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Revista Brasileira de Educação Médica

Print version ISSN 0100-5502On-line version ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.47 no.2 Rio de Janeiro Apr./June 2023  Epub June 27, 2023

https://doi.org/10.1590/1981-5271v47.2-2022-0131 

ARTIGO ORIGINAL

Perfil pedagógico da preceptoria na residência médica em anestesiologia da cidade de Manaus

Pedagogical profile of preceptorship in anesthesiology medical residency in the city of Manaus

Adriane Alves Byron de Souza1  , concepção do estudo, coleta e interpretação dos dados, elaboração do manuscrito, responsável pela exatidão e integralidade da pesquisa
http://orcid.org/0000-0002-0887-6061

João Gabriel Linhares Pulner¹  , interpretação dos dados, elaboração do manuscrito
http://orcid.org/0000-0002-3752-5631

Fernando Luiz Westphal¹  , interpretação dos dados, aprovação da versão final do manuscrito
http://orcid.org/0000-0002-3468-7029

Rosane Dias da Rosa¹  , interpretação dos dados, aprovação da versão final do manuscrito
http://orcid.org/0000-0002-6640-4564

Juscimar Carneiro Nunes¹  , concepção do estudo, interpretação dos dados, aprovação da versão final do manuscrito, responsáveis pela integridade da pesquisa
http://orcid.org/0000-0001-7686-3599

Plinio José Cavalcante Monteiro¹  , concepção do estudo, interpretação dos dados, aprovação da versão final do manuscrito, responsáveis pela integridade da pesquisa
http://orcid.org/0000-0003-2759-7700

1 Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Amazonas, Brasil.


Resumo:

Introdução:

A residência médica é identificada como o melhor programa de formação de médicos em especialidades, sendo desenvolvida em cenário de treinamento em serviço, de duração extensa, entendida como um espaço de educação e ensino constantes. Nela, o médico em formação desenvolve não unicamente habilidades técnicas, mas também práticas de conduta responsável.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivos conhecer o perfil de formação profissional dos preceptores do Programa de Residência Médica em Anestesiologia, verificar a percepção deles sobre a sua prática educativa desenvolvida no programa e identificar os modelos pedagógicos utilizados no mesmo ambiente.

Método:

Trata-se de um estudo transversal, do tipo descritivo exploratório, com abordagem quantitativa e componente analítico, realizado no período de janeiro de 2017 a janeiro de 2018, em três instituições públicas de ensino que oferecem o Programa de Residência Médica em Anestesiologia na cidade de Manaus, no Amazonas. Os dados foram coletados por meio de um instrumento contendo informações sociodemográficas, um questionário validado (com foco na percepção acerca da preceptoria), acrescido de uma questão sobre o modelo pedagógico adotado.

Resultado:

A amostra do estudo foi composta majoritariamente por preceptores do sexo feminino (60%) e com maior titulação na residência médica (96,6%). Um percentual expressivo (80%) informou não possuir formação pedagógica para desenvolver a preceptoria. O modelo pedagógico tradicional foi o mais adotado na prática docente dos preceptores.

Conclusão:

Mostra-se a importância do diagnóstico situacional da preceptoria na residência médica em Anestesiologia, apontando a necessidade de formação docente para o desenvolvimento da atividade do preceptor, bem como sua valorização adequada, objetivando a melhor formação médica.

Palavras-chave: Educação Médica; Preceptoria; Residência Médica; Anestesiologia

Abstract:

Introduction:

Medical Residency is identified as the best program for training physicians in specialties, developed in an in-service training setting for an extensive period, and understood as a space for constant education and teaching. The trainee doctor develops not only technical skills but also practices of responsible conduct.

Objectives:

To understand the professional training profile of preceptors of the Medical Residency Program in Anesthesiology, to verify the preceptors’ view of their educational practice developed in the Program, and to identify the pedagogical models used in the same environment.

Methods:

This is a cross-sectional, exploratory descriptive study, with a quantitative approach and analytical component, carried out from January 2017 to January 2018, in three public educational institutions that offer the Medical Residency Program in Anesthesiology in the city of Manaus - AM. Data were collected using an instrument containing sociodemographic information; a validated questionnaire (focusing on perception regarding preceptorship); plus a question about the adopted pedagogical model.

