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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.46 no.2 Rio de Janeiro  2022  Epub 21-Jul-2022

https://doi.org/10.1590/1981-5271v46.2-20210327 

Ensaio

Uma estratégia para avaliação da percepção de docentes e discentes acerca dos métodos de ensino

A strategy to assess the perception of teachers and students about teaching methods

Hudson Fernando Nunes Moura1 
http://orcid.org/0000-0002-8151-4964

Lucas Alves de Brito Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0001-6929-0454

Alessandra Ramos Venosa1 
http://orcid.org/0000-0002-8194-7030

Luiza Helena Madia Lourenço1 
http://orcid.org/0000-0002-1107-5038

José Eduardo Baroneza1 
http://orcid.org/0000-0001-5382-6277

1Núcleo de Apoio Pedagógico e Experiência Docente (NAPED), Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil.


Resumo:

Introdução:

As atuais Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação em Medicina visam atualizar e transformar a escola médica brasileira incentivando currículos interdisciplinares e o uso de métodos ativos de ensino. O desafio de reduzir a adoção de aulas expositivas tende a impactar tanto discentes quanto docentes, que podem ser resistentes às mudanças quando estas não são apoiadas em pesquisas com a devida reflexão crítica.

Desenvolvimento:

Neste artigo, apresentamos um protocolo desenvolvido pela equipe do Núcleo de Apoio Pedagógico e Experiência Docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília em que se utilizam dois questionários para a realização de estudos quali-quantitativos que visem avaliar a motivação e a percepção de docentes e discentes em relação aos distintos métodos de ensino e aprendizagem. O protocolo foi criado para auxiliar a compreensão da dinâmica, dos desafios e das expectativas acerca do processo de ensino e aprendizagem.

Conclusão:

Coletar, analisar, descrever, interpretar e divulgar dados sobre a motivação e a percepção de docentes e discentes relacionadas aos distintos métodos é importante para fundamentar ações que visem promover a melhoria do ensino. O protocolo apresentado neste artigo pode ser aplicado em cenários diversos e poderá contribuir para o processo de desenvolvimento de um ensino médico mais alinhado às DCN.

Palavras-chave: Educação Médica; Métodos de Ensino; Método de Pesquisa

Abstract:

Introduction:

The latest Brazilian National Curriculum Guidelines (DCN) for the undergraduate medicine course aim to update and transform the country’s medical training by encouraging interdisciplinary curricula and the use of active teaching methods. Reducing the focus on lectures and expanding learning through investigation is a challenge that can impact both students and teachers, who may be resistant to changes that are not supported by research and due critical analysis.

Development:

This study reflects on the importance of assessing how teachers and students view diverse teaching and learning methods. Furthermore, we share a protocol developed by the Pedagogical Support and Teaching Experience Team at the University of Brasília Medical School, which comprises the use of two questionnaires for conducting qualitative and quantitative studies. The protocol aims at understanding the dynamics, challenges and expectations regarding the teaching and learning process.

Conclusion:

Collecting, analyzing, describing, interpreting, and disseminating data on teacher and student views of the use of different methods is paramount to support teaching quality improvement actions. The protocol published in this article can be used in different settings and can contribute to the development of a medical education system that is more aligned with the DCN.

Keywords: Medical Education; Teaching Methods; Research Method

INTRODUÇÃO

De acordo com a resolução que instituiu as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação em Medicina, espera-se que, no Brasil, os profissionais médicos sejam formados a partir da articulação entre conhecimentos, habilidades e atitudes necessários para que exerçam as funções de atenção, gestão e educação em saúde1.

Em seu artigo 3º, a resolução explicita o seguinte:

O graduado em Medicina terá formação geral, humanista, crítica, reflexiva e ética, com capacidade para atuar nos diferentes níveis de atenção à saúde, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, nos âmbitos individual e coletivo, com responsabilidade social e compromisso com a defesa da cidadania, da dignidade humana, da saúde integral do ser humano e tendo como transversalidade em sua prática, sempre, a determinação social do processo de saúde e doença1.

