INTRODUÇÃO
A empatia tem um conceito multidimensional que implica componentes afetivos, cognitivos, comportamentais e morais1),(2. Estudada com frequência na atualidade, consiste na habilidade de perceber e entender a perspectiva do outro, bem como sentir seu estado emocional e é passível de ser aprendida3),(4. A empatia clínica pode ser compreendida como uma competência médica para entender o contexto, a perspectiva e os sentimentos do paciente, comunicar essa compreensão, verificá-la e atuar com base nela de forma terapêutica5),(6.
A empatia pode ser medida a partir de três perspectivas diferentes: autoavaliação (avaliação da empatia por meio de questionários padronizados preenchidos pelos avaliados), classificação do observador (avaliações padronizadas por um observador para classificar a empatia nas interações entre o pessoal de saúde e os pacientes) e avaliação do paciente (uso de questionários dados aos pacientes para avaliar a empatia do profissional de saúde durante o atendimento clínico)7. Muitas dessas ferramentas têm alcance limitado para prever a presença ou ausência da empatia em ambientes clínicos. Os métodos mais comuns para essa mensuração se baseiam no autorrelato dos estudantes, o que não necessariamente corresponde ao comportamento1.
A capacidade empática autoavaliada e os comportamentos empáticos dos médicos se correlaciona mal ou não se correlacionam com as perspectivas dos pacientes sobre o aspecto das interações médico-paciente6. Estudos apontam para uma assimetria nessa relação, com discordâncias entre as percepções dos médicos e pacientes no que concerne aos distúrbios relatados, desconsideração dos aspectos psiquiátricos e psicossociais8, bem como sobre o comportamento empático do profissional9),(10. A visão dos médicos sobre sua própria empatia pode ser, na pior das hipóteses, incorreta e, na melhor das hipóteses, tendenciosa. O estudo realizado por Cançado11 observou que os médicos residentes tendiam a ter uma visão mais negativa da consulta do que seus pacientes.
Assim, qualquer avaliação da empatia do médico deve considerar as perspectivas dos pacientes, permitindo, assim, uma compreensão mais concreta da interação médico-paciente12.
A literatura mostra que instrumentos que consideram a avaliação da percepção do paciente em comparação ao autorrelato do médico são mais relevantes para medir a empatia, daí a importância de incluir o paciente no processo de avaliação da empatia recebida13.
Atividades educativas que promovam a autoconsciência e as habilidades de escuta são importantes no desenvolvimento de clínicos empáticos. A formação profissional deve ajudar os alunos a lidar com os conflitos morais da prática médica14. Nesse sentido, o desenvolvimento de um instrumento que consiga identificar a empatia na prática clínica, na visão do paciente, é fundamental para estimular a reflexão tanto do estudante quanto do professor sobre o tema, permitindo o aprimoramento e a humanização da relação médico-paciente.
Este estudo teve por objetivo elaborar um instrumento para a avaliação do comportamento empático do estudante de Medicina percebido pelo paciente: Mapa da Empatia em Saúde na Percepção do Paciente (MES-PP).
MÉTODO
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa e descritiva para construção de um instrumento capaz de avaliar a empatia do estudante de Medicina no cenário de aprendizagem clínica, na perspectiva do paciente
O estudo apresentou três fases:
Fase 1 - Elaboração do MES-PP: A elaboração do instrumento foi orientada pelos componentes relacionados à habilidade da empatia, de modo a favorecer o resgaste dos elementos afetivos e cognitivos durante as atividades de ensino em saúde. A partir de aspectos teóricos e de instrumentos validados citados na literatura, que apresentam objetivos semelhantes, como a Escala de Jefferson para o paciente15 e a escala Consultation and Relational Empathy (CARE)16, foi realizada a adaptação do Mapa da Empatia em Saúde (MES), desenvolvido por Peixoto et al.3, para a visão do paciente sobre a habilidade empática do profissional de saúde, no cenário de ensino e prática clínica ambulatorial.
Fase 2 - Adequação do conteúdo do instrumento: Para a validade de conteúdo, utilizou-se a técnica de painel de especialistas, de modo a permitir que as opiniões fossem acrescidas à formulação do instrumento de forma construtiva, mas não definitiva, para validar o instrumento proposto17. O encontro iniciou-se com apresentação breve do projeto de pesquisa, dos objetivos do encontro, da definição da empatia e de seus componentes, e da dinâmica de funcionamento do trabalho. Os especialistas participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e preencheram um questionário sociodemográfico com os seguintes dados: idade, sexo, graduação, tempo de graduação, tempo de prática clínica, tempo de experiência como docente, área de trabalho e titulação. Após o preenchimento do questionário, apresentaram-se o MES e a versão do MES-PP. Os convidados foram, então, orientados a avaliar individualmente os itens do MES-PP considerando semântica, conteúdo, pertinência, exequibilidade e necessidade de inclusão ou exclusão do item. Logo após, realizou-se uma plenária para discussão sobre o conteúdo dos itens e avaliação da pertinência, entre os pesquisadores e os especialistas convidados. Um moderador (pesquisador) coordenou a discussão, e todas as sugestões apresentadas foram anotadas por um relator para análise posterior dos pesquisadores.
Fase 3 - Avaliação do grau de clareza e da