SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.46 número3Competências colaborativas em gerontologia: perspectivas de graduandos da saúdeLições da pandemia de Covid-19: um estudo quali-quantitativo com estudantes de Medicina e médicos recém-formados índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.46 no.3 Rio de Janeiro  2022  Epub 30-Ago-2022

https://doi.org/10.1590/1981-5271v46.3-20220042 

Artigo Original

Fatores associados à ansiedade/depressão nos estudantes de Medicina durante distanciamento social devido à Covid-19

Factors associated with anxiety/depression in medical students during social distancing due to Covid-19

Gabriela Fonseca de Albuquerque Souza1 
http://orcid.org/0000-0002-3631-6782

Gustavo Fonseca de Albuquerque Souza1 
http://orcid.org/0000-0002-1794-701X

Adricia Cristine de Souza Alves1 
http://orcid.org/0000-0001-9043-394X

Ana Lorena Nascimento Cordeiro2 
http://orcid.org/0000-0001-6227-4937

Mateus de Souza Oliveira Carvalho2 
http://orcid.org/0000-0002-6970-6349

Gabriela Oliveira Lobo Pereira da Costa3 
http://orcid.org/0000-0002-1117-6816

José Roberto Silva-Junior2  4 
http://orcid.org/0000-0003-3843-005X

Alex Sandro Rolland Souza1  4  5 
http://orcid.org/0000-0001-7039-2052

1Universidade Católica de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil

2Faculdade Pernambucana de Saúde, Recife, Pernambuco, Brasil

3Universidade Maurício de Nassau, Recife, Pernambuco, Brasil

4Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira, Recife, Pernambuco, Brasil

5Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil


Resumo:

Introdução:

Os processos formativos na educação médica possuem fatores estressores e possíveis desencadeadores de transtornos mentais.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivo determinar a prevalência e os fatores associados aos sinais e sintomas de ansiedade e depressão nos estudantes de Medicina durante o distanciamento social devido à pandemia pela Covid-19.

Método:

Realizou-se um estudo de corte transversal entre maio a junho de 2020, com estudantes de Medicina das instituições de ensino superior do estado de Pernambuco, no Brasil. Elaborou-se um questionário on-line por meio do Google Forms contendo características sociodemográficas e clínicas, e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (EHAD). Para análise estatística, realizou-se análise multivariada, e calcularam-se a razão de risco (RR) e o intervalo de confiança de 95% (IC95%), considerando o coeficiente de significância p < 0,05.

Resultado:

As variáveis associadas ao maior risco de sinais e sintomas de ansiedade foram sexo feminino, diminuir/aumentar o hábito de fumar, aumentar/não alterar o consumo de medicamentos, diminuir/não praticar lazer, não preparação da universidade para o ensino a distância (EAD), ter EAD antes da pandemia e diminuição do rendimento escolar comparado aos períodos anteriores. Quanto à depressão, observaram-se os seguintes fatores: maior risco para aumentar/não alterar o uso de medicamentos, diminuir a prática de lazer, universidade não ter se preparado para o EAD, diminuição do rendimento escolar e cor de pele parda.

Conclusão:

Identificaram-se diferentes fatores relacionados aos sinais e sintomas de ansiedade e depressão no período de distanciamento social causado pela pandemia da Covid-19.

Palavras-Chaves: Estudantes de Medicina; Ansiedade; Depressão; Distanciamento Social; Ensino a Distância

Abstract:

Introduction:

Medical training involves stressors and possible triggers of mental disorders.

Objective:

Our study aims to determine the prevalence and factors associated with signs and symptoms of anxiety and depression in medical students during social distancing measures imposed due to the COVID-19 pandemic.

Method:

A cross-sectional study was conducted between May and June 2020 among medical students from higher education institutions in Pernambuco state, Brazil. An online questionnaire was created using Google Forms containing sociodemographic and clinical characteristics and the Hospital Anxiety and Depression Scale (EHAD). For statistical analysis, multivariate analysis was performed and the risk ratio (RR) and its 95% confidence interval (95%CI) were calculated, considering the significance coefficient (p) <0.05.

Result:

The variables associated with a higher risk of anxiety signs and symptoms were female gender, decreasing/increasing smoking habit, increasing/not changing drug consumption, decreasing/not practicing leisure, lack of preparation by the university for distance learning, distance learning in place before the pandemic and decline in academic performance compared to previous periods. As for depression, there was a greater risk of increasing/not changing the use of medications, decreasing leisure time, university not being prepared for distance learning, declining academic performance and brown skin colour.

Conclusion:

Different factors related to the signs and symptoms of anxiety and depression were identified in the period of social distancing resulting from the COVID-19 pandemic.

Key words: Medical students; anxiety; depression; social distancing; distance learning

INTRODUÇÃO

Transtornos mentais, como ansiedade e depressão, são responsáveis por incapacidades funcionais, diminuição na qualidade de vida, incremento nos gastos com saúde e prejuízos nos relacionamentos interpessoais1. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil, em 2017, a prevalência de depressão foi de 5,8% da população geral e de 9,3% no que concerne aos transtornos de ansiedade2.

A depressão pode ser definida como um estado de desânimo e pessimismo, o qual afeta a autoestima, diminui o interesse pelo mundo externo e pela atividade sexual, e causa insônia, falta de apetite, sentimentos autopunitivos e descrença em capacidades individuais3. Por sua vez, a ansiedade é um estado emocional angustiante, caracterizado por uma sensação de perigo iminente. Sua intensidade e duração podem variar e manifestar-se de forma fisiológica e/ou psicológica. Os sintomas fisiológicos são os mesmos da depressão, e os psicológicos são experimentados com apreensão, como um sentimento de se sentir impotente ante um perigo repentino e desconhecido4.

Estudos prévios apontam que os estudantes universitários estão mais suscetíveis à manifestação de transtornos mentais que a população geral, e sua presença interfere no bem-estar psicossocial, nas relações interpessoais e no desempenho acadêmico, além de envolver sentimentos de inadequação pessoal, baixa autoestima e autoconfiança reduzida5. A depressão vem se manifestando entre os estudantes como um dos transtornos mentais mais prevalentes, o que traz prejuízos à formação profissional deles5.

O curso de Medicina é conhecido por ser um curso de alta complexidade e por exigir muito do estudante, o que pode causar maior prevalência de transtornos mentais e baixa qualidade de vida6. Os processos formativos na educação médica possuem diversos fatores considerados estressores e possíveis desencadeadores de transtornos mentais, como a longa jornada de estudo e dedicação, a dificuldade em conciliar a vida acadêmica e a pessoal, e a exposição a situações de dor e sofrimento. Essas características inerentes ao estudante universitário e à formação médica podem deixá-lo mais vulnerável à manifestação de sofrimento psíquico e/ou transtornos mentais, especialmente ansiedade e depressão7.

Atualmente, com a pandemia da coronavirus disease 2019 (Covid-19), medidas gerais foram adotadas para prevenir a propagação do vírus, como o distanciamento social, o qual influenciou a saúde mental8, tornando-se um forte preditor para os transtornos mentais9),(10. O retraimento social possui efeitos negativos para saúde devido à ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) e ao aumento de sintomas depressivos11. Além do distanciamento, outro fator que pode contribuir para o aumento da incidência de transtornos mentais durante a pandemia é o medo da incerteza trazido pela nova doença.

O aumento na incidência de transtornos psicológicos durante a pandemia pode também afetar os estudantes de Medicina, e, por isso, é imprescindível que seja feita uma análise acerca desse impacto para essa população, por tratar-se de um grupo de maior vulnerabilidade. Assim, nosso estudo teve como objetivo estimar a prevalência e os fatores associados aos sinais e sintomas de ansiedade e depressão nos estudantes de Medicina do estado de Pernambuco, no Brasil, durante o período de distanciamento social em virtude da pandemia da Covid-19.

MATERIAL E MÉTODOS

Desenho do estudo e características dos participantes

Trata-se de um estudo de corte transversal e prospectivo realizado pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pelo Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) em junho de 2020. Incluíram-se estudantes de Medicina de todas as instituições de ensino superior (IES) do estado de Pernambuco, e excluíram-se aqueles que responderam inadequadamente ao formulário.

Variáveis e procedimentos

Elaborou-se um questionário on-line por meio da plataforma Google Forms contendo características sociodemográficas e clínicas, e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (EHAD), a qual foi validada no Brasil12.

No desenvolvimento do questionário, elaboraram-se perguntas de fácil entendimento com o intuito de obter respostas objetivas. Inicialmente, realizou-se um estudo-piloto com uma amostra selecionada por conveniência com indivíduos, a fim de testar as inconsistências e divergências de entendimento das questões e possibilitar a uniformização da linguagem e do entendimento. As respostas desse estudo-piloto não foram incluídas na presente análise.

Após construção da versão final do questionário, ele foi encaminhado, inicialmente, por Instagram, Facebook, WhatsApp, e-mail e Twitter a todos os contatos dos pesquisadores. Solicitou-se que cada um repassasse o questionário e o divulgasse com seus contatos em suas redes sociais, conforme técnica snow ball13.

As variáveis de análise dependente foram os sinais e sintomas de ansiedade e depressão determinados pela EHAD, enquanto as independentes foram divididas em: características sociodemográficas, características relacionadas ao distanciamento social e características relacionadas aos aspectos acadêmicos.

As características sociodemográficas foram: idade (em anos); sexo (feminino ou masculino); religião (católica, evangélica, outra ou sem religião); estado civil (solteiro, casado ou outro); cor de pele (branca, negra, parda ou outra); com quem reside (outras pessoas ou sozinho); e região de Pernambuco em que reside (agreste/sertão, metropolitana ou Recife, capital). As características relacionadas ao distanciamento social foram: renda familiar mensal (diminuiu ou não diminuiu); distanciamento social/isolamento social e/ou quarentena (sim ou não); consumo de cigarro, álcool, drogas e medicamentos, e práticas de lazer e de exercício físico (diminuiu, aumentou, permaneceu igual ou não faz uso/não pratica); e teste da Covid-19 (positivo, negativo, não realizou ou aguardando resultado). As características relacionadas aos aspectos acadêmicos foram: universidade (pública, não se encontrava em funcionamento, ou privada, encontrava-se com ensino a distância - EAD); período/semestre (do primeiro ao 12º); impressão sobre o EAD, se considera que a universidade está preparada para o EAD, se na universidade existia alguma forma de EAD antes do período de distanciamento social, se teve contato com plataformas digitais para encontros a distância disponibilizados pela universidade antes do período de distanciamento social e se teve alguma qualificação, disponibilizada pela universidade, para uso do ambiente virtual sugerido (sim ou não); e comparação do rendimento de aprendizagem aos períodos anteriores, excetuando o primeiro período/semestre (aumentou, diminuiu ou primeiro período).

Na EHAD, os participantes indicam o grau em que experimentaram cada um dos sintomas descritos durante a semana anterior. Há quatro pontuações do tipo Likert: 0 (não se aplicou nada a mim), 1 (aplicou-se a mim algumas vezes), 2 (aplicou-se a mim muitas vezes) e 3 (aplicou-se muito a mim a maior parte das vezes)12. A escala é composta por 14 questões: 1, 3, 5, 7, 9, 11 e 13 correspondem à subescala de ansiedade; e 2, 4, 6, 8, 10, 12 e 14, à de depressão. Dessa forma, cada subescala registra no máximo 21 pontos, e os sintomas são assim classificados: assintomáticos quando o escore total estiver entre 1 e 7, leve entre 8 e 10, moderado entre 11 e14 e grave entre 15 e 2114),(15.

Análise de dados

No cálculo da amostra, utilizou-se o programa Epi Info versão 7.2.3.1 (Centers for Disease Control and Prevention - CDC, Atlanta, DC). Considerando uma prevalência de 40,3% de ansiedade nos estudantes de Medicina (estudo-piloto não publicado), uma margem de erro de 3% e um nível de confiança de 95%, seriam necessários 1.026 participantes.

Todas as análises foram realizadas no Stata versão 12.1 (StataCorp, College Station, EUA). Inicialmente, obtiveram-se as frequências para as variáveis categóricas e calcularam-se as medidas de tendência central e dispersão para as variáveis numéricas. Em seguida, a análise univariada foi conduzida para descrever a distribuição das variáveis dependentes e independentes na população de estudo. A razão de risco (RR) não ajustada e ajustada e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram calculados por meio da regressão de Poisson com variância robusta. A significância de cada variável explicativa presente no modelo foi avaliada por meio do teste de Wald. Na análise multivariada, o modelo inicial foi composto pelas variáveis explicativas com p < 0,20 na análise univariada, sendo as variáveis com nível de significância < 0,05 que permaneceram no modelo final.