Nesse mesmo documento, ao abordar o que se espera do perfil do docente de Medicina e da relação deste com as políticas institucionais, o artigo 34 ressalta o seguinte:

O Curso de Graduação em Medicina deverá manter permanente Programa de Formação e Desenvolvimento da Docência em Saúde, com vistas à valorização do trabalho docente na graduação, ao maior envolvimento dos professores com o Projeto Pedagógico do Curso e a seu aprimoramento em relação à proposta formativa contida no documento, por meio do domínio conceitual e pedagógico, que englobe estratégias de ensino ativas, pautadas em práticas interdisciplinares, de modo a assumirem maior compromisso com a transformação da escola médica, a ser integrada à vida cotidiana dos docentes, estudantes, trabalhadores e usuários dos serviços de saúde1.

No sentido de atender a tais diretrizes, algumas instituições têm estimulado seus professores a adotar estratégias de ensino alternativas às aulas expositivas, incluindo métodos ativos de ensino e aprendizagem, tais como a aprendizagem por problemas, por times e por pares, o design thinking e a aula invertida, além de momentos lúdicos em que possam ser exploradas a gamificação e a confecção artística de modelos didáticos2)- (5. Além disso, muitos currículos têm sido reavaliados com o intuito de valorizar as ações de extensão na comunidade, a ampliação dos cenários de prática e a inclusão de disciplinas, eixos ou módulos que discutam ética e humanidades6, em contraposição ao modelo curricular flexneriano ainda adotado na maioria dos cursos de Medicina do país, pautado em disciplinas isoladas e na consequente fragmentação do processo de ensino7.

Apesar do movimento em prol da implementação de novos cenários de ensino e aprendizagem, muitos docentes são resistentes a refletir acerca do método de ensino que utilizam em suas aulas8, tampouco se interessam em compreender e discutir o projeto pedagógico dos cursos em que têm atuado9. Para estimular a reflexão pedagógica, Englund et al.10 incentivam que as instituições possuam programas de desenvolvimento docente que possibilitem a formação didática e as trocas de experiências. Entretanto, momentos isolados de capacitação terão efeito limitado caso a instituição de ensino não estimule a formação continuada e não prepare os ambientes de aprendizagem para a execução dos métodos ativos de ensino11, uma vez que o modelo de sala de aulas projetadas para o ensino expositivo de conteúdos não é o mais adequado para a adoção dos métodos ativos12.

Em trabalho que discute o perfil de docentes de Medicina e sua participação na reestruturação dos currículos, Garcia et al. (9 destacam que é recorrente a dificuldade destes em aderir a novos cenários e atribuem esse fato à não profissionalização da função docente. No mesmo sentido, Baroneza et al.13 lamentam a ausência da abordagem de temas relacionados à psicologia da aprendizagem e aos métodos de ensino na graduação e pós-graduação. Segundo os autores13:

[...] a inserção de conteúdos da área psicopedagógica, não só em cursos voltados especificamente para a formação de professores, mas em todos aqueles que oportunizam o exercício da docência no nível superior a seus bacharéis, auxiliaria para que houvesse uma mudança dessa realidade e melhoraria de maneira significativa o desempenho dos futuros docentes de ensino superior no Brasil (p. 167).

Além da deficiente formação em educação, as pressões para a realização de atividades de pesquisa, às quais os docentes estão submetidos para a obtenção de promoção acadêmica, costumam limitar seu investimento em tempo e motivação para o desenvolvimento pedagógico14. De acordo com Cyrino et al. (15, “o processo de promoção docente concentra-se em pesquisas, publicações e obtenção de recursos das agências financiadoras. É esperado do professor que seja, em primeiro lugar, um bom investigador e, depois, um professor” (p.148). Entretanto, para que o ensino de medicina atenda às necessidades estabelecidas pelas DCN, é imprescindível valorizar iniciativas que apoiem a reflexão pedagógica e reposicionem as atividades e o engajamento do docente.

Entre essas iniciativas, estimular a realização de pesquisas em ensino é fundamental para conhecer os problemas associados ao processo de ensino e aprendizagem, compreender a eficácia das dinâmicas adotadas e sensibilizar a comunidade acadêmica em relação aos tipos, às vantagens e às desvantagens dos distintos métodos empregados. Além de potencializar a resolução dos problemas oriundos dos modos como se ensina e se aprende, a pesquisa em ensino tem o poder de identificá-los, dando origem ao debate público sobre as formas de saná-los16. Apoiados em relatos de experiências, resultados de pesquisas e reflexões sobre as práticas pedagógicas, os docentes podem ser influenciados a mudar atitudes e percepções, tornando a tomada de decisão educacional mais inteligente17.

