A ABP, do inglês problem-based learning (PBL), começou a ser inserida nas universidades e instituições de ensino a partir da década de 1960 no Canadá, tendo sua inserção em currículos propagada por diversos países, incluindo o Brasil6. De acordo com Cyrino et al.7, na ABP os estudantes são os responsáveis pelo próprio processo de aprendizagem e usam os conhecimentos prévios na resolução de problemas selecionados para o estudo. Tal processo, segundo Howard S. Barrows e Robyn M. Tamblyn, visa ao desenvolvimento do raciocínio crítico, das habilidades de comunicação e da capacidade de aprender de forma autônoma ao longo da vida5.

Todos esses pressupostos da reforma curricular, quando confrontados com as teorias sobre a didática no ensino superior8, com o contexto do ensino da patologia9 e com a necessidade de aperfeiçoamento constante das estratégias de ensino das doenças10, fundamentaram um processo-piloto de discussão e implementação gradual de metodologias ativas nas disciplinas APM da UFMG sob a supervisão da Diretoria de Inovação e Metodologias de Ensino (GIZ) da instituição. Mas faltava observar e escutar os estudantes. Assim, para o aprofundamento desse processo de reestruturação das disciplinas APM, o presente estudo analisou o comportamento e a preferência discentes em aulas práticas norteadas pela abordagem tradicional e pela ABP na disciplina APM II do curso de Medicina da UFMG.

MÉTODO

Trata-se de estudo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (Parecer nº 3.582.509), com delineamento observacional e transversal, baseado em pesquisa qualitativa, para realizar uma descrição do comportamento e da preferência discentes em aulas práticas tradicionais e baseadas em problema. Conforme estabelecido por Minayo et al.3, a análise qualitativa envolveu aspectos da realidade que não podem ser quantificados, concentrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das ações e relações humanas na sala de aula prática da disciplina APM.

A população do estudo foi constituída por uma amostra de 76 participantes, todos graduandos regulares das duas turmas (TAB e TCD) da disciplina APM II do curso de Medicina da UFMG, no segundo semestre de 2019, que concordaram com o conteúdo do Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE) e o assinaram. Para realização do estudo, todos alunos primeiramente assistiram às aulas teóricas de cada um dos 16 temas dos quatro módulos da disciplina. Posterior e alternadamente, os alunos das duas turmas participaram das aulas práticas ou com abordagem tradicional ou com referência à ABP. Dessa forma, todos os alunos tiveram, ao final do semestre letivo, contato ou tempo proporcional com as duas metodologias de ensino.

Coleta de dados

A coleta de dados foi composta pela pesquisa de campo, pelo diário de campo e pelo questionário autorrespondido, on-line e semiaberto com o propósito de conhecer a percepção e preferência dos estudantes acerca das metodologias utilizadas na disciplina. Tanto a pesquisa de campo quanto o diário de campo permitiram a realização do acompanhamento, da observação e do registro a fim de avaliar e comparar o comportamento dos estudantes ante as diferentes metodologias em foco, fornecendo diferentes momentos da pesquisa3.

O questionário foi elaborado com dez questões fechadas obrigatórias e uma aberta não obrigatória. As questões fechadas (Q1-Q10) foram baseadas na escala Likert, com respostas de acordo com o grau de concordância, graduadas em cinco pontos referentes à preferência dos estudantes pelas metodologias (a metodologia tradicional é muito melhor = 1; a metodologia tradicional é melhor = 2; as metodologias são iguais = 3; a metodologia ativa é melhor = 4; e a metodologia ativa é muito melhor = 5) (11. As assertivas exploraram as competências estabelecidas pelo Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal da UFMG como essenciais para o aprendizado do aluno (Quadro 1)12. Entre essas competências, as questões 1 e 4 foram baseadas no saber relacionado ao conhecimento científico; as questões 2, 3 e 5, no saber fazer; e as questões de 6 a 10, no saber ser.

Quadro 1 Questões presentes no questionário 

A questão aberta (Q11) foi elaborada para a opinião sobre a dinâmica das aulas com as diferentes abordagens e a preferência em relação a elas. Os questionários foram aplicados no final de cada módulo às turmas que tiveram aula com o docente.