Results:

The study sample consisted mostly of female preceptors (60%) with medical residency as the highest level of their qualification (96.6%). A significant percentage (80%) reported not having pedagogical training to develop preceptorship. The traditional pedagogical model was the most commonly adopted in the teaching practice of preceptors.

Conclusions:

The importance of the situational diagnosis of preceptorship in the Medical Residency in Anesthesiology is shown, pointing out the need for teacher training for the development of the preceptor role, as well as it being given its due value, with the aim of achieving the best medical training.

Keywords: Medical Education; Preceptorship; Internship and residency; Anesthesiology

INTRODUÇÃO

A residência médica (RM), instituída pelo Decreto nº 80.281, de 5 de setembro de 1977, é identificada como o melhor programa de formação de médicos em especialidades, sendo desenvolvida em cenário de treinamento em serviço, de duração extensa, entendida como um espaço de educação e ensino constantes1),(2. Nela, o médico em formação, norteado pela ética e pela cooperação entre as partes, desenvolve não unicamente habilidades técnicas, mas também práticas de conduta responsável3.

De acordo com a Resolução da Comissão Nacional de Residência Médica nº 2, de 3 de julho de 2013, que dispõe sobre a estrutura, a organização e o funcionamento das comissões de RM das instituições de saúde, o preceptor de programa de RM deverá ser médico especialista, integrante do corpo docente da instituição de saúde4.

Dessa forma, a figura do preceptor assume elevada importância. Ao atuar na formação de alunos, internos e residentes, contribui para a construção de conhecimentos específicos. Não é necessário que tenha o título de professor, porém deve exercer função essencialmente docente, de modo a proporcionar a experiência e a habilidades clínicas aos seus preceptorados5),(6. Atua formando profissionais de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e as prerrogativas do Sistema Único de Saúde7),(8.

O preceptor acompanha o transcurso do processo ensino-aprendizagem, convertendo atividades meramente assistenciais em acontecimentos educacionais9.

Desse modo, o processo educacional se relaciona profundamente com as novas demandas do mercado de trabalho. As DCN propõem que a formação na área da saúde seja generalista, humanizada, crítica e reflexiva10. A sociedade requer um profissional cidadão, crítico, reflexivo e inserido na coletividade11. Propõe-se, dessa forma, um novo molde de processo educacional.

Esse novo formato educacional se amplia para acompanhar a evolução técnico-científica e as necessidades de mercado e da coletividade em nossa sociedade12. Leva, ainda, a um olhar diferenciado quanto à capacitação dos preceptores, pois não há que se falar em mudança de perfil do egresso se não houver um investimento no profissional que atua em sua formação e que servirá de modelo para sua vida profissional13.

No interior de diversas universidades brasileiras, há um movimento em prol da capacitação de preceptores1. Daí a necessidade de se aprofundar a discussão a respeito do processo ensino-aprendizagem na RM, no qual a responsabilidade dos preceptores aumenta, pelas características próprias dessa modalidade de pós-graduação, sendo pautados temas como formação continuada dos profissionais e necessidade de novas capacitações14.

Nesse contexto, os objetivos deste trabalho são conhecer o perfil de formação profissional dos preceptores do Programa de RM em Anestesiologia, verificar a percepção dos preceptores sobre a sua prática educativa desenvolvida no programa e identificar os modelos pedagógicos utilizados no mesmo ambiente.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal, do tipo descritivo exploratório, com abordagem quantitativa e componente analítico, envolvendo preceptores que atuam diretamente na formação de residentes do Programa de RM em Anestesiologia em três instituições públicas de ensino de saúde da cidade de Manaus, no Amazonas. A pesquisa foi realizada no período de janeiro de 2017 a janeiro de 2018.

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Amazonas, com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 60176816.6.0000.5020. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi preparado de acordo com a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Considerou-se, neste estudo, como preceptor o médico que atua na formação de residentes do Programa de RM em Anestesiologia e na construção de conhecimentos específicos da sua área, independentemente do vínculo contratual com a instituição de ensino.

