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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.47 no.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2023  Epub 05-Fev-2023

https://doi.org/10.1590/1981-5271v47.1-20210166 

ARTIGO ORIGINAL

Nível de conhecimento ético-legal dos graduandos em Medicina: estudo transversal no ano de 2020

Leandro Duarte de Carvalho1  , orientou a realização do trabalho, participou do planejamento e da elaboração do estudo, guiou a coleta e a análise dos dados, contribuiu na redação do artigo
http://orcid.org/0000-0002-9338-0246

Luisa Medeiros Soares1  , participou do planejamento e da elaboração da pesquisa, atuou na coleta, interpretação e análise dos dados, contribuiu na redação do artigo
http://orcid.org/0000-0001-9262-5064

Fernanda Cambraia Ferreira1  , participou do planejamento e desenvolvimento da pesquisa, atuou na coleta, interpretação e análise dos dados, contribuiu na redação do artigo
http://orcid.org/0000-0001-9597-7962

1 Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.


Resumo:

Introdução:

A literatura refere como frequentes denúncias sobre má prática médica. Logo, a investigação de como é feita a formação do acadêmico de Medicina, no contexto ético-legal, pode contribuir para sua melhoria.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivos avaliar e comparar o conhecimento de acadêmicos de uma faculdade de Medicina sobre aspectos ético-legais da profissão, a partir de sua formação nas disciplinas do eixo relacionado (“Ética Médica e Bioética”, “Medicina Legal” e “Deontologia/Perícia Médica e Boas Práticas”).

Método:

Trata-se de um estudo transversal com aplicação de questionário (agosto-novembro/2020) estruturado no Código de Ética Médica e Código de Ética do Estudante de Medicina - dez questões sociodemográficas e 12 objetivas (temas: “sigilo profissional”, “relações interpessoais do estudante de Medicina”, “publicidade médica”, “relação com pacientes e familiares”, “direitos humanos”, “princípios fundamentais”, “atividade médica” e “telemedicina”). Avaliaram-se 116 alunos: início, meio (durante curso do eixo ético-legal) e final da graduação. Para comparação, utilizaram-se os testes de Kruskal-Wallis e de Dunn. Para associação entre variáveis categóricas, adotaram-se o qui-quadrado e o teste exato de Fisher.

Resultado:

Identificou-se desempenho crescente com o avançar dos períodos, com diferença estatística entre as médias de acertos do primeiro, sexto e décimo/12°: 5,1; 6,7; e 7,8, (valor-p < 0,001). Já a análise por blocos temáticos não apontou associação estatística dos acertos com avançar na graduação (valor-p > 0,05) para temas de amplo alcance e desenvolvimento das competências desde o ciclo básico, como “publicidade médica”, “relação com pacientes e familiares”, “telemedicina” e “relações interpessoais do estudante de Medicina” - com ênfase em limitações do acadêmico no atendimento. Já para temas que exigiam competências inerentes às disciplinas do eixo ético-legal, encontrou-se tal associação (valor-p < 0,05), sendo: “sigilo profissional”, “direitos humanos”, “princípios fundamentais”, “atividade médica” e “relações interpessoais do estudante de medicina” - especificamente sobre uso de eletrônicos. Por fim, o maior percentual de acertos (95,7%) associa-se às “relações interpessoais do estudante de Medicina”, com ênfase nas limitações do acadêmico. Já as menores taxas apresentaram-se em “sigilo profissional” (18,1%), “atividade médica” (33,6%) e “direitos humanos” (25%)”.

Conclusão:

Existe associação entre a formação proposta pelo eixo ético-legal e aumento efetivo do nível de conhecimento no acadêmico de Medicina sobre os aspectos ético-legais da profissão.

Palavras-chave: Bioética; Ética; Ética Médica; Estudantes de Medicina; Educação Médica

Abstract:

Introduction:

Complaints about medical malpractice are frequent. Therefore, investigating how the medical student formation is made concerning the ethical and legal aspects, can contribute to its improvement.

Objective:

To evaluate and compare the level of knowledge of medical students from a university about ethical and legal aspects of the profession, based on their formation in the disciplines of the related axis (Medical Ethics and Bioethics; Legal Medicine and Deontology/Medical Forensics and Good Practice).

Method:

Cross-sectional study carried out through the application of an online questionnaire (August-November/2020) based on the Code of Medical Ethics (CME) and the Code of Ethics for Medical Student- 10 sociodemographic and 12 objective questions (Topics: “Professional Confidentiality”, “Medical student’s Interpersonal Relations”, “Medical Publicity”, “Relations with Patients and Families”, “Human Rights”, “Fundamental Principles”, “Medical Activity” and “Telemedicine”). A total of 116 students were evaluated at the start, middle and end of the medical course. The Kruskal-Wallis and Dunn tests were used for comparisons. The Chi-Square and Fisher’s exact tests were used for the association of categorical variables.

Results:

The performance increased throughout the course, with statistical significance between the average number of correct answers in the 1st, 6th and 10th/12th periods: 5.1; 6.7 and 7.8, (p-value <0.001). The analysis by thematic blocks, on the other hand, did not show a statistical association of correct answers with progress in the medical course (p-value >0.05) for broad-reaching topics and development of competences from the basic cycle, such as “Medical Publicity”, “Relations with Patients and Families”, “Telemedicine” and “Medical Student’s Interpersonal Relations” - with emphasis on the student’s limitations in providing care. As for topics that required competences inherent to the disciplines of the ethical-legal axis, this association was identified (p-value <0.05), as follows: “Professional Confidentiality”, “Human Rights”, “Fundamental Principles”, “Medical Activity” and “Medical Student’s Interpersonal Relations” - specifically on the use of electronics. Finally, the highest percentage of correct answers (95.7%) is associated with “Medical Student’s Interpersonal Relations”, with an emphasis on the student’s limitations. While the lowest rates were found in “Professional Confidentiality” (18.1%), “Medical Activity” (33.6%) and “Human Rights” (25%)”.

Conclusion:

There is an association between the medical formation proposed by the ethical-legal axis, and the effective increase of the medical student’s level of knowledge concerning the ethical-legal aspects of the profession.

Keywords: Bioethics; Ethics; Medical Ethics; Medical Students; Medical Education

INTRODUÇÃO

Desde a reforma universitária de 1968, adotou-se nas universidades brasileiras um modelo de educação médica centrado no ensino técnico-científico, pautado na hipertrofia das ciências básicas e do treinamento prático predominantemente hospitalar1),(2. Esse processo somado às rápidas transformações do campo de saúde decorrentes da globalização e dos avanços científicos implicou formação deficiente de profissionais nas áreas das ciências humanas, sociais e éticas, o que pode resultar na dificuldade de lidar com as questões cotidianas e na prática da medicina humanizada. Esta se traduz como o exercício profissional à altura das expectativas de qualidade do atendimento médico, no que se refere à comunicação, à disponibilidade, aos cuidados permanentes e, essencialmente, ao estreitamento da relação médico-paciente. Nesse cenário, o ensino ético-legal se mostra fundamental ao enfrentamento desse conflito, já que se desenvolve sobre os pilares da educação humanista - princípios da filosofia, história e literatura -, de modo a permitir reflexão crítica sobre a realidade e antecipação às novas questões impostas na vida daqueles que lidam com a saúde, extrapolando o caráter técnico do cuidado3),(4.

Essa deficiência identificada na formação médica gera insatisfação por parte dos usuários do sistema de saúde, sendo uma das principais críticas ao serviço referidas na literatura1),(5. As denúncias de má prática também são frequentes, assim como os processos ético-profissionais, frutos da discrepância entre a ética prescrita pelos códigos e aquela exercida no cotidiano1),(5. Nesse contexto, o estudo de Almeida et al.3 demonstrou clara associação entre a leitura do Código de Ética Médica e o maior nível de conhecimento acerca da aplicação prática de suas premissas. De maneira semelhante, o ensino ético-legal tem potencial transformador ao permitir reflexões e orientações quanto aos deveres e preceitos morais incluídos no próprio código e possibilitar uma abordagem transdisciplinar sobre os aspectos médicos em saúde, contemplando os princípios fundamentais das boas práticas médicas e suas normas1),(5.

Diante desse quadro, nos últimos anos, diversos países adotaram mudanças que visam ao fortalecimento desse ensino. No Brasil, a educação ético-legal é preconizada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), que instituem que “a estrutura do curso de graduação de Medicina deve incluir dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no aluno atitudes e valores voltados para a cidadania”4),(5. Apesar disso, identifica-se aumento do número de punições por transgressão das normas deontológicas preconizadas pelo Código de Ética Médica, evidenciando a falha do domínio por parte dos profissionais e estudantes sobre as normas que regem sua profissão e sobre os conceitos éticos que as fundamentam6),(7.

Levando em consideração essa dissociação entre as normas prescritas pelos códigos e o exercício profissional, a investigação de como está ocorrendo a formação do futuro profissional médico dentro desse contexto nas faculdades é importante para a elucidação e o enfrentamento desse quadro5. Vale ressaltar ainda que há escassez de estudos nesse sentido. A exemplo, tem-se o estudo de Almeida et al.3 que, por meio de dois questionários, um para discentes e outro para docentes, buscou avaliar o interesse e o conhecimento sobre ética médica e bioética na graduação médica. Há também o estudo de Godoy et al.7 que avaliou o conhecimento sobre ética médica dos estudantes de Medicina de determinada faculdade e obteve resultados insatisfatórios. Essa escassez se repete na literatura internacional, como demonstrado pela revisão de Eckles et al.8 que identificou deficiência de pesquisa em vários segmentos da área - desde estudos sobre os objetivos e desfechos da educação em ética médica até sobre os métodos de ensino e sua efetividade.

Trazendo tais premissas para uma aplicação prática, o presente estudo foi conduzido em uma faculdade de Medicina na Região Sudeste do Brasil. Buscou-se avaliar o conhecimento dos graduandos em Medicina sobre relevantes assuntos do exercício profissional dentro da boa prática. Assim como, objetivou-se analisar em que grau se diferem os níveis de conhecimento dos acadêmicos distribuídos em três momentos diferentes do curso. A hipótese estabelecida foi a de que, à medida que os acadêmicos cumprissem a carga horária do eixo ético-legal e evoluíssem na formação dentro dessas disciplinas, haveria aumento efetivo de seu nível de conhecimento sobre boas práticas aplicadas ao exercício profissional.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal prospectivo, desenvolvido em uma faculdade da Região Sudeste do Brasil. Para sua realização, foram contemplados os aspectos ético-legais da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que recomenda o sigilo e a confidencialidade das informações. Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa conforme CAAE nº 18970519.0.0000.5134

O universo de pesquisa foi um grupo de 116 alunos. O cálculo amostral foi definido por meio do software GPower versão 3.1.9.2. Objetivando comparar o conhecimento dos acadêmicos sobre aspectos ético-legais da profissão, a partir de sua formação nas disciplinas do eixo relacionado, consideraram-se 5% de significância, poder de 80% e uma diferença estimada de 0,5 entre as notas médias. A amostra foi distribuída em três classes ao longo dos períodos da graduação: 42 acadêmicos que ainda não tiveram contato com as disciplinas do eixo (primeiro período), 41 que estavam tendo o primeiro contato e, no momento da pesquisa, cursavam a disciplina Ética e Bioética (sexto período) e 33 que já haviam concluído essas disciplinas e estavam mais avançados no curso (internato de Medicina: décimo e 12º períodos).

À época deste trabalho, o eixo ético-legal descrito na amostra fundamentava-se em três disciplinas, com carga horária de 160 horas teórica e prática: “Ética Médica e Bioética”, “Medicina Legal” e “Deontologia, Perícia Médica e Boas Práticas”, entre o sexto e o oitavo período. O corpo docente era composto por três professores, coordenados pelo pesquisador responsável deste estudo, enquanto o corpo discente possuía 120 acadêmicos/período. Atualmente, tem-se um novo currículo em vigência (2021), com um departamento constituído denominado: “Ético-Legal e do Exercício Profissional” englobando disciplinas do primeiro ao oitavo período: “Gestão Pessoal”, “Humanização e Integralidade”, “Gestão em Saúde”, “Exercício Profissional I” (Ética e Bioética), “II” (Perícia Médica I) e “III” (Perícia Médica II e Boas Práticas). A proposta é que esse eixo longitudinal seja responsável pela capacitação humanista, crítica, ética e deontológica dos egressos. Competências da DCN de 2014 estão contempladas, especialmente na “Área de Competência Atenção à Saúde”, segundo a qual o egresso deve considerar sempre os múltiplos aspectos que compõem a diversidade humana, bem como na “Área de Competência Gestão em Saúde”, que visa à compreensão dos princípios, das diretrizes e das políticas do sistema de saúde, e à participação em ações de gestão. Ademais, conforme descrição de Franco et al.9, são alvos do eixo: atenção à saúde; tomada de decisões; comunicação; liderança; administração e gerenciamento; reconhecer a saúde como direito e atuar de forma a garantir a integralidade da assistência preventiva e curativa, individual e coletiva; lidar criticamente com a dinâmica do mercado de trabalho e com as políticas de saúde; atuar no sistema hierarquizado de saúde, obedecendo aos princípios técnicos e éticos de referência e contrarreferência; ter visão do papel social do médico e disposição para atuar em atividades de política e de planejamento em saúde; manter-se atualizado no que concerne à legislação pertinente à saúde.

Para avaliação do nível de conhecimento dos graduandos sobre os conteúdos ético-legais, elaborou-se um questionário próprio, estruturado e idealizado a partir de temas do Código de Ética Médica de 2019 e do Código de Ética do Estudante de Medicina de 2018, contemplando dez questões sociodemográficas e 12 objetivas. Essas referências contêm normas deontológicas associadas a princípios fundamentais que regem o dia a dia do exercício profissional da medicina6),(7),(10. As primeiras identificavam as seguintes variáveis: ano/período; sexo; idade; religião; renda familiar mensal; outros cursos de graduação (realização; qual; contato com a disciplina Ética e Bioética); atual nível de contato com essa disciplina e a realização prévia de curso extracurricular de Ética Médica. Já as questões objetivas foram classificadas segundo temáticas abordadas: “sigilo profissional” (1); “relações interpessoais do estudante de Medicina”, especificamente sobre deveres e limitações do acadêmico durante o estágio supervisionado (2 e 7) ou sobre regras de uso de eletrônicos e redes sociais (8); “publicidade médica” (3); “relação com pacientes e familiares” (4 e 5); “direitos humanos” (6 e 12); “princípios fundamentais” (9); “atividade médica” (10); e “telemedicina” (11). A partir dessa classificação, analisou-se a existência de associação entre as classes e o número de acertos em cada tema.

Trata-se de questionário anônimo, tratado com identificador único, associado ao número de matrícula do participante, para certificar seu vínculo como aluno da instituição e assegurar submissão única. O questionário foi disponibilizado por meio do Google Forms entre agosto e novembro de 2020, e realizou-se convite de participação por mensagens eletrônicas na comunidade acadêmica, bem como por divulgação em sala de aula, entre todos os acadêmicos que preenchiam os critérios de inclusão. Utilizaram-se as respostas necessárias ao preenchimento da cota amostral do projeto de pesquisa com 209 respostas. Para a análise, consideraram 116 respostas, enquanto o restante foi descartado em razão de incongruência com os critérios de inclusão e/ou exclusão. Ressalta-se que só foram aceitos voluntários maiores de 18 anos.

Critérios de inclusão

Incluíram-se na pesquisa os acadêmicos voluntários, devidamente matriculados no curso de Medicina da faculdade, que preenchiam um dos seguintes critérios:

  • alunos do primeiro período;

  • alunos do sexto período cursando a disciplina Ética e Bioética;

  • alunos do décimo e 12° períodos (internato) que já haviam cursado toda a carga horária e que foram aprovados na disciplina Ética e Bioética.

Critérios de exclusão

Excluíram-se os acadêmicos do primeiro e sexto períodos e os alunos do internato do curso de Medicina que já haviam tido contato com a disciplina Ética e Bioética em cursos extracurriculares ou de graduação.

Análise estatística

Para a análise dos dados, as variáveis categóricas foram apresentadas como frequências absolutas e relativas, e as variáveis numéricas, como média ± desvio padrão e mediana (1º quartil - 3º quartil). A comparação de três classes foi realizada pelo teste de Kruskal-Wallis com comparações múltiplas pelo teste de Dunn. A associação entre variáveis categóricas foi avaliada pelos testes de qui-quadrado e exato de Fisher, quando apropriados. Realizaram-se as análises no software R versão 4.0.3, e considerou-se nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Entre os 116 acadêmicos participantes da pesquisa, 85 (73,3%) eram do sexo feminino e 31 (26,7%) do sexo masculino. Em relação a cursos de graduação prévios, a grande maioria dos participantes afirmou não ter realizado nenhum. Dos 116 acadêmicos, 105 (90,5%) têm o curso de Medicina como sua primeira graduação, enquanto 11 (9,5%) afirmam já ter realizado outro curso (Tabela 1). A renda familiar declarada de 80 participantes, 69% da amostra, é superior a 15 salários mínimos. Os outros 31% dos alunos afirmam que sua renda familiar está entre um a 15 salários mínimos. A religião prevalente foi a católica com 55 (47,4%) alunos. Em seguida, 36 (31%) alunos afirmam não ter religião. Temos, assim, a religião espírita e protestante como a segunda e terceira mais seguidas pelos participantes, respectivamente.

Tabela 1 Perfil sociodemográfico dos participantes da pesquisa realizada com os graduandos do curso de Medicina de uma instituição privada no ano de 2020. 

Variável Resultado Estatística
Sexo, n (%)  
Feminino 85 (73,3)
Masculino 31 (26,7)
Idade, média ± desvio padrão mediana (1º quartil - 3º quartil) 21,3 ± 2,5 21,0 (20,0 - 23,0)
Já cursou outro curso de graduação? n (%)  
Sim 11 (9,5)
Não 105 (90,5)
Renda, n (%)  
De 1 salário mínimo completo a 3 salários mínimos incompletos 6 (5,2)
De 3 salários mínimos completos a 6 salários mínimos incompletos 7 (6,0)
De 6 salários mínimos completos a 9 salários mínimos incompletos 5 (4,3)
De 9 salários mínimos completos a 12 salários mínimos incompletos 8 (6,9)
De 12 salários mínimos completos a 15 salários mínimos incompletos 10 (8,6)
Mais de 15 salários mínimos completos 80 (69,0)
Religião, n (%)  
Nenhuma 36 (31,0)
Agnóstico 1 (0,9)
Ateu 1 (0,9)
Budista 1 (0,9)
Católica 55 (47,4)
Espírita 15 (12,9)
Protestante 7 (6,0)
Período, n (%)  
1º período 42 (36,2)
6º período 41 (35,3)
10º ou 12º período 33 (28,4)
Total de acertos, média ± desvio padrão mediana (1º quartil - 3º quartil) 6,4 ± 2,0 7,0 (5,0 - 8,0)

Fonte: Elaborada pelos autores.

A variável nível de contato com a disciplina foi avaliada pelo período dos acadêmicos no curso. Aqueles do primeiro período ainda não tiveram contato com as matérias do eixo, os estudantes do sexto período estavam cursando a disciplina Ética e Bioética e, logo, tendo seu primeiro contato com a disciplina, e os do décimo ou 12º período já concluíram essas disciplinas. Finalmente, em relação ao período dos acadêmicos no curso, 42 (36,2%) estavam no primeiro período, 41 (35,3%) no sexto e 33 (28,4%) no décimo ou 12º. A média do total de acertos dos participantes foi de 6,4 (desvio padrão de 2) com mediana de 7,0 (5,0-8,0) (Tabela 1).

A média de acertos dos alunos do primeiro período foi de 5,1 com desvio padrão de 1,6 e mediana de 5,0 (4,0 - 6,0). Os alunos do sexto período alcançaram média de 6,7 com desvio padrão de 1,7 e mediana de 7,0 (6,0 - 8,0). Os alunos do internato, por sua vez, obtiveram uma média de 7,8 com desvio padrão de 1,9 e mediana de 8,0 (7,0 - 9,0) (Tabela 2). O teste de Kruskal-Wallis resultou em valor p < 0,001 para comparação do total de acertos de cada classe, e o teste de Dunn (teste de comparações múltiplas) confirmou diferença significativa entre todas as classes.

Comparação dos acertos por questão, considerando três diferentes períodos do curso de Medicina de uma instituição privada no ano de 2020. 

Temática Nível de Acerto entre as questões 1º período 6º período 10º/12º período Valor-p
n (%) n (%) n (%)  
Questão 1 Sigilo profissional       0,003Q
Acerto   21 (18,1) 1 (2,4) 10 (24,4)) 10 (30,3)  
Erro   95 (81,9) 41 (97,6) 31 (75,6) 23 (69,7)  
Questão 2 Relações interpessoais do estudante de Medicina (limitações do acadêmico no estágio) 0,528F
Acerto   111 (95,7) 41 (97,6) 38 (92,7) 32 (97,0)  
Erro   5 (4,3) 1 (2,4) 3 (7,3) 1 (3,0)  
Questão 3 Publicidade médica       0,070Q
Acerto   60 (51,7) 16 (38,1) 23 (56,1) 21 (63,6)  
Erro   56 (48,3) 26 (61,9) 18 (43,9) 12 (36,4)  
Questão 4 Relação com pacientes e familiares 0,927Q
Acerto   77 (66,4) 27 (64,3) 28 (68,3) 22 (66,7)  
Erro   39 (33,6) 15 (35,7) 13 (31,7) 11 (33,3)  
Questão 5 Relação com pacientes e familiares 0,243Q
Acerto   59 (50,9) 18 (42,9) 25 (61,0) 16 (48,5)  
Erro   57 (49,1) 24 (57,1) 16 (39,0) 17 (51,5)  
Questão 6 Direitos humanos       < 0,001Q
Acerto   81 (69,8) 19 (45,2) 31 (75,6) 31 (93,9)  
Erro   35 (30,2) 23 (54,8) 10 (24,4) 2 (6,1)  
Questão 7 Relações interpessoais do estudante de Medicina (limitações do acadêmico no estágio) 0,157Q
Acerto   43 (37,1) 16 (38,1) 11 (26,8) 16 (48,5)  
Erro   73 (62,9) 26 (61,9) 30 (73,2) 17 (51,5)  
Questão 8 Relações interpessoais do estudante de Medicina (uso de aparelhos eletrônicos) 0,003Q
Acerto   75 (64,7) 19 (45,2) 29 (70,7) 27 (81,8)  
Erro   41 (35,3) 23 (54,8) 12 (29,3) 6 (18,2)  
Questão 9 Princípios fundamentais < 0,001Q
Acerto   72 (62,1) 18 (42,9) 25 (61,0) 29 (87,9)  
Erro   44 (37,9) 24 (57,1) 16 (39,0) 4 (12,1)  
Questão 10 Atividade médica 0,001Q
Acerto   39 (33,6) 6 (14,3) 15 (36,6) 18 (54,5)  
Erro   77 (66,4) 36 (85,7) 26 (63,4) 15 (45,5)  
Questão 11 Telemedicina 0,927Q
Acerto   77 (66,4) 27 (64,3) 28 (68,3) 22 (66,7)  
Erro   39 (33,6) 15 (35,7) 13 (31,7) 11 (33,3)  
Questão 12 Direitos humanos 0,044Q
Acerto   29 (25) 6 (14,3) 10 (24,4) 13 (39,4)  
Erro   87 (75) 36 (85,7) 31 (75,6) 20 (60,6)  

Q - Teste qui-quadrado; F - teste exato de Fisher.

Fonte: Elaborada pelos autores.

Destacam-se ainda os resultados obtidos pela comparação das classes por meio do desvio padrão. O melhor resultado do primeiro período (6,7) é superior ao pior resultado do sexto período (5), bem como a maior nota desse período - sexto - (8,4) supera a menor nota do internato (5,9). Tal observação se repete na comparação entre o limite superior de desempenho do primeiro período e o inferior do internato, sendo: 6,7 versus 5,9.

Já na análise individual das questões, demonstraram p < 0,05 e, assim, diferença significativa entre as classes os seguintes temas: “sigilo profissional” (1), “direitos humanos” (6; 12), “princípios fundamentais” (9), “atividade médica” (10) e “relações interpessoais do estudante de Medicina” - especificamente sobre o uso de eletrônicos (8). Em contrapartida, obtiveram p > 0,05, não apresentando diferença significativa entre classes, as temáticas: “relações interpessoais do estudante de Medicina” - especificamente sobre os deveres do acadêmico durante atendimento (2; 7), “publicidade médica” (3), “relação com pacientes e familiares” (4; 5) e “telemedicina” (11) - Tabela 2.

Finalmente, tem-se a comparação entre os níveis de acerto das questões (Tabela 2). A maior taxa foi identificada na questão 2 (95,7%). Na análise decrescente desses percentuais, apresentam-se em seguida: 6, 4, 11, 8, 9, 3 e 5, grupo detentor de percentual de acerto superior a 50%. Do restante, há as questões 7, 10, 12 e 1 (representando o limite inferior com 18,1% de acertos).

DISCUSSÃO

No que diz respeito à avaliação do ensino ético-legal nas graduações médicas no Brasil, tem-se o estudo de Dantas et al.5 que avaliou a situação do ensino da ética médica no país. Revisados estudos publicados nos 20 anos anteriores, nota-se uma relativa estagnação na estrutura educacional e organizacional dos cursos de ética e bioética nas escolas médicas, o que reflete a situação do ensino do exercício profissional dentro da boa prática. Não foi constatado nesse período aumento significativo do número de disciplinas dedicadas exclusivamente à ética médica e bioética, nem de docentes com funções específicas ou da carga horária. Portanto, reforça-se a necessidade de se avaliar em que nível as escolas médicas têm adotado medidas congruentes ao cenário de reconhecimento da importância da formação acadêmica no contexto ético-legal e como essa tem sido feita5.

Essa necessidade de avaliação do ensino ético-legal nas escolas médicas evidencia-se também na literatura internacional. Destacam-se estudos como o de Lehmann et al.11 que avaliou a organização e relevância da educação ética dentro da graduação médica em 91 faculdades de Medicina dos Estados Unidos (n = 85) e do Canadá (n = 6) por meio de questionários respondidos pelos reitores do curso e pelos diretores desse departamento. Os autores concluíram que, apesar da crescente necessidade de fortalecimento do ensino ético-legal, seus principais déficits nas escolas avaliadas se davam pela falta de tempo destinado a essas disciplinas no currículo e nas escalas da faculdade, assim como pela insuficiência do número de docentes qualificados11. De forma congruente, Campbell et al.12 enfatizam a importância de um ensino multidisciplinar e multiprofissional nesse departamento, fundamentado em pesquisa e integrado ao currículo médico12.

Quando se incorporou essa demanda de análise da formação do estudante de Medicina no contexto ético-legal à realidade da instituição avaliada e se realizou o presente estudo, constatou-se diferença estatisticamente significativa entre o total de acertos das três classes da amostra. O aproveitamento foi crescente do primeiro período em direção ao sexto e em relação ao internato de medicina (últimos períodos). Portanto, verificou-se a possibilidade de se determinar uma curva de aprendizado a partir do eixo ético-legal.

No entanto, destaca-se a comparação entre as classes por meio do desvio padrão como possível questionamento à consolidação dessa curva de aprendizado. Isso ocorre porque, quando se comparam as maiores notas das classes menos avançadas no curso com as menores das mais adiantadas, observa-se um padrão de superioridade dos resultados das classes iniciantes. Para resolução desse conflito e pormenorização da avaliação, utilizou-se a análise estatística comparativa dos acertos a partir do agrupamento das questões por temática.

Nesse contexto, a análise das áreas de conhecimento em que não houve associação significativa entre o número de acertos e as classes levou à elaboração de hipóteses que justificassem tal ausência de relação. Dentre tais temáticas, partindo das questões que abordavam “relações interpessoais do estudante de Medicina”, com ênfase em seus deveres e suas limitações, verificou-se que as competências exigidas para sua resolução envolviam conhecimentos difundidos entre os acadêmicos desde o início do curso, quando já são submetidos às aulas práticas supervisionadas e ao contato com os pacientes. Desse modo, o domínio dessas competências é trabalhado desde o ciclo básico em disciplinas como Práticas em Saúde Coletiva I, II e III e Antropologia Social. Em relação ao tema “telemedicina”, há o viés de que, com a pandemia da Covid-19, as consultas on-line se tornaram rotina e o assunto ganhou visibilidade e acessibilidade. Já no que diz respeito às questões que abordavam o tema “relação com pacientes e familiares”, exigia-se a noção de autonomia do paciente e de conteúdos básicos, como o reconhecimento da inexistência de eutanásia no Brasil. Finalmente, em relação à temática “publicidade médica”, é necessário ressaltar que se trata de assunto de amplo acesso e de extrema relevância na mídia, especialmente no que se refere à exposição de imagem do paciente, como foi cobrado no item. Portanto, verifica-se a existência de justificativas plausíveis para a incerteza da construção de uma curva de aprendizado nessas questões em específico, associando esse achado ao caráter de amplo alcance e/ou domínio dos conteúdos abordados.

Ainda em relação a esses resultados anteriores (não associação estatística), destaca-se que a análise do último tema, “publicidade médica”, fomenta uma discussão relevante sobre a interpretação dos dados. Embora não tenha se constatado prejuízo estatisticamente significativo no nível de acertos por parte dos acadêmicos que não tiveram ou tiveram menor contato com o eixo, não se pode subjugar a importância do ensino e do reforço dessas competências.

Evidencia-se tal observação pelo fato de que, mesmo em se tratando de assunto acessível e em constante destaque na mídia, facilmente demonstrado por pesquisa em websites médicos ou leigos, encontra-se, na prática, uma realidade incongruente. É comum que os profissionais registrem e divulguem imagens de pacientes para diversos fins, incluindo o prontuário médico e até mesmo promoção inadvertida do próprio trabalho. Trata-se, pois, de uma conduta divergente do Código de Ética Médica, bem como violadora de regras constitucionais de privacidade e confidencialidade8. Esses dados mostram que, mesmo para temas de amplo alcance e/ou domínio, identifica-se dissociação importante entre a teoria e o exercício profissional. Com base nesses achados, percebe-se a importância de se aprofundar a investigação da origem dessa divergência e estudar alternativas de solução. Uma das possibilidades é alocar mais carga horária ao assunto dentro do eixo ético-legal. Outro ponto de reflexão e sinal de alerta é que o assunto pode estar sendo abordado por outras disciplinas do ciclo básico, sem que docentes tenham total e efetivo domínio teórico de uma pauta que envolve conhecimentos específicos de normas e resoluções que regem a matéria. Se esse for o caso, será necessário promover capacitações específicas a tais docentes, uma vez que regras deontológicas estão no campo da dogmática, não da zetética.

Contudo, quando se analisaram as temáticas em que houve associação estatística entre o número de acertos e as classes, foram geradas hipóteses que reforçaram a relação estrita entre o ensino ético-legal e o êxito nas questões. Isso também pode ser confirmado a partir da análise das competências envolvidas nesses itens. A começar pelas questões sobre “direitos humanos”, era necessário ter conhecimento sobre as exceções em que o médico deve intervir sem consentimento do paciente/responsável legal. No que diz respeito ao “sigilo profissional”, demandava-se o conhecimento específico sobre como avaliar e proceder em relação à quebra de sigilo. Já na abordagem de “princípios fundamentais”, exigia-se a compreensão plena do direito médico de se recusar a realizar procedimentos sob determinadas condições, quando eles não condizem com seus valores. Quanto ao tema “atividade médica”, necessitava-se de atualização sobre o Ato Médico (Lei nº 12.842/2013), que dispõe juridicamente sobre o exercício da medicina e, especificamente, sobre os artigos 4° e 5°, os quais definem as atividades privativas da profissão. Por fim, sobre as “relações interpessoais do estudante de Medicina”, com ênfase no uso de aparelhos eletrônicos, demandava-se o reconhecimento de um princípio que, além de confrontar o senso comum, contrapõe a banalização da gravação e divulgação indiscriminadas de conteúdos provenientes de aulas teóricas, laboratoriais, ambulatoriais e práticas hospitalares.

Portanto, observa-se que, para os conteúdos em que foi identificada associação entre as variáveis classe e número de acertos (valor-p < 0,05), eram imprescindíveis o domínio e a atualização sobre conhecimentos especificamente trabalhados pelo eixo ético-legal. Isto é, conceitos inerentes às disciplinas que o compõem e retenção de conhecimento pelos acadêmicos nesses assuntos ao longo do eixo. Essa análise reforça a diferença identificada entre as classes na avaliação global e permite delimitar, então, uma curva de aprendizado sólida. Há evidências do surgimento e reforço efetivo das competências envolvidas na formação ético-legal ao longo das classes avaliadas.

Adicionalmente, a avaliação do nível de acerto de cada questão reitera as conclusões da análise comparativa anterior. Nesse sentido, há a questão 2, referente às “relações interpessoais do estudante de Medicina” (especificamente sobres os deveres do acadêmico no atendimento), e parte dos temas em que não houve associação entre classes e acertos, apresentando maior taxa de êxito (95,7%) e grande diferença percentual para as demais. Tal resultado fortalece a ideia de que se exigia o domínio de conteúdo público e de amplo alcance. Na avaliação decrescente dos percentuais de acerto, apesar de as questões 6, 8 e 9 - sobre “relações interpessoais do estudante de Medicina” e “princípios fundamentais” (última) - ocuparem a primeira metade da ordenação (69,8%, 64,7% e 62,1%), o restante dos temas em que houve associação entre as variáveis em questão guarda as últimas posições, com taxas inferiores a 50% de acertos. Tal fato ocorreu em uma única temática dentre aquelas que não apresentaram essa associação. Portanto, os resultados das questões 1, 10 e 12 - sobre “sigilo profissional” (18,1%), “atividade médica” (33,6%) e “direitos humanos” (25%) - concordam com a ideia de que blocos que apresentaram associação entre classes e acertos exigiam competências específicas de aprofundamento do eixo ético-legal.

Essas conclusões implicam ainda uma avaliação dos parâmetros de ensino da amostra. Para isso, foram levantadas algumas questões relevantes à educação ético-legal no Brasil e buscaram-se na literatura as principais dificuldades encontradas para formar alunos com nível de conhecimento satisfatório no tema. Apesar do progressivo reconhecimento do papel crucial do eixo ético-legal na graduação de Medicina, alguns estudos identificaram que as escolas médicas brasileiras mantêm um modelo conservador do ensino deontológico, ignorando a importância e necessidade de adaptação do ensino às transformações sociais13. Além disso, outro aspecto identificado como obstáculo a ser superado é a dificuldade em se transformar o ensino da ética médica em um modelo longitudinal, em todos os períodos5),(13)-(15. Ainda sobre as dificuldades relacionadas ao fortalecimento do ensino e da pesquisa nessa área, há a necessidade de transformar objetivos genéricos, como a formação de profissionais mais humanos, em objetivos cognitivos e afetivos norteadores do processo de aprendizagem e da avaliação de resultados14. Vale destacar também que se identifica como desafio ensinar as normas que regem o dia a dia da profissão médica de forma crítica, com reflexão sobre suas raízes e fundamentação5),(14.

À luz desse contexto, considerando essas as principais dificuldades ao fortalecimento do ensino ético-legal, pode-se inferir que os acadêmicos do presente estudo foram submetidos a parâmetros satisfatórios de educação. Isso ocorre porque, no programa em que se incluem, são distribuídas 160 horas de carga horária exclusiva para disciplinas do eixo ético-legal. Ademais, essas matérias são ministradas por docentes com funções específicas nessa seção da grade curricular e que acumulam experiência profissional em diferentes áreas. Tais aspectos são justamente alguns dos pontos-chave citados pela literatura como alternativas aos problemas discutidos neste trabalho5),(13)-(15. Nesse aspecto, destaca-se a qualificação dos educadores que ministram os conteúdos ético-legais como um dos pilares desse ensino na graduação médica. Inclusive, no caso daqueles que lecionam no ciclo básico e perpassam por princípios fundamentais ao conduzirem suas disciplinas. Como já mencionado anteriormente, trata-se de uma potencial premissa para aprofundar a investigação de possível déficit de ensino dentro desse contexto.

Nesse cenário, vale destacar também que as disciplinas ministradas pela instituição avaliada contam com planos de ensino que determinam competências específicas a serem desenvolvidas, assim como com atividades teóricas e práticas que incluem simulação realística, a fim de fomentar a visão crítica dos graduandos sobre o conteúdo e trabalhar sua aplicação prática. Destaca-se que esse modelo de ensino se mostrou eficiente na construção de uma curva de aprendizado sólida.

Finalmente, enfatiza-se a relevância deste estudo por meio da contribuição com dados originais sobre o ensino ético-legal na graduação médica, bem como pela complementação a outros trabalhos. O resultado de Almeida et al. 3 evidenciou que, embora a importância desse ensino seja reconhecida pela comunidade acadêmica, há falta de interesse, atualização e domínio desse conhecimento. Já Godoy et al.7 concluíram ser ineficaz a docência desses conteúdos em apenas uma série da graduação, pleiteando uma educação longitudinal. Desse modo, observa-se a relevância da existência de um eixo ético-legal na graduação de Medicina, atravessando vários períodos. Logo, esta pesquisa contribui para o aprofundamento desses outros trabalhos, uma vez que expõe o potencial êxito de modelos de ensino que buscam corrigir o déficit identificado na literatura.

No entanto, faz-se necessário reconhecer algumas limitações do presente estudo, como o fato de ser incomum a adoção de um eixo longitudinal de ensino ético-legal na graduação médica e também a pouca disponibilidade de instrumentos validados para mensuração desse conhecimento. Além disso, a comparação de diferentes grupos em um único momento e o uso de técnicas exclusivamente quantitativas podem limitar a interpretação mais aprofundada dos resultados. Para o futuro, propõem-se estudos longitudinais que acompanhem um único grupo de estudantes durante todo o curso e que sejam complementados com técnicas de pesquisas também qualitativas, como entrevistas, a fim de aprofundar a compreensão sobre as percepções éticas e morais de futuros profissionais da Medicina durante o processo de formação ético-legal na graduação. Espera-se, pois, que as considerações aqui apresentadas inspirem não só novos trabalhos, bem como a implementação de eixos dessa natureza em outros cursos da graduação, já que suas competências e habilidades se fazem indissociáveis à boa prática médica.

CONCLUSÃO

Verificou-se associação significativa entre o curso das disciplinas que compõem o eixo ético-legal e o aumento efetivo do nível de conhecimento do acadêmico de Medicina sobre boas práticas do exercício profissional.

Essa relevância encontrada no presente estudo torna evidente a indissociabilidade entre esse conteúdo na graduação médica e a formação de profissionais capazes de compreender a realidade e se antecipar às novas questões que surgem continuamente nas práticas em saúde. Tem-se, portanto, o ensino ético-legal como aspecto indispensável à qualidade da educação nas escolas de Medicina.

Destaca-se ainda que a análise dos parâmetros de ensino da amostra indica níveis satisfatórios de retenção de conhecimento específico, com abrangência das principais dificuldades referidas na literatura e eficiência na construção de uma curva sólida de aprendizado ético-legal.

Cabe lembrar que existem ainda outros fatores associados às mudanças observadas nas percepções éticas e morais de futuros profissionais da medicina durante as diferentes etapas da formação e que merecem estudos qualitativos futuros mais aprofundados.

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2Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO SOARES, LM recebeu bolsa de iniciação científica concedida pela Fundação Educacional Lucas Machado (FELUMA). Agradecemos também o apoio científico recebido pelo Departamento de Pesquisa e Extensão da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG).

Recebido: 15 de Abril de 2021; Aceito: 24 de Janeiro de 2023

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Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editora associada: Rosiane Viana Zuza Diniz.

CONFLITO DE INTERESSES

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