Análise dos dados

A análise de conteúdo foi empregada para avaliar as anotações do diário de campo. O método de análise consistiu em três fases: pré-análise, exploração do material e tratamento e interpretação dos resultados obtidos realizados após o fim do semestre letivo3. Para a análise do questionário, os dados das questões baseadas na escala Likert (Q1-Q10) foram sistematizados em planilhas, seguindo o grau de concordância, e os resultados expressos em percentis. Para análises comparativas das proporções de respostas, as cinco categorias da escala de Likert foram dicotomizadas de acordo com a preferência e com os critérios estabelecidos por Jeong et al. (13. Submeteu-se a questão aberta (Q11) à análise temática14.

RESULTADOS

O estudo envolveu a observação, registrada no diário de campo, das aulas realizadas nas turmas de práticas da disciplina, além da aplicação de questionário. Do total de 166 alunos regularmente matriculados na disciplina APM II no segundo semestre de 2019, 76 graduandos responderam voluntariamente ao questionário on-line, correspondendo a um total de 43,18% do total de alunos, sendo 52,63% da turma TAB e 47,37% da turma TCD (Gráfico 1). A responsividade do questionário foi considerada válida para o estudo, ultrapassando a média estabelecida por Lakatos e Marconi (1983) de 25% de devolução em situações de pesquisas organizacionais5.

Gráfico 1 Percentual de participantes do questionário entre as turmas teóricas 

No geral, a preferência dos alunos foi pela ABP. Maior participação, interesse e motivação ocorreram nas aulas práticas com exposição do minicaso clínico, até mesmo nas turmas que apresentavam de início um nível mínimo de reação, ressaltado em citações como:

O professor deu início à aula com o minicaso clínico de um paciente e, após passar os dados, questionou a turma sobre o que poderia estar acontecendo, e a turma foi bem responsiva e participativa [...] o professor continuou passando informações sobre o caso [...] eles discutem entre si e tem alguns alunos que respondem [...].

Quando o professor pergunta qual conduta eles iriam tomar diante do problema, a princípio os alunos ficam parados. Depois com mais alguns questionamentos, os alunos começam a perguntar sobre outros sintomas, outras informações, e o professor vai respondendo. Alguns discutem entre si, pedindo informações sobre outros exames, e alguns outros informam, e o professor vai respondendo.

Concomitantemente, a ABP proporcionou aulas em que os alunos, além de interagirem mais com o professor e entre eles mesmos, tiveram a oportunidade de ser protagonistas do seu processo de aprendizagem. Mesmo expressando inicialmente um receio ao responderem verbalmente ou construírem uma linha de raciocínio para solucionar o caso, os alunos demonstraram mais confiança e motivação quando instigados pelo professor e quando tinham suas opiniões e dúvidas valorizadas, o que é ressaltado em citações como:

O professor questiona os alunos sobre o que o paciente poderia ter [...] os alunos foram perguntando mais detalhes do caso, e o professor foi questionando [...]. Nesse caso caberia um exame de imagem? Foi a pergunta de uma aluna, e o professor passou para a turma, e um deles respondeu sobre a importância dos três exames para um possível diagnóstico.

Achei muito interessante esse momento, pois os alunos demonstram uma vontade e disposição em solucionar juntos o problema, e principalmente pela interação entre eles e o professor.

Além de a atividade proporcionar momentos de maior interação e interesse para solucionar o caso, os alunos tiveram a chance de desenvolver o conteúdo apresentado na aula teórica de forma ativa, sendo estimulados a ponderar sobre a prática médica e os aspectos morais, éticos e humanísticos.

O professor iniciou a aula informando aos alunos sobre o caso clínico e realizou a explicação da anamnese e exame clínico, durante esse momento os alunos permanecem atentos. Assim, o professor pergunta qual seria a sequência de ações a se fazer, e os alunos falam radiografia, o professor questiona então qual seria o possível diagnóstico. - O que vocês observam em relação ao nódulo e epífise? Os alunos não respondem. - Vocês consideram que o nódulo esteja comprometendo a epífise? Os alunos respondem que sim. Durante a análise da lesão desenhada pelo professor, ele contextualiza o caso para o cotidiano dos alunos no internado, na clínica e na utilização correta dos instrumentos etc. À medida que vai mostrando as peças contextualizada com o minicaso clínico, pergunta aos alunos sobre as lesões, modificações e os mecanismos presentes. Alguns alunos respondem, e a partir das respostas ele vai contextualizando com a clínica e os processos patológicos.

Em relação às aulas com a metodologia tradicional, os alunos mantiveram uma postura passiva e na maior parte do tempo se portaram como ouvintes. Em muitas aulas, foi possível observar posturas curvadas, maior distração, cansaço e sono (bocejos). A comunicação se dava, principalmente, por meio de gestos afirmativos ou negativos. A interação verbal com o professor ocorreu apenas quando os alunos foram questionados ou apresentaram dúvidas:

Os alunos aparentam mais cansaço, a postura é mais curvada, com sono e mexem no celular. Assim, o professor apenas descreve e vai passando as informações da lâmina, e os alunos permanecem calados e menos responsivos.

O professor inicia a aula apresentando a lâmina, fazendo a descrição das regiões do órgão e caracterizando as lesões. Aparentemente os alunos demonstram prestar atenção na aula. Professor perguntou para os alunos se o linfonodo estava normal ou não, poucos alunos respondem verbalmente e outros com gestos.

A aula é toda descritiva com o professor informando todos os passos, e os alunos só absorvendo. Um aluno questiona a respeito de uma parte da lâmina, e o professor responde, e nesse momento os alunos se dispersam.

Adicionalmente, a apresentação de minicaso clínico despertou o interesse e motivou a aprendizagem do conteúdo, além da memorização ou recepção passiva, como ocorreu na metodologia tradicional, conforme pode ser demonstrado nos trechos de uma aula ativa e outra tradicional, respectivamente:

Professor questiona se os alunos devem contar ao paciente que ele possui um tumor e como. E quais seriam as atitudes a serem tomadas, biópsia ou cirurgia direta? Isso gera discussão em sala, a turma troca pontos de vista uns com os outros, e, devido aos posicionamentos antagônicos, ele retoma alguns aspectos biológicos. Nisso, os alunos vão questionando como o paciente está e quais as suas condições físicas.

O professor apenas descreve e informa aos alunos sobre os mecanismos que ocorrem tanto fisiológicos quanto comportamentais e biológicos para que ocorram as lesões observadas. É uma forma bem depositária de conteúdo, nenhum aluno questiona ou é questionado e não falam nada, só escutam.

Complementando a análise da observação da preferência dos alunos, a análise da questão aberta do questionário (Q11) permitiu verificar a opinião e sugestão deles.

Do total dos 76 participantes voluntários, 37 (48,68%) responderam à questão aberta, sendo as respostas identificadas pela letra E de estudante (E1 a E37). Além da preferência, foi possível identificar nas respostas diversos tópicos que fazem parte da relação existente na sala de aula (Quadro 2).

Quadro 2 Categorização das respostas da pergunta abertas (Q11) 

Dos 37 participantes, dez apresentaram diretamente a preferência pela metodologia ativa. Os outros 27 apresentaram, além da preferência pela ABP, a metodologia de escolha para prosseguir nos seus estudos, como foi verificado nas seguintes respostas:

Escolheria a metodologia ativa (E5). Escolheria a metodologia ativa, tendo em vista que a descritiva torna a aula muito mais cansativa (E20). Eu prefiro a metodologia ativa, visto que ela nos mantêm mais atentos e nos faz criar uma linha de raciocínio correlacionando a teoria e a prática e um aprendizado mais consolidado (E22).

Todavia, ao analisarem qual metodologia escolheriam para dar continuidade aos estudos, um percentual expressivo de alunos (37,83%) indicou o ensino híbrido como opção, como foi verificado nas respostas:

Acredito na capacidade das metodologias ativas de promoverem um aprendizado mais permanente. Como já temos a aula teórica previamente, penso que a aula prática deve ser muito mais um complemento da aula teórica do que uma revisão desta. Assim, vejo com bons olhos a abordagem da aula prática de basear em casos clínicos com estímulo do raciocínio clínico por parte dos estudantes, pois assim uma visão diferente da aula teórica é trazida. Além disso, creio que as aulas práticas teriam maior participação estudantil se desde o início os estudantes se dispusessem em círculos ou semicírculos (E23).

A metodologia ativa me motivou muito mais para o estudo dos conteúdos. Consegui ver a aplicabilidade de cada conhecimento anatomopatológico à prática clínica do médico generalista. Nesse sentido, acredito que ela deva ser mais explorada e utilizada como método de ensino. A metodologia descritiva é mais interessante quando o aluno não teve contato prévio com a matéria. Portanto, consideraria manter as aulas descritivas como primeiro modo de aprendizagem do conteúdo, seguido da aula prática usando a metodologia ativa, com casos clínicos e com a participação de todos nas discussões (E24).