Foram incluídos na amostra os preceptores que trabalham diretamente com os residentes em formação no Programa de RM em Anestesiologia em três instituições públicas de ensino de saúde da cidade de Manaus, concordantes com a participação mediante assinatura do TCLE.

Excluíram-se da pesquisa os preceptores afastados do Programa de RM no período de coleta de dados.

O número de participantes foi de 60 preceptores que atuavam diretamente com os residentes em formação no Programa de RM em Anestesiologia de três instituições públicas de ensino da cidade de Manaus.

Os preceptores vinculados a mais de uma instituição estudada foram entrevistados apenas uma vez. Após aceitação do TCLE, os questionários foram entregues, e o preceptor os preencheu, individualmente, sendo possível tirar dúvidas, quando necessário.

Para preservar o anonimato, todos os preceptores participantes do estudo foram identificados pela letra “P” e seu número correspondente. As instituições de ensino também foram codificadas e não nominadas, para fins de apresentação de resultados, sendo o Hospital Universitário Getúlio Vargas (Instituição 1 - I1), a Fundação Hospital Adriano Jorge (Instituição 2 - I2) e a Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (Instituição 3 - I3).

Essas instituições públicas oferecem sete vagas para RM em anestesiologia e têm o centro cirúrgico como cenário de treinamento prático nessa especialidade. Os preceptores, em sua maioria, são profissionais assistenciais prestadores de serviço terceirizados.

Para a coleta de dados, foi empregado um instrumento padronizado contendo questões fechadas, de modo a obter dados sociodemográficos dos sujeitos do estudo, tais como titulação acadêmica, tempo de experiência na preceptoria, frequência de atuação na prática da preceptoria, tipo de vínculo com as instituições de ensino e área de atuação, entre outros.

Na sequência, aplicou-se um questionário elaborado e validado com foco na percepção dos profissionais médicos acerca da sua preceptoria e do seu papel nos processos educacionais em cenários de prática15.

O questionário foi composto de 35 afirmações com respostas em escala do tipo Likert de cinco pontos - concordo totalmente (CT), concordo parcialmente (CP), indiferente (I), discordo parcialmente (DP) e discordo totalmente (DT). A cada uma das respostas, atribuiu-se um valor (escore): 5 = CT, 4 = CP, 3 = I, 2 = DP e 1 = DT, e as afirmações que representavam aspectos negativos com relação à preceptoria tiveram seus valores invertidos para fins de análise de dados. Portanto, as questões 1, 2, 4, 16, 20, 28 e 31 sofreram inversão de valores quando da análise dos resultados.

As 35 afirmações foram separadas em cinco fatores, assim distribuídos:

  • Fator 1: “Competência pedagógica”: nesse item, agruparam-se as questões acerca do preparo para desempenhar a atividade docente e do impacto desta na qualidade de vida.

  • Fator 2: “Suporte e recursos educacionais”: abordou o apoio da chefia e o reconhecimento da atividade de preceptoria pela instituição de ensino superior (IES), a adequação de infraestrutura e a participação em espaços de discussão para a integração ensino-serviço.

  • Fator 3: “Planejamento do programa educacional”: destacou a concordância com as DCN, a formação interprofissional, as propostas educacionais e o papel do preceptor na formação do estudante.

  • Fator 4: “Integração ensino-serviço”: tratou das questões relacionadas à integralidade do cuidado diante da articulação de aspectos biológicos, sociais e culturais do processo saúde-doença.

  • Fator 5: “Presença do estudante no campo de prática”: abordou questões sobre os pontos positivos e negativos da presença do estudante no serviço.

Por fim, os preceptores selecionaram o modelo pedagógico que adotam na sua prática, por meio de questões fechadas, com assertivas que descrevem os modelos pedagógicos mais utilizados. Dessa forma, o preceptor entrevistado escolheu a assertiva que mais se aproximava da sua atividade docente.

Tabularam-se os dados, e calcularam-se as frequências absolutas simples e relativas. Na análise dos dados quantitativos (quando aceita a hipótese de normalidade por meio do teste de Shapiro-Wilk), calcularam-se a média e o desvio-padrão (DP). Já no caso da rejeição da hipótese de normalidade, foi calculada a mediana. Na comparação das médias, em relação às variáveis categóricas, aplicaram-se os testes paramétricos de t e Student16 e a análise de variância (Anova)17.

Na análise dos itens do instrumento de pesquisa, realizou-se um agrupamento das respostas “CT” e “CP”, às quais foi atribuída uma percepção positiva dos respondentes com relação à afirmação. As respostas “I”, “DP” e “DT” também foram agrupadas e consideradas como percepções negativas acerca da afirmativa.

A confiabilidade dos dados foi verificada por meio da consistência interna do instrumento utilizado para coleta dos dados por meio do coeficiente de alfa de Cronbach18, e, nas análises, adotou-se o programa SPSS19. O nível de significância fixado nos testes estatísticos foi de 5%.

RESULTADOS

Do universo de 60 preceptores abordados, todos concordaram em participar do estudo, sendo a amostra considerada para a análise de dados. Entre os participantes, 60% são do sexo feminino e 40% do sexo masculino. Quanto à faixa etária, a idade obtida foi de 42,5 anos, sendo a faixa entre 40 e 45 anos a predominante (21,7%).

Quanto à titulação, observou-se que quase a totalidade dos entrevistados informou ter RM como maior titulação (96,6%). Um percentual bem menor referiu ter título de especialista e doutorado, representado por 1,7% cada.

Em relação ao tempo de formação, verificou-se que a mediana de tempo da graduação foi de 19 anos, variando de cinco a 44 anos. No que se refere ao tempo da conclusão da RM, observou-se que a mediana foi de 15 anos, variando de dois a 42 anos.

Referente ao tempo destinado à preceptoria, 61,7% dos entrevistados referiram atuar entre duas e três vezes na semana; 23,3%, apenas uma vez na semana; e 15%, entre quatro e cinco vezes na semana. O tempo de experiência com a preceptoria variou entre um e 30 anos, com mediana igual a dez anos.

Em relação ao tipo de vínculo empregatício, a maioria referiu ser terceirizada (78,7%), 10% mencionaram que são contratados conforme a CLT, e 5% afirmaram que trabalham em regime estatutário.

No que tange às áreas de atuação dos preceptores, quase a totalidade informou atuar na assistência (90%), e 6,6% referiram atuar tanto na assistência quanto na educação, e somente 1,7% exclusivamente na educação. Um percentual baixo (1,7%) informou atuar nas três áreas: assistência, educação e gestão.

Quando se considera o fator “competência pedagógica”, as respostas revelam que 93,3% dos preceptores percebem suas necessidades de aprendizagem. Contudo, 78,3% sentem-se aptos para desenvolver as atividades educacionais.

Um percentual expressivo dos entrevistados, 78,3%, afirmou conhecer seus estudantes e considerar seus conhecimentos prévios, e 83,3% fizeram correlação teórico-prática na preceptoria. Reconhecem, ainda, que avaliam constantemente seu estudante (71,7%). E, apesar de adotarem a preceptoria como parte de suas atribuições, demonstram uma percepção negativa (65%), quando indagados sobre seguir a carreira docente.

O fator “suporte e recursos educacionais” apresentou a maior percepção negativa, demonstrando os pontos insuficientes. As respostas revelaram que 80% dos preceptores não receberam formação pedagógica para desenvolver a preceptoria e 75% não participam dos espaços de discussão da integração ensino-serviço. Dentre os participantes, 65% referem que sua atividade de preceptoria não é reconhecida pelos profissionais da IES, e 63,3% não recebem apoio da chefia para desenvolver sua atividade docente.

Quanto ao fator 3, 90% dos preceptores consideram a rede de serviço como corresponsável pela formação do profissional de saúde, contudo 71,7% referem não ter autonomia para definir propostas educacionais.

Apenas 36,6% dos preceptores desenvolvem atividades de pesquisa com os estudantes, e 26,7% afirmam que suas atividades no serviço foram reorganizadas em função do ensino. Ainda assim, 43,3% percebem que suas atividades de preceptoria estão de acordo com as DCN, mesmo que 45% desconheçam o currículo do curso no qual é preceptor.

