INTRODUÇÃO
Conceitualmente, a empatia é considerada, na filosofia fenomenológica, a união ou fusão com outros seres ou objetos. Na psicologia, é considerada uma experiência indireta de uma emoção próxima à emoção vivida por outra pessoa. Essa cumplicidade com a situação do outro culmina com a potencialidade de pensar e elaborar um apoio social ou afetivo1. Segundo Sampaio et al.2, a relação entre afetividade e cognição é importante para a internalização e construção de princípios que regem o comportamento do indivíduo na sociedade. A empatia é, portanto, um construto multidimensional que envolve níveis diferentes de afetividade, cognição e comportamento3. Por meio do componente afetivo, compartilham-se os estados emocionais dos outros, enquanto os componentes cognitivos e comportamentais são responsáveis pela capacidade de raciocinar sobre os estados mentais de outras pessoas e deliberar as ações de comunicação e ajuda4.
Assim, a empatia é uma habilidade que permite perceber e entender o sentimento e a perspectiva do outro, abrangendo componentes cognitivos, afetivos e comportamentais5)-(7. O componente cognitivo, denominado tomada de perspectiva, se correlaciona com a capacidade de se colocar no lugar do outro e deduzir os sentimentos dele, sem necessariamente experimentá-los. Esse componente é considerado vital para as interações sociais por permitir entender e prever os comportamentos5),(8. O componente afetivo baseia-se na partilha e compreensão dos estados emocionais dos outros (neurônios-espelhos), em que as ações observadas nos outros são representadas internamente no cérebro do observador6),(7),(9. O componente comportamental (preocupação empática) se refere à motivação para cuidar de indivíduos vulneráveis6),(8),(10.
Diversas estratégias vêm sendo testadas para o desenvolvimento da empatia em estudantes de Medicina7),(11)-(17, no entanto a mensuração dessa habilidade ainda é um desafio. Há escalas desenvolvidas para medir a empatia em diferentes cenários, como o Inventário de Empatia (IE) que avalia a empatia no contexto de situações de interação social6, a escala Consultation and Relational Empathy (CARE) que avalia a percepção do paciente em relação à empatia no contexto do atendimento clínico18 e o Índice de Reatividade Interpessoal que avalia as dimensões afetiva e cognitiva da empatia no contexto das relações sociais5. Porém, na educação médica a mais utilizada é a Escala de Empatia de Jefferson (Jefferson Scale of Physician Empathy - JSPE) que avalia a empatia no contexto da relação médico-paciente19, considerando predominantemente o atributo cognitivo da empatia, não abordando seu componente afetivo. A despeito de comumente empregada para aferição da empatia em ambientes da saúde, uma revisão sistemática recente encontrou inconsistências em algumas propriedades psicométricas da JSPE, já que, apesar de demonstrar validade estrutural, consistência interna e validade convergente, as evidências são limitadas no que diz respeito às propriedades de confiabilidade, erro de medição e validade transcultural20.
Assim, diante da importância da empatia no desenvolvimento acadêmico, faz-se necessária uma escala que aborde os componentes afetivo e cognitivo do construto e que se aproxime cultural e linguisticamente do cenário dos estudantes brasileiros. Este estudo se propôs a elaborar uma escala que avaliasse as atitudes dos estudantes de Medicina brasileiros em relação à empatia, em ambientes assistenciais. Isso se baseia no pressuposto de que a atitude de uma pessoa pode ser acessada por meio de sua comunicação ou demonstração, sendo a atitude, essencialmente, uma disposição mental de uma ação potencial21.
MÉTODO
Desenho do estudo
Trata-se de um estudo-piloto de construção e validação de uma escala psicométrica, realizado em cinco etapas.
Na primeira etapa, definiram-se as dimensões do construto com base em uma revisão da literatura. Construiu-se a Escala Brasileira de Empatia Clínica (EBEC) para medir os componentes cognitivos e afetivos da empatia no contexto do atendimento clínico. A construção dos itens foi baseada em uma extensa revisão da literatura sobre o conceito teórico do construto e dos seus componentes. Elaboraram-se 37 itens relacionados aos três pilares da empatia: tomada de perspectiva, compreensão empática e preocupação empática.
A tomada de perspectiva foi definida como a capacidade de o profissional de saúde compreender o que experiencia, pensa e sente o paciente a partir da sua perspectiva, prestando atenção à comunicação não verbal e à linguagem corporal19. Esse domínio está relacionado com as habilidades cognitivas: processamento de informações, raciocínio, avaliação e empatia de comunicação22.
O compartilhamento emocional foi definido como a capacidade de compreender e de partilhar os estados emocionais dos outros (neurônios-espelhos), em que as ações observadas nos outros são representadas internamente no cérebro do observador7),(22. O compartilhamento emocional avalia sentimentos de ansiedade, apreensão e desconforto em contextos interpessoais tensos23.
A preocupação empática foi definida como a capacidade de experienciar sentimentos de compaixão e preocupação pelo outro23. Refere-se à motivação para cuidar de indivíduos vulneráveis e deliberar as ações a serem tomadas para a solução dos problemas encontrados7.
Para capturar as diferenças nas respostas, escolheu-se uma escala de resposta do tipo Likert com 5 pontos (1 - discordo totalmente; 2 - discordo parcialmente; 3 - não concordo e nem discordo; 4 - concordo parcialmente; 5 - concordo totalmente). Finalmente, optou-se por usar a bidirecionalidade nas respostas, com itens escritos de forma positiva e negativa, para possibilitar detectar a consistência e o viés das respostas24.
Na segunda etapa, os itens foram submetidos à análise teórica com dez juízes especializados no tema, objetivando identificar a pertinência do item dentro do construto, bem como a clareza da linguagem. Os itens foram inicialmente distribuídos nos componentes da empatia de acordo com as definições descritas na literatura. Para a análise teórica dos itens do instrumento proposto, utilizou-se a técnica de validade de conteúdo no que se refere à clareza da linguagem e à pertinência prática. Calculou-se o coeficiente de validade do conteúdo (CVC) proposto por Hernandez-Nieto25 para cada item do instrumento (CVCc) e para o instrumento como um todo (CVCt). Foi solicitado aos juízes que pontuassem cada um dos 37 itens utilizando uma escala de 1 a 5 para avaliar o nível de adequação da clareza da linguagem (1 ( fácil entendimento e 5 ( difícil entendimento) e o nível da pertinência prática (1 ( pouco relevante e 5 ( muito relevante). Para a avaliação relacionada à clareza da linguagem, houve a inversão da escala. O ponto de corte adotado para determinar níveis satisfatórios para clareza da linguagem e pertinência foi de CVCc ≥ 0,80 para cada um dos itens e CVCt ≥ 0,80 para o instrumento no geral.
Na terceira etapa, a versão final obtida após a validade de conteúdo foi submetida a um pré-teste com 30 estudantes de Medicina, representando o público-alvo do instrumento. Apresentou-se a esses alunos a escala elaborada e solicitou-se que eles opinassem sobre a clareza e o entendimento dos itens com o intuito de avaliar se cada item estava medindo o que se desejava.
A quarta etapa consistiu na validação da escala, que foi aplicada a 207 estudantes de Medicina brasileiros. Recrutaram-se os participantes foram recrutados, no período de agosto a setembro de 2021, por meio do WhatsApp ou e-mail, e o estudo foi conduzido por meio de preenchimento de questionário online via Google Forms. O instrumento continha um questionário sociodemográfico que abordava as seguintes variáveis: nome, idade, gênero, período do curso, estado civil, faculdade, renda familiar, especialidade pretendida, experiência com doença grave na família, presença de doença crônica e a versão da EBEC. Antes do preenchimento, o estudante deveria ler o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e concordar com ele. Para o recrutamento, utilizou-se a técnica de snowball. Inicialmente foi enviado o convite para estudantes de Medicina dos quais os pesquisadores possuíam contato, pertencentes às seguintes instituições: Universidade Professor Edson Antônio Velano (Unifenas), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Em seguida, solicitou-se aos estudantes que enviassem o convite para outros discentes da sua instituição e de outras instituições de ensino médico brasileiras. Adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: ter 18 anos ou mais, estar regularmente matriculado no curso de Medicina nos períodos com prática clínica, ter concordado em participar da pesquisa e assinado o TCLE. Eis os critérios de exclusão: não preenchimento completo do questionário e desejo declarado do participante de deixar o estudo
A quinta etapa consistiu na aplicação de testes estatísticos que auxiliariam na validação da escala. Foram utilizadas as seguintes medidas descritivas: mínimo, máximo, mediana (Q2), quartis (Q1 e Q3), média, desvio padrão (DP) e intervalo de confiança da média, além das frequências absoluta (n) e relativa (%) como medidas para descrever os resultados das variáveis estudadas.