As respostas dos alunos também apontaram outros aspectos relevantes no ensino, como a capacitação docente para a utilização de metodologias ativas, a substituição do ensino presencial teórico para o ensino a distância e a seleção de conteúdo, o que, em conjunto com o resultado da observação, permitiu constatar a importância das metodologias tradicional e ativa para o desenvolvimento de competências e dos três saberes (saber - conhecimento científico, saber fazer e saber ser).

DISCUSSÃO

Neste estudo, os resultados encontrados revelaram a preferência dos alunos da disciplina APM II pela metodologia ativa, utilizada nas aulas práticas, que teve como referência a ABP. Tanto no que tange ao desenvolvimento das habilidades e competências estabelecidas para um ensino eficiente da patologia via questionário, quanto no que concerne aos registros das observações dos estudantes, essa percepção foi hegemônica entre os participantes da pesquisa.

Esses resultados principais do estudo foram obtidos com a ciência de algumas limitações, como a utilização da análise qualitativa, mesmo que associada à abordagem quantitativa; o tempo relativamente curto de observação das turmas; o viés de seleção, relacionado à participação de apenas um docente da disciplina como agente colaborativo; e o delineamento transversal, que não possibilita acompanhamento do processo de ensino-aprendizado estabelecido. Entretanto, a realização do estudo em conformidade com os fundamentos metodológicos da pesquisa qualitativa e a utilização de questionários semiestruturados, com o devido ajustamento do foco para as naturezas observacional e exploratória inicial do estudo, reduziram satisfatoriamente o eventual impacto dessas limitações.

Visar a um ensino superior que permita uma formação profissional de qualidade é o principal objetivo das instituições de ensino. Para tal, as metodologias ativas são alvo de inúmeras reflexões por permitirem um desenvolvimento condizente com o preconizado pelas diretrizes curriculares e pelos planos de curso. Masetto15, em seu trabalho teórico-qualitativo, apontou três fatores importantes para que a utilização dessas metodologias seja eficaz na formação profissional, os quais corroboram os resultados obtidos neste estudo: o alinhamento entre a metodologia ativa e os objetivos a serem alcançados, o protagonismo do aluno e a atuação do docente que deve ser ajustada ao método aplicado.

A adoção da ABP como referência nas aulas práticas da APM II permitiu que os estudantes utilizassem os próprios conhecimentos na solução do problema apresentado, além de instigar o delineamento de um raciocínio lógico e crítico diante das informações apresentadas. Oliveira et al. (16, por meio de um estudo de revisão, demonstraram que a utilização da ABP induz no aluno o desenvolvimento de habilidades, incluindo o pensamento crítico, ideia também apresentada no trabalho realizado por Dehkordi et al.17, que compararam o método da ABP com o da tradicional em alunos do curso de Enfermagem, acompanhados durante um semestre. Oderinu et al.18 também realizaram um estudo comparativo referente à percepção dos estudantes sobre essas metodologias no curso de Odontologia. Isso indica que, mesmo com a utilização de estudos diferentes em diversas esferas da área da saúde, a ABP proporcionou ao aluno a capacidade de, a partir do problema, construir uma linha de raciocínio lógica capaz de induzir o pensamento crítico e encontrar uma solução, além de favorecer, com base nas ferramentas adotadas por essa abordagem, a construção do conhecimento na formação médica, segundo Leon et al.19.

Ademais, estudos de investigação e revisão, como os de Tibério et al.20 para a área da saúde, Faria et al.21 para a educação em saúde e Almeida et al.12 e Lima22 para o ensino médico, constataram que habilidades como o trabalho em equipe, a comunicação oral e a aprendizagem autônoma dos processos patológicos são mais bem desenvolvidas a partir da utilização da metodologia ativa, com destaque à ABP.

Com base no estudo de Dehkordi et al.17 para o curso de Enfermagem e no trabalho de Smolka et al.23 que analisou a autonomia dos estudantes de Medicina a partir de uma pesquisa de natureza qualitativa por meio da realização de entrevistas semiestruturadas comparando a metodologia tradicional e a ABP, torna-se evidente que a participação e autonomia dos estudantes são mais bem estabelecidas a partir da dinâmica da ABP. Essa mesma conclusão é referendada por Lopes et al.24, por meio do estudo transversal a partir da aplicação de um questionário de autoeficácia do estudante do curso de Medicina entre uma escola ABP e uma tradicional.

