INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, evidenciou-se que estudantes da área médica demonstram conhecimento insuficiente sobre a interpretação de eletrocardiograma (ECG)1. Desde então, pesquisas sobre as prováveis limitações na abordagem pedagógica atual começaram a surgir em todo o mundo, com o propósito de identificar metodologias de ensino-aprendizagem eficazes, bem como desenvolver novos métodos.
Alguns desses estudos avaliaram técnicas atualmente utilizadas e aspectos que parecem influenciar positivamente no aprendizado: contextualização dos traçados eletrocardiográficos com um cenário clínico, relacionando-os com a história do paciente2)-(4; instituição de processo avaliativo para mensurar o conhecimento dos estudantes, particularmente quando se atribuem créditos ou pontos a ele, inferindo-se que a recompensa estimula o interesse e melhora o desempenho do aluno4),(5; e utilização de estratégias de repetição e feedback de um determinado conceito em contextos variados3),(4.
Abordagens metodológicas com capacidade de individualização e interatividade, bem como as viáveis especialmente para alunos que aprendem melhor em ambientes descontraídos, também se mostram efetivas4),(6),(7. A estratégia de ensino baseada no uso de jogos e problemas para aprender ECG melhorou o interesse e engajamento dos alunos8.
No contexto das inovações metodológicas, destaca-se o aprendizado eletrônico (e-learning)9),(10 como uma abordagem moderna e promissora no processo de ensino-aprendizagem em interpretação de ECG. Assegura-se que a aquisição da habilidade em interpretar ECG é maior quando o ensino presencial está associado à instrução assistida por computador, on-line ou off-line, em um ambiente de aprendizado híbrido. Além disso, o aprendizado com uso de computadores pode ser superior ao método presencial isolado quando há disponibilidade de acesso irrestrito ao material de estudo e de questões avaliativas com feedback imediato4.
Os sistemas tutores inteligentes (STI) são programas de computador que incorporam técnicas de inteligência artificial para ensino individualizado, entendendo o conhecimento do aluno para promover instrução adaptativa com feedback imediato11. Os STI podem beneficiar-se de elementos de design que favoreçam intervenções apropriadas visando aumentar a motivação e o engajamento de estudantes durante o processo ensino-aprendizagem12. As abordagens baseadas em jogos englobam um variado conjunto dessas tecnologias13.
Define-se gamificação como o uso de elementos de jogos e técnicas de design de jogos em contextos que não são de jogos14. McCoy et al.15 reportam as vantagens das plataformas gamificadas na educação médica, a saber: maior engajamento, colaboração aprimorada, aplicação ao mundo real (solução de problemas contextualizados), tomada de decisão clínica, treinamento a distância, aprendizagem analítica (sistemas de pontuação e relatórios estatísticos para fornecer feedback) e retroalimentação rápida (oportunidade de revisar conceitos, tentar novamente e obter uma melhor pontuação).
É possível observar que tanto o STI como a gamificação amoldam-se a esse cenário, propiciando estratégias de instrução individualizada e adaptativa, interatividade, contextualização, repetição e feedback, avaliação e recompensa, ambiente descontraído e possibilidade de aplicação a cenários práticos simulados. Considerando os benefícios, o presente estudo propõe o desenvolvimento e a avaliação da usabilidade de um sistema tutor inteligente gamificado como otimizador das atuais práticas existentes para ensino sobre a interpretação do ECG.
MÉTODO
Percurso metodológico
Trata-se de um estudo descritivo do tipo survey, com abordagem quantitativa, relativo ao desenvolvimento e à apreciação de protótipos interativos de uma nova ferramenta pedagógica para ensino sobre a interpretação do ECG por estudantes de Medicina de uma universidade pública federal e de uma faculdade particular.
Participantes
Foram convidados acadêmicos de Medicina a partir do quinto período de uma universidade pública federal e de um centro universitário particular. Dessa forma, a população foi constituída por 779 estudantes, sendo 351 da instituição pública e 428 da instituição privada, segundo dados fornecidos pela coordenação do curso das respectivas instituições.
A escolha dos estudantes a partir do quinto período do curso tem como base os projetos pedagógicos de cursos (PPC) de Medicina das respectivas instituições, que fazem referência à intensificação de conteúdos relacionados à cardiologia a partir desse momento, apesar de não existir citação direta ao ECG.