Para explorar a estrutura fatorial da versão inicial da EBEC, realizou-se uma análise fatorial exploratória (AFE). Na implementação da análise, utilizou-se uma matriz policórica. A decisão sobre o número de fatores a ser retido ocorreu por meio da técnica da análise paralela com permutação aleatória dos dados observados26, e a rotação utilizada foi a Robust Promin27 - não ortogonal.
A adequação do modelo foi avaliada por meio dos índices de ajuste Root Mean Square Error of Aproximation - RMSEA (Raiz do Erro Quadrático Médio de Aproximação), Comparative Fit Index - CFI (Índice de Ajuste Comparativo) e Tucker-Lewis Index - TLI (Índice de Tucker-Lewis)/Índice de Ajuste Não Normado (NNFI). De acordo com a literatura, os valores de RMSEA devem ser menores que 0,08, com intervalo de confiança de 95%, não atingindo 0,10, e os valores de CFI e TLI devem ser superiores de 0,90 ou preferencialmente 0,9528.
A estabilidade dos fatores foi avaliada por meio do índice H27. O índice H avalia quão bem um conjunto de itens representa um fator, e os valores de H podem variar de 0 a 1. Valores altos de H (> 0,80) sugerem uma variável latente (fator) bem definida. Por fim, o parâmetro de discriminação e os thresholds dos itens foram avaliados utilizando a parametrização de Reckase29. Todos os resultados foram considerados significativos para uma probabilidade de significância inferior a 5% (p < 0,05), tendo, portanto, pelo menos 95% de confiança nas conclusões apresentadas. Utilizou-se o software Factor.
RESULTADOS
A amostra incluiu 207 estudantes, do quarto ao sexto ano do curso de Medicina, de instituições privadas e públicas brasileiras. Nesse grupo, a distribuição de idade foi: 76,8% de 20 a 25 anos, 14,5% de 26 a 30 anos e 8,7% com mais de 30 anos. A maioria dos alunos era do sexo feminino (73,4%), solteira (94,7%), com renda familiar acima de R$ 5.000,00 (84,1%), intenção em seguir especialidade clínica (56,5%), com doença grave na família (74,9%) e sem apresentar doença crônica (86,5%). Além disso, a maior proporção dos alunos que participaram desta pesquisa estava no quarto ano (51,7%) (Tabela 1).
Tabela 1.Distribuição dos alunos de acordo com as variáveis sociodemográficas de interesse, no geral.
Variável | Frequência | ||
---|---|---|---|
N (207) | % | ||
Sexo | |||
Masculino | 55 | 26,6 | |
Feminino | 152 | 73,4 | |
Faixa etária (anos) | |||
De 20 a 25 anos | 159 | 76,8 | |
De 26 a 30 anos | 30 | 14,5 | |
> 30 anos | 18 | 8,7 | |
Idade (anos) | |||
Média ± DP | 24,7 ± 4,3 | ||
IC da média (95%) | (24,1; 25,3) | ||
Mediana (Q1 - Q3) | 23,0 (22,0 - 25,0) | ||
Mínimo - Máximo | 20,0 - 42,0 | ||
Estado civil | |||
Solteiro(a) | 196 | 94,7 | |
Casado(a)/união estável | 9 | 4,3 | |
Divorciado(a)/separado(a) | 2 | 1,0 | |
Período | |||
4º ano (7º e 8º períodos) | 107 | 51,7 | |
5º ano (9º e 10º períodos) | 64 | 30,9 | |
6º ano (11º e 12º períodos) | 36 | 17,4 | |
Renda familiar | |||
Acima de R$ 5.000,00 | 174 | 84,1 | |
Até R$ 5.000,00 | 33 | 15,9 | |
Especialidade pretendida | |||
Não sabe | 2 | 1,0 | |
Medicina de família e comunidade | 3 | 1,4 | |
Especialidade clínica | 117 | 56,5 | |
Especialidade cirúrgica | 69 | 33,3 | |
Área de gestão | 0 | 0,0 | |
Área de exames complementares | 1 | 0,5 | |
Outro | 15 | 7,3 | |
Já passou por experiência com doença grave na família? | |||
Sim | 155 | 74,9 | |
Não | 52 | 25,1 | |
Apresenta alguma doença crônica? | |||
Sim | 28 | 13,5 | |
Não | 179 | 86,5 |
DP: desvio padrão; IC da média: intervalo de confiança de 95% da média.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Análise estatística da escala proposta
A versão da escala enviada aos estudantes continha 34 itens. A análise das respostas dos estudantes a cada um dos 34 itens da escala demonstrou que houve polarização nos extremos da escala de resposta em seis dos itens, em que mais de 85% dos alunos apontaram a resposta 1 ou 5 (itens 1, 2, 9, 21, 26, e 29). Esse resultado indica que essas questões não são discriminativas, comprometendo a avaliação da confiabilidade dos domínios, e foram, portanto, descartadas.
Realizou-se uma AFE com os 28 itens restantes que indicou a necessidade da retirada de mais seis itens que apresentaram baixa carga fatorial rotacional (método Promin). Assim, foi realizada uma segunda AFE com os 22 itens restantes que indicou a necessidade da retirada de mais um item devido à carga fatorial baixa. Realizou-se uma nova AFE, e os 21 itens restantes apresentaram cargas fatoriais satisfatórias. Realizou-se, então, uma análise paralela que sugeriu a presença de dois fatores (variáveis latentes) que foram assim denominados: 1. compreensão empática - que envolve vínculo cognitivo-afetivo - e 2. ação empática - que envolve componente cognitivo-comportamental (Tabela 2). É importante destacar que os indicadores de unidimensionalidade - Unidimensional Congruence (UniCo = 0,867), Explained Common Variance (ECV = 0,774) e Mean of Item Residual Absolute Loadings (MIREAL = 0,267)27 - não suportaram a unidimensionalidade da escala. Os parâmetros de adequacidade desse modelo estão demonstrados na Tabela 3.
Tabela 2 Estrutura fatorial (cargas fatoriais) dos itens que compõem a Escala Brasileira de Empatia Clínica (EBEC).
Itens | FATOR 1 | FATOR 2 |
---|---|---|
Item 5 | -0,044 | 0,343 |
Item 11i | 0,129 | 0,648 |
Item 12 | 0,460 | -0,022 |
Item 14 | 0,748 | 0,018 |
Item 15 | 0,253 | 0,448 |
Item 16i | -0,041 | 0,507 |
Item 17 | 0,175 | 0,440 |
Item 18 | 0,654 | 0,206 |
Item 19 | 0,951 | -0,321 |
Item 20i | 0,197 | 0,450 |
Item 22i | -0,276 | 0,545 |
Item 23 | 0,891 | -0,233 |
Item 24i | 0,026 | 0,525 |
Item 25i | -0,269 | 0,926 |
Item 27i | 0,201 | 0,462 |
Item 28i | -0,057 | 0,626 |
Item 30 | 0,402 | 0,275 |
Item 31 | 0,136 | 0,423 |
Item 32i | -0,230 | 0,347 |
Item 33 | 0,714 | -0,043 |
Item 34i | 0,014 | 0,607 |
Confiabilidade composta | 0,871 | 0,843 |
H-latente | 0,902 | 0,880 |
H-observado | 0,891 | 0,865 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Tabela 3 Avaliação dos parâmetros da análise fatorial para o modelo final da escala de empatia clínica.
Parâmetros de adequacidade | Valores ideais | Valores observados no estudo |
---|---|---|
KMO (MSA total) | ≥ 0,60 | 0,59 |
Teste de esfericidade de Bartlett (p) | < 0,05 | < 0,0001 |
χ2 / gl | < 3 | 1,5 |
RMSEA | ≥ 0,50 | 0,048 |
Confiabilidade composta | ≥ 0,50 | ≥ 0,843 |
TLI | > 0,95 | 0,967 |
UniCo | < 0,95 | 0,867 |
ECV | < 0,85 | 0,774 |
MIREAL | > 0,30 | 0,267 |
Total da variância explicada | ≥ 50% | 44,95% |
Carga fatorial das questões | > 0,35 | De 0,343 a 0,951 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
A versão final da escala proposta é composta por 21 itens distribuídos em dois domínios (Quadro 1). O domínio compreensão empática é composto pelos itens 3, 4, 8, 9, 12, 17, 20; e o domínio ação empática, pelos itens 1*, 2*, 5, 6*, 7, 10, 11*, 13*, 14*, 15, 16*, 18, 19, 21*. Para a análise da empatia, deve-se considerar o somatório da pontuação obtida em cada item. As questões marcadas com asterisco (*) tiveram o sentido da escala invertido. Não existe um valor de corte, mas quanto maior a pontuação, maior a atitude empática do estudante.
Quadro 1 Escala Brasileira de Empatia Clínica.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Influência das variáveis sociodemográficas na empatia medida pela EBEC
O nível de empatia dos estudantes, mensurado pela escala proposta, foi alto (acima de 4 em uma escala de 5 no máximo) nos dois fatores. Na comparação dos dados sociodemográficos com os escores da escala, identificou-se que o sexo feminino apresentou maiores escores nos dois fatores da escala. Os estudantes que pretendem seguir a especialidade clínica, que apresentam experiência de doença grave na família e que possuem alguma doença crônica apresentaram maiores escores no fator compreensão empática (cognitivo-afetivo) (Tabela 4).
Tabela 4 Influência das variáveis sociodemográficas no escore da Escala Brasileira de Empatia Clínica (EBEC).
Variável | Compreensão empática | Ação empática | ||
---|---|---|---|---|
Média (DP) | p | Média (DP) | p | |
Sexo | ||||
Masculino | 3,76 (0,72) | 0,003 | 3,91 (0,49) | 0,001 |
Feminino | 4,10 (0,61) | 4,18 (0,48) | ||
Faixa etária (anos) | ||||
De 20 a 25 anos | 3,99 (0,66) | 0,818 | 4,14 (0,48) | 0,068 |
De 26 a 30 anos | 4,06 (0,73) | 3,92 (0,54) | ||
> 30 anos | 4,07 (0,55) | 4,19 (0,50) | ||
Período | ||||
4º ano (7º e 8º períodos) | 4,04 (0,69) | 0,760 | 4,17 (0,43) | 0,149 |
5º ano (9º e 10º períodos) | 4,00 (0,57) | 4,07 (0,54) | ||
6º ano (11º e 12º períodos) | 3,94 (0,72) | 4,00 (0,59) | ||
Renda familiar | ||||
Acima de R$ 5.000,00 | 3,99 (0,67) | 0,353 | 4,11 (0,51) | 0,883 |
Até R$ 5.000,00 | 4,10 (0,59) | 4,10 (0,43) | ||
Especialidade pretendida | ||||
Especialidade clínica | 4,10 (0,62) | 0,023 | 4,12 (0,44) | 0,493 |
Especialidade cirúrgica | 3,86 (0,73) | 4,07 (0,59) | ||
Já passou por experiência com doença grave na família? | ||||
Sim | 4,16 (0,61) | 0,002 | 4,13 (0,49) | 0,406 |
Não | 3,75 (0,73) | 4,06 (0,51) | ||
Apresenta alguma doença crônica? | ||||
Sim | 4,26 (0,60) | 0,024 | 4,23 (0,59) | 0,129 |
Não | 3,97 (0,66) | 4,09 (0,68) |
DP: desvio padrão.
Fonte: Elaborada pelos autores.
DISCUSSÃO
Os resultados do estudo revelaram que a EBEC tem um modelo composto por dois fatores que foram denominados compreensão empática (cognitivo-afetivo) e ação empática (cognitivo-comportamental). No domínio compreensão empática, os itens estão relacionados com a tomada de perspectiva conceituada como a capacidade de o profissional de saúde compreender o que experiencia, pensa e sente o paciente a partir da sua perspectiva19, bem como de compartilhamento emocional que é a capacidade de compreender e de partilhar os estados emocionais dos outros (neurônios-espelhos).
O domínio ação empática abrange itens relacionados com a tomada de perspectiva que permite prever comportamentos e com a preocupação empática que diz respeito às ações a serem tomadas para a solução dos problemas encontrados7.
Na escala proposta, não foi possível evidenciar os três componentes do construto relatados na literatura e sim dois fatores. Diante desses resultados, podemos inferir que os conceitos dos componentes da empatia estão muito ligados entre si, o que dificulta a sua discriminação. Paro et al.30, ao validarem a Escala de Empatia de Jefferson, constataram a mudança de domínio de alguns itens, o que foi justificado pela hipótese de uma visão diferenciada dos estudantes brasileiros em relação ao construto.
Segundo Davis31, a empatia está relacionada com uma série de fatores que entrarão em jogo sempre que houver a experiência emocional de alguém, propondo, portanto, uma abordagem integrada que identifica o papel conjunto de cognição e afeto. Assim, compartilhar emoções (componente afetivo) sem a tomada de perspectiva e processos regulatórios envolvidos (componente cognitivo) toma a forma de um contágio emocional ou simpatia. Da mesma maneira, perceber de forma acurada os pensamentos e sentimentos de alguém, sem experimentar compaixão e interesse pelo bem-estar dele, não se traduz em manifestação empática32. Segundo Sampaio et al.2, a relação entre afetividade e cognição é importante para a internalização e construção de princípios que regem o comportamento do indivíduo na sociedade.
A escala elaborada neste estudo apresentou medidas de confiabilidade composta e estimativas de replicabilidade satisfatórias (H > 0,80), ou seja, os fatores gerados são replicáveis e adequados de acordo com as medidas das cargas fatoriais encontradas. Segundo Rogers33, a H-observada indica o quanto o conjunto de itens representa o fator comum. Seu valor vai de zero a um, e valores acima de 0,80 sugerem uma boa definição da variável latente, que potencialmente será mais estável em estudos futuros. O índice H-latente reflete a replicabilidade estimada quando os itens são interpretados como variáveis contínuas, e o índice H-observada reflete a replicabilidade estimada quando os itens são interpretados como variáveis ordinais, tal como as medidas do tipo Likert33.
Observou-se que o sexo feminino apresentou maiores escores nos dois fatores da escala. Segundo Batchelder et al.34, a vantagem feminina é mais evidente nos componentes afetivos, incluindo a reatividade afetiva, e menos evidente nos componentes cognitivos, revelando que as mulheres se sintonizam mais naturalmente com os estados emocionais e são mais propensas a reagir e responder às emoções e aos sentimentos dos outros.
Os estudantes que pretendem seguir a especialidade clínica, que apresentam experiência de doença grave na família ou que possuem alguma doença crônica apresentaram maiores escores no componente compreensão empática da escala (vínculo cognitivo-afetivo). Bailey35 mostrou que os estudantes de Medicina que pretendiam atuar em uma área clínica obtiveram escore de empatia maior que aqueles que planejavam trabalhar em áreas cirúrgicas. Estudos realizados com médicos apresentaram o mesmo padrão que o observado neste estudo realizado com estudantes de Medicina. Num estudo realizado com 704 médicos, em que se utilizou a Jefferson Scale of Empathy (JSE), os envolvidos com a área clínica obtiveram escores mais elevados que aqueles das áreas cirúrgicas e de imagem36. Foi observado também por Batenburg et al.37) que os estagiários do último ano que preferem a prática geral como especialidade apresentaram atitudes mais empáticas que aqueles da área cirúrgica.
Outro ponto importante é a relação dos níveis de empatia com a presença de doença própria ou de familiares. A pesquisa conduzida por Esquerda et al.38 com 191 acadêmicos de Medicina revelou maior empatia entre aqueles que já haviam vivenciado experiência de doença entre familiares, amigos ou pessoalmente. Esses dados vão ao encontro do nosso estudo que sugere a experiência como fator relevante para o desenvolvimento da habilidade empática.
Esses resultados revelam um ponto positivo deste estudo por demonstrar que a escala de empatia proposta foi sensível no que concerne a detectar, como citado na literatura, a influência de algumas variáveis sociodemográficas na empatia, o que poderia sugerir uma validade externa do instrumento. Ressalta-se a intenção de promover a comparação com critérios externos de validade, para testar os itens que não foram consistentes na amostra estudada, bem como o poder discriminatório da escala.
Assim, podemos inferir que a nova escala de empatia elaborada neste estudo revelou evidências preliminares de validade, tendo o diferencial de distinguir os componentes cognitivo-afetivo (compreensão empática) e cognitivo-comportamental (ação empática) do construto, permitindo a identificação dos fatores que afetam cada componente.
Vale salientar que a EBEC, assim como diversos instrumentos utilizados para avaliar a empatia clínica, é uma escala de autorrelato, que pode ter conclusões limitadas, pois depende do autoconhecimento e apresenta a possibilidade de viés de resposta, podendo o respondente tender a respostas socialmente aceitas. Alguns estudos identificaram a falta de correlação entre os níveis de empatia obtidos por instrumentos de autoavaliações e as percepções dos pacientes, e sugerem que estes devam ser incluídos no processo de avaliação da empatia39.
Mais estudos devem ser realizados com a utilização da escala proposta neste estudo para evidenciar a confiabilidade, validade e estabilidade do instrumento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O modelo proposto para a EBEC, composto por 21 itens distribuídos em dois fatores - compreensão empática e ação empática -, atendeu aos critérios de adequação semântica e cultural, além de apresentar evidências preliminares de validade. Foi possível identificar, com a utilização desse instrumento, que o sexo feminino, a escolha pela especialidade clínica, apresentar doença crônica ou ter na família casos de doenças graves são fatores preditores para a empatia.