Assim sendo, pôde-se observar no nosso estudo que, quando o minicaso clínico é exposto ao aluno e ele tem que, a partir das informações e da anamnese do paciente, formular questionamentos, hipóteses e buscar sanar suas dúvidas e curiosidades, o método ativo contribui melhor para o desenvolvimento de um raciocínio lógico ao analisar e discutir sobre o minicaso clínico apresentado.

Entretanto, há pensamentos divergentes. Segundo Matias25, a partir da investigação sobre a adequação de metodologias ativas na área da saúde com base na percepção de professores e alunos, estes, apesar de compreenderem os aspectos benéficos das metodologias ativas, acreditam que a tradicional é a que melhor capacita sua formação, devido à facilidade da utilização das ferramentas do método tradicional e às mudanças na atuação tanto do docente quanto do discente.

Adicionalmente, Millan et al. (6, que analisaram a autopercepção do preparo dos estudantes de Medicina para o internato a partir da comparação das duas metodologias (ABP e tradicional), tiveram como resultado que os alunos do método tradicional se sentiram mais preparados para o cumprimento das atividades do que os da ABP. Dessa forma, podemos entender que, para um ensino eficaz da patologia, faz-se necessário inserir a ABP de forma mais sistematizada, alternando com abordagens da metodologia tradicional e contribuindo para uma qualidade maior no ensino e na formação médica.

Consoante com nossas reflexões, Rodrigues26, que em seu estudo analisou a percepção dos estudantes de Medicina sobre a disciplina de Patologia a partir da aplicação de casos clínicos e problematização do conteúdo, concluiu que o método ativo contribui para melhorar a efetividade do processo de aprendizagem e promove o cumprimento dos objetivos propostos pelas DCN.

Isso posto, compreende-se que a realização deste estudo foi importante para a produção de evidências para o ensino da patologia e principalmente para o ensino da anatomia patológica, no qual há uma lacuna de conhecimento e estudos a respeito da utilização de abordagens pedagógicas ativas. Além disso, este estudo apontou a necessidade de readequação dos seus métodos de ensino e de avaliação, sobretudo práticos, aos objetivos e às diretrizes curriculares. E de forma especial, permitiu a valorização da observação e escuta ativa dos estudantes, uma vez que, com os professores, são os personagens mais importantes e imprescindíveis para a realização de um processo de aprendizagem que permita o desenvolvimento de um ensino justo, de qualidade e condizente com as necessidades sociais.

Em conjunto, os resultados apontam para a necessidade da utilização de diversos recursos e novas ferramentas para o ensino da patologia e da anatomia patológica. As reflexões aqui apontadas só foram possíveis a partir do momento em que compreendemos que, para uma formação médica de qualidade, é imprescindível não apenas pensar no currículo como um todo, mas principalmente nas partes que o compõem e que são bases para o desenvolvimento da aprendizagem desses egressos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No sentido geral, o estudo evidenciou a preferência, expressivamente maior, dos estudantes pela metodologia ativa, em que participação, motivação e interesse corroboraram o resultado do questionário.

Todavia, é imprescindível a realização de mais pesquisas e estudos práticos a respeito das metodologias de ensino utilizadas no ensino da anatomia patológica, principalmente as ativas. Apesar dos recursos didáticos já estabelecidos, ainda há poucas discussões e reflexões sobre o desenvolvimento da aprendizagem a partir das reformas curriculares. Por conta disso, o aprimoramento individual e o coletivo são fundamentais, de modo que possam se ajustar às realidades sociais e às práticas médicas, e desenvolver no estudante autonomia e eficiência no emprego de ferramentas a serem utilizadas além dos muros da sala de aula.

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2Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO Declaramos não haver financiamento.

Recebido: 03 de Abril de 2022; Aceito: 06 de Maio de 2022

nanda07aranha@gmail.com mpascoal@medicina.ufmg.br

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Roberto Zonato Esteves.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Fernanda Aranha Marques participou do planejamento, da execução e da análise do estudo, e da redação científica. Marcelo Antônio Pascoal Xavier participou do planejamento, da análise e da revisão científica do estudo.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

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