SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.46 número3Identidade médica: o impacto do primeiro contato com pacientes na empatia do estudante de MedicinaAderência dos PPC de Medicina aos parâmetros da política de formação médica brasileira índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.46 no.3 Rio de Janeiro  2022  Epub 16-Ago-2022

https://doi.org/10.1590/1981-5271v46.3-20220046 

Artigo Original

A aula tradicional pode ser substituída pelo Worked Example no ensino da radiologia?

Paola Isabel Silva Barros1 
http://orcid.org/0000-0002-8678-1543

Cássio da Cunha Ibiapina1 
http://orcid.org/0000-0003-3607-8857

Leandro Malloy Diniz1 
http://orcid.org/0000-0002-6606-1354

Bruno Morais Damião1 
http://orcid.org/0000-0002-3850-973X

1Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.


Resumo:

Introdução:

Durante a última década, o modelo tradicional de ensino médico foi amplamente debatido, e, há pouco tempo, a pandemia da Covid-19 impôs novamente mudanças, iniciadas em caráter de urgência em todo o mundo, trazendo novos desafios à formação médica no que concerne ao ensino e à aprendizagem. A estratégia de ensino conhecida como Worked Example é uma ferramenta instrucional na qual um especialista mostra a solução de um determinado problema para um aprendiz de forma pormenorizada.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivo comparar as aulas expositivas em vídeo com a técnica Worked Example para ensino de tomografia de tórax.

Método:

Trata-se de um estudo experimental realizado, por meio de uma intervenção educacional, com alunos do curso de Medicina em fases iniciais e finais da prática clínica.

Resultado:

A análise de variância de medidas repetidas (ANOVA) foi usada na análise estatística. Houve diferença significativa entre as notas antes e depois do treinamento (F1; 74 = 46,008; p < 0,001) e entre as fases do curso (F2; 148 = 19,452; p < 0,001). Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos (F2; 74 = 1,401; p = 0,240). Não houve diferença significativa no esforço mental referido na comparação entre grupos (F1; 69 = 0,092; p = 0,762), porém os alunos do segundo ano apresentaram um escore de esforço significativamente maior.

Conclusão:

O Worked Example, uma técnica com boa aplicabilidade para estudantes da graduação e adequada para formatos digitais, mostrou-se igualmente eficaz a aula expositiva, técnica consagrada no ensino de radiologia.

Palavras-chave: Radiologia; Educação Médica; Tomografia

Abstract:

Introduction:

During the last decade, the traditional model of medical education was widely debated, and recently, the Covid-19 pandemic added new challenges in teaching and learning in medical education. The Worked Example is an instructional tool in which an expert shows a detailed problem solution for a learner.

Objective:

This study aimed to compare, in an experimental study with medical students, lectures in online format with Worked Example for teaching chest tomography.

Method:

Experimental study through an educational intervention with medical students in the initial and final stages of clinical practice.

Result:

Analysis of variance of repeated measures (ANOVA) was used in the statistical analysis. There was a significant difference between the grades before and after training (F1; 74 = 46.008; p < 0.001) and between the course phases studied (F2; 148 = 19.452; p < 0.001). There was no statistically significant difference between the groups (F2; 74 = 1.401; p = 0.240). There was no significant difference in mental effort reported in the comparison between groups (F1; 69 = 0.092; p = 0.762), but students in the 2th year had a significantly higher effort score.

Conclusion:

Worked Example, which is a good technique for students and suitable for digital formats, was equally effective as lecture, a well-known instructional method for teaching radiology.