Ademais, para que a formação médica contemple o eixo educação em saúde, preconizado pelas DCN, é necessário que os currículos estejam alinhados à utilização de métodos e estratégias de ensino que estimulem a motivação para uma aprendizagem discente ativa, com autonomia e com a percepção da necessidade de formação continuada, de modo a favorecer a construção e socialização do conhecimento em concordância com o dinamismo das mudanças sociais e científicas1. Estudantes mais motivados tornam-se mais propícios ao desenvolvimento e/ou aprimoramento de competências e atitudes que devem ser adquiridas durante a graduação em Medicina, como a capacidade de comunicação, liderança e tomada de decisões em diferentes cenários de aprendizagem, favorecendo, por conseguinte, a formação de habilidades inerentes à prática médica.

Considerando o exposto, propomos um protocolo de pesquisa composto por dois instrumentos originais para a coleta de dados que visa explorar as seguintes perguntas de pesquisa:

  • A motivação e a percepção da aprendizagem de alunos de Medicina podem ser afetadas em razão dos métodos de ensino adotados?

  • Quais são as impressões dos docentes acerca dos diferentes métodos de ensino?

Os instrumentos foram desenvolvidos pelos integrantes do Núcleo de Apoio Pedagógico e Experiência Docente (NAPED) do curso de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) e poderão ser utilizados em pesquisas futuras, uma vez que foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da UNB: Parecer nº 4.824.666.

AFERINDO A MOTIVAÇÃO E PERCEPÇÃO DA APRENDIZAGEM DE ALUNOS DE MEDICINA ACERCA DOS MÉTODOS DE ENSINO

A aprendizagem pode ser definida como “qualquer processo que, em organismos vivos, leve a uma mudança permanente em capacidades e que não se deva unicamente ao amadurecimento biológico ou ao envelhecimento” (p. 3)18. A motivação, entretanto, não possui definição universalmente aceita19, embora esse termo seja frequentemente utilizado para explicar comportamentos associados a ações que orientam a atividade das pessoas em direção a uma meta. As causas de uma ação e da ausência desta, porém, não podem ser associadas exclusivamente à motivação, e seu estudo depende de análise complexa, uma vez que determinantes sociais, afetivos e cognitivos precisam ser considerados na avaliação do comportamento humano20.

No processo educacional, considera-se que a motivação para a aprendizagem possa ocorrer de forma intrínseca ou extrínseca. É intrínseca quando parte do próprio aprendiz, que visa ao próprio desenvolvimento como pessoa e de suas capacidades, cuja própria realização é em si mesmo estimulante. De acordo com Berbel21, a motivação intrínseca para a aprendizagem pode ser estimulada pela ação docente. Segundo a autora21, as estratégias de ensino utilizadas pelo professor podem favorecer a motivação intrínseca quando incluem:

[...] o fortalecimento da percepção do aluno de ser origem da própria ação, ao serem apresentadas oportunidades de problematização de situações envolvidas na programação escolar, de escolha de aspectos dos conteúdos de estudo, de caminhos possíveis para o desenvolvimento de respostas ou soluções para os problemas que se apresentam alternativas criativas para a conclusão do estudo ou da pesquisa, entre outras possibilidades (p. 28).

A motivação extrínseca, por sua vez, não parte de um desejo natural de aprender, mas é apoiada nas consequências da aprendizagem quando, por exemplo, o aluno realiza atividades para receber recompensas ou evitar sanções22, as quais, para Pozo23, embora por vezes sejam necessárias, quando adotadas de forma isolada sem o devido estímulo à motivação intrínseca, podem ter consequências negativas e eficácia limitada. Tapia et al. (24 afirmam que o desejo de aprender intrinsecamente resulta em aprendizagens mais consistentes e transformadoras do que quando o processo é movido apenas por motivos extrínsecos.

Ao escrever sobre motivação intrínseca para a aprendizagem, Schwartz20 cita indicadores que podem ser utilizados para aferi-la, tais como interesse, envolvimento, esforço, concentração e satisfação. Tais indicadores podem ser utilizados na elaboração de questões de pesquisa educacionais para avaliar estratégias isoladas de ensino ou para comparar diferentes métodos.

Em pesquisas pedagógicas, além da motivação, a aprendizagem tem sido objeto de análise direta, por meio, por exemplo, da análise do rendimento dos alunos nas provas, ou de forma indireta, em que se avalia a percepção deles sobre a própria aprendizagem25. Para avaliar a percepção da aprendizagem, é comum a utilização de instrumentos de pesquisas dirigidos aos alunos, com questões acerca do quão confiantes ou confortáveis estes estão em relação ao conhecimento adquirido em uma área. Para resultados mais confiáveis é aconselhado o uso de medidas tanto indiretas quanto diretas da aprendizagem26.

Para construir um instrumento que possa ser utilizado em pesquisas que visem avaliar a motivação e a percepção da aprendizagem de alunos expostos a distintos métodos de ensino, elaboramos questões relacionadas aos indicadores sugeridos em estudos quali-quantitativos educacionais. Dessa forma, propomos a utilização do questionário apresentado no Quadro 1.

Quadro 1 Questionário de avaliação do método de ensino quanto à motivação e percepção da aprendizagem 

QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DO MÉTODO DE ENSINO QUANTO À MOTIVAÇÃO E PERCEPÇÃO DA APRENDIZAGEM
DATA DE APLICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO: ___/___/___
DISCIPLINA:
PROFESSOR:
MÉTODO DE ENSINO UTILIZADO:
1. Como você avalia o método de ensino recém-utilizado pelo(a) professor(a)?
a. ( ) Bom
b. ( ) Ruim
c. ( ) Sou indiferente
2. Imagine uma situação hipotética na qual você tivesse que assistir à aula, mas não tivesse que realizar avaliação futura. Nesse caso, quão interessado você estaria em dedicar parte de seu tempo ao aprofundamento do conhecimento acerca do conteúdo recentemente abordado na sala de aula?
a. ( ) Muito interessado
b. ( ) Nem muito e nem pouco interessado
c. ( ) Não teria interesse
3. Quanto tempo você pretende dedicar ao estudo extraclasse do assunto recentemente abordado em aula?
a. ( ) Menos de 2 horas
b. ( ) Entre 2 e 4 horas
c. ( ) Mais de 4 horas
4. Você se sente motivado para buscar informações complementares sobre o assunto recentemente abordado, além daquelas compartilhadas no decorrer da aula?
a. ( ) Sim
b. ( ) Não
5. Ainda em relação ao assunto recentemente abordado, você se sente motivado a conversar sobre ele com seus colegas/familiares fora da sala de aulas?
a. ( ) Sim
b. ( ) Não
6. Como você avalia a importância do assunto recentemente abordado para a atividade do médico?
a. ( ) Muito importante
b. ( ) Pouco importante
c. ( ) Não tem importância
7. Você se considera capaz de ensinar a respeito do assunto recentemente abordado?
a. ( ) Sim
b. ( ) Não
c. ( ) Talvez
8. Se você realizasse imediatamente uma avaliação sobre o assunto recém-abordado, acredita que o seu índice de acerto estaria mais próximo de qual percentagem?
a. ( ) 85%
b. ( ) 50%
c. ( ) 35%
9. Você compreendeu o assunto recém-abordado e se sente capaz de aplicar o conhecimento sobre ele?
a. ( ) Compreendi o assunto e me sinto capaz de aplicar o conhecimento.
b. ( ) Compreendi o assunto, entretanto não me sinto capaz de aplicar o conhecimento.
c. ( ) Não compreendi o assunto e não sou capaz de aplicar o conhecimento.
10. Ao pensar sobre o assunto recentemente abordado nesta disciplina, você é capaz de relacioná-lo com assuntos tratados em outras disciplinas?
a. ( ) Sim
b. ( ) Não
11. Avalie os aspectos positivos e negativos da metodologia de ensino utilizada pelo professor. Escreva um texto de 2 a 4 linhas sobre cada.
ASPECTOS POSITIVOS:
ASPECTOS NEGATIVOS:

Das questões objetivas propostas no Quadro 1, a primeira visa à avaliação geral dos alunos sobre a metodologia utilizada. As questões de 2 a 6 estão relacionadas aos indicadores de motivação intrínseca: interesse, envolvimento, esforço, concentração e satisfação. As questões de 8 a 10 visam explorar indicadores de percepção da aprendizagem: confiança, interrelações e aplicabilidade do conhecimento. A questão 11 pede para o aluno escrever, de forma resumida, sobre os pontos negativos e positivos do método utilizado. As respostas a esta questão poderão ser utilizadas em análises quali-quantitativas, uma vez que a frequência de repetição de palavras nos diferentes pontos e contextos pode gerar conclusões sobre diferenças que devem ser consideradas ou não na discussão dos resultados.

O questionário pode ser utilizado para coletar informações sobre um método de ensino isoladamente ou ainda para comparar a motivação e a percepção da aprendizagem dos discentes entre dois métodos de ensino distintos. Para o segundo objetivo, sugerimos o protocolo ilustrado na Figura 1. Destacamos que “estratégias alternativas de ensino” são tanto aquelas considerados ativas, tais como aprendizagem por problemas, por projetos e por pares, ensino híbrido, aula invertida, design thinking, quanto aqueles de natureza lúdica, a exemplo de gamificação e modelagem artística27. Recursos tecnológicos, tais como produção e consulta de videoaulas, aplicativos virtuais de ensino, realidade virtual e modelos realísticos, poderão ser utilizados como suporte a qualquer dos métodos.

Figura 1 Delineamento experimental proposto para comparar a motivação e percepção da aprendizagem de discentes submetidos a aulas conduzidas na modalidade expositiva e por meio de método alternativo 

Os passos indicados são:

  1. Na primeira etapa, um tema deverá ser abordado por meio de um dos métodos de ensino, como a aula expositiva dialogada.

  2. Na sequência, 50% do total de alunos (grupo A), escolhidos aleatoriamente, deverá responder ao questionário 1 (Quadro 1).

  3. Na segunda etapa, um assunto subsequente deverá ser abordado por meio de método alternativo.

  4. Os alunos que não foram escolhidos para responder ao questionário após a primeira etapa (grupo B) serão convidados a responder ao mesmo questionário 1, contudo, em relação à metodologia alternativa, após a segunda etapa.

  5. Por fim, os dados coletados nas etapas 2 e 3 deverão ser tabulados e submetidos a uma análise estatística apropriada.

Todos os alunos deverão participar das atividades de ensino previstas para as etapas 1 e 3. Os questionários a respeito de motivação e percepção da aprendizagem deverão ser respondidos voluntariamente e de forma anônima, e não devem ser considerados no processo avaliativo do discente. Para a interpretação dos dados obtidos por meio dos questionários de motivação e percepção da aprendizagem, as taxas de respostas deverão ser tabuladas e comparadas. Sugerimos utilizar os testes qui-quadrado ou exato de Fisher para analisar as taxas de respostas das questões de múltipla escolha e o software gratuito e com fonte aberta de análise textual IRAMUTEQ28 para as questões abertas.

AFERINDO A PERCEPÇÃO DE DOCENTES DE MEDICINA ACERCA DOS MÉTODOS DE ENSINO

Em contextos educativos nos quais há oportunidades para o livre debate de ideias e incentivo à autonomia, os estudantes internalizam com mais facilidade os objetivos das atividades propostas. Contudo, em ambientes excessivamente controlados e centrados na figura do professor, há prejuízo para a motivação. Como ressaltado anteriormente, a motivação intrínseca do aluno não resulta de treino ou instrução, mas pode ser influenciada principalmente pelas ações e pelo estilo motivacional do professor29.

Além disso, o estilo motivacional do docente deve ser considerado como uma característica vinculada à personalidade e influenciado por fatores sociocontextuais e questões acadêmicas, como o número de alunos em sala de aula, o tempo de experiência no magistério, o gênero, a idade, as interações com os gestores, as concepções ideológicas, entre outros29.