No estudo, incluíram-se os estudantes - de qualquer gênero e idade - do quinto ao 12º período do curso de Medicina da universidade pública em questão e do quinto ao 11º período da referida instituição privada. Os critérios de exclusão foram desistência voluntária do programa e não finalização da avaliação do processo.
Produção dos dados
Avaliaram-se os protótipos interativos por meio de um questionário estruturado construído no Google Forms. Todos os discentes foram convidados a responder ao questionário por meio de e-mail e mensagens telefônicas. Antes do acesso às telas, o aluno teve acesso à primeira parte do questionário, que versa sobre características do respondente, tais como dados sociodemográficos e informações acerca do aprendizado do estudante sobre ECG ao longo de sua vida acadêmica, seguindo modelo apresentado por Kopeć et al.16.
O acesso ao protótipo final foi disponibilizado exclusivamente on-line por meio de link configurado para acesso web por computadores e dispositivos móveis (por exemplo: smartphone ou tablet). Dessa forma, não se constitui um aplicativo em si para dispositivo móvel, mas um software web que pode ser acessado por diferentes plataformas.
Após responder à primeira parte, o usuário foi direcionado para a visualização das telas do protótipo. As instruções sobre como navegar no ECG Tutor foram dadas pela assistente virtual Cora, à medida que o usuário interagia com as funcionalidades das telas. Nesse protótipo, havia um botão com a frase “Avaliar o ECG Tutor” localizado na barra superior da tela e disponível a qualquer momento para acessar o questionário após interação com perguntas sobre análise das telas.
O questionário pós-interação teve como base as métricas de simplicidade, usabilidade, atitude em direção ao uso, intenção de uso e satisfação validadas por meio da metodologia technology acceptance model - TAM (modelo de aceitação de tecnologia) no contexto de ambientes educacionais on-line17),(18. O TAM, plenamente aplicável ao problema da pesquisa por ser específico para os usuários de tecnologia, tem a vantagem de possuir uma forte base teórica. Esse modelo também foi utilizado em diversos estudos realizados na língua portuguesa19)-(21. O padrão de respostas escolhido para as questões de 1 a 13 foi construído por meio de escala do tipo Likert, com quatro opções de respostas, evitando o ponto neutro, conforme sugerido por Garland22. O diferencial semântico proposto é: “discordo totalmente”, “discordo”, “concordo” e “concordo totalmente”.
Ao final do questionário pós-interação, incluíram-se indagações sobre a interação do aluno com o protótipo utilizado, as quais foram extraídas do estudo-piloto de Rubinstein et al.6, a saber:
Criação de protótipos iniciais de baixa fidelidade
Os protótipos iniciais do design gráfico de um STI gamificado para ensino sobre a interpretação do ECG foram desenvolvidos no período de março a julho de 2018. Utilizou-se o programa Adobe XD para a confecção das telas.
O sistema foi nomeado de ECG Tutor com sua logomarca. Um assistente (tutor) que representasse uma médica/professora (Cora) foi escolhido para guiar o aluno durante a navegação e disponibilizado em todas as telas da plataforma. Todos os conteúdos, ao serem acessados, apresentam as opções de estudo por meio de texto ou videoaula, além de oferecerem questões para avaliar o conhecimento adquirido sobre o assunto (Figura 1).
Idealizaram-se, para exibição do nível de avanço do usuário em relação ao conteúdo total ofertado, um relatório de desempenho individual e um sistema de pontuação com possibilidade de participação em um ranking envolvendo todos os usuários. A escolha de um avatar que representasse o usuário também foi concebida como elemento de gamificação.
Desenvolvimento dos protótipos interativos de alta fidelidade
Com o apoio do grupo de pesquisa do Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais (Nees), que sugeriu adaptações e melhorias nos protótipos iniciais, novos protótipos foram desenhados. Uma equipe formada por acadêmicos de Sistemas de Informação e Ciências da Computação foi responsável pelo desenvolvimento dos novos protótipos com os ajustes necessários nos requisitos do sistema. Os protótipos são de alta fidelidade, o que implica dizer que possuem a maior fidelidade possível em relação ao produto final. Dessa forma, os protótipos criados são interativos e navegáveis, facilitando a análise e avaliação por parte dos usuários.