Keywords: Radiology; Medical Education; Tomography

INTRODUÇÃO

Durante a última década, o modelo tradicional de ensino médico foi amplamente debatido, questionado e testado, e elegeram-se novas estratégias de ensino centradas no aluno, com modelos de aprendizagem ativa que priorizam uma aprendizagem social, em detrimento de métodos instrucionais baseados em palestras didáticas. Há pouco tempo, a pandemia da coronavirus disease 2019 (Covid-19) impôs novamente mudanças ao ensino médico, iniciadas em caráter de urgência em todo o mundo, trazendo mais uma vez desafios à formação médica no que concerne ao ensino e à aprendizagem1)-(3. Essa ruptura abrupta imposta pelo distanciamento social resultou em uma transição das salas de aula, dos laboratórios, dos ambulatórios e até mesmo dos hospitais para recursos virtuais e on-line. Além disso, promoveu a incorporação de tecnologias e estratégias de ensino, e inaugurou, provavelmente, um período de transição para um novo formato de ensino e aprendizagem1), (3.

Para o ensino de radiologia na graduação, não seria diferente. Mesmo antes da pandemia, o ensino de interpretação de imagens médicas mostrou-se, em âmbito mundial, foco de questionamentos e disparidades entre as escolas médicas, como divergências relacionadas à ausência de ensino formal de radiologia em currículos e à presença de internatos obrigatórios4)-(6. Além disso, observa-se a crescente necessidade de otimização das formas de ensino em interpretação de imagens médicas7)-(9.

Não obstante isso, nas últimas décadas, a aula expositiva como um recurso pedagógico vem sofrendo diversas críticas, especialmente por estar relacionada a uma transferência passiva de informações com pouco ganho cognitivo7)-(12. No ensino remoto emergencial, essa discussão é incorporada a outras, com maior destaque, por exemplo, ao aumento do tempo de exposição a telas de dispositivos eletrônicos na população de todas as faixas etárias e aos possíveis malefícios relacionados, como distúrbios de sono e sua correlação com a aprendizagem13),(14, redução da interação social entre pares com seus reconhecidos benefícios, além do bem-estar físico e mental dos estudantes1),(2),(15.

Kok et al.9 demonstraram, após revisão da literatura sobre ensino em interpretação de imagens médicas, que trabalhos instrucionais em educação com aprendizado ativo, centrado no aluno, foram implementados com sucesso na interpretação de imagens, superando o modelo de ensino centrado no professor, baseado em aulas expositivas, porém os estudos apontaram poucas evidências sobre técnicas específicas para otimizar o aprendizado.

A estratégia de ensino conhecida como Worked Example (WE) é uma ferramenta instrucional na qual um especialista mostra, de forma pormenorizada, a solução de um determinado problema para um aprendiz16)-(19, ou seja, são fornecidos todos os movimentos sucessivamente necessários em direção à resolução de um problema a partir da sistematização de uma instrução complexa ou habilidade18. A solução do problema pelo especialista torna-se um modelo para o estudante aprender e reproduzir o conhecimento adquirido16)-(19. Dessa forma, esse método instrucional manipula as cargas cognitivas, de modo a facilitar a construção de scripts mentais e melhora o ensino por reduzir o esforço cognitivo durante a aquisição de habilidades quando comparada a estratégias de solução de problemas, mostrando-se mais efetivo e eficiente. Isso ocorreria por dedicar a capacidade de memória de trabalho disponível à construção de um esquema cognitivo que orienta na resolução de problemas futuros20. Considerando o ensino de interpretação de imagens médicas na graduação, essa característica seria extremamente favorável, uma vez que é uma tarefa cognitiva complexa que exige do aprendiz a interação de vários elementos, como conhecimentos anatômicos, da fisiopatologia de doenças, além do próprio conhecimento radiológico, portanto, com alta carga cognitiva intrínseca18)-(20.

A partir do conceito do WE, elaboramos um material de leitura com um passo a passo para a interpretação básica de tomografias de tórax com particularidades da criança e desenvolvemos um estudo experimental com estudantes de Medicina para comparar essa estratégia e o uso de aulas expositivas.