Melhorias também se fazem necessárias no fator 4, em razão de as respostas evidenciarem que 46,7% não possuem objetivos educacionais que consideram as necessidades de saúde da população.

Quando em pauta o fator 5 (Tabela 1), 68,3% dos preceptores negam que a presença do estudante gere conflitos dentro da equipe, e metade refere que a presença do estudante no ambiente de trabalho sobrecarrega suas atividades. Nesse contexto, 76,7% refutam que a presença do estudante comprometa a segurança do paciente, e 56,6% discordam que essa presença desagrada aos usuários. Desse modo, 96,7% afirmam aprender com o estudante, e 56,7% relacionam a presença com melhora da qualidade do seu serviço. Contudo, apesar de se reconhecerem como preceptores, 93,3% afirmam que não são remunerados para tal atribuição.

Tabela 1 Distribuição dos preceptores segundo a presença do estudante no campo de prática do programa educacional por parte dos profissionais do Programa de Residência Médica em Anestesiologia, Manaus - AM. 

Item Presença do estudante no campo de prática Percepção (%) Média DP
Positiva Negativa
01 A presença do estudante no ambiente de trabalho sobrecarrega minhas atividades. 50,0 50,0 3,40 1,26
02 A presença do estudante desagrada aos usuários. 43,4 56,6 3,38 1,29
03 A qualidade do meu serviço melhora com a presença do estudante. 56,7 43,3 3,48 1,17
12 Toda a equipe de saúde do meu serviço participa da formação de estudantes. 61,7 38,3 3,53 1,36
16 A presença do estudante no serviço compromete a segurança do paciente. 23,3 76,7 4,05 1,13
28 A avaliação do estudante não é minha responsabilidade. 48,3 51,7 3,10 1,56
29 Aprendo com meu estudante. 96,7 3,3 4,58 0,70
31 A presença do estudante no serviço gera conflitos dentro da equipe. 31,7 68,3 3,97 1,21
33 Sou remunerado para ser preceptor. 6,7 93,3 1,38 0,94

DP: desvio-padrão.

Fonte. Elaborada pelos autores.

Apenas o fator “competência pedagógica” teve a média das respostas acima da média do fator (Tabela 2), demonstrando percepção mais positiva do que negativa. Nos demais fatores, a média das respostas ficou abaixo da média de cada fator, o que indica que a percepção dos preceptores é menos positiva.

Tabela 2 Distribuição das médias atingidas pela amostra a partir dos fatores avaliados no instrumento de pesquisa respondido por parte dos profissionais do Programa de Residência Médica em Anestesiologia, Manaus - AM. 

Fatores Escore mínimo Escore máximo Média do escore Média das respostas DP
Competência pedagógica 10 50 35,00 37,80 5,22
Suporte e recursos educacionais 6 30 21,00 15,77 5,14
Planejamento do programa educacional 7 35 24,50 22,67 4,63
Integração ensino-serviço 3 15 10,50 10,07 2,42
Presença do estudante no campo de prática 9 45 31,50 30,88 4,95

DP: desvio-padrão.

Fonte. Elaborada pelos autores.

O Gráfico 1 evidencia a distribuição das médias dos fatores, demonstrando que, em relação ao fator 1, o valor encontrado tende à percepção mais positiva, e, em relação ao fator 2, o valor tende à percepção mais negativa. Já os demais fatores (3, 4 e 5) apresentam valores que tendem a uma distribuição central, próxima ao meio-termo.

Gráfico 1 Distribuição segundo as médias dos fatores do instrumento de pesquisa respondido por parte dos profissionais do Programa de Residência Médica em Anestesiologia, Manaus - AM. 

A comparação entre as médias de respostas com as características sociodemográficas dos participantes não revelou diferenças estatísticas significativas de percepção sobre a preceptoria, tratando-se, portanto, de variáveis independentes umas das outras.

Acerca das práticas pedagógicas que mais se assemelham ao que o preceptor adota em sua atividade docente, 46,7% optaram pelo modelo pedagógico tradicional, centrado na transmissão do conhecimento, com conteúdo e materiais predefinidos.

Por sua vez, 26,7% dos preceptores se identificaram com a assertiva, referente ao modelo pedagógico cognitivista-construtivista, que leva em consideração o conhecimento prévio do estudante e o incentiva a estabelecer relações significativas entre o que já sabe e o novo conhecimento.

Apenas 10% dos preceptores apontaram a assertiva referente ao modelo socioconstrutivista como de sua prática diária, dessa forma levando em conta o contexto em que se insere o estudante, bem como o incentivo a pesquisa e cooperação entre pares.

Ainda na identificação do modelo pedagógico que mais se aproxima da prática diária dos participantes, 16,6% sinalizaram não possuir nenhum modelo pedagógico específico na sua prática diária.

DISCUSSÃO

Identificou-se uma maioria de participantes do sexo feminino na caracterização da amostra, o que se observa em outros estudos, expressando o fenômeno de feminilização das profissões de saúde1),(7.

Em relação ao tempo destinado à preceptoria, 61,7% informaram estar exercendo sua função de duas a três vezes na semana, sendo esse valor próximo ao apresentado pela literatura vigente1.

Todos os participantes informaram atuar no serviço público, dos quais 78,3% são terceirizados, e a maioria se declarou assistencial, dado atribuído à própria característica da preceptoria, como forma de ensino na prática médica20.

O regime de ensino na prática médica relaciona-se com o molde educativo-assistencial, o qual possibilita que os estudantes construam seus conhecimentos, levando em consideração a responsabilidade social, sendo os protagonistas das modificações das práticas de saúde7),(12),(13),(21.

Na avaliação do fator 1, o estudo revela que a maioria dos integrantes percebe suas necessidades de aprendizagem quando do exercício da preceptoria. Isso ocorre porque as RM não contemplam formação didático-pedagógica, o que facilita a existência de lacunas na didática de preceptores que apresentaram unicamente tal formação22.

Outros autores observaram que os preceptores reivindicam a oferta de cursos de educação permanente, em especial na área da educação na saúde, apesar de nem sempre buscarem esses conhecimentos de forma independente, seja por reflexo de uma educação tradicional, seja por falta de prioridade para o tema23. Contudo, tais reivindicações devem ser valorizadas haja vista que os profissionais devem revisar seus conhecimentos de forma sistemática objetivando uma formação contínua13.

No presente estudo, evidenciou-se que a maioria dos participantes não recebeu formação pedagógica, justificando as necessidades de aprendizagem didática e espelhando os dados vigentes na literatura.

Todavia, para que o preceptor modifique a vivência profissional em experiências de aprendizagem, é necessário que possua conhecimento pedagógico, explicitando a necessidade de instrução na docência24.

No fator “suporte e recursos educacionais”, quando se avaliou a participação dos preceptores em espaços de discussão da integração ensino-serviço, a percepção foi negativa, com a maioria afirmando não participar desses espaços. Além disso, sinalizam a necessidade de apoio por parte da chefia para o desenvolvimento da atividade, bem como o reconhecimento pela IES.

Nesse sentido, recursos de informática (videochamadas) em conjunto com a prática de metodologias ativas de ensino podem facilitar o exercício da docência25. Esse exercício deve ser reconhecido e incentivado da mesma forma que a propagação do conhecimento a partir da pesquisa26.

A análise do fator “planejamento do programa educacional” demonstrou que os preceptores percebem que suas atividades de preceptoria estão de acordo com as DCN, ainda que uma boa parte não conheça o currículo do curso no qual atua. Isso se deve ao fato de o processo ensino-aprendizagem ser tratado de maneira rudimentar pelas IES e à falta de metodologias padronizadas a serem utilizadas nos projetos pedagógicos23.

Na literatura, observamos uma percepção positiva (dos preceptores) em questões sobre a identificação e consideração das necessidades de saúde da população para definição dos objetivos educacionais, além de considerarem aspectos biológicos, sociais e culturais do processo saúde-doença para orientação da prática da preceptoria20. Nesse aspecto, de forma divergente, o presente estudo demonstrou uma percepção negativa por parte dos participantes, visto que menos da metade afirmou considerar esses aspectos em sua atuação, fator que merece atenção.

Com relação à presença do estudante no campo de prática do programa educacional, os participantes demonstraram que essa presença no ambiente de trabalho sobrecarrega suas atividades, porém não desagrada aos usuários ou compromete a segurança do paciente, concordando com a opinião de preceptores submetidos ao mesmo questionário na cidade de São Paulo20.

Quando se abordou a associação da presença do estudante com conflitos entre os integrantes da equipe do serviço, os participantes deste estudo discordam de tal afirmação. A presença do estudante é relacionada à minimização de conflitos, oferecendo um ambiente satisfatório e trazendo resultados positivos na segurança do paciente27.

Resultando, desse modo, em melhorias na qualidade de assistência, o que reforça o observado no presente estudo, no qual os preceptores reconheceram que aprendem com os residentes e melhoram a qualidade do seu serviço na presença destes.

Apesar de se reconhecerem como preceptores, a maioria afirma não ser remunerada para tal atribuição, fator que exige atenção.

Tal declaração encontra apoio em outros estudos, os quais declaram que os preceptores, em geral, não recebem remuneração adequada, além de sobreporem atividades assistências e pedagógicas com carga horária incompatível com o processo de atualização e capacitação22),(28.

A respeito do modelo pedagógico adotado na prática da preceptoria, a assertiva que descreve o modelo pedagógico tradicional foi a mais escolhida, corroborando ser essa metodologia a mais prevalente na literatura23.

Entretanto, o método tradicional de ensino - centrado no professor - pode desenvolver inadequadamente as habilidades clínicas do aluno21),(29.

Desse modo, diversos estudos apresentam que as metodologias ativas de aprendizado, pautadas pelo enfoque no residente, nas demandas sociais e na busca de soluções de problemas, trazem melhores resultados para o aprendizado, capacitando com maior autonomia e pensamento crítico24),(30),(31.

Na análise do item “recebi formação pedagógica para desenvolver a preceptoria” em relação às variáveis sociodemográficas, não se observou correlação entre elas, de modo que não é possível relacionar a informação com as variáveis apresentadas, o que demonstra que se comportam de forma independente entre si. Conclui-se que se trata de uma característica que atinge todos os profissionais e que é necessário discutir o tema da formação docente de preceptores, considerando o objetivo de melhoria do processo ensino-aprendizagem na RM.

Em relação a essa formação docente, tanto a utilização de práticas inovadoras quanto os conceitos são afetados, visto que os preceptores que informam ter recebido formações docentes diversas, como capacitação pedagógica, graduação em licenciatura, formação docente na residência médica e pós-graduação stricto sensu, utilizam novos conceitos que se relacionam a essas práticas23. Esses preceptores trazem para sua prática pedagógica conceitos como avaliação formativa, problematização, autonomia, avaliação por competência e Aprendizagem Baseada em Problemas.

O assunto da preceptoria em RM pode ser aprofundado com outros estudos, dando voz também a estudantes e gestores, o que pode trazer contribuições valiosas para o aprimoramento e a qualidade desse processo de formação profissional.

CONCLUSÃO

Entre os participantes, houve um predomínio de mulheres majoritariamente na área assistencial, em regime terceirizado, sendo essa uma característica do serviço de saúde da cidade de Manaus.

Os preceptores apontaram que percebem suas necessidades de aprendizagem e demonstraram que não têm formação pedagógica. Eles assinalaram que merece muita atenção a questão da remuneração da atividade de preceptoria, sendo esta reconhecida pelos preceptores no exercício de suas funções.

A preferência pelo modelo pedagógico tradicional demonstra o foco ainda no educador e não no estudante.

Não houve relação entre as variáveis sociodemográficas analisadas e a questão “recebi formação pedagógica para desenvolver a preceptoria”, e, por conta disso, pode-se afirmar que essa característica atinge os preceptores de uma forma geral, não levando em consideração sexo, idade, tempo de formação e titulação profissional.

REFERÊNCIAS

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2Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO Declaramos não haver financiamento.

Recebido: 03 de Maio de 2022; Aceito: 04 de Abril de 2023

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Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Kristopherson Lustosa Augusto.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

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