A tecnologia web atual reaproveitável foi utilizada para implementar a interface gráfica do STI projetado (React - mesma linguagem de programação utilizada no Facebook e Instagram). No desenvolvimento das funcionalidades, utilizou-se plataforma pronta de linguagens de programação (Firebase pertencente à empresa Google). O design da gamificação do ECG Tutor passou a promover a instrução gamificada utilizando: ferramentas de recompensa - sistema de pontos e medalhas; diversão - ranking e avatar representando o usuário (que evolui ao completar missões); feedback - relatório de desempenho; e, por último, persuasão - assistente Cora (para interagir diretamente com os alunos, trazendo mensagens de incentivo, curiosidades e dicas de estudos). A versão interativa possibilitou disponibilizar um caso clínico em vídeo, simulando um cenário prático real com tomada de decisão clínica.
Para a construção do vídeo, utilizou-se o programa Voki. O vídeo mostra um paciente virtual relatando suas queixas em um ambiente de consultório médico (Figura 1). Após, são disponibilizados o ECG do paciente e o ícone de direcionamento para cinco perguntas sobre o caso clínico.
O conteúdo educacional inserido nos protótipos interativos foi elaborado com a ajuda de um grupo de estudantes do curso de Medicina. Apenas uma pequena amostra do conteúdo desenvolvido sobre interpretação de ECG foi implantada nos protótipos interativos, sem o objetivo de abranger toda matriz curricular relacionada ao tema e exclusivamente como demonstração do formato de apresentação do material de estudo do ECG Tutor. Dessa forma, foi disponibilizado o conteúdo ENTENDENDO O TRAÇADO ELETROCARDIOGRÁFICO NORMAL, com abordagem sobre as derivações do ECG e o Triângulo de Einthoven , contendo material de texto, vídeo, questões e caso clínico relacionados ao tema.
Após o término da pesquisa, o ECG Tutor foi registrado como programa de computador no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) - Processo no BR512019002788-4 - e disponibilizado em plataforma on-line com acesso público e gratuito, especialmente destinado a acadêmicos participantes da pesquisa. Os protótipos do ECG Tutor e o vídeo do caso clínico com o paciente virtual podem ser acessados, respectivamente, nos links: https://ecgfront-b11dd.firebaseapp.com e https://firebasestorage.googleapis.com/v0/b/ecgfrontb11dd.appspot.com/o/WhatsApp%20Video%202019-08-07%20at%2010.29.21.mp4?alt=media&token=effb355b-9699-4621-8b0c-31316969ec38.
Análise dos dados
Avaliaram-se todos os dados do questionário por meio de análises estatísticas descritivas a partir das frequências absolutas coletadas. Os dados obtidos foram separados em duas partes: questionário pré-interação e questionário pós-interação com os protótipos do ECG Tutor.
Aspectos éticos
O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e devidamente aprovado, atendendo às exigências das resoluções do CNS nºs 466/2012 e 510/2016, com CAAE nº 91656318.7.0000.5013. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS
Os resultados obtidos serão apresentados, conforme uso do ECG Tutor, em duas etapas: pré-interação e pós-interação.
Questionário pré-interação (perfil do aluno)
O cálculo do tamanho da amostra não probabilística (ou de conveniência) foi realizado por meio da fórmula simplificada proposta por Yamane23, buscando garantir um nível de confiança de 95% e p = 0,5. De acordo com o cálculo amostral, seriam demandados 187 estudantes da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e 207 estudantes do Centro Universitário Tiradentes de Alagoas (Unit/AL), objetivando intervalo de confiança (IC) de 95% e p = 0,5. No entanto, de todos os 779 acadêmicos de Medicina para os quais foi enviado o convite da pesquisa, apenas 53 concordaram com o TCLE e responderam às perguntas. Destes, 15 alunos eram da Ufal e outros 38 da Unit/AL. Dessa forma, não foi atingido o tamanho mínimo da amostra para os menores níveis de precisão (±10%) necessários para um IC = 95% e p = 0,5, segundo cálculos sugeridos por Yamane23. Em contrapartida, segundo Alroobaea et al.24, para a avaliação de usabilidade, uma amostra de cinco pessoas já seria suficiente para identificar mais de 80% dos problemas de usabilidade.
Do total de alunos, 34 (64,1%) eram do sexo feminino, e a idade média dos discentes foi de 24 anos. As respostas ao questionário pré-interação estão sintetizadas na Tabela 1.
IES privada | IES pública | |||
---|---|---|---|---|
Valor (N) | Valor (%) | Valor (N) | Valor (%) | |
Gênero | ||||
Masculino | 9 | 17,0 | 10 | 18,9 |
Feminino | 29 | 54,7 | 5 | 9,4 |
Idade | ||||
< 20 anos | 1 | 1,9 | 0 | 0 |
20-25 anos | 31 | 58,5 | 12 | 22,6 |
> 25 anos | 6 | 11,3 | 3 | 5,6 |
Período do curso | ||||
5º e 6º | 11 | 20,7 | 4 | 7,5 |
7º e 8º | 18 | 34,0 | 6 | 11,3 |
9º e 10º | 9 | 17,0 | 4 | 7,5 |
11º e 12º | 0 | 0 | 1 | 1,9 |
Participação em liga acadêmica | ||||
Nunca | 6 | 11,3 | 3 | 5,6 |
Cardiologia | 3 | 5,6 | 2 | 3,7 |
Urgência e emergência | 3 | 5,6 | 2 | 3,7 |
Clínica médica | 4 | 7,5 | 1 | 1,9 |
Terapia intensiva | 3 | 5,6 | 0 | 0 |
Outras | 19 | 35,8 | 7 | 13,2 |
Aulas regulares sobre ECG fora da IES | ||||
Nunca | 20 | 37,7 | 5 | 9,4 |
Aula(s) | 13 | 24,5 | 10 | 18,9 |
Curso(s) | 5 | 9,4 | 0 | 0 |
Conferências sobre ECG na IES | ||||
Nunca | 4 | 7,5 | 12 | 22,6 |
1 vez | 19 | 35,8 | 3 | 5,6 |
2 vezes | 8 | 15,1 | 0 | 0 |
> 2 vezes | 7 | 13,2 | 0 | 0 |
Técnicas de estudo mais utilizadas | ||||
Estudo autodirigido | 20 | 37,7 | 13 | 24,5 |
Aula expositiva | 20 | 37,7 | 5 | 9,4 |
Caso clínico em ambiente teórico | 9 | 17,0 | 1 | 1,9 |
Caso clínico em ambiente prático | 5 | 9,4 | 1 | 1,9 |
Ambiente on-line | 5 | 9,4 | 1 | 1,9 |
Videoaula | 18 | 34,0 | 10 | 18,9 |
Avaliações/provas sobre ECG na IES | ||||
Nunca | 14 | 26,4 | 7 | 13,2 |
1 vez | 22 | 41,5 | 8 | 15,1 |
2 vezes | 2 | 3,7 | 0 | 0 |
> 2 vezes | 0 | 0 | 0 | 0 |
Quantitativo de aulas sobre ECG na IES | ||||
Poucas | 37 | 69,8 | 14 | 26,4 |
Suficientes | 1 | 1,9 | 1 | 1,9 |
Muitas | 0 | 0 | 0 | 0 |
Autoavaliação sobre habilidade em interpretação de ECG | ||||
Péssima | 17 | 32,0 | 4 | 7,5 |
Ruim | 14 | 26,4 | 5 | 9,4 |
Regular | 6 | 11,3 | 5 | 9,4 |
Boa | 0 | 0 | 1 | 1,9 |
Ótima | 1 | 1,9 | 0 | 0 |
IES = instituição de ensino superior; ECG = eletrocardiograma.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Em relação a aulas e cursos extracurriculares sobre ECG, 25 discentes (47,1%) responderam nunca ter frequentado, 23 (43,4%) já participaram de aulas e cinco (9,4%) fizeram cursos sobre o tema, de forma on-line ou presencial. Quanto às conferências ofertadas pela grade curricular das instituições de ensino, 16 acadêmicos (30,1%) negaram ter participação, enquanto 22 (41,4%) vivenciaram tal atividade apenas uma vez; oito (15,1%), duas vezes; e sete (13,2%), mais de duas vezes.
Quando perguntados sobre as duas técnicas de estudo/ensino mais utilizadas pelos alunos para aprender ECG, 20,7% (11 alunos) restringiram-se a escolher apenas uma técnica entre todas as disponíveis na questão. Entretanto, outros 20,7% (11 alunos) optaram por assinalar mais de duas opções. Os métodos de estudo/ensino referidos pelos acadêmicos como mais frequentemente utilizados foram: estudo autodirigido (33 alunos, 62,2%), videoaulas (28 alunos, 52,9%), aulas expositivas (25 alunos, 47,1%), discussões de casos clínicos em ambiente teórico (dez alunos, 18,9%), discussões de casos clínicos em ambiente prático (seis alunos, 11,3%) e estudo em ambiente de aprendizado on-line (seis alunos, 11,3%).
No que concerne às avaliações periódicas acerca de ECG, 39,6% dos estudantes (21) afirmaram nunca ter realizado prova sobre noções básicas ou interpretação de ECG em sua instituição de ensino, enquanto 56,6% (30) realizaram esse tipo de avaliação apenas uma vez durante o curso.
No tocante às aulas sobre ECG ofertadas por todas as disciplinas de forma conjunta, 51 discentes (96,2%) as classificam como quantitativamente insuficientes para seu aprendizado. Finalmente, quando os alunos se autoavaliaram sobre suas habilidades de interpretação dos traçados eletrocardiográficos, as piores notas (péssimo e ruim) foram escolhidas por 75,4% (40), independentemente do período do curso.
Questionário pós-interação (avaliação do ECG Tutor)
Poucos discentes responderam ao questionário após interagirem com os protótipos. Alguns desses alunos relataram, via e-mail ou mensagens telefônicas, dificuldades em encontrar o link de acesso ao questionário pós-interação utilizando smartphone. Diante dessas informações, enviaram-se novas instruções, e disponibilizou-se um link direto aos discentes por meio de e-mail e mensagens telefônicas.
Após envio de novas instruções, dos 53 graduandos que concordaram em participar da pesquisa, apenas 14 responderam ao questionário após interagirem com os protótipos: 50% do sexo masculino, com média de 24 anos. As respostas aos itens da primeira parte dessa avaliação estão disponíveis no Gráfico 1.
Todos os alunos concordaram, em diferentes graus (concordo e concordo totalmente), que foi claro e compreensível interagir com o sistema e que seria fácil usá-lo para estudar um conteúdo. A maioria (12 alunos, 85,7%) julgou que interagir com os protótipos não demandou muito esforço.
As características relacionadas à utilidade percebida, abordadas nas questões 4, 5 e 6, foram muito bem avaliadas pelos estudantes, com total aprovação (concordo e concordo totalmente) em todas as perguntas. As questões 7, 8 e 9, que retratam a atitude em direção ao uso, também demonstraram elevada aceitação. Todos os discentes responderam que o ECG Tutor tornaria seu estudo mais interessante, bem como gostariam de ter esse programa no dia a dia. No entanto, três estudantes (21,4%) não entenderam a interação como algo divertido.
Ao responderem à décima assertiva do questionário, todos os discentes sinalizaram que usariam o ECG Tutor se ele estivesse disponível, com percentual elevado de concordância total (dez alunos, 71,4%).
A última variável do TAM a ser avaliada foi a estética dos protótipos, englobando as questões 11 a 13. Ambas as afirmações das assertivas 11 e 12 (componentes do programa possuem bom design e estilo; design das telas é criativo) obtiveram 21,4% de discordância (três alunos). A rejeição foi maior para a última questão, na qual cinco estudantes (35,7%) contrapuseram-se à alegação de que as telas do programa seriam esteticamente atraentes.
Após a interação com os protótipos, os discentes também responderam ao questionário com feedback, baseado no modelo de Rubinstein et al.6. À primeira delas, a totalidade dos alunos respondeu que o ECG Tutor seria muito ou extremamente útil para seu aprendizado em ECG.
Em seguida, os participantes responderam a uma sequência de questões, assinalando sim ou não (Gráfico 2). Assim sendo, 64,2% (nove) afirmaram que utilizar o ECG Tutor não seria estressante, e 78,5% (11) avaliaram que seria divertido. Finalmente, todo o grupo que interagiu com os protótipos deliberou que o ECG Tutor seria um método de aprendizado que utilizaria bem o seu tempo e ainda que seria possível manter-se concentrado e ativo durante o estudo com o sistema.
DISCUSSÃO
Os resultados apresentados demonstraram que os discentes do curso médico aprovam a utilização de STI, sugerindo que essa tecnologia deve ser mais bem explorada como ferramenta auxiliar para aprendizado do ECG.
Conforme um artigo de revisão sobre programas de computador voltados para o ensino de ECG10 e até a conclusão da análise dos dados deste trabalho, não foram encontrados na literatura evidências da existência de um STI associado à gamificação para ensino de ECG. Embora não tenham sido encontrados trabalhos que utilizam explicitamente tecnologias STI e gamificação, vale destacar alguns trabalhos relacionados que investigam o uso de outras tecnologias para ensino de ECG com avaliação de usabilidade pelos estudantes7),(25),(26. Particularmente, os resultados do teste de usabilidade do aplicativo proposto por Lima et al.25 indicam excelente aceitação da usabilidade dos estudantes. O trabalho de Montassier et al.7 conduziu um estudo randomizado controlado para avaliar uma estratégia de e-learning na aprendizagem de ECG que se mostrou eficaz para aquisição de habilidades de interpretação de ECG por estudantes de Medicina. Este trabalho diferencia-se dos relacionados porque desenvolve e avalia uma aplicação baseada em inteligência artificial que busca promover uma estratégia pedagógica individualizada, ao mesmo tempo que estimula o maior engajamento dos estudantes no uso elementos de jogos, constituindo assim características originais em relação à literatura.
O estudo de Kopeć et al.16 avaliou a competência em interpretação de ECG de 536 estudantes de Medicina por meio de questionário on-line. O perfil educacional de seus participantes também foi analisado. Apesar de existir concordância com os estudos provenientes de diversas instituições em todo mundo sobre a deficiência no aprendizado em ECG, poucas vezes a percepção do aluno sobre seu próprio conhecimento foi abordada. Quando se abordaram as atividades avaliativas sobre ECG, a maioria dos estudantes poloneses (90%) referiu ter realizado provas contendo interpretação eletrocardiográfica. No entanto, 40% dos acadêmicos desta pesquisa afirmam nunca ter realizado prova sobre noções básicas ou interpretação de ECG em sua instituição de ensino. Esse dado, além de divergente, é preocupante, uma vez que a submissão dos discentes a avaliações periódicas sobre ECG, segundo Raupach et al.5, contribui positivamente para o desempenho deles.
Segundo Fent et al.9, não se pode determinar qual o método mais efetivo para ensino eletrocardiográfico. Aparentemente, a associação de múltiplas técnicas é necessária.
De forma geral, os protótipos interativos foram bem avaliados pelos estudantes de Medicina em relação à facilidade de uso, à utilidade, à atitude em direção ao uso e à intenção de uso. Essa última variável do TAM, de acordo com Fathema et al.18, indica a intenção de usar o sistema no futuro e determinará o uso real do sistema.
Entretanto, os elementos de gamificação e a estética não obtiveram índices de aprovação satisfatórios. Possivelmente, os elementos de gamificação que incluem estratégias de recompensa e ambiente descontraído não ficaram tão evidentes nos protótipos do ECG Tutor, como defendem alguns autores15.
Apesar da possibilidade de interação com uma tecnologia inovadora para o ensino do ECG, poucos alunos participaram do estudo. Entre as limitações do estudo, destacam-se a pequena amostra - que pode ser justificada pela dificuldade de acesso por meio de dispositivos móveis e funcionalidades -, os elementos rudimentares de gamificação e estética, e o curto intervalo de tempo de aplicação da pesquisa. Porém, conforme mencionado anteriormente, Alroobaea et al.24 sugerem que uma amostra de cinco pessoas já seria suficiente para identificar mais de 80% dos problemas de usabilidade e que, com 15 participantes, já se poderiam identificar em média mais de 97% dos problemas de usabilidade de uma aplicação.
CONCLUSÕES
Os resultados encontrados neste estudo apontam que, apesar da insatisfação com aspectos relacionados ao design e à gamificação, uma nova ferramenta para ensino de ECG baseada na estrutura de um STI gamificado seria utilizada por acadêmicos de Medicina como auxiliadora no processo de ensino-aprendizagem, se estivesse disponível. Mudanças e avaliações sequenciais serão úteis no aprimoramento e na conclusão da solução computacional final. Diante disso, a equipe de estudo pretende aperfeiçoar os protótipos do ECG Tutor para transformá-lo em um produto que possa ser completamente funcional, inclusive com versão adaptada em forma de aplicativo para dispositivos móveis. Finalmente, planeja-se testar o impacto da solução final do programa no aprendizado dos estudantes de Medicina, bem como avaliar em quais contextos de uso um STI gamificado para ensino de ECG poderia ser mais efetivo.
Novos estudos são necessários para avaliar a aceitação dos discentes, a existência de melhoria no aprendizado do ECG após uso do programa, para propor outras estratégias gamificadas visando aumentar o engajamento dos estudantes e para comparar o STI gamificado com outras abordagens baseadas em e-learning para ensino de ECG. Espera-se que este trabalho acadêmico possa contribuir para pesquisas futuras e culminar no desenvolvimento de novas ferramentas para o ensino do ECG.