Considerando que no ambiente acadêmico os fatores condicionantes da motivação e percepção da aprendizagem estão inter-relacionados, faz-se necessário que esse binômio seja considerado por gestores e professores durante o planejamento das atividades acadêmicas, incluindo a estruturação dos currículos30. Entre as dificuldades para a utilização de metodologias de ensino motivadoras que possibilitem a participação ativa dos discentes, deve-se mencionar a carência de instrumentos de autoavaliação da prática docente.

Os instrumentos de avaliação são as ferramentas que fornecem informações sobre a aprendizagem dos alunos e devem ser capazes de promover uma continuidade ou adaptação das ações a partir de uma autorreflexão acerca da prática docente e tomada de decisões com base nos resultados obtidos. Ademais, segundo Dias Sobrinho31, a avaliação e as transformações educacionais interatuam, ou seja, a avaliação é um dos motores importantes de qualquer reforma ou modelação de ações, e, reciprocamente, toda mudança contextual produz alterações nos processos avaliativos e autoavaliativos.

Nessa perspectiva, de forma complementar à aferição da percepção discente, propomos também um instrumento para a avaliação da prática e aferição da percepção docente de maneira a responder à seguinte pergunta:

  • Quais são as impressões dos docentes acerca dos diferentes métodos de ensino?

Essa necessidade surge principalmente em relação à autoavaliação, que se torna indispensável na profissão docente, em especial quando se recorre à utilização de métodos alternativos de ensino. Para tal, sugerimos a utilização do questionário 2 (Quadro 2), que deve ser respondido pelos docentes.

Quadro 2. Questionário para a avaliação de aplicação de métodos de ensino e aferição da motivação docente 

QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DO MÉTODO DE ENSINO QUANTO À MOTIVAÇÃO E PERCEPÇÃO DA APRENDIZAGEM
DATA DE APLICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO: ___/___/___
DISCIPLINA:
PROFESSOR:
MÉTODO DE ENSINO UTILIZADO:
QUANTIDADE DE ESTUDANTES:
Prezado docente, ao responder a este questionário, expresse a sua opinião:
01. O espaço físico ou o ambiente virtual onde sua atividade/aula ocorreu foi suficiente para a execução satisfatória do método utilizado?
( ) Sim.
( ) Parcialmente, entretanto precisou ser adaptado.
( ) Não, o espaço físico/ambiente virtual inadequado prejudicou a execução da atividade/aula.
02. O número de alunos que participou de sua atividade/aula foi adequado para a execução satisfatória do método utilizado?
( ) Sim.
( ) Não, o resultado seria melhor com menos alunos.
( ) Não, o resultado seria melhor com mais alunos.
03. O tempo em que ocorreu sua atividade/aula foi suficiente para a execução satisfatória do método utilizado?
( ) Sim.
( ) Não.
04. Os recursos didáticos disponíveis na unidade de ensino foram suficientes para a execução satisfatória do método utilizado?
( ) Sim, todos os recursos didáticos necessários estavam disponíveis.
( ) Parcialmente. Embora alguns recursos didáticos estejam disponíveis, foram necessários recursos extras.
( ) Não, foi necessário um esforço pessoal para prover os recursos didáticos necessários.
05. Os objetivos almejados com a realização de sua atividade/aula foram cumpridos?
( ) Sim.
( ) Não.
( ) Parcialmente.
06. Na sua opinião, o método utilizado favoreceu o diálogo e a aproximação entre o(s) docente(s) e discente(s)?
( ) Sim.
( ) Não.
07. O método motivou a interação, o diálogo e as trocas entre os discentes?
( ) Sim.
( ) Não.
( ) Parcialmente.
08. O método motivou o desenvolvimento de competências como liderança, empatia e tomada de decisões entre os alunos?
( ) Sim.
( ) Não.
( ) Parcialmente.
09. Quão motivados os alunos pareciam estar ao longo da atividade/aula?
( ) Muito motivados.
( ) Pouco motivados.
( ) Indiferentes.
10. Quão motivado você se sentiu ao executar a atividade/aula?
( ) Muito motivado.
( ) Pouco motivado.
( ) Indiferente.
11. Entre as opções abaixo, escolha aquela que mais se relaciona ao emprego do método alternativo em sua atividade/aula:
( ) O método foi utilizado para revisar assuntos anteriormente abordados em aulas expositivas.
( ) O método substituiu a aula expositiva tradicional.
( ) O método foi utilizado para complementar temas abordados em aulas expositivas tradicionais, agregando novos saberes aos estudantes.
12. Acerca da abrangência do conhecimento contemplado, o método utilizado:
( ) Abordou conceitos gerais e introdutórios.
( ) Aprofundou os conceitos específicos.
( ) As duas opções anteriores.
13. Cite aspectos positivos e negativos relacionados à metodologia utilizada em comparação com a aula expositiva tradicional.
ASPECTOS POSITIVOS:
ASPECTOS NEGATIVOS:

Destacamos que a aplicação desse questionário pode ser realizada de forma individual ou institucional. No caso da aplicação individual, os docentes podem comparar de forma livre os questionários respondidos após a realização de aulas tradicionais e aulas em que foram utilizadas metodologias alternativas. Já no caso da utilização institucional, pode-se optar por selecionar professores que se voluntariem a responder aos questionários e, em seguida, separar os questionários respondidos em dois grupos, um contendo apenas os questionários respondidos após a realização de aulas expositivas e um outro grupo contendo apenas os questionários respondidos após a realização de aulas em que foram utilizados métodos alternativos de ensino. Para a interpretação dos dados obtidos, sugerimos utilizar os testes qui-quadrado ou exato de Fisher para analisar as taxas de respostas das questões de múltipla escolha e o software gratuito e com fonte aberta de análise textual IRAMUTEQ28 para as questões abertas. É importante ressaltar que o objetivo da investigação sobre motivação docente é a reflexão acerca da prática docente, possibilitando a identificação de potencialidades, fragilidades e sugestões de melhorias.

Por fim, ressaltamos que os projetos de pesquisa em ensino devem estar de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde no 466, de 12 de dezembro de 201232, e só devem ser iniciados após submissão, apreciação e aprovação dos Comitês de Ética em Pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando os objetivos e os desafios contidos nas atuais DCN dos cursos de Medicina, sobretudo no que se refere à necessidade da adoção de métodos ativos de ensino pautados em práticas interdisciplinares, acreditamos que a realização e a divulgação de pesquisas que relatem e comparem distintas estratégias de ensino possam contribuir para a formação pedagógica tanto de docentes quanto de discentes que, uma vez sensibilizados, tendem a atuar como multiplicadores de experiências bem-sucedidas.

Neste trabalho, apresentamos um protocolo para realização de estudos quali-quantitativos que visem avaliar a motivação e a percepção de docentes e discentes em relação aos distintos métodos de ensino e aprendizagem. Além da divulgação científica, a utilização dos instrumentos compartilhados pode beneficiar as instituições em avaliações internas e externas, uma vez que permitem uma visão crítica sobre a qualidade do processo formativo de seus discentes e o aprimoramento do corpo docente.

As autoavaliações institucionais constituem importantes aspectos a serem considerados nas avaliações externas dos cursos de Medicina no Brasil. O Sistema de Acreditação de Escolas Médicas (SAEME) do Conselho Federal de Medicina e o Ministério da Educação consideram, entre os indicadores de qualidade do curso, a coleta sistemática de dados acerca das percepções dos dirigentes, docentes, discentes e dos demais membros do corpo social.

Ressaltamos, porém, que os diagnósticos suscitados a partir dos resultados obtidos não devem ser compreendidos como um fim neles mesmo, uma vez que as discussões e conclusões devem levar em consideração a avaliação dos contextos histórico, social, cultural, econômico e acadêmico associados aos docentes e aos discentes envolvidos nos diversos cenários de ensino e aprendizagem.

AGRADECIMENTO

Agradecemos à Profa. Dra. Kátia Crestine Poças, da Área de Medicina Social da Faculdade de Medicina da UnB, as críticas e a colaboração referentes à definição dos questionários 1 e 2.

REFERÊNCIAS

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2Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO Declaramos não haver financiamento.

Recebido: 16 de Março de 2022; Aceito: 19 de Maio de 2022

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Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Kristopherson Lustosa Augusto.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Todos os autores participaram da concepção e do design do trabalho, do preparo e da revisão do manuscrito, e da aprovação da versão final do artigo. Todos os autores se declaram responsáveis por todos os aspectos de ética e integridade do trabalho.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

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