MÉTODO

Trata-se de um estudo experimental realizado, por meio de uma intervenção educacional, com os alunos da graduação do curso de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Esses discentes estavam regularmente matriculados no segundo ano (quarto período). Participaram ainda do estudo os alunos do sexto ano que cursavam os internatos em especialidades.

Procedimentos

Os participantes foram alocados em dois grupos de acordo com a fase do curso de Medicina e aleatoriamente distribuídos em dois subgrupos conforme o tipo de treinamento que receberam: 1. aula tradicional (AT), com os discentes que assistiram à aula expositiva on-line gravada, e 2. Worked Example (WE), com os estudantes que fizeram a leitura dirigida do material impresso. O experimento foi dividido em três fases:

  • Fase 1: avaliação de conhecimentos prévios pelo pré-teste.

  • Fase 2: fase de treinamento. Uma aula expositiva de 50 minutos gravada ou o estudo dirigido do material impresso denominado Worked Example.

  • Fase 3: realização do pós-teste imediato logo após a fase de treinamento.

Após a fase de treinamento, os participantes foram solicitados a avaliar o esforço mental empreendido para realizar as tarefas propostas, de acordo com o grupo alocado, escolhendo um número em uma escala graduada de 1 a 10, em que 1 era muito, muito baixo o esforço e 10 para muito, muito alto esforço mental.

Elaboraram-se dois diferentes testes para aplicação nas diferentes fases do estudo, ambos com a mesma dinâmica de execução e com conteúdos que abrangeram os três domínios de conhecimento propostos no material didático - conhecimentos básicos sobre formação de imagens tomográficas e anatômicos, doenças mediastinais e padrões de alterações do parênquima pulmonar -, em número igual de questões abertas por conteúdo, com perguntas diferentes nos dois testes, porém com mesmo nível de dificuldade, cujas respostas deveriam ser descritas de forma sucinta. Abordaram-se o reconhecimento de imagens normais e patológicas em cortes tomográficos axiais e conhecimentos teóricos relacionados, com projeção de imagens tomográficas em tela de computador. As respostas e as pontuações por questões foram validadas por outro radiologista, especialista em radiologia pediátrica com prática em radiologia torácica.

Critérios de inclusão e exclusão

Incluíram-se os alunos regularmente matriculados, cuja participação foi voluntária e extracurricular. Excluíram-se da análise os estudantes que cursavam outros períodos exceto os já citados ou que manifestaram desejo em não realizar as etapas propostas da pesquisa.

Análise estatística

Adotou-se a análise de variância de medidas repetidas (ANOVA) para avaliar o efeito/a influência das variáveis sobre o desempenho dos alunos no pré-teste e pós-teste imediato. O teste t de Student foi usado para comparar amostras pareadas/dependentes. Para avaliar o efeito/a influência dos fatores período do curso e grupo na média do escore de esforço referido para o treinamento, adotou-se a análise de variância baseada em um modelo de dois fatores. O valor de p considerado estatisticamente significativo foi inferior a 0,05.

Aspectos éticos

O protocolo de estudo e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foram aprovados pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFMG sob o número 2.638.289. Todos os participantes assinaram o TCLE.

RESULTADOS

Participaram da pesquisa 78 estudantes - 46 no início da prática clínica, regularmente matriculados no quarto período (segundo ano), 24 no grupo AT e 22 no grupo WE - e 32 alunos dos internatos (sexto ano) - 15 alunos no grupo AT e 17 no grupo WE.

No caso dos alunos que realizaram o WE, registrou-se o tempo gasto para o estudo do material. O tempo mínimo obtido foi de 19 minutos, e o tempo máximo, de 92 minutos. A média de tempo gasto foi de 48,7 minutos, IC95%(42,1; 55,3).

O Gráfico 1 mostra a média das notas dos alunos nas duas fases do estudo em relação ao grupo e ao estágio do curso.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Gráfico 1 Médias das notas dos alunos em relação à fase e ao grupo de estudo 

As notas obtidas no pós-teste imediato, estratificadas pelos três temas abordados (anatomia e doenças do mediastino e do parênquima pulmonar), são apresentadas no Gráfico 2. Como esperado, há efeito significativo entre as notas e o período em curso (F1; 74 = 46,008; p < 0,001) e da fase do experimento (F2; 148 = 12,222; p < 0,001), bem como da interação entre fase do estudo e ano em curso (F2; 148 = 19,452; p < 0,001), sendo as notas do pré-teste, em média, menores que as notas do pós-teste imediato, tanto para a nota geral, que consiste no somatório das notas por tema, quanto para a avaliação separada dos três temas abordados.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Gráfico 2 Médias das notas dos alunos no pós-teste imediato com base nos três temas em relação ao grupo e ao período do curso 

A interação entre os grupos (WE versus AT) não foi estatisticamente significativa (F2; 74 = 1,401; p = 0,240), nem quando associada a outras variáveis: ano em curso (F1; 74 = 1,091; p = 0,300), fase (F2; 148 = 3,001; p = 0,053), fase e ano conjuntamente (F2; 148 = 0,309; p = 0,734).

A interação das notas com a variável tema foi estatisticamente significativa com p < 0,001.

Os alunos do sexto ano apresentaram notas médias significativamente maiores do que os do segundo ano no que se refere aos três temas pesquisados para os estudantes do grupo AT. Já para o grupo WE, essa diferença significativa entre os dois períodos do estudo ocorreu somente nos temas “mediastino” e “parênquima”.

Para os alunos do segundo ano, ambos os grupos apresentaram média da nota para o tema “anatomia” significativamente maior do que as médias das notas para os temas “mediastino” e “parênquima”. No grupo WE, não houve diferença entre “mediastino” e “parênquima”. No grupo AT, o tema “parênquima” obteve a menor média.

Já para os alunos do sexto ano, no grupo WE, o resultado mostra que a média da nota para o tema “anatomia” foi significativamente maior do que a média da nota para o tema “parênquima”, entretanto a nota do “mediastino” não difere significativamente da nota obtida pelo estudantes para o tema “anatomia” e nem para o tema “parênquima”. Para o grupo AT, os resultados mostram que não houve diferença significativa entre as médias das notas obtidas pelos alunos para os três temas avaliados.

Quando se comparam os resultados entre os grupos, somente para os alunos do segundo ano na avaliação dos temas “anatomia” e “parênquima”, observam-se diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05) entre os dois grupos de estudo, em que os alunos do grupo WE apresentaram médias das notas para cada um dos temas significativamente maiores do que os discentes do grupo AT.

Avaliação do esforço mental para a fase de treinamento

Não houve diferença estatisticamente significativa no esforço mental referido pelos alunos que fizeram AT em comparação com WE (F1; 69 = 0,092; p = 0,762). A escala de esforço mental referida após a fase de treinamento mostrou que existe influência estatisticamente significativa somente do período do curso (F1; 69 = 5,776; p = 0,019). Os alunos do segundo ano apresentaram um escore de esforço significativamente maior quando comparados com os discentes do sexto ano, independentemente do grupo em que estavam alocados (F1; 69 = 2,083; p = 0,153).

DISCUSSÃO

De maneira geral, os resultados encontrados no presente estudo não evidenciaram diferença significativa entre AT on-line e WE. Ademais, como esperado, houve aumento significativo da média das notas entre as fases pré e pós-teste imediato, com diferenças significativas entre as fases do curso (início versus final), apresentando notas após a fase de treinamento, em média, maiores que a média das notas no pré-teste.

Todavia, é importante salientar alguns achados quando se estratificam as médias das notas por temas. Nessa análise, as médias obtidas pelos alunos do final do curso foram significativamente maiores que as médias dos alunos do segundo ano somente no grupo AT. Já no grupo WE, esse padrão só ocorreu para os temas “parênquima” e “mediastino”.

Além disso, como esperado, os alunos do segundo ano de ambos os grupos apresentaram médias para o tema “anatomia” significativamente maiores do que as médias dos demais temas. Isso provavelmente ocorreu porque os alunos cursavam uma disciplina de anatomia durante o semestre em que executaram a tarefa, mas sem correlação com imagens tomográficas como é o caso da tarefa realizada na pesquisa. Esse resultado demonstra a capacidade de os estudantes combinarem ideias simples e mais complexas e desenvolverem os chamados scripts mentais20.

De forma complementar, nessa fase do curso, o grupo AT apresentou a menor média para o tema “parênquima”, o que pode estar relacionado ao fato de o conteúdo ser indicado no final do vídeo, além dos 20 minutos iniciais, que, segundo alguns autores, é o melhor momento para aprendizado11),(12. Isso não se repetiu entre os alunos do sexto ano, provavelmente devido à maior facilidade dos alunos com o tema, por já possuírem scripts mentais relacionados20.

Quanto aos alunos no final do curso, observou-se que somente as médias das notas do tema “anatomia” do grupo WE mostraram-se maiores com diferença significativa sobre os demais temas.

Além disso, ao comparar as médias das notas, considerando-se os temas e a fase do curso, os alunos do segundo ano, na avaliação dos temas “anatomia” e “parênquima”, observaram-se diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos, sendo que os alunos do grupo WE apresentaram médias da nota para cada um dos temas significativamente maiores do que os alunos do grupo AT.

Esses resultados apontam para um melhor desempenho do WE como método de ensino para o tema “anatomia” no nosso estudo, sobretudo para alunos no início do curso. Tal achado corrobora os achados na literatura em educação que apontam que tal estratégia tem sua maior importância nos estágios iniciais da aquisição de habilidades cognitivas, como relatado por Atkinson et al.16 em uma revisão sobre pesquisas com uso de WE nos mais variados campos de conhecimento, como matemática básica, música, programação, xadrez entre outros.

Segundo a teoria da carga cognitiva, o processo de aprendizado ocorre com o processamento de novas informações na memória de trabalho para construção de esquemas na memória de longo prazo ou scripts mentais17)-(20. Por sua vez, a memória de trabalho pode ser afetada pela natureza da tarefa (carga intrínseca), pela maneira como a tarefa é apresentada (carga externa) e pela forma como realmente ocorre a aprendizagem (carga pertinente)18. Merriënboer et al.20, após uma revisão de estudos em educação de profissionais de saúde, concluíram que o WE poderiam reduzir as cargas intrínseca e externa de modo a otimizar o aprendizado, como apontam nossos resultados. Nesse contexto, nosso trabalho se mostra relevante por avaliar a execução de tarefas cognitivas complexas como a interpretação de imagens médicas, especialmente em estudantes na fase inicial da prática clínica.

Há de se considerar ainda o chamado “efeito da expertise reversa” que resulta da interação de vários efeitos cognitivos básicos e demonstra que métodos instrucionais que funcionam bem para iniciantes podem não ser adequados para aprendizes mais experientes18.

A média de tempo gasto pelos alunos para a realização do WE foi semelhante ao tempo de duração da AT, e não houve diferença estatisticamente significativa para o esforço referido por eles para a realização das tarefas entre os dois grupos. Como esperado, para o presente estudo, o esforço mental referido pelos alunos com menor expertise foi significativamente maior que o esforço referido pelos estudantes no final do curso, o que provavelmente está relacionado à falta de conhecimento prévio ou scripts mentais, exigindo maior esforço para realizar as atividades propostas. Esse é um dado importante na consideração do ensino de radiologia na graduação quanto ao momento do curso de inserção das disciplinas. Outros autores mostraram benefícios da inserção precoce de conteúdos sobre radiologia nos currículos da graduação21),(22.

Na revisão bibliográfica empreendida por meio das palavras “medical education, radiology and Worked Example”, não foram encontrados estudos que mostrassem diretamente o uso da técnica WE para o ensino na radiologia. Deve-se considerar ainda que os estudos instrucionais com conteúdos radiológicos diferem quanto aos resultados quando aulas expositivas são usadas na metodologia.

Em um estudo randomizado e controlado, realizado com 47 alunos do internato de pediatria, El-Ali et al.23 compararam a aula expositiva tradicional baseada em casos clínicos com a metodologia de sala de aula invertida no ensino de radiologia pediátrica. Nesse estudo, os pesquisadores encontraram maiores scores nos testes realizados entre os alunos que usaram a metodologia de sala de aula invertida23. Por sua vez, Afzal et al.24, numa pesquisa realizada com 40 alunos do terceiro ano, compararam essa metodologia com a AT para o ensino de radiografia de tórax e não encontraram diferença significativa entre os grupos, porém os resultados mostraram boa aceitabilidade dos alunos quanto ao método24.

A metodologia usada por El-Ali et al.23 e Afzal et al.24 no preparo do aluno em seu estudo individual antes da aula se assemelha com a proposta do WE, porém esses recursos não são comparáveis porque associam conhecimentos adquiridos na prática com o professor.

Courtier et al.25, em um estudo com 100 alunos, avaliaram o ensino de radiologia pediátrica em um módulo de doenças do trato gastrointestinal para estudantes da graduação nos anos dos internatos. Nesse estudo, os autores compararam as aulas expositivas com a aplicação de um jogo interativo digital de formato popular entre os estudantes e constataram melhor aprendizado entre os alunos que assistiram às aulas25.

Stein et al.26 compararam o uso de aulas expositivas com a estratégia de aprendizagem baseada em equipes (team-based learning - TBL) para o ensino da aplicação de critérios do Americam College of Radiology (ACR) na escolha de exames radiológicos em diferentes situações clínicas. Como no nosso estudo, foi encontrado diferença significativa entre as notas do pré-teste e dos testes realizados após a fase de treinamento, porém também não se observou diferença estatisticamente significativa entre os grupos do estudo26.

Com o intuito de avaliar a opinião dos alunos dos internatos da Universidade da Califórnia sobre as aulas expositivas de radiologia realizadas durante um ano, Jen et al.27 aplicaram questionários após as palestras realizadas nesse período, com participação de 77 alunos, e encontraram avaliações positivas e negativas sobre as aulas expositivas. As características mais relacionadas às aulas classificadas com maiores notas e, portanto, melhores foram “interativas”, “divertidas/envolventes” e “práticas/conteúdo relevante”. As características relacionadas a piores avaliações foram: “falta de interatividade”, “estrutura pobre” (provavelmente com relação à forma como o conteúdo foi apresentado) e “excesso de informações”27.

Tendo em vista esses resultados das pesquisas que envolviam aula expositiva na metodologia e radiologia, provavelmente a aceitação por parte dos alunos e o aprendizado poderiam ser influenciados tanto pelo formato da aula expositiva como pelos métodos comparados.

O presente estudo apresenta como limitação o pequeno número de participantes. No entanto, pesquisas com base nessa perspectiva apresentam um número de participantes semelhante ou até menor, como os estudos de El-Ali et al.23, Jen et al.27 e Stein et al.26 na fase tardia. Da mesma forma, por tratar-se de uma pesquisa com voluntários que realizaram uma atividade extracurricular, o conhecimento dos participantes sobre a pesquisa poderia ser fonte de viés, porém ambos os grupos foram submetidos à mesma limitação.

Há de se considerar ainda que novos estudos se fazem necessários para comparar o efeito entre as diferentes estratégias de ensino e a capacidade de retenção dos conhecimentos em longo prazo, com a incorporação de testes tardios na metodologia.

Em suma, a escolha da técnica de ensino de radiologia para estudantes de Medicina deve ser individualizada em cada instituição, pois depende de vários fatores como tempo disponibilizado para as disciplinas, fase do curso em que as disciplinas são incluídas, disponibilidade de professores e recursos. Todavia, quando conteúdos de radiologia são considerados, há vantagens na transição para o ensino a distância, já que os formatos digitais são adequados e facilmente transponíveis quando comparados com outras disciplinas3. Além disso, como afirmado por Darras et al.3 após uma revisão sobre ensino de radiologia na pandemia da Covid-19, consideramos o momento oportuno para pensar criticamente nas estratégias de ensino de radiologia para a graduação médica.

A técnica WE permite o ensino individualizado, centrado no aluno, que pode ser direcionado pelo professor para o que é mais relevante. Além disso, pode ser muito interessante em aprendizes nas fases iniciais, potencialmente usada em formatos digitais e como preparação para aulas práticas, seja de radiologia ou na prática clínica dos internatos de outras especialidades médicas. Todas essas características favoráveis do método são amplamente aplicáveis e reproduzíveis, e mostram-se, no nosso estudo, igualmente eficazes a um formato de ensino consolidado em interpretação de imagens como as aulas expositivas em vídeo.

REFERÊNCIAS

1. Papapanou M, Routsi E, Tsamakis K, Fotis L, Marinos G, Lidoriki I, et al. Medical education challenges and innovations during Covid-19 pandemic. Postgrad Med J. 2021. postgradmedj-2021-140032. [ Links ]

2. O’Byrne L, Gavin B, Adamis D, Lim YX, McNicholas F. Levels of stress in medical students due to Covid-19. Journal of Medical Ethics. 2021;47(6):383-8. [ Links ]

3. Darras KE, Spouge RJ, de Bruin ABH, Sedlic A, Hague C, Forster BB. Undergraduate radiology education during the Covid-19 pandemic: a review of teaching and learning strategies [Formula: see text]. Can Assoc Radiol J. 2021;72(2):194-200. [ Links ]

4. ESR statement on new approaches to undergraduate teaching in Radiology. Insights Imaging. 2019;10(1):109. [ Links ]

5. Straus CM, Webb EM, Kondo KL, Phillips AW, Naeger DM, Carrico CW, et al. Medical student radiology education: summary and recommendations from a national survey of medical school and radiology department leadership. J Am Coll Radiol. 2014;11(6):606-10. [ Links ]

6. Chojniak R, Carneiro DP, Moterani GS, Duarte ID, Bitencourt AG, Muglia VF, et al. Mapping the different methods adopted for diagnostic imaging instruction at medical schools in Brazil. Radiol Bras. 2017;50(1):32-7. [ Links ]

7. Schiller PT, Phillips AW, Straus CM. Radiology education in medical school and residency: the views and needs of program directors. Acad Radiol. 2018;25(10):1333-43. [ Links ]

8. Slanetz PJ, Mullins ME. Radiology education in the era of population-based medicine in the United States. Acad Radiol . 2016;23(7):894-7. [ Links ]

9. Kok EM, van Geel K, van MerriÎnboer JJG, Robben SGF. What we do and do not know about teaching medical image interpretation. Front Psychol. 2017;8:309-. [ Links ]

10. Mustafa T, Farooq Z, Asad Z, Amjad R, Badar I, Chaudhry AM, et al. Lectures in medical education: what students think? J Ayub Med Coll Abbottabad. 2014;26(1):21-5. [ Links ]

11. Wilson K, H. Korn J. Attention during lectures: beyond ten minutes. Teaching of Psychology. 2007;34. [ Links ]

12. Zinski A, Blackwell KTCPW, Belue FM, Brooks WS. Is lecture dead? A preliminary study of medical students’ evaluation of teaching methods in the preclinical curriculum. Int J Med Educ. 2017;8:326-33. [ Links ]

13. Janssen X, Martin A, Hughes AR, Hill CM, Kotronoulas G, Hesketh KR. Associations of screen time, sedentary time and physical activity with sleep in under 5s: a systematic review and meta-analysis. Sleep Med Rev. 2020;49:101226. [ Links ]

14. Hale L, Guan S. Screen time and sleep among school-aged children and adolescents: a systematic literature review. Sleep Med Rev . 2015;21:50-8. [ Links ]

15. Keren D, Lockyer J, Ellaway RH. Social studying and learning among medical students: a scoping review. Perspect Med Educ. 2017;6(5):311-8. [ Links ]

16. Atkinson RK, Derry SJ, Renkl A, Wortham D. Learning from examples: instructional principles from the Worked Examples research. Rev Educ Res. 2000;70(2):181-214. [ Links ]

17. Sweller J. The worked example effect and human cognition. Learning and Instruction. 2006;16(2):165-9. [ Links ]

18. Spanjers IAE, van Gog T, van Merriînboer JJG. Segmentation of Worked Examples: effects on cognitive load and learning. Appl Cogn Psychol. 2012;26(3):352-8. [ Links ]

19. Stark R, Kopp V, Fischer MR. Case-based learning with worked examples in complex domains: two experimental studies in undergraduate medical education. Learning and Instruction . 2011;21(1):22-33. [ Links ]

20. Merriënboer JJ van, Sweller J. Cognitive load theory in health professional education: design principles and strategies. Med Educ. 2010;44(1):85-93. [ Links ]

21. Branstetter BF, Faix LE, Humphrey AL, Schumann JB. Preclinical medical student training in radiology: the effect of early exposure. AJR Am J Roentgenol. 2007;188(1):W9-14. [ Links ]

22. Kraft M, Sayfie A, Klein K, Gruppen L, Quint L. Introducing first-year medical students to radiology: implementation and impact. Acad Radiol . 2018;25(6):780-8. [ Links ]

23. El-Ali A, Kamal F, Cabral CL, Squires JH. Comparison of traditional and web-based medical student teaching by radiology residents. J Am Coll Radiol . 2019;16(4):492-5. [ Links ]

24. Afzal S, Masroor I. Flipped classroom model for teaching undergraduate students in radiology. J Coll Physicians Surg Pak. 2019;29(11):1083-6. [ Links ]

25. Courtier J, Webb EM, Phelps AS, Naeger DM. Assessing the learning potential of an interactive digital game versus an interactive-style didactic lecture: the continued importance of didactic teaching in medical student education. Pediatr Radiol. 2016;46(13):1787-96. [ Links ]

26. Stein MW, Frank SJ, Roberts JH, Finkelstein M, Heo M. Integrating the ACR Appropriateness Criteria Into the Radiology Clerkship: comparison of didactic format and group-based learning. J Am Coll Radiol . 2016;13(5):566-70. [ Links ]

27. Jen A, Webb EM, Ahearn B, Naeger DM. Lecture evaluations by medical students: concepts that correlate with scores. J Am Coll Radiol . 2016;13(1):72-6. [ Links ]

2Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO Declaramos não haver financiamento.

Recebido: 25 de Março de 2022; Aceito: 08 de Junho de 2022

paolasbarros@yahoo.com.br cassioibiapina@terra.com.br malloy.diniz@gmail.com brunomoraisdamiao@yahoo.com.br

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editora associada: Margareth Rodrigues Salerno.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Cássio da Cunha Ibiapina participou da conceptualização e coordenação do estudo, da definição da metodologia adotada, da análise dos resultados e da redação do manuscrito. Leandro Malloy Diniz participou da conceptualização, orientação e supervisão do estudo, e da análise dos resultados. Paola Isabel Silva Barros participou da conceptualização e execução do estudo, da análise dos resultados e da redação do manuscrito. Bruno Morais Damião participou da execução do estudo e da definição da metodologia adotada.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons