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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.47 no.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2023  Epub 20-Mar-2023

https://doi.org/10.1590/1981-5271v47.1-20220176 

REVISÃO

Aspectos relacionados ao estudante na construção da identidade médica: uma revisão integrativa

Débora Alves dos Santos Fernandes1  , elaboração do estudo, investigação de dados, levantamento bibliográfico, redação, construção, organização e edição do artigo
http://orcid.org/0000-0002-9544-5891

Stella Regina Taquette2  , orientaram todas as etapas , organização, revisão final e edição do artigo
http://orcid.org/0000-0001-7388-3025

Luciana Maria Borges da Matta Souza2  , orientaram todas as etapas, organização, revisão final e edição do artigo
http://orcid.org/0000-0002-7053-5903

1Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

2Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.


Resumo:

Introdução:

A construção da identidade médica (IM) é fenômeno dinâmico influenciado por fatores relacionados ao estudante, ao ambiente educacional e à sociedade.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivo sintetizar o conhecimento produzido a respeito dos aspectos referentes ao estudante na construção da IM.

Método:

Trata-se de uma revisão integrativa de estudos empíricos publicados em periódicos indexados na MEDLINE e LILACS, utilizando a expressão medical identity e os descritores identity crisis, social identification, physician’s role e professional role. Os critérios de inclusão foram: textos completos disponíveis em português, espanhol, francês ou inglês de estudos empíricos sobre fatores que influenciam na formação da IM com foco nos aspectos relacionados ao estudante e tendo médicos ou estudantes de graduação em Medicina como participantes.

Resultado:

Na primeira etapa, identificaram-se 1.365 artigos. Foram triados 194 artigos para leitura em profundidade. Destes, incluíram-se 18 para análise temática com classificação em categorias em diálogo com a literatura, tendo como base o conceito de IM saudável. A maioria dos artigos foi publicada na última década. Identificaram-se três categorias: expectativa versus realidade, referente ao que o estudante pensa sobre o que um médico é ou deveria ser; médico “super-herói”, relativa à percepção caricaturada da medicina criada pelos próprios alunos e oferecida pela sociedade por meio de programas, séries e filmes televisivos; e modelagem de papéis, que diz respeito à importância da experiência prática do estudante supervisionada por um preceptor ou docente. A IM construída ao longo do curso médico influencia na forma como a medicina é exercida e, quando ela não é congruente com a realidade que o recém-formado encontra, provoca sofrimento no médico e interfere na atuação profissional dele.

Conclusão:

Instituições de ensino, professores e preceptores devem estar atentos às expectativas e às idealizações de seus alunos sobre o que é ser um médico e o papel desse profissional na sociedade, de maneira a promover intervenções que auxiliem em uma construção identitária mais saudável e mais resiliente às intempéries peculiares à profissão médica.

Palavras-chave: Educação Médica; Estudantes de Medicina; Crise de Identidade; Papel do Médico; Pesquisa Qualitativa

Abstract:

Introduction:

The Medical Identity (MI) construction is a dynamic phenomenon influenced by factors related to the student, the educational environment and society.

Objective:

To synthesize the produced knowledge about the student-related aspects regarding the construction of the MI.

Method:

This is an integrative review of empirical studies published in journals indexed in the MEDLINE and LILACS databases, using the term Medical Identity and the descriptors Identity Crisis, Social Identification, Physician’s Role and Professional Role. The inclusion criteria were: full texts available in Portuguese, Spanish, French or English of empirical studies on factors that influence the development of MI focused on student-related aspects and having physicians or undergraduate medical students as participants.

Results:

In the first stage, 1,365 articles were identified. Subsequently, 194 articles were chosen for in-depth reading. Of these, 18 were included for thematic analysis with classification into categories in dialogue with the literature, based on the concept of healthy MI. Most articles were published in the last decade. Three categories were identified: expectation versus reality, related to what the student thinks about what a physician is or should be; the ‘superhero’ physician, related to the caricatured perception of Medicine created by the students themselves and offered by society through TV programs, series and films; and role modeling, which concerns the importance of the student’s practical experience supervised by a preceptor or teacher. The MI built throughout the medical course influences the way medicine is practiced and when it is not consistent with the reality that the recently graduated student encounters, it causes suffering to the physician and interferes with their professional performance.

Conclusion:

Educational institutions, teachers and preceptors must be aware of the expectations and ideals of their students about what it means to be a physician and the role of this professional in society, aiming to promote interventions that help establishing a healthier and more resilient identity construction, particular to the medical profession.

Keywords: Medical education; Medical students; Identity crisis; Physician’s role; Qualitative research

INTRODUÇÃO

Os cientistas sociais, desde a década de 1950, notaram que a educação médica precisa ser capaz de fornecer aos estudantes o melhor disponível em termos de conhecimentos e habilidades. Além disso, deve auxiliar na formação de uma identidade profissional de maneira que esse aprendiz consiga pensar, agir e se sentir médico, isto é, que seja capaz de construir sua própria identidade como profissional1),(2.

A formação identitária pode ser denominada de formação da identidade profissional por alguns autores, sem perda do significado essencial, e é encarada como um passo fundamental na transição de ser estudante para o profissional médico. Essa construção demanda uma definição de quem a pessoa é, dos seus valores morais e o que deseja realizar na vida. Assim, elabora uma concepção de si mesmo composta por metas, crenças e valores com os quais se compromete profundamente e os utiliza como base para a interação com o mundo ao seu redor. Os estudantes de Medicina estão posicionados, na construção identitária, entre perceberem-se adolescentes egressos do mundo leigo dos pacientes e passarem a ser, efetivamente, médicos3)-(6.

Ao longo do curso, é comum que esses ideários e construções identitárias superficiais e rudimentares entrem em conflito com as experiências vivenciadas. Dessa forma, são geradas grandes tensões emocionais que podem vir a prejudicar a saúde emocional e mental desses estudantes quando valores e crenças antigos são reexaminados de uma forma tumultuada e não supervisionada por colegas ou professores mais experientes3),(4),(7.

Uma identidade médica (IM) pode ser considerada saudável quando houve transição gradual entre o ideário do estudante e a realidade vivenciada no fim do internado e nas práticas hospitalares ou quando não há confusão, sentimento de angústia ou ansiedade relacionados à função do médico nas equipes interprofissionais e na sociedade4),(7)-(9. Em resumo, uma IM saudável é composta por caraterísticas como sensibilidade, empatia, retidão, generosidade, tolerância, bom senso, inteligência, dedicação, capacidade de elaboração e reparação7),(10.

As Diretrizes Curriculares Nacionais11 preconizam que o perfil do egresso contemple uma formação generalista com foco de atuação nas demandas do Sistema Único de Saúde (SUS). Contudo, existe ainda um imaginário coletivo dos alunos dirigido às especializações e ao caráter privatista quanto à atuação profissional no processo de formação acadêmica em saúde5),(6),(12. Considerando que, entre os médicos com idade inferior a 25 anos, aproximadamente 67% trabalham exclusivamente no SUS13, observa-se que os estudantes de Medicina têm a percepção de que trabalhar no setor público oferece segurança financeira por causa da garantia do emprego e de um salário no final do mês; e, no setor privado, destaca-se o sucesso profissional5),(6),(12.

A temática relacionada às vivências estudantis é um dos aspectos do tripé de constructos formadores da IM encontrados em uma das mais amplas pesquisas sobre o tema, a metassíntese desenvolvida por Rebecca Volpe et al.14. Nessa publicação de 2019 do BMC Medical Education, 92 textos científicos foram incluídos na revisão, de um total de 7.451 títulos e resumos encontrados. Revelaram-se três categorias inter-relacionadas na formação da IM: 1. os estudantes e suas expectativas; 2. o ambiente educacional, a função do preceptor ou docente e a experiência prática supervisionada (modelagem de papéis - exemplos de atuação como médico que os educadores fornecem aos alunos); e 3. a sociedade, os sistemas sociais e as estruturas curriculares e impacto destes no profissional formado14.

Além da metassíntese de Volpe et al.14, mais de 30 revisões de literatura relacionadas à IM foram conduzidas nos últimos 20 anos, em todo o mundo. Entretanto, nenhuma delas incluiu artigos publicados na América do Sul, em especial no Brasil, nem abordou os aspectos relacionados ao estudante como principal temática, tampouco reuniu estudos empíricos e exploratórios.

Uma identidade profissional bem formada e saudável é o fundamento para uma prática clínica segura e eficaz de todas as profissões da área da saúde, inclusive no sentido de manter o bem-estar físico e emocional desses profissionais. Os programas universitários, seja na parte curricular, no núcleo pedagógico ou na figura do docente, desempenham um papel importante na formação da identidade profissional dos alunos7),(14),(15.

O avanço na compreensão desses temas fornece novas interpretações sobre o processo complexo da formação de uma IM saudável nos estudantes de graduação em Medicina. Deficiências nessa formação identitária impactam negativamente a decisão clínica a respeito do esquema terapêutico a ser proposto para os pacientes atendidos, o papel do médico e a sua atuação em equipes multiprofissionais, e inclusive a saúde física e mental dos estudantes de graduação e médicos formados atuantes no mercado de trabalho7),(8),(10.

Assim sendo, o objetivo desta pesquisa é sintetizar o conhecimento produzido em estudos empíricos sobre as questões relacionadas ao estudante na construção da IM, uma vez que as revisões anteriores presentes na literatura não abordam essa temática específica.

MÉTODO

Trata-se de revisão integrativa de artigos publicados em periódicos indexados nas duas principais bases de dados das ciências da saúde: Medical Literature Analysis and Retrievel System Online (MEDLINE), via PubMed (sistema de busca de referências bibliográficas da National Library of Medicine - NLM) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Essas duas bases foram escolhidas por reunirem fontes bibliográficas e periódicos de qualidade reconhecida mundialmente, incluindo artigos nacionais e da América do Sul.

Adotaram-se os seguintes critérios de inclusão dos materiais: texto completo disponível nos idiomas português, espanhol, francês ou inglês de estudos empíricos sobre fatores que influenciam na formação da IM, com foco nos aspectos relacionados ao estudante e tendo médicos ou estudantes de graduação em Medicina como participantes.

Os termos de pesquisa e os descritores utilizados foram selecionados a partir do estudo de quatro itens que se baseiam na escolha de um descritor adequado a uma pesquisa, segundo o Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): notas de escopo, notas de indexação, estrutura hierárquica e conceito do descritor. Depois dessa etapa, realizou-se a análise de termos alternativos dos 22 descritores relacionados à temática da IM encontrados no DeCS do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME) e no Medical Subject Headings (MesH) da NLM.

Para que fosse possível analisar a literatura de maneira integrada e completa, a revisão foi realizada em quatro etapas: identificação, seleção, elegibilidade e inclusão. A pesquisa dos artigos nas plataformas de dados foi realizada em 1º de março e revisada em setembro de 2021.

Realizaram-se análise temática dos textos, classificação em categorias e diálogo com a literatura. Para essa análise, adotaram-se os passos descritos no estudo de Minayo16: a leitura, compreensão e releitura para familiarização com os conteúdos objetivos e subjetivos dos documentos encontrados na revisão; a identificação dos temas de análise considerando os objetivos do estudo, a classificação dos temas e o diálogo comparativo com a literatura; e a elaboração de uma síntese interpretativa. Incluíram-se 16 artigos, além daqueles que constam na Quadro 1, na introdução e na discussão dos dados.

RESULTADOS

Na primeira etapa, de identificação, utilizaram-se a expressão medical identity e os descritores identity crisis, physician’s role, social identification e professional role. Os artigos foram triados por título, resumo e texto da íntegra. Identificaram-se 1.365 documentos nos bancos de dados pesquisados. Na triagem por título, excluíram-se 27 por duplicidade e 77 porque o título não estava relacionado à pesquisa atual.

Dos 1.261 títulos restantes, foram excluídos 19 artigos cujo resumo não estava disponível para leitura e 1.125 cujos resumos não se relacionavam com a temática proposta.

Desse modo, 194 artigos foram triados para leitura do texto na íntegra e em profundidade. Destes, 176 títulos não cumpriram os critérios de inclusão: 15 porque o texto na íntegra não estava disponível, 25 não eram sobre a temática da IM, 14 editoriais, 62 artigos de revisão, 14 artigos cujos participantes da pesquisa eram estudantes ou profissionais não médicos, 46 cujo foco do estudo não era sobre aspectos da IM relacionados ao estudante (21 relacionados ao docente e 25 à sociedade). Em vista disso, analisaram-se integralmente 18 artigos (Figura 1).

Fonte: Elaborada pelas autoras com base no grupo PRISMA 2009.

Figura 1 Fluxograma sobre o processo de busca e seleção dos artigos da revisão integrativa 

Com relação à data, 97% dos artigos foram publicados nos últimos 20 anos, sendo a maioria na última década, demonstrando a atualidade do tema. A maioria dos estudos (72% - 13 artigos) utilizou metodologia qualitativa, enquanto os demais cinco artigos adotaram metodologia quantitativa.

Quanto ao local de realização do estudo, 56% (dez artigos) foram desenvolvidos na América do Sul (cinco no Brasil), Oceania (dois na Austrália), Ásia (um em Israel e um na Indonésia) e África (um na África do Sul). Os demais foram realizados na América do Norte (quatro nos Estados Unidos) e na Europa (três no Reino Unido e um multicêntrico no Reino Unido e Holanda).

Os artigos foram organizados na Quadro 1 com nome do primeiro autor, ano de publicação, país onde foi realizado, desenho do estudo, objetivo, categoria temática na qual foi incluído, participantes e principais conclusões.

Quadro 1 Artigos incluídos na revisão integrativa que versam sobre fator “estudante” na formação da identidade médica 

Autoria Ano/local Desenho Categoria temática Objetivos Participantes
Matos et al.7 2019 / Brasil Qualitativo Categoria temática 1 Identificar expectativa e realidade vivenciadas por estudantes de Medicina. 77 estudantes de Medicina
Machado et al.17 2018 / Brasil Qualitativo Categoria temática 1 Analisar expectativas do tornar-se médico ao longo da graduação em Medicina. 145 estudantes de Medicina
Stubbing et al.4 2018 / Reino Unido Qualitativo Categoria temática 2 Compreender expectativas e preconceitos de estudantes de Medicina sobre o que é ser médico. 23 estudantes de Medicina
Winkel et al.18 2018 / Estados Unidos Qualitativo Categoria temática 2 Compreender o desenvolvimento de resiliência em residentes no enfrentamento de fatores estressores. 18 médicos residentes
Burford et al.9 2017 / Reino Unido Quantitativo Categoria temática 1 Estabelecer como os estudantes de Medicina se autoidentificam. 181 estudantes de Medicina
Wainwright et al.19 2017 / Reino Unido Qualitativo Categoria temática 2 Investigar como o Programa de Suporte Profissional (PSP) influencia na autopercepção da IM. 8 estudantes de Medicina (internato)
Wasityastuti et al.20 2016 / Indonésia Quantitativo Categoria temática 1 Determinar perfis de motivação acadêmica e sua relação entre a IP e a IM. 531 estudantes de Medicina
Green21 2015 / Estados Unidos Qualitativo Categoria temática 3 Compreender, por meio de artes gráficas, a experiência de estudantes de Medicina. 58 estudantes de Medicina
Lovell8 2015 / Reino Unido Qualitativo Categoria temática 3 Analisar como as comunidades de estudantes influenciam no desenvolvimento de IP e IM. 32 estudantes de Medicina
Talisman et al.22 2015 / Estados Unidos Quantitativo Categoria temática 1 Explorar se o treinamento em mindfulness auxilia na construção da IM. 62 estudantes de Medicina
Barr et al.23 2014 / Austrália Qualitativo Categoria temática 1 Analisar o contato de estudantes com pacientes crônicos e a influência em IM centrada no paciente. 67 estudantes de Medicina
Kligler et al.24 2013 / Estados Unidos Qualitativo Categoria temática 2 Compreender o impacto do início do terceiro ano no bem-estar dos estudantes. 173 estudantes de Medicina
Iyer et al.25 2011 / Austrália Quantitativo Categoria temática 1 Examinar os efeitos da nostalgia e da continuidade da identidade no bem-estar psicológico. 120 estudantes de graduação
Sabino et al.26 2010 / Brasil Qualitativo Categoria temática 3 Compreender a função do ambulatório na construção de IM em início de carreira. 12 médicos
Machado27 2009 / Brasil Qualitativo Categoria temática 1 Investigar construção da IM de médicos paliativistas. 6 médicos
Draper et al.28 2007 / África do Sul Qualitativo Categoria temática 3 Explorar as percepções dos estudantes de Medicina sobre a medicina e o exercício profissional. 193 estudantes de Medicina
Fiore et al.29 2005 / Brasil Qualitativo Categoria temática 3 Explorar fatores psicológicos e sociais envolvidos na escolha de especialidades médicas. 40 médicos
Rosenberg et al.30 1979 / Israel Quantitativo Categoria temática 2 Investigar como os alunos do primeiro ano do curso médico se autopercebem no contato com pacientes. 62 estudantes de Medicina

Legenda: IP - identidade profissional; IM - identidade médica.

Fonte: Elaborada pelas autoras.

Na análise dos artigos, identificaram-se três núcleos temáticos principais que deram origem às categorias classificatórias: 1. expectativa versus realidade: as expectativas dos estudantes sobre o que um médico é ou deveria ser (oito artigos); 2. médico “super-herói”: a percepção caricaturada da medicina criada pelos próprios alunos e oferecida pela sociedade por meio de programas, séries e filmes televisivos (cinco artigos); 3. modelagem de papéis: a importância da experiência prática do estudante supervisionada por um preceptor ou docente (cinco artigos).

Categoria 1: Expectativa versus realidade

Nessa categoria, foram incluídos oito artigos que versam sobre o que pensam os estudantes sobre o que é ser um médico, especialmente a partir do momento em que são aprovados no processo seletivo universitário e vivenciam a transição de “público leigo” para “estudante de Medicina e futuro médico”.

Os estudantes, ainda nos primeiros dias do curso médico, já possuem uma concepção pré-formada a respeito do tipo de profissional que almejam ser por meio da idealização e da expectativa do que é “ser médico”. Essa concepção pré-formada é semelhante à compreensão que o público leigo tem a respeito da medicina e é repleta de conceitos prévios que podem ou não se concretizar7),(17. Além disso, a motivação para a escolha da profissão influencia nas expectativas que esses alunos desenvolvem antes e durante o curso. No estudo de Mariana Santiago de Matos et al.7, ficou evidente que “a escolha da profissão - um ‘sonho’ de criança - se deve, em grande parte, a concepções idealizadas sobre o médico, uma figura que ‘faz o bem’, ‘salva vidas’, ‘evita a morte’, ‘leva felicidade para os outros’ e ‘tem status social’” (p. 159).

Entretanto, as motivações e as expectativas desse “sonho de criança” se transformam drasticamente ao longo do curso médico. Ocorre diminuição do ideal humanista, crítico, reflexivo e ético de uma maneira inversamente proporcional ao aumento do ideal de conseguir retorno financeiro em detrimento das relações humanistas e éticas, em uma prática clínica ultraespecializada, que segue de encontro às DCN de 2001 e 201411),(17),(27.

A modificação dessas expectativas a respeito do médico pode ser explicada pelo contraste entre o papel esperado de um estudante de Medicina e a vivência durante a inserção dele na prática médica real. Durante o curso, é esperado que os alunos desenvolvam um conjunto de competências e habilidades técnicas, mas também características psicológicas, como empatia e senso de responsabilidade social. O ambiente acadêmico competitivo e a valorização excessiva da superespecialização impactam negativamente a perspectiva desses estudantes a respeito da profissão. Percebe-se uma transformação do perfil generalista e humanista presente no início do curso em um perfil, no final do curso, voltado para o mercado de trabalho, para o retorno financeiro e para o elevado status social que se almeja alcançar7),(9),(17),(27.

Apesar de só se tornarem médicos após os seis anos mínimos de graduação, é comum que os alunos, no início do curso, já se identifiquem mais fortemente como “médicos” do que como, ainda, “estudantes de Medicina”. Essa autopercepção precoce cria tensões e frustrações na formação identitária. Os alunos dos primeiros períodos se autopercebem mais como “médicos” do que os alunos dos períodos finais do curso (internato). Por sua vez, os estudantes do internato - quase médicos - sofrem crises identitárias ao não se considerarem capazes de se tornar médicos, com receios e medos de adentrar o mercado de trabalho e a vida profissional de maneira plena, vivenciando a “síndrome do impostor”9.

Estudos mostram que as motivações para a escolha da profissão também se alteram. O exemplo disso é o incentivo do altruísmo para ajudar o próximo sendo substituído pelo individualismo e pela busca pelo proeminente e satisfatório status social e financeiro9),(20),(22),(23),(25),(27.

Os artigos descrevem que uma autopercepção identitária distorcida, com expectativas irreais e não trabalhadas psicologicamente durante o curso médico, gera consequências negativas para o bem-estar psíquico quando os alunos constatam que não serão capazes de atingir os estereótipos esperados socialmente7),(9),(20),(25. Iyer et al.25 destacam que “transições identitárias planejadas, estruturadas e supervisionadas pelos preceptores geralmente têm consequências positivas para os indivíduos” (p. 106)25.

Categoria 2: Médico “super-herói”

Nessa categoria, foram incluídos os cinco artigos que versam sobre a percepção caricaturada da medicina criada pelos próprios alunos e oferecida pela sociedade por meio de programas, séries e filmes televisivos. É comum, entre os estudantes, que exista uma visão do médico em que o jaleco branco se torne a capa do super-herói, um ser invencível e não suscetível a qualquer intempérie física ou emocional.

Existe, portanto, um endeusamento estereotipado que pode ser socialmente percebido na preconcepção do médico-herói caricaturado na figura do “doutor”. Esse doutor-herói é uma pessoa que nunca deve mostrar fraquezas ou precisar de cuidados de saúde, possui ótimo status social e financeiro, é capaz de ser um líder nato em equipes de saúde e consegue resolver todos os problemas que se colocarem à sua frente. Essa percepção ainda se mantém nos primeiros meses da graduação e diminui somente nos últimos semestres do curso, quando os estudantes são expostos à realidade da profissão no internato19),(24.

Esse endeusamento é diferente das expectativas criadas pelos estudantes antes de entrarem na universidade, porque imaginar situações que podem se tornar reais (ou não) é algo inerente a todo ser humano. Entretanto, na medicina, essas expectativas de situações imaginárias podem superar as situações do cotidiano, e o “cuidar do paciente” pode ser percebido como um verdadeiro “ato de heroísmo” comparado aos grandes feitos realizados por super-heróis na ficção19),(24),(30.

A constatação dessa característica no comportamento dos estudantes de Medicina não é recente. De acordo com Rosenberg et al.30, em pesquisa realizada na Universidade de Tel Aviv, em Israel, quando “os alunos foram solicitados a verificar a sua posição - mais próximos da posição do médico ou do paciente -, quase 80% escolheram a posição do médico e classificaram esse profissional como ‘extraordinário’ e ‘sábio’, inclusive os recém-ingressos no curso médico” (p. 334)30.

Estudos mais recentes confirmam essa particularidade e revelam que os estudantes, mesmo cursando apenas no primeiro semestre, sentem-se “médicos super-heróis” e se comportam como tal em sociedade. Imaginam-se realizando uma ressuscitação cardiopulmonar extraordinária em meio a uma multidão ou dizendo “É um lindo dia para salvar vidas” em referência ao personagem de uma série televisiva. É comum, igualmente, que familiares e amigos enxerguem o acadêmico, ainda principiante na profissão, como referência no que tange a questões de saúde, mesmo que o aluno tenha sido aprovado no processo seletivo apenas há alguns dias4),(19.

Os alunos descrevem, nas pesquisas, a dificuldade de fazer escolhas saudáveis diante dos desafios do curso médico, pois se sentem pressionados a ser “perfeitos” para que possam se tornar um “modelo” para os próprios pacientes. Benjamin Kligler et al.24 destacam que alguns estudantes caracterizaram essa modelagem perante os pacientes como “desafios que os encorajaram a ser mais ativos e eficazes na gestão da própria saúde; outros caracterizavam como obstáculos intransponíveis que os impediam de fazer escolhas saudáveis” (p. 535)24.

Os pesquisadores Winkel et al.18 ressaltam que, apesar de preocupante, esse é “um fenômeno natural do desenvolvimento da IM e é fundamentado na vocação socialmente compreendida dos médicos para o cuidado” (p. 8). Ao encontrar o apoio de colegas e conectar-se com o significado do trabalho, o “chamado” inicial para o “heroísmo” do trabalho de cuidar dos pacientes pode ser fortalecido, em vez de enfraquecido, pela experiência difícil de constatar que a doença e a morte são processos naturais da vida, que não são grandes vilãs a serem combatidas. Para que essa experiência fortaleça a IM nascente dos estudantes, devem ser ampliados, durante o treinamento em serviço, os mecanismos de enfrentamento e reflexão sobre as incertezas e adversidades apresentadas pela experiência de ser um médico real18),(30. Ao descobrir-se falível, humano e suscetível a estresses e conflitos, ocorre uma ruptura na percepção do estudante a respeito do médico-herói. Essa quebra desenvolve uma IM mais saudável que é fundamental ao médico-real, melhorando as conexões dentro da comunidade médica, a sensação de autorrealização pessoal no trabalho e o desenvolvimento de práticas de autocuidado físico e emocional18.

Categoria 3: Modelagem de papéis

Nessa categoria, foram incluídos cinco artigos que versam sobre a importância da experiência prática supervisionada por um preceptor ou docente na formação identitária do acadêmico sob sua tutela e das estratégias de atuação de preceptores/docentes e das instituições de ensino.

De acordo com Fiore et al.29, apesar de os estudantes apresentarem diferentes formas de lidar com as ansiedades geradas pela prática médica, os recursos emocionais usados para o manejo e a elaboração das situações geradoras de tensão e ansiedade

[...] dependem da história pessoal de cada um e do capital simbólico próprio. A hierarquia de valores na Medicina e suas diversas especialidades pode ser considerada como defesa coletiva (dos estudantes) contra ansiedades decorrentes [...] do constante lidar com situações de impotência (p. 206)29.

Essa salvaguarda atua contra as ansiedades resultantes do exercício da profissão no cotidiano do mercado de trabalho público e privado e o constante lidar com as situações de impotência diante daquilo que é necessário fazer e daquilo que efetivamente pode ser feito em prol do paciente29.

Tais frustrações e expectativas não atendidas em relação ao curso e à prática médica acabam comprometendo a disposição para o aprendizado e a construção adequada da IM. Por esse motivo, espera-se que os educadores estejam cientes das expectativas e dos conceitos prévios dos estudantes em relação à medicina para que possam detectar precocemente conflitos entre essas percepções e a realidade. Assim, serão capazes de auxiliar no desenvolvimento de resiliência e de mecanismos psicológicos que fortaleçam os acadêmicos para o enfrentamento desses fatores estressores emocionais e físicos8),(28),(29.

Preceptores ou docentes médicos vivenciaram em si mesmos a construção da própria IM e são os mais indicados para detectar precocemente conflitos identitários dos estudantes, a fim de atenuar essas desordens emocionais. Por isso, é fundamental o oferecimento de apoio psicopedagógico durante o curso médico enquanto a IM está em desenvolvimento nos graduandos, uma vez que existe uma grande resistência por parte dos profissionais já formados em procurar auxílio psicológico especializado. Pesquisas recentes evidenciaram que a necessidade de procurar ajuda de um serviço de suporte psicológico parece “quebrar” a IM autopercebida, especialmente quando esta foi construída tendo como base estereótipos irreais criados e consolidados ao longo do curso. Mesmo que essa “quebra” e esses suportes psicológicos sejam úteis em estabelecer novos parâmetros, novas motivações e reestruturações identitárias de uma maneira mais saudável, existe, ainda, uma grande resistência por parte dos médicos em realizar um processo de autoanálise guiada por profissionais capacitados. Desse modo, os professores têm um papel fundamental quando se trata de detectar conflitos emocionais em seus alunos, mediar soluções e sugerir a busca de apoio psicológico especializado8),(21),(26.

Segundo Sabino et al.26, o docente funciona, estrategicamente inclusive, como um mediador na dinâmica das relações de poder, retificação de expectativas e construção identitária dos estudantes de graduação e pós-graduação. Isso acontece quando os alunos almejam atender pacientes de alta complexidade apesar de 80% dos atendimentos médicos brasileiros serem de baixa complexidade realizados em ambulatórios. Os autores destacam que “os estudantes costumam usar os termos ‘esculhambatório’ (local onde só há pessoas ‘esculhambadas’), ‘molambatório’ (alusão a molambos ou a pessoas pobremente vestidas) e ‘embromatório’ (local onde se perde tempo ‘embromando’ os outros) como sinônimos de ambulatório” (p. 1360)26.

Além disso, as vivências dos estudantes no ciclo pré-clínico formam uma identidade relacionada aos modelos tradicionais centrados no médico, independentemente do país onde cursem Medicina. A interação precoce com o paciente auxilia na construção de uma IM mais saudável por colocar o estudante perante uma realidade concreta daquilo que encontrará ao final do curso. Esse convívio muda o foco do aluno para a direção de uma IM mais centrada no paciente. Pode-se construir esse foco a partir do envolvimento do graduando em tarefas práticas cotidianas, como receber pacientes em uma sala de espera, tornar-se responsável por algumas etapas do atendimento ou realizar atividades em contato próximo com os pacientes, apoiando a sensação de “ser um médico de verdade”. Esse envolvimento compõe uma participação legítima na atenção supervisionada ao doente, mesmo que periférica no início do curso, e é capaz de moldar a identidade profissional dos estudantes. Nesse contexto, surge a figura do preceptor ou do docente como indispensável na modelagem de papéis na prática médica, influenciando de forma positiva ou negativa na eclosão e no desenvolvimento da IM de seus estudantes21),(28),(29.

DISCUSSÃO

O debate sobre os fatores que influenciam a formação da IM de estudantes de graduação não é recente. Como nos adverte Julio de Mello Filho10, “árduo se torna o estudo centrado no médico” porque muitos autores se dedicam ao estudo da medicina como ciência, entretanto “quem a exerce não fica senão nas entrelinhas”. De acordo com Adolfo Hoirisch31, o terreno do estudo sobre a formação da IM é pedregoso e áspero porque “o médico, empenhado que está em estudar a identidade do paciente, esquece-se de analisar a sua própria identidade. Certos médicos escudam-se no papel profissional como se, assim procedendo, invalidassem a própria condição como seres humanos”(p. 5). Se os próprios médicos e docentes sofrem com crises em seus processos identitários, os estudantes que se espelham nesses profissionais para construir suas nascentes IM atravessam e vivenciam os mesmos conflitos10.

Existem duas identidades que formam o profissional médico e que podem ser analisadas como as duas fitas de um DNA de dupla hélice: a identidade como indivíduo e a identidade como profissional. Ambas formam fios paralelos que se entrelaçam, e cada fio deve apresentar potencial de resiliência para acomodar o outro. No entanto, esse fardo de dobrar e mudar para que uma identidade acomode a outra parece recair mais sobre a vertente individual, com a vertente da profissão permanecendo mais fixa e imutável. Com isso, as expectativas do indivíduo podem ser suprimidas pela realidade profissional, o que pode aflorar sentimentos de ansiedade, frustração e inadequação, e resultar em transtornos psicológicos e psiquiátricos que levem à depressão e ao abandono da profissão2),(7),(14),(17.

A formação da IM envolve, naturalmente, processo de experimentação, de mudanças e de incertezas que, em um âmbito ideal, resulta na reconciliação bem-sucedida de ideais, de valores e de papéis conflitantes2),(14. Porém, o que foi demonstrado pelos artigos presentes nesta revisão é que a grande maioria dos estudantes não está capacitada para lidar emocionalmente com esses conflitos identitários. As consequências dessas expectativas não atendidas geram frustrações, distúrbios psicológicos e a formação de uma IM não saudável. Essa IM “adoecida” motiva uma baixa qualidade no exercício da medicina por parte do estudante7),(17. Como consequência, percebe-se um esvaziamento das especialidades consideradas “raízes”, como pediatria, cirurgia geral, clínica médica, gineco-obstetrícia e saúde pública, em contraponto ao requisitado pelas DCN de 2001 e 20145),(6),(11),(12.

Outra causa para a dificuldade encontrada pelos estudantes no processo de uma formação identitária saudável é o ingresso da geração Y (millenials) no ensino superior, instituindo um contexto contemporâneo que demanda uma reestruturação estratégica da didática educacional nas escolas médicas. Essa geração é constituída de indivíduos que possuem uma característica marcante em comum: nasceram no final da década de 1990 e usufruem de uma relação visceral com a tecnologia e o meio digital, o mercado de trabalho altamente competitivo, os vínculos emocionais pouco duradouros e a dissolução de direitos empregatícios7),(9),(14),(32),(33.

Os autores destacam que os médicos educadores (professores e preceptores) devem prestar muita atenção às mensagens expressas pelos alunos por meio de diálogos intra e extraclasse para que possam refletir profundamente sobre o que essas mensagens significam para a educação médica e para a cultura local. Além disso, convém que os educadores considerem novas didáticas de ensino e novas técnicas de interação interpessoal professor-aluno nos currículos das escolas de Medicina1),(21),(28),(29),(34. Assim sendo, os docentes e preceptores serão capazes de incentivar e orientar o estudante na direção de um profissional humanista, crítico, reflexivo e ético, perfil preconizado pelas DCN de 2001 e 20147),(11),(17.

Diversos estudos enfatizam a importância dos currículos médicos focados no desenvolvimento pessoal e profissional do candidato a médico. Entretanto, além do desenvolvimento de bons currículos, se faz imprescindível que as instituições de ensino médico estimulem e validem a função dos docentes na modelagem de papeis e a formação identitária de seus estudantes. Essa validação deve ser realizada, especialmente, com o propósito de verificar como os alunos lidam com as expectativas a respeito da profissão, com as percepções mutáveis sobre o que é ser médico, com a transição natural que o aprendiz vivencia ao deixar de ser um “médico-herói” e tornar-se um “médico-real” e, sobretudo, com a influência de seus professores na formação de sua IM,(2),(14.

Como se faz perceber, a construção da identidade profissional na medicina é um fenômeno dinâmico e que contribui, inclusive, para que haja uma boa conduta na prática clínica. Isso impacta, significativamente, a autoconfiança dos próprios médicos em sustentar uma linha de raciocínio no diagnóstico e no tratamento dos pacientes sob seus cuidados quando ocorrem, por exemplo, divergências de conduta clínica entre o médico e os demais profissionais de uma equipe multiprofissional1),(15),(34.

A interação entre “o aprendiz, o professor e o paciente” auxilia na modelagem de papéis à medida que ensina ao neófito a agir, a pensar e a se comportar como um médico fundamentado nas relações que experiencia. Independentemente do país onde o estudo foi conduzido, inclusive no Brasil, essas temáticas relacionadas ao estudante foram significativas.

Vale lembrar que, para uma discussão ampla sobre o tema IM, é necessária a inclusão dos outros fatores que intervêm na sua construção. Portanto, este estudo de revisão tem essa limitação, de ser restrito aos fatores intrínsecos ao estudante. Fatores extrínsecos que influenciam na formação identitária, como o currículo médico e a expectativa da sociedade a respeito do perfil de médico a ser formado nas universidades, não foram abordados. Contudo, a natureza recente da maioria dos estudos sobre o tema evidencia a sua importância. Não foram observadas outras categorias relacionadas ao estudante em revisões prévias nacionais ou internacionais.

Outra limitação é a escassa literatura indexada nacional. A maior parte dos materiais brasileiros encontram-se em teses, dissertações e livros não indexados, não disponíveis em meio digital e publicados em tiragem limitada. Nos artigos da América do Sul, além da falta de estudos evidenciada, foram encontradas peculiaridades como o foco nas influências intrínsecas ao estudante, tais como o contraste entre as expectativas e a realidade da profissão, as discrepâncias entre o médico-herói idealizado e o médico-real, o caminho percorrido pelo aluno na escolha pela medicina como profissão e a motivação de médicos recém-formados para definir a especialidade a seguir. Foram encontradas poucas análises nacionais a respeito da modelagem de papéis que docentes e preceptores proporcionam aos estudantes de Medicina e sobre outros fatores extrínsecos aos estudantes, como a estrutura curricular e metodologias de ensino na formação da IM.

CONCLUSÃO

Esta revisão integrativa revela que a formação da IM é um fenômeno complexo e que envolve múltiplos fatores de natureza individual, educacional e social, no que se refere àqueles relacionados diretamente ao estudante. Os estudos revisados ​esclarecem a importância de as instituições de ensino estarem atentas à transição natural que ocorre, durante o curso de graduação, nas expectativas e nas idealizações de seus alunos sobre o que é ser um médico e o papel desse profissional na sociedade. Além disso, enfatizam a percepção dos estudantes a respeito do médico como um super-herói, o que causa sérios conflitos identitários. Outro tópico que se destaca nos artigos desta revisão é a importância da experiência que os acadêmicos adquirem na prática clínica supervisionada por um preceptor ou docente.

A principal recomendação desta revisão é a necessidade de que todos que trabalham direta ou indiretamente com os estudantes de graduação, incluindo os professores, os preceptores e as instituições de ensino, estejam capacitados a identificar adversidades na formação da IM dos seus acadêmicos, de maneira a promoverem intervenções que auxiliem em uma construção identitária mais saudável e mais resiliente às intempéries peculiares à profissão médica.

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2Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO Declaramos não haver financiamento.

Recebido: 21 de Junho de 2022; Aceito: 31 de Janeiro de 2023

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Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Kristopherson Lustosa Augusto.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

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