INTRODUÇÃO
Dados da Organização Pan-Americana da Saúde demonstram que nas Américas há milhões de pessoas que sofrem com falta de acesso aos serviços de saúde, tornando-se um desafio garantir serviços de qualidade1. Para enfrentar os desafios apresentados na assistência e no cuidado integral destinados à saúde, a educação interprofissional (EIP) em saúde tem sido uma estratégia para o desenvolvimento da prática colaborativa que responda às demandas de saúde2)-(5. A EIP acontece quando estudantes de duas ou mais profissões aprendem sobre os outros, com os outros e entre si por meio da colaboração, favorecendo melhores resultados em saúde, na busca da formação de profissionais com capacidades, conhecimentos e atitudes para desenvolver cuidado colaborativo que contribua para bem-estar da comunidade2)-(6.
Para que a EIP ocorra, são fundamentais o alinhamento e a colaboração entre serviços de saúde, educação e comunidade envolvidos na promoção e assistência de saúde e educação1)-(7. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) é o modelo de gestão da saúde vigente e apresenta como um dos seus princípios norteadores a integralidade da atenção com foco na qualidade de vida, prevenção de doenças e promoção da saúde. Para o seu fortalecimento, é necessária a reorientação da formação e do trabalho em saúde3. A EIP como proposta educacional favorece a formação para o SUS, visto que contribui para a redução da fragmentação da assistência e das relações entre os profissionais. Ademais, a EIP fortalece o sistema de saúde ao promover a formação de profissionais mais preparados, de modo que eles possam 1. compreender o usuário como centro das ações e das políticas de saúde, 2. atuar colaborativamente em equipe e 3. reconhecer a interdependência das áreas, a fim de que sejam capazes de resolver as complexas necessidades de saúde, condições necessárias para integralidade da assistência em saúde8),(9. Apesar de o modelo de formação em saúde ainda ser predominantemente uniprofissional, o processo de mudança da formação dos profissionais de saúde em consonância aos princípios do SUS vem ocorrendo desde 1980 por meio de várias iniciativas, como o Programa UNI, o Fórum Nacional de Educação (FNE), a Saúde da Família, a Residência Multiprofissional em Saúde Saúde (RMS) e as disciplinas integradoras na graduação8),(10.
Para apoiar o processo de formação profissional, diversas políticas indutoras que fomentam a EIP foram desenvolvidas9)-(10. Na graduação, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação em saúde de 2001 indicam a adoção de um currículo integrado e de base interprofissional que preconiza a formação para o trabalho em equipe na ótica da integralidade e qualidade da assistência3),(10, apesar de ainda não fazerem referência explícita à EIP. Somente em 2014, a EIP passa a ser vinculada como uma política indutora na formação quando é referenciada nas DCN dos cursos de Medicina5),(11),(12.
Em 2005, houve, na pós-graduação, a criação das RMS13) em que se preservam as especificidades de cada profissão e o reconhecimento das áreas comuns de atuação profissional objetivando a promoção e o cuidado integral referentes à saúde4),(10. Outras iniciativas promotoras de EIP incluem o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) e o Programa de Educação para o Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) que preparam os estudantes para a assistência integral em saúde ao integrarem ensino-serviço e trabalho em equipe4),(9),(10.
Os primeiros estudos sobre resultados de EIP brasileira para a promoção de um cuidado integral em consonância com SUS foram publicados a partir de 20113),(11),(14, contudo os efeitos de sua implementação são pouco conhecidos. Este estudo teve como objetivo mapear a produção científica brasileira sobre a aprendizagem de alunos de cursos da saúde no contexto da EIP, os desafios e os avanços para formadores e gestão. Busca-se contribuir com dados sobre os resultados de iniciativas de EIP brasileira.
MÉTODO
Adotou-se a scoping review para identificar de forma abrangente a literatura existente sobre EIP15 considerando o checklist proposto por PRISMA-ScR16. A scoping review foi escolhido porque permite síntese e análise de conhecimento científico disponível17, sem restringir os parâmetros para ensaios clínicos randomizados nem exigir avaliação de qualidade dos estudos18.
Foram utilizados cinco estágios19: 1. pergunta de pesquisa; 2. identificação de estudos relevantes; 3. seleção de estudos; 4. mapeamento dos dados; 5. agrupamento e resumo dos dados.
No estágio 1, estabeleceu-se a questão de pesquisa19, sendo P para população: estudantes de ciências da saúde brasileiros (graduação ou pós-graduação); intervenção: processos educativos; questão de interesse: educação interprofissional; resultado: oportunidades de aprendizagem; tempo: estudos publicados de 2010 a maio de 2020. A questão de pesquisa foi: “Como tem ocorrido a aprendizagem de estudantes brasileiros em processos formativos que utilizam a abordagem da EIP na visão do estudante, formador e gestor?”.
Dois pesquisadores independentes realizaram os estágios 2 a 4; em caso de divergências, houve um terceiro avaliador, que deliberava sobre a inclusão ou não do artigo na etapa.
No estágio 2, a busca de estudos ocorreu de 15 a 20 de maio de 2020 nas seguintes bases de dados: Web of Science, Periódicos Capes, Scopus e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Também foram consultadas as referências dos estudos incluídos na busca de estudos não identificados nas bases. A estratégia de busca foi desenvolvida com a assistência de especialista em informação em saúde e incluiu as palavras-chave “educação interprofissional” OR “interprofessional education” para as bases de dados Web of Science e Periódicos Capes. Nas bases BVS e Scopus, utilizou-se o descritor “educação interprofissional” OR “interprofessional education”.
Os filtros foram publicações dos últimos dez anos (de 2010 a maio de 2020), idioma (português, inglês e espanhol) e local de publicação ou país de origem do estudo (Brasil); a partir daí, realizou-se a seleção de forma manual. Estudos em mais de um banco de dados foram considerados apenas uma vez.
No terceiro estágio, incluíram-se estudos que atenderam aos critérios de inclusão: 1. Pesquisas originais realizadas no Brasil; 2. pesquisas com estudantes de graduação ou pós-graduação em saúde; 3. estudos com resultados sobre a aprendizagem dos alunos.
Excluíram-se os artigos que 1. não foram realizados no Brasil; 2. não avaliaram os resultados de aprendizagem de estudantes; 3. revisões, comentários, artigos de discussão ou editoriais, teses e dissertações.
Para a análise dos artigos incluídos, o mapeamento das informações relevantes para a síntese e interpretação dos dados representou o quarto estágio. Os dados foram extraídos e mapeados em instrumento adaptado20: identificação do estudo, tema do estudo, objetivos, tipo de pesquisa/delineamento, participantes, local de pesquisa, principais resultados e conclusões.
No estágio 521, os achados foram agrupados e resumidos em um fluxograma e após sintetizados com o propósito de responder à pergunta da revisão.
RESULTADOS
As buscas resultaram em 145 estudos, dos quais 40 foram lidos na íntegra e 28 incluídos (Figura 1).
Não foram localizadas publicações que atendessem aos critérios de seleção nos anos 2010, 2012, 2019 e 2020 (até mês de maio). Selecionaram-se estudos de 201122, 201323),(24, 201425, 20153),(26)-(28, 201610),(29)-(32, 201733)-(36 e 20185),(14),(37)-(45.
Os estudos caracterizam-se como qualitativos3),(5),(10),(14),(24),(26),(28),(30),(33),(36),(38),(41),(43, quantitativos 31),(35),(37),(42),(44),(45, relatos de experiência23),(24),(27),(29),(32),(34),(39) e mistos22),(25),(40.
Do total de estudos, 15 (53,6%) foram desenvolvidos no Sudeste3),(14),(22),(23),(25),(26),(30),(31),(34),(39)-(43),(45, nove (32,1%) no Nordeste10),(24),(28),(29),(35),(37),(38),(44 e quatro (14,3%) no Sul5),(27),(32),(36.
Dentre os 28 estudos, 20 (71,4%) referem-se à formação de estudantes de graduação3),(5),(14),(22),(23),(25)-(32),(39),(42)-(45 e oito (28,6 %) tratam da RMS10),(24),(31),(33),(37),(38),(40),(41.
Buscou-se investigar a EIP durante o ensino prático na atenção básica3),(5),(10),(14),(22)-(24),(26)-(32),(35),(37)-(43, no ambiente hospitalar33, na disciplina interprofessional36 ou na avaliação de escalas25),(44),(45.
O público-alvo das pesquisas envolveu 2.343 estudantes3),(5),(14),(22),(23),(25)-(30),(32),(34)-(37),(39),(42)-(45de Medicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social, Terapia Ocupacional, Medicina Veterinária, Políticas Públicas, Ciências Biológicas, Biomedicina e Saúde Coletiva, e 392 residentes10),(24),(31),(33),(37),(38),(40),(41; também participaram diretores, professores, tutores, preceptores, gerentes de unidades de saúde e trabalhadores de hospitais, totalizando 2.886 participantes.
Para responder à questão de pesquisa, os resultados analisados foram agrupados em quatro temas: “EIP na perspectiva do estudante”; “Formadores na ótica da EIP”; “Avanços e desafios na gestão de ensino e saúde”; e “Recomendações para EIP no contexto brasileiro”.
EIP na perspectiva do estudante
O Quadro 1 apresenta a “EIP na perspectiva do estudante”, destacando-se os aspectos gerais dos cursos de graduação e residência na saúde que podem facilitar ou desafiar a aprendizagem em EIP. Enquanto a EIP foi facilitada durante a graduação, maiores desafios ocorreram durante a RMS, e questões associadas a serviços e formadores foram presentes em ambos os níveis de formação profissional.
EIP e aprendizagem | Aspectos gerais | Estudos | |
---|---|---|---|
Facilitadores | Graduação | Atividades em campo de prática. | 3,5,10,14, 26-36, 38-43 |
Oportunidade de conviver com outros colegas e profissionais. | 5,14,22,23, 25,26,28,32,36 | ||
Motivação do estudante e disponibilidade para novas experiências. | 10,22,26 | ||
Aplicação da estratégia EIP nos anos iniciais dos cursos. | 14,22,24,25, 36 | ||
Entusiasmo com o curso. | 25,28,36 | ||
Envolvimento dos alunos no PET-Saúde. | 26,35 | ||
Estudantes do gênero feminino. | 35,44 | ||
Estudantes dos primeiros anos do curso - comprometidos e acreditam na troca de conhecimentos. | 36,44 | ||
Estudantes de Educação Física, Nutrição e Psicologia são mais disponíveis para a colaboração. | 42 | ||
Estudantes de Farmácia apresentam atitudes mais colaborativas que os de Medicina (autopercepção de autoridade). | 44 | ||
Desafios | Graduação | Concluintes têm menor disponibilidade para a prática colaborativa. | 36,44 |
Início precoce das atividades práticas - despreparados, imaturos, com concepções estereotipadas sobre a profissão. | 14, 36,42 | ||
Residência | Falta de experiências interprofissionais na graduação impacta a integração e o reconhecimento do seu papel na equipe. | 5,10,14,22, 24,32,37-39,41,43-45 | |
Dificuldade com EIP - expressiva demanda. | 28,37,41 | ||
Dificuldade com EIP - visão especializada da sua área. | 38,40,41 | ||
Ensino- serviço- comunidade | Pouca articulação versus resistência dos profissionais no que concerne à inserção de alunos/residentes em equipes; dificuldade em formar equipes interprofissionais. | 26,28,34, 43 | |
Falta de local adequado para receber alunos e integrá-los. | |||
Formadores | Despreparo dos preceptores. | 26,28,34, 43 | |
Pouco tempo para supervisão. |
O Quadro 2 apresenta as aprendizagens construídas pelos graduandos e residentes quando tiveram sua formação mediada pela EIP.
Tipo de curso | Aprendizagem | Estudos |
---|---|---|
Graduação | Promoção do reconhecimento e reflexão sobre os papéis e a interdependência profissional para o cuidado integral. | 5,14,22,23, 25-26, 28,29,36 |
Minimização do preconceito entre profissões. | ||
Percepção da importância de espaços coletivos para a construção de narrativas como estimuladoras para trabalho em equipe, desenvolvimento da habilidade de escuta, negociação, diálogo, tomada de decisões e respeito às diferenças. | 5,10,22,23, 26,27,35,38 | |
Percepção de que formar equipe não é somente reunir aleatoriamente colegas. | 10,38,40,42 | |
Facilitação da compreensão do SUS. | 25,36 | |
Satisfação e valoração da oportunidade de interação com outros profissionais. | 25,28,36 | |
Reconhecimento do paciente inserido em um contexto de vida. | 35,44,45 | |
Reconhecimento da importância do trabalho em equipe e dos saberes interprofissionais para a resolução de problemas que envolvam os pacientes. Reconhecimento do trabalho interprofissional para resolução de problemas complexos que envolvam os pacientes. | ||
Residência multiprofissional | Reconhecimento do trabalho interprofissional para a resolução de problemas complexos que envolvam os pacientes. | 24,38,40 |
Reconhecimento do papel dos membros como construtores de conhecimento coletivo. | 24,38,40,41 | |
Integração de ações e saberes de diferentes categorias profissionais. | 31,37 |
Formadores na ótica da EIP
Os formadores foram compreendidos neste estudo como professores, tutores ou preceptores. Apesar de o formador ter papel relevante no desenvolvimento da competência de trabalhos colaborativos, identificaram-se desafios e esforços necessários para a EIP (Quadro 3).
Implementação da EIP | Estudos | |
Desafios | Falta do apoio institucional, burocracia nas universidades e estrutura departamentalizada. | 3, 26 |
Ênfase na produtividade acadêmica e pós-graduação. | ||
Obrigação de controle individual de carga horária. | 3,26 | |
Insuficiente articulação ensino-serviço. | ||
Preceptores com formação prévia uniprofissional. | 10,24,33 | |
Preconceito dos estudantes com docentes de áreas diversas. | 14 | |
Docentes pouco apoiadores, normativos e com comunicação precária. | 26,43 | |
Estudantes despreparados para a inserção precoce na prática. | 34,39 | |
Formadores querem conduzir a aprendizagem podendo impedir que os estudantes aprendam “sozinhos”. | ||
Esforços | Capacitações pedagógicas. | 5,10,14, 33,38,43 |
Desenvolvimento de linguagem comum entre os preceptores. | ||
Rodas de conversa. | 26 |
Avanços e desafios na gestão de ensino e saúde
O mapeamento das pesquisas demonstrou avanços na integração da interprofissionalidade, mas há muitos desafios a serem vencidos pela gestão de ensino e saúde (Quadro 4) para a efetiva implementação da EIP.
Implementação da EIP | Estudos | |
---|---|---|
Avanços | EIP como complementar no apoio a reformas brasileiras: integração entre universidades, serviços e comunidade. | 26,37,38 |
Desafios | Evidenciar os ideários do SUS. | 3,5,22,33,41 |
Seleção de estratégias de ensino adequadas à EIP. | 5,10,42 | |
Garantia de reflexão coletiva que saia da normatização. | 5,10,22,34,38,41 | |
Promoção de currículo integrado que aborde as habilidades de colaboração nos anos iniciais dos cursos. | 5,35 | |
Dificuldades da constituição de equipes interprofissionais decorrentes da resistência dos serviços de saúde. | 10,26,31,33,38,40,43 | |
Inadequada articulação entre ensino e serviço. | 41 | |
Elevada rotatividade de profissionais que desafia a comunicação e o engajamento dos estudantes. | 41 |
Recomendações para EIP no contexto brasileiro
Alguns estudos emitiram recomendações para efetivação da EIP no Brasil. No ensino de graduação, sugere-se a luta contra a burocratização das ações e o modo de pensar saúde, para que experiência de aprendizagem seja criativa e produtora de profissionais éticos28; além disso, há a necessidade de fomentar os trabalhos multiprofissional e interprofissional com apropriação teórica e prática por todos envolvidos para concretização do SUS30 e compreensão da importância das práticas interdisciplinares27 e colaborativas30) na formação em saúde.
No que se refere à integração ensino e serviço, os estudos recomendam a participação dos gestores do SUS na regulação da formação profissional29),(40 e a criação de rede colaborativa orientada para o fortalecimento do SUS, alinhada às necessidades sociais e de saúde da população33.
Ressalta-se a importância do diálogo e do estabelecimento de parcerias entre instituições de ensino superior (IES) que promovam discussões sobre a necessidade de implementar a EIP nos currículos da saúde29),(40.
DISCUSSÃO
Este estudo demonstrou que a EIP tem sido implementada em diversos contextos brasileiros de formação profissional para qualificar o cuidado destinado à saúde7 e promover integração entre ensino-serviços-comunidade2.
Entre as questões que facilitam a aprendizagem, a atividade prática foi citada como estratégia para desenvolver relações interprofissionais na formação em saúde3),(5),(10),(14),(26)-(36),(38)-(43e criar oportunidades de convivências com outros colegas e profissionais5),(14),(22),(23),(25),(26),(28),(32),(36, o que corrobora a literatura da área e as recomendações internacionais2),(46),(48.
A aprendizagem interprofissional no cenário de práticas requer interação entre o conhecimento, o ambiente, as experiências de mundo real, as capacidades individuais e as iniciativas de intervenção social para promover uma aprendizagem ativa e experiencial sobre o trabalho em saúde49),(50. Essas vivências podem estimular o protagonismo acadêmico na forma do pensar e fazer saúde50, alinhadas às DCN dos cursos da saúde, ao promoverem o compartilhamento de saberes, a integralidade da assistência, a compreensão da participação e a autonomia dos seus usuários49. A prática interpofissional também permite que estudante desenvolva senso crítico para tomar decisões conjuntas com a equipe50.
Para que a EIP favoreça a formação e se torne parte da atuação do futuro profissional de saúde, essa estratégia deveria ser implementada no início da formação e se estender durante toda a carreira profissional7),(51. À semelhança dos achados desta scoping review sobre o contexto brasileiro21),(30, uma revisão sistemática demonstrou que os estudantes iniciantes apresentam uma maior disponibilidade para EIP que os concluintes7),(51; além disso, têm perfil facilitador e são mais motivados e abertos para novas experiências, reforçando a necessidade que as atividades interprofissionais sejam ofertadas ao longo do curso e nos campos práticos para que os concluintes sejam capacitados a exercer atividades interprofissionais e práticas colaborativas7. Contudo, em instituições de ensino que já utilizam o currículo interprofissional e a exposição dos estudantes a atividades colaborativas52),(53, não houve diferença na disponibilidade para EIP entre iniciantes e concluintes. Esses resultados possivelmente foram impactados pelo currículo interprofissional já vigente nessas instituições.
Os desafios relatados pelos formadores para a implementação da EIP na aprendizagem3),(10)-(11), (26), (28), (34), (36), (39), (42)-(44 podem ser decorrentes do distanciamento entre o universo acadêmico e o mundo do trabalho50, da falta de apoio institucional e de uma adequada articulação ensino-serviço, da grade curricular incompatível e da capacitação do corpo docente3),(26. Esses aspectos precisam ser superados para que ocorra uma verdadeira efetivação do trabalho interprofissional54. Para tanto, é necessário que os atores envolvidos se reinventem como profissionais nesse processo23),(34),(54. Essas dificuldades podem ser solucionadas por redes colaborativas entre instituições de ensino para compartilhamento de experiências de aprendizagem, remodelação de currículo, discussão de conceito e desenvolvimento do corpo docente5),(48),(50),(54.
Ademais, cabe ao formador reconhecer seu papel como facilitador na EIP51),(53 para aumentar a apreciação mútua, a compreensão e a colaboração. Para tanto, o facilitador deve aprender com os recursos dentro e fora do grupo, sintetizar o aprendizado, eliminar a falta de comunicação e o mal-entendido, resolver rivalidades e conflitos, e transformar problemas em oportunidades de aprendizagem5),(7),(51),(53.
O PET-Saúde e as disciplinas integradoras práticas na graduação que utilizaram a EIP facilitaram a aprendizagem de seus estudantes e foram também avaliadas positivamente por docentes, trabalhadores do serviço e usuários do serviço.
O PET-Saúde mostra-se alinhado às DCN, e seus resultados têm relevância na prática interprofissional e na integração ensino-serviço-comunidade ao inserir um estudante em cenário real, aproximando-o dos contextos social e sanitário da população, além de possibilitar aprendizagem espontânea, constante e crítica, e o desenvolvimento de habilidades para promover atendimento centrado no paciente28),(29.
A participação docente no PET-Saúde, apesar desafiadora, é experiência positiva para a EIP. O trabalho interprofissional faz com que o docente revise processos de ensino e busque soluções criativas, aproxima docentes de outros cursos, reduz preconceitos entre profissionais, amplia o reconhecimento de papéis e funções, e promove o aprendizado sobre o serviço e SUS, de modo a melhorar a colaboração. Porém, existe resistência do corpo docente à inserção da EIP no currículo, e as participações em programas interprofissionais são geralmente decorrentes de motivações voluntárias e pessoais26. Para os trabalhadores da saúde, o PET contribui para a integração ensino-serviço, pois os profissionais da rede atuam como preceptores enquanto realizam formação pedagógica e desenvolvimento de competências para o trabalho interprofissional e práticas colaborativas28),(29.
Experiências da EIP em disciplinas integradoras indicam que atividades comuns contribuem para formar profissionais que valorizarão a integralidade do cuidado23),(50 ao desenvolverem e entenderem as competências comuns, complementares e colaborativas por meio do reconhecimento dos limites de cada profissão, do respeito às diferenças e da necessidade do cuidado integral30. As dificuldades relatadas foram a normatização acadêmica34, as concepções estereotipadas entre discentes dos cursos, os distanciamentos e a necessidade de reciprocidade entre colegas para que o trabalho em equipe seja positivo14. Esses entraves são resolvidos ao longo do convívio, reiterando a importância de aprendizados compartilhados e atividades de práticas colaborativas entre estudantes de cursos diferentes, visto que, após a formação, eles terão que trabalhar conjuntamente com outras profissões22.
Os estudos sobre as RMS, criadas de acordo com os princípios do SUS e na lógica da EIP, demonstraram a necessidade da reflexão do processo de trabalho de todos os atores envolvidos na prestação do cuidado. Esses estudos apresentaram resultados positivos em relação à satisfação do estudante, à atenção centrada no paciente e à melhora da qualidade do cuidado. Além disso, apontaram os principais problemas de efetivação apresentados no PET-Saúde, como dificuldade de formar equipes e exercer trabalho interprofissional, e despreparo da preceptoria e do serviço. Esses dados reforçam a necessidade da promoção de ações para a integração ensino-serviço, com o objetivo de colaborar na formação do profissional da saúde alinhado ao SUS10),(31),(33.
Para a implementação da EIP, os achados desta revisão são corroborados por pesquisas que reiteram a relevância da atuação das instituições de ensino e saúde para que possam superar a burocracia5),(54, a disponibilidade e a carga de ensino do corpo docente5),(54. Cabe também às instituições proporem ações que motivem o trabalho do facilitador7),(54 e capacitações pedagógicas5),(54, a fim de possam transpor a formação uniprofissional10),(33),(55 e os instrutores normativos e com comunicação precária26),(43.
Os estudos envolvidos nesta scoping review sobre a EIP nos processos formativos dos estudantes brasileiros demonstraram avanços na gestão do ensino e saúde quando apresentaram a EIP alinhada aos princípios e às diretrizes do SUS, sendo compreendida como potente ferramenta para transformação da formação e qualificação do cuidado nos diferentes níveis de formação3),(21),(22),(24)-(33),(36)-(44. A EIP também foi reconhecida pela gestão como estratégia complementar no apoio a outras reformas no país, como a integração entre universidades, serviços de saúde e comunidade21),(32),(33, além de estar em consonância com as DCN dos cursos de graduação das áreas da saúde e as políticas nacionais de reorientação da formação em saúde56.
A implantação da EIP durante a graduação pode ser difícil, contudo os artigos analisados nesta revisão emitiram recomendações27)-(29),(33),(40 que podem permitir o enfrentamento desses desafios3),(5),(10),(22),(26),(33)-(35),(38),(40)-(42. O sucesso da implementação da IPE requer um comprometimento de todos os envolvidos, tanto no ambiente acadêmico quanto na prática5),(57)-(59. Nesse sentido, os gestores, os serviços de saúde e as instituições de ensino devem revisar seus programas e currículos, de modo que possam reconhecer e aproveitar as oportunidades da EIP e promover ações articuladas na sua efetivação54. Entre as ações sugeridas pelos estudos analisados, a literatura também destaca as seguintes: a promoção de um currículo integrado capaz de incentivar o desenvolvimento de competências para a prática colaborativa5),(54),(57; o credenciamento de serviços de saúde que compartilham do mesmo propósito5; a expansão da infraestrutura54),(58; e a capacitação e liderança do corpo docente5),(54),(57, e dos trabalhadores de saúde para o trabalho interprofissional e a prática colaborativa54),(58.
Entre as limitações desta revisão, é preciso mencionar a heterogeneidade entre os estudos selecionados, os quais também podem possuir vieses individuais. A aplicação dos resultados apresentados em contextos diferentes pode ser dificultada, pois trata-se de estudos sobre a implementação da EIP no Brasil. Contudo, existe a possibilidade da reprodução do método adotado nestascoping review para identificar semelhanças ou diferenças entre os países quanto à EIP.
Compreendeu-se que o sucesso da EIP depende de uma mudança cultural do exercício do trabalho em saúde de todos os atores que participam do processo, para estes que eles serem sejam agentes de transformação, , promovendo promovam melhores relações interpessoais no serviço de saúde e promotores de incentivem a educação permanente50.
CONCLUSÃO
Durante o mapeamento sobre EIP no contexto brasileiro, identificou-se que os estudos estão alinhados com o SUS para a transformação da formação e a qualificação do cuidado, demonstrando a potencialidade da EIP para a aprendizagem e o desenvolvimento das competências requeridas nas DCN, apesar dos diversos desafios enfrentados pelos estudantes, pelos formadores e pela gestão.
Observou-se o aumento de IES que têm introduzido a EIP para que possam readequar seus cursos às DCN, visando à transformação da formação e qualificação do cuidado de acordo com as demandas de saúde da população e as diretrizes e os princípios do SUS.
A EIP é uma estratégia de integração ensino-serviço-comunidade que cria oportunidades de aprendizagem aos estudantes em contexto de prática proporcionando o desenvolvimento de competências colaborativas capazes de fortalecer e ampliar os conhecimentos sobre o SUS e promover o direcionamento do interesse profissional para o contexto da atenção integral à saúde.
Apesar de o cenário brasileiro de políticas públicas e as diretrizes serem favoráveis à EIP, existem fragilidades para a sua efetivação que são percebidas em todos os estudos analisados. Para superá-las, são necessárias ações colaborativas entre IES, serviços de saúde e gestores que deverão discutir e construir conjuntamente currículos que fomentem a formação interprofissional seguindo as orientações das DCN e a integralidade da assistência em consonância com os princípios e as diretrizes do SUS.
Finalmente, sugerem-se mais estudos sobre as fragilidades e fortalezas da EIP como estratégia de ensino promotora da integralidade do cuidado e da melhoria da assistência em saúde brasileira.