Considerações éticas

O estudo teve início apenas após aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em seres humanos da Unicap, sob Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 31779820.8.0000.5206 e Parecer nº 4.077.533, de 9 de junho de 2020, e do Imip, sob CAAE nº 31779820.8.3001.5201 e Parecer nº 4.090.560, de 16 de junho de 2020.

Todos os participantes incluídos no estudo concordaram em participar do estudo assinando virtualmente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

Obtiveram-se 1.372 respostas do formulário, das quais se excluíram 14 por apresentarem respostas inadequadas, restando 1.358 estudantes de Medicina para análise.

Após a interpretação da EHAD, observou-se que, em relação à ansiedade, 46,0% (n = 625) dos discentes possuíam sintomatologia, sendo 22,1% (IC95% 19,9-24,4) (n = 300) de intensidade leve. Quanto à depressão, 35,4% (n = 481) dos estudantes possuíam sintomas, sendo 20,1% (IC95% 18,0-22,4) (n = 273) leve (Tabela 1).

Tabela 1 Gravidade de ansiedade e depressão de acordo com a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão 

Leve Moderada Grave
N % (IC95%) N % (IC95%) N % (IC95%)
Ansiedade 300 22,1 (19,9-24,4) 229 16,9 (14,9-19,0) 96 7,1 (5,8-8,6)
Depressão 273 20,0 (18,0-22,4) 182 13,4 (11,7-15,4) 26 1,9 (1,3-2,8)

Fonte: Elaborada pelos autores.

No modelo final, análise multivariada, os seguintes fatores foram associados ao maior risco de sinais e sintomas ansiosos: sexo feminino (RR 1,40; IC95% 1,10-1,77; p = 0,006); diminuir o hábito de fumar (RR 1,87; IC95% 1,23-2,85; p = 0,003); aumentar o hábito de fumar (RR 1,68; IC95% 1,02-2,77; p = 0,041); aumentar o consumo de medicamentos (RR 2,72; IC95% 2,19-3,38; p < 0,001); não alterar o consumo de medicamentos (RR 1,58; IC95% 1,15-2,18; p = 0,005); não praticar lazer (RR 2,33; IC95% 1,34-4,07; p = 0,003); diminuir a prática de lazer (RR 1,90; IC95% 1,45-2,49; p < 0,001); universidade não ter se preparado para o EAD (RR 1,30; IC95% 1,04-1,61; p = 0,019); ter EAD antes da pandemia (RR 1,25; IC95% 1,02-1,53; p = 0,032); e diminuir o rendimento comparado aos períodos anteriores (RR 1,49; IC95% 1,04-2,14; p = 0,031) (tabelas 2 e 3).

Tabela 2 Análise univariada dos fatores associados à ansiedade 

Variáveis Amostra Ansiedade
N N (%) RR (IC95%) p
Sexo (N = 1.358) < 0,001
Masculino 516 91 (17,6) 1,0
Feminino 842 234 (27,8) 1,58(1,27-1,96)
Religião (N = 1.358) 0,079
Católica 690 153 (22,2) 0,80 (0,65-1,00) 0,050
Evangélica 171 34 (19,9) 0,72 (0,51-1,02) 0,063
Outra 138 39 (28,3) 1,02 (0,75-1,40) 0,879
Sem religião 359 99 (27,6) 1,0
Estado civil (N = 1.358) 0,246
Solteiro(a) 1.265 309 (24,4) 1,0
Casado(a) 51 7 (13,7) 0,56 (0,28-1,13) 0,104
Outro 42 9 (21,4) 0,88 (0,49-1,58) 0,662
Cor de pele (N = 1.358) 0,898
Branca 955 231 (24,2) 1,0
Parda 347 83 (23,9) 0,99 (0,79-1,23) 0,920
Negra 42 8 (19,0) 0,79 (0,42-1,48) 0,460
Outra 14 3 (21,4) 0,89 (0,32-2,43) 0,814
Com quem mora (N = 1.358) 0,990
Outras pessoas 1.212 290 (23,9) 1,0
Sozinho(a) 146 35 (24,0) 1,00 (0,74-1,36)
Renda familiar mensal (N = 1.358) 0,005
Diminuiu 846 224 (26,5) 1,34 (1,09-1,65)
Não diminuiu 512 101 (19,7) 1,0
Hábito de fumar (N = 1.358) 0,004
Não sou fumante 1.310 306 (23,4) 1,0
Diminuiu 22 10 (45,5) 1,95 (1,22-3,11) 0,005
Permaneci da mesma forma 8 1 (12,5) 0,54 (0,09-3,36) 0,505
Aumentei 18 8 (44,4) 1,90 (1,12-3,22) 0,017
Consumo de álcool (N = 1.358) 0,930
Aumentou 170 41 (24,1) 1,00 (0,73-1,38) 0,994
Sem alteração 289 65 (22,5) 0,93 (0,71-1,23) 0,624
Diminuiu 488 120 (24,6) 1,02 (0,81-1,29) 0,861
Não consumo 411 99 (24,1) 1,0
Uso de drogas ilícitas (N = 1.358) 0,345
Aumentou 9 2 (22,2) 0,95 (0,28-3,23) 0,932
Sem alteração 20 7 (35,0) 1,49 (0,81-2,74) 0,194
Diminuiu 66 20 (30,3) 1,29 (0,88-1,89) 0,184
Não consumo 1.263 296 (23,4) 1,0
Uso de medicamentos (N = 1.358) < 0,001
Aumentou 213 117 (54,9) 3,32 (2,75-3,99) < 0,001
Sem alteração 130 40 (30,8) 1,86 (1,38-2,49) < 0,001
Diminuiu 31 5 (16,1) 0,97 (0,43-2,20) 0,949
Não faço uso 984 163 (16,6) 1,0
Prática de lazer (N = 1.358) < 0,001
Aumentou 1.108 237 (21,4) 1,0
Sem alteração 139 38 (27,3) 1,28 (0,95-1,71) 0,102
Diminuiu 103 45 (43,7) 2,04 (1,60-2,61) < 0,001
Não pratico 8 5 (62,5) 2,92 (1,69-5,06) < 0,001
Prática de exercício físico (N = 1.358) 0,014
Aumentei 374 71 (19,0) 1,0
Sem alteração 233 52 (22,3) 1,18 (0,86-1,62) 0,319
Diminuiu 610 158 (25,9) 1,36 (1,06-1,75) 0,014
Não prático 141 44 (31,2) 1,64 (1,19-2,27) 0,003
Realizou teste para Covid-19 (N = 1.358) 0,837
Não realizei 1.232 296 (24,0) 1,0
Realizei e deu negativo 91 20 (22,0) 0,91 (0,61-1,36) 0,662
Realizei e deu positivo 28 8 (28,6) 1,19 (0,66-2,15) 0,568
Realizei e estou aguardando resultado 7 1 (14,3) 0,59 (0,10-3,66) 0,575
Região de Pernambuco, Brasil (N = 1.358) 0,396
Agreste/sertão 119 23 (19,3) 0,79 (0,54-1,15) 0,214
Metropolitana 97 21 (21,6) 0,88 (0,59-1,30) 0,522
Recife 1.142 281 (24,6) 1,0
Universidade pública-privada (N = 1.358) 0,111
Privada 950 239 (25,2) 1,0
Pública 408 86 (21,1) 0,84 (0,67-1,04)
Está com EAD (N = 1.358) 0,115
Não 429 91 (21,2) 0,84 (0,68-1,04)
Sim 929 234 (25,2) 1,0
Universidade se preparou para EAD (N = 1.358) 0,047
Sim 541 114 (21,1) 1,0
Não 817 211 (25,8) 1,23 (1,00-1,50)
Existia EAD na universidade (N = 1.358) 0,008
Sim 791 210 (26,5) 1,31 (1,07-1,60)
Não 567 115 (20,3) 1,0
Usava plataformas digitais antes (N = 1.358) 0,824
Sim 248 58 (23,4) 1,0
Não 1.110 267 (24,1) 1,03 (0,80-1,32)
Qualificação disponibilizada (N = 1.358) 0,825
Sim 391 92 (23,5) 1,0
Não 967 233 (24,1) 1,02 (0,83-1,26)
Comparação da aprendizagem (N = 1.167) 0,024
Aumentou 150 24 (16,0) 1,0
Diminuiu 1.017 253 (24,9) 1,55 (1,06-2,28)

EAD: ensino a distância.

Fonte: Elaborada pelos autores.

Tabela 3 Análise multivariada dos fatores associados à ansiedade 

Variáveis Modelo inicial Modelo final
RR (IC95%) pa RR (IC95%) pa
Sexo 0.002 0.006
Masculino 1.0 1.0
Feminino 1.47 (1.15 - 1.87) 0.002 1.40 (1.10 - 1.77) 0.006
Religião 0.182
Católica 0.80 (0.64 - 1.01) 0.066
Evangélica 0.73 (0.50 - 1.06) 0.098
Outra 0.94 (0.66 - 1.33) 0.724
Sem religião 1.0
Renda familiar mensal 0.264
Diminuiu 1.13 (0.91 - 1.41) 0.264
Não diminuiu 1.0
Hábito de fumar 0.026 0.007
Não sou fumante 1.0 1.0
Diminui 1.74 (1.15 - 2.63) 0.008 1.87 (1.23 - 2.85) 0.003
Permaneci da mesma forma 1.02 (0.16 - 6.45) 0.983 1.03 (0.16 - 6.78) 0.974
Aumentei 1.55 (0.94 - 2.56) 0.089 1.68 (1.02 - 2.77) 0.041
Uso de medicamentos < 0.001 < 0.001
Aumentou 2.59 (2.08 - 3.22) < 0.001 2.72 (2.19 - 3.38) < 0.001
Sem alteração 1.53 (1.11 - 2.10) 0.009 1.58 (1.15 - 2.18) 0.005
Diminuiu 1.07 (0.49 - 2.36) 0.861 1.18 (0.54 - 2.57) 0.678
Não faço uso 1.0 1.0
Prática de lazer < 0.001 < 0.001
Aumentou 1.0 1.0
Sem alteração 1.13 (0.84 - 1.53) 0.413 1.16 (0.87 - 1.56) 0.319
Diminuiu 1.81 (1.37 - 2.39) < 0.001 1.90 (1.45 - 2.49) < 0.001
Não pratico 1.98 (1.14 - 3.43) 0.015 2.33 (1.34 - 4.07) 0.003
Prática de exercício físico 0.393
Aumentei 1.0
Sem alteração 1.14 (0.81 - 1.60) 0.454
Diminuiu 1.21 (0.91 - 1.60) 0.181
Não prático 1.36 (0.94 - 1.94) 0.099
Universidade Pública-Privada 0.803
Privada 1.0
Publica 0.93 (0.51 - 1.70) 0.803
Está com ensino à distância (EAD) 0.768
Não 1.09 (0.61 - 1.97)
Sim 1.0
Universidade se preparou para EAD 0.050 0.019
Sim 1.0 1.0
Não 1.26 (1.00 - 1.58) 1.30 (1.04 - 1.61)
Existia EAD na universidade 0.019 0.032
Sim 1.28 (1.04 - 1.58) 1.25 (1.02 - 1.53) 0.032
Não 1.0 0.019 1.0
Comparação da aprendizagem 0.060 0.031
Aumentou 1.0 1.0
Diminuiu 1.42 (0.99 - 2.05) 0.060 1.49 (1.04 - 2.14)

EAD: ensino a distância.

a Modelos ajustados pela regressão de Poisson.

Fonte: Elaborada pelos autores.

Em relação à depressão, após análise multivariada, identificaram-se os seguintes fatores de risco: aumentar o uso de medicamentos (RR 3,28; IC95% 2,46-4,37; p < 0,001); não alterar o consumo de medicamentos (RR 1,90; IC95% 1,25-2,88; p = 0,003); diminuir a prática de lazer (RR 2,33; IC95% 1,71-3,16; p < 0,001); universidade não ter se preparado para o EAD (RR 1,41; IC95% 1,06-1,87; p = 0,019); diminuir o rendimento comparado aos períodos anteriores (RR 2,97; IC95% 1,53-5,78; p = 0,001); e possuir a cor de pele parda (RR 1,32; IC95% 1,00-1,74; p = 0,049) (Tabelas 4 e 5).

Tabela 4 Análise univariada dos fatores associados à depressão 

Variáveis Amostra Depressão
N N (%) RR (IC95%) p
Sexo (N = 1.358) 0,064
Masculino 516 67 (13,0) 1,0
Feminino 842 141 (16,7) 1,29 (0,99-1,69) 0,064
Religião (N = 1.358) 0,013
Católica 690 91 (13,2) 0,68 (0,51-0,90) 0,007
Evangélica 171 20 (11,7) 0,60 (0,38-0,95) 0,030
Outra 138 27 (19,6) 1,00 (0,67-1,49) 0,987
Sem religião 359 70 (19,5) 1,0
Estado civil (N = 1.358) 0,410
Solteiro(a) 1.265 190 (15,0) 1,0
Casado(a) 51 11 (21,6) 1,44 (0,84-2,46) 0,189
Outro 42 7 (16,7) 1,11 (0,56-2,21) 0,767
Cor de pele (N = 1.358) 0,290
Branca 955 141 (14,8) 1,0
Parda 347 61 (17,6) 1,19 (0,91-1,57) 0,212
Negra/outras 56 6 (10,7) 0,73 (0,34-1,57) 0,415
Com quem mora (N = 1.358) 0,253
Outras pessoas 1.212 181 (14,9) 1,0
Sozinho(a) 146 27 (18,5) 1,24 (0,86-1,79) 0,253
Renda familiar mensal (N = 1.358) 0,193
Diminuiu 846 138 (16,3) 1,19 (0,91-1,56) 0,193
Não diminuiu 512 70 (13,7) 1,0
Hábito de fumar (N = 1.358) 0,040
Não sou fumante 1.310 195 (14,9) 1,0
Diminuiu 22 6 (27,3) 1,83 (0,91-3,67) 0,088
Permaneci da mesma forma 8 1 (12,5) 0,84 (0,13-5,28) 0,852
Aumentei 18 6 (33,3) 2,24 (1,15-4,36) 0,018
Consumo de álcool (N = 1.358) 0,125
Aumentou 170 33 (19,4) 1,27 (0,86-1,85) 0,225
Sem alteração 289 33 (11,4) 0,74 (0,50-1,10) 0,142
Diminuiu 488 79 (16,2) 1,06 (0,78-1,43) 0,725
Não consumo 411 63 (15,3) 1,0
Uso de drogas ilícitas (N = 1.358) 0,604
Aumentou 9 2 (22,2) 1,49 (0,43-5,08) 0,529
Sem alteração 20 4 (20,0) 1,34 (0,55-3,24) 0,521
Diminuiu 66 13 (19,7) 1,32 (0,79-2,18) 0,286
Não consumo 1.263 189 (15,0) 1,0
Uso de medicamentos (N = 1.358) < 0,001
Aumentou 213 74 (34,7) 3,32 (2,56-4,30) < 0,001
Sem alteração 130 27 (20,8) 1,98 (1,35-2,91) < 0,001
Diminuiu 31 4 (12,9) 1,23 (0,48-3,13) 0,660
Não faço uso 984 103 (10,5) 1,0
Prática de lazer (N = 1.358) < 0,001
Aumentou 1.108 145 (13,1) 1,0
Sem alteração 139 20 (14,4) 1,10 (0,71-1,70) 0,668
Diminuiu 103 40 (38,8) 2,97 (2,23-3,95) < 0,001
Não pratico 8 3 (37,5) 2,87 (1,16-7,10) 0,023
Prática de exercício físico (N = 1.358) 0,005
Aumentei 374 37 (9,9) 1,0
Sem alteração 233 34 (14,6) 1,48 (0,95-2,28) 0,081
Diminuiu 610 111 (18,2) 1,84 (1,30-2,61) < 0,001
Não pratico 141 26 (18,4) 1,86 (1,17-2,96) 0,008
Realizou teste para Covid-19 (N = 1.358) 0,800
Não realizei 1.232 186 (15,1) 1,0
Realizei e deu negativo 91 15 (16,5) 1,09 (0,67-1,77) 0,721
Realizei e deu positivo 28 6 (21,4) 1,42 (0,69-2,92) 0,342
Realizei e estou aguardando resultado 7 1 (14,3) 0,95 (0,15-5,84) 0,953
Região de Pernambuco, Brasil (N = 1.358) 0,064
Agreste/sertão 119 14 (11,8) 0,78 (0,47-1,30) 0,344
Região metropolitana 97 22 (22,7) 1,51 (1,02-2,23) 0,041
Recife 1.142 172 (15,1) 1,0
Universidade pública-privada (N = 1.358) 0,370
Privada 950 151 (15,9) 1,0
Pública 408 57 (14,0) 0,88 (0,66-1,17) 0,370
Está com EAD (N = 1.358) 0,280
Não 429 59 (13,8) 0,86 (0,65-1,13) 0,280
Sim 929 149 (16,0) 1,0
Universidade se preparou para EAD (N = 1.358) 0,002
Sim 541 62 (11,5) 1,0
Não 817 146 (17,9) 1,56 (1,18-2,06)
Existia EAD na universidade (N = 1.358) 0,742
Sim 791 119 (15,0) 0,96 (0,74-1,23)
Não 567 89 (15,7) 1,0
Usava plataformas digitais antes (N = 1.358) 0,250
Sim 248 32 (12,9) 1,0
Não 1.110 176 (15,9) 1,23 (0,87-1,75)
Qualificação disponibilizada (N = 1.358) 0,256
Sim 391 53 (13,6) 1,0
Não 967 155 (16,0) 1,18 (0,89-1,58) 0,256
Comparação da aprendizagem (N = 1.167) 0,001
Aumentou 150 8 (5,3) 1,0
Diminuiu 1.017 167 (16,4) 3,08 (1,55-6,13) 0,001

EAD: ensino a distância.

Fonte: elaborada pelos autores.

Tabela 5 Análise multivariada dos fatores associados à depressão 

Variáveis Modelo inicial Modelo inicial
RR (IC95%) pa RR (IC95%) pa
Sexo 0.704
Masculino 1.0
Feminino 1.06 (0.78 - 1.43) 0.704
Religião 0.107
Católica 0.71 (0.52 - 0.99) 0.040
Evangélica 0.74 (0.46 - 1.18) 0.207
Outra 1.05 (0.67 - 1.64) 0.840
Sem religião 1.0
Renda familiar mensal 0.537
Diminuiu 0.91 (0.68 - 1.22) 0.537
Não diminuiu 1.0
Hábito de fumar 0.649
Não sou fumante 1.0
Diminui 1.41 (0.66 - 3.01) 0.372
Permaneci da mesma forma 1.71 (0.27 - 10.62) 0.566
Aumentei 1.37 (0.60 - 3.10) 0.452
Consumo de álcool 0.307
Aumentou 0.97 (0.65 - 1.45) 0.881
Sem alteração 0.70 (0.48 - 1.03) 0.072
Diminuiu 0.90 (0.63 - 1.28) 0.552
Não consumo 1.0
Uso de medicamentos < 0.001 < 0.001
Aumentou 3.10 (2.29 - 4.19) < 0.001 3.28 (2.46 - 4.37) < 0.001
Sem alteração 1.85 (1.21 - 2.83) 0.005 1.90 (1.25 - 2.88) 0.003
Diminuiu 1.51 (0.62 - 3.65) 0.365 1.53 (0.66 - 3.53) 0.316
Não faço uso 1.0 1.0
Prática de lazer < 0.001 < 0.001
Aumentou 1.0 1.0
Sem alteração 1.02 (0.65 - 1.59) 0.930 1.09 (0.71 - 1.69) 0.692
Diminuiu 2.10 (1.50 - 2.94) < 0.001 2.33 (1.71 - 3.16) < 0.001
Não pratico 2.15 (0.70 - 6.55) 0.180 2.17 (0.71 - 6.61) 0.171
Prática de exercício físico 0.334
Aumentei 1.0
Sem alteração 1.50 (0.94 - 2.38) 0.090
Diminuiu 1.34 (0.89 - 2.01) 0.160
Não prático 1.13 (0.66 - 1.92) 0.653
Região de Pernambuco 0.071
Agreste/Sertão 0.64 (0.33 - 1.21) 0.169
Metropolitana 1.45 (0.96 - 2.18) 0.079
Recife 1.0
Universidade se preparou para EAD 0.010 0.019
Sim 1.0 1.0
Não 1.46 (1.09 - 1.95) 0.010 1.41 (1.06 - 1.87) 0.019
Comparação da aprendizagem 0.001 0.001
Aumentou 1.0 1.0
Diminuiu 3.00 (1.54 - 5.87) 0.001 2.97 (1.53 - 5.78) 0.001
Etnia 0.050
Branca 1.0
Parda 1.32 (1.00 - 1.74) 0.049
Negra/Outras 0.57 (0.24 - 1.38) 0.214

EAD: ensino a distância.

a Modelos ajustados pela regressão de Poisson.

Fonte: elaborada pelos autores.

DISCUSSÃO

A preservação da saúde mental é essencial para os estudantes universitários, independentemente do curso escolhido, porém estudos sugerem que transtornos mentais ocorram com maior frequência no curso de Medicina16)-(18. O nosso estudo, que foi realizado durante a pandemia da Covid-19, observou uma alta prevalência de sinais e sintomas de ansiedade (46,1%) e depressão (35,4%) em estudantes de Medicina, independentemente da gravidade. Essas taxas são semelhantes aos resultados obtidos por estudos realizados no mesmo período, porém maiores quando comparados com pesquisas feitas antes da pandemia19. Um estudo realizado no Irã, em abril de 2020, observou uma taxa de sinais e sintomas de ansiedade e depressão de 38% e 27,6%, respectivamente20. Tal estudo concluiu que as prevalências não se alteraram significativamente no contexto da pandemia, apesar de um aumento de sintomas somáticos da depressão.

Essas maiores prevalências em estudantes de Medicina são provavelmente decorrentes da elevada carga horária, do grande volume de disciplinas, da cobrança da sociedade e da instituição de ensino, da relação saúde/doença/morte, além da autocobrança21. Todos esses fatores podem influenciar significativamente o grau de vulnerabilidade do indivíduo no âmbito psicossocial. Entretanto, durante a pandemia, o medo intensificou os níveis de estresse e ansiedade em pessoas saudáveis, e aumentou os sintomas daquelas com transtornos mentais preexistentes22.

Os resultados apontam uma percepção de pior rendimento escolar dos estudantes de Medicina, concomitantemente ao aumento significativo dos sinais e sintomas de ansiedade e depressão entre os universitários no período pandêmico. Além disso, observa-se uma maior prevalência desses transtornos em estudantes que tinham alguma forma de EAD antes da pandemia e que não tiveram uma preparação para o EAD durante a pandemia. Isso pode ser explicado pela mudança repentina da metodologia de ensino, do presencial para o EAD, e pelas preocupações com a progressão acadêmica e com o medo da pandemia, o que pode ter influenciado a qualidade do sono. Pesquisadores mostram que o rendimento acadêmico dos estudantes de graduação está diretamente relacionado a uma boa qualidade do sono23.

Destaca-se que não houve diferença significativa na taxa de sinais e sintomas de ansiedade e depressão entre os estudantes que estavam ou não em EAD durante a pandemia. Dessa maneira, é válido ressaltar que, apesar de o EAD trazer consigo algumas barreiras para os educadores médicos e acadêmicos, como tempo insuficiente e inadequado para se dedicar às ferramentas e familiarizar-se e se engajar com elas - para muitos foi o primeiro contato com aulas remotas -, além de questões de infraestrutura, como conectividade de internet e acesso limitado a tecnologias24, isso não contribuiu para o aumento de sinais e sintomas para ansiedade e depressão. Assim, é provável que estar ou não em EAD foi menos preocupante nesse momento de pandemia que as condições que a universidade oferecia para desempenhá-lo.

Notou-se uma maior prevalência de ansiedade nos estudantes de Medicina do sexo feminino. Esse dado também foi observado em estudo realizado com participantes de 21 a 30 anos, em cidades da China, no qual o sexo feminino e o status de estudante foram significativamente associados a um maior impacto psicológico do surto com níveis mais elevados de estresse, ansiedade e depressão25. Além disso, estudos anteriores à pandemia comprovam que já existia a vulnerabilidade das mulheres ao desenvolvimento de distúrbios psicológicos, visto que elas assumem vários papéis, de trabalhadora e cuidadora da família. Esses fatores, associados a oscilações hormonais, aspectos genéticos e estressores, aumentam sua vulnerabilidade26. Entretanto, nosso estudo só constatou maior suscetibilidade do sexo feminino ao desenvolvimento de sinais e sintomas de ansiedade, não mostrando significância para depressão.

No que se refere à etnia, é importante salientar que não há um fator biológico que predisponha ao desenvolvimento de transtornos mentais27, logo se sugere que os fatores ambientais e socioeconômicos sejam os responsáveis. Uma revisão sistemática constatou a prevalência dos transtornos mentais na população negra em relação à população branca28, dado semelhante ao nosso estudo, em que a população parda no grupo da depressão foi significativamente maior quando comparada com as demais. Entretanto, a mesma revisão evidencia limitações metodológicas nos estudos avaliados, os quais não seguiam uma normatização na definição das categorias de etnia, sugerindo a realização de novos estudos28.

Apesar de bem estabelecida a relação favorável da prática de atividades físicas com a profilaxia do surgimento da depressão29, nosso estudo não demonstrou aumento de sinais e sintomas de ansiedade e depressão devido à diminuição de atividades físicas. Esse resultado diverge de um estudo realizado no Canadá, o qual evidenciou uma associação significativa do desenvolvimento desses transtornos com a redução do exercício físico30.

No que se refere ao tabagismo, constatou-se que tanto o aumento como a diminuição do hábito de fumar estão relacionados a um maior risco para o desenvolvimento de sinais e sintomas da ansiedade. Essa dualidade pode ser encontrada nos estudos transversais, como foi o caso. O aumento de sintomas ansiosos pode ser explicado pela abstinência do tabaco31, enquanto o aumento do consumo do tabagismo pode estar associado aos transtornos de ansiedade32.

Estudos sugerem que possuir religião diminui a chance de desenvolver transtornos mentais, pois acredita-se que a religiosidade tem função psicológica primária por dar significado aos sofrimentos físicos e psicológicos por meio do conforto e amparo aos seus filiados, principalmente em momentos de dificuldade33. Além disso, a ideia de pertencimento a um grupo fornece um suporte psicossocial. Contudo, nosso estudo não obteve significância entre ter ou não ter religião e desenvolvimento de sinais e sintomas de ansiedade e depressão.

Em nosso estudo, diminuir a prática de lazer ou mesmo não praticar foi fator de risco para ansiedade e depressão. Semelhantemente, um estudo concluiu que indivíduos que praticam atividade regular de lazer de qualquer intensidade têm menor probabilidade de apresentar sintomas de depressão, entretanto, em relação à ansiedade, houve prevalência ligeiramente menor nos indivíduos que praticam atividades de lazer leve34.

Durante a pandemia da Covid-19, surgiram muitos estudos sobre ansiedade e depressão na população geral, porém pouco foram desenhados especificamente para os estudantes de Medicina, e não se encontrou na literatura pesquisada nenhum que tenha incluído variáveis relacionadas ao EAD. Isso foi possível porque no Brasil o EAD para a graduação de Medicina não era permitido até a pandemia da Covid-19, e, com a liberação parcial dessa metodologia, houve uma dicotomização entre as universidades, particularmente no estado de Pernambuco: as públicas, que não funcionaram e liberaram os alunos; e as privadas, que continuaram a funcionar com o método a distância. É importante destacar que foram incluídos alunos de todas as universidades públicas e privadas do estado. Entre as principais limitações do nosso estudo, pode-se destacar o fato de que ele foi realizado on-line, o que possibilita a inclusão de uma população diversa, porém, por ter partido dos contatos dos pesquisadores, a amostra foi limitada, mesmo solicitando a divulgação por todos, na tentativa de abranger o máximo de participantes. Destaca-se que o tamanho amostral calculado foi atingido. Houve ainda a dificuldade do entendimento de algumas questões do formulário on-line, o que levou a dúvidas, porém esse aspecto foi minimizado com a divulgação dos contatos telefônicos dos pesquisadores. Assim, sugere-se a realização de novos estudos com maior número amostral, abrangendo uma população mais diversa.

CONCLUSÕES

Evidenciou-se que fatores sociais, culturais e relacionados ao desempenho acadêmico, bem como as mudanças metodológicas de ensino, estão entre as variáveis significativas para o acometimento psicológico dos estudantes de Medicina durante a pandemia da Covid-19. Além disso, a identificação desses fatores permite a elaboração de estratégias que objetivem atenuar os distúrbios psiquiátricos, bem como contribuir para a reformulação dos métodos de ensino na área médica.

REFERÊNCIAS

1. Daly M, McMinn D, Allan JL. A bidirectional relationship between physical activity and executive function in older adults. Hum Front Neurosci. 2015;8:1044. [ Links ]

2. World Health Organization. Depression and other common mental disorders: global health estimates. Geneva: WHO; 2017. [ Links ]

3. Cohen EB, Costa ARL, Ambiel RAM. Relação entre sintomas depressivos e esperança cognitiva em universitários. Rev Psicol IMED. 2019;11(2):3-14. [ Links ]

4. Moore BE, Fine BD. Dicionário de termos e conceitos psicanalíticos. Porto Alegre: Artes Médicas; 1992. [ Links ]

5. Costa DS, Medeiros NSB, Cordeiro RA, Frutuoso ES, Lopes JM, Moreira SNT. Sintomas de depressão, ansiedade e estresse em estudantes de Medicina e estratégias institucionais de enfrentamento. Rev Bras Educ Med. 2020;44(1):e040. [ Links ]

6. Miranda IMM, Tavares HHF, Silva HRS, Braga MS, Santos RO, Guerra HS. Quality of life and graduation in Medicine. Rev Bras Educ Med . 2020;44(3):e086. [ Links ]

7. Silva RC, Pereira AA, Moura EP. Qualidade de vida e transtornos mentais menores dos estudantes de Medicina do Centro Universitário de Caratinga (Unec) - Minas Gerais. Rev Bras Educ Med . 2020;44(2):e064. [ Links ]

8. Leigh-Hunt N, Bagguley D, Bash K, Turner V, Turnbull S, Valtorta N, et al. An overview of systematic reviews on the public health consequences of social isolation and loneliness. Public Health. 2017;152:157-71. [ Links ]

9. Souza ASR, Souza GFA, Souza GA, Cordeiro ALN, Praciano GAF, Alves ACS, et al. Factors associated with stress, anxiety, and depression during social distancing in Brazil. Rev Saude Publica. 2021;55:e5. [ Links ]

10. Abel T, McQueen D. Critical health literacy and the Covid-19 crisis. Health Promot Int. 2020;35(6):1612-1613. [ Links ]

11. Cacioppo JT, Cacioppo S, Capitanio JP, Cole SW. The neuroendocrinology of social isolation. Annu Rev Psychol. 2015;66:733-67. [ Links ]

12. Faro A. Análise fatorial confirmatória e normatização da Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS). Psicol Teor Pesqui. 2015;31(3):349-53. [ Links ]

13. Biernacki P, Waldorf D. Snowball sampling: problems and techniques of chain referral sampling. Sociological Methods & Research. 1981;10(2):141-163. [ Links ]

14. Botega NJ, Bio MR, Zomignani MA, Garcia Júnior C, Pereira WA. Transtornos do humor em enfermaria de clínica média e validação de escala de medida (HAD) de ansiedade e depressão. Rev Saude Publica . 1995;29:355-63. [ Links ]

15. Zigmond S, Snaith RP. The Hospital Anxiety and Depression Scale. Acta Psychiatr Scand. 1983;67:361-70. [ Links ]

16. Dyrbye LN, West CP, Satele D, Boone S, Tan L, Sloan J, et al. Burnout among U.S. medical students, residents, and early career physicians relative to the general U.S. population. Acad Med. 2014;89:443-51. [ Links ]

17. Lei XY, Xiao LM, Liu YN, Li YM. Prevalence of depression among chinese university students: a meta-analysis. PLoS One. 2016;11:e0153454. [ Links ]

18. Li L, Wang YY, Wang SB, Zhang L, Li L, Xu DD, et al. Prevalence of sleep disturbances in Chinese university students: a comprehensive meta-analysis. J Sleep Res. 2018;27(3):e12648. [ Links ]

19. Moutinho IL, Maddalena NC, Roland RK, Lucchetti AL, Tibiriçá SH, Ezequiel OD, et al. Depression, stress and anxiety in medical students: a cross-sectional comparison between students from different semesters. Rev Assoc Med Bras (1992). 2017;63(1):21-8. [ Links ]

20. Nakhostin-Ansari A, Sherafati A, Aghajani F, Khonji MS, Aghajani R, Shahmansouri N. Depression and anxiety among Iranian medical students during Covid-19 pandemic. Iran J Psychiatry. 2020;15(3):228-35. [ Links ]

21. Vasconcelos TC, Dias BRT, Andrade LR, Melo GF, Barbosa L, Souza E. Prevalência de sintomas de ansiedade e depressão em estudantes de Medicina. Rev Bras Educ Med . 2015;39(1):135-42. [ Links ]

22. Ramírez-Ortiz J, Castro-Quintero D, Lerma-Córdoba C, Yela-Ceballos F, Escobar-Códorba F. Mental health consequences of the Covid-19 pandemic associated with social isolation. Colombian Journal of Anesthesiology. 2020;48(4):e930. [ Links ]

23. El Hangouche AJ, Jniene A, Aboudrar S, Errguig L, Rkain H, Cherti M, et al. Relação entre sono de má qualidade, sonolência diurna excessiva e baixo desempenho acadêmico em estudantes de medicina. Adv Med Educ Pract. 2018;9:631-8. [ Links ]

24. Hodges C, Moore S, Lockee B, Trust T, Bond A. The difference between emergency remote teaching and online learning. Washington: Educause Review; 2021 [acesso em 15 dez 2020]. Disponível em: Disponível em: https://er.educause.edu/articles/2020/3/the-difference-between-emergency-remote-teaching-and-online-learning . [ Links ]

25. Wang C, Pan R, Wan X, Tan Y, Xu L, Ho CS, et al. Immediate psychological responses and associated factors during the initial stage of the 2019 coronavirus disease (Covid-19) epidemic among the general population in China. Int J Environ Res Public Health . 2020;17(5):1729. [ Links ]

26. Souza ASR, Souza GFA, Praciano GAF. A saúde mental das mulheres em tempos da Covid-19. Rev Bras Saude Mater Infant. 2020;20(3):659-61. [ Links ]

27. Cooper R, David R. The biological concept of race and its application to public health and epidemiology. J Health Politics. 1986;11(1):97-116. [ Links ]

28. Smolen J, Araújo E. Raça/cor da pele e transtornos mentais no Brasil: uma revisão sistemática. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(12):4021-30. [ Links ]

29. Schuch F, Vancampfort D, Firth J, Rosenbaum S, Ward P, Silva E, et al. Physical activity and incident depression: a meta-analysis of prospective cohort studies. Am J Psychiatry. 2018;175(7):631-48. [ Links ]

30. Bélair M, Kohen D, Kingsbury M, Colman I. Relationship between leisure time physical activity, sedentary behaviour and symptoms of depression and anxiety: evidence from a population-based sample of Canadian adolescentes. BMJ Open. 2018;8(10):e021119. [ Links ]

31. Cosci F, Bertoli G, Pistelli F, Carrozzi L. Sintomas de depressão, ansiedade, e de abstinência como possíveis preditores de manutenção de abstinência em fumantes durante um período de 12 semanas. MedicalExpress. 2016;03(1):M160103. [ Links ]

32. Gomes JP, Legnani E, Legnani RFS, Gregório NP, Souza RK. Associação entre comportamento alimentar, consumo de cigarro, drogas e episódios depressivos em adolescentes. Rev Nutr. 2010; 23(5):755-62. [ Links ]

33. Moreira-Almeida A, Lotufo Neto F, Koenig HG. Religiousness and mental health: a review. Braz J Psychiatry. 2006;28:242-50. [ Links ]

34. Harvey SB, Hotopf M, Overland S, Mykletunv A. Physical activity and common mental disorders. Br J Psychiatry. 2010;197(5):357-64. [ Links ]

2Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO Declaramos não haver financiamento.

Recebido: 09 de Fevereiro de 2022; Aceito: 23 de Junho de 2022

gabrielafonsecasouza123@gmail.com gugavolante@gmail.com adriciacsalves@gmail.com analorenanc@hotmail.com mateus_soc@outlook.com gabrielalobopereira@hotmail.com jr.roberto.jr@gmail.com alexrolland@uol.com.br

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editora associada: Pedro Tadao Hamamoto Filho.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Todos os autores colaboraram com contribuição significativa na concepção e desenho do estudo, na análise e interpretação dos dados, na elaboração do artigo, na revisão do conteúdo intelectual e na aprovação da versão final a ser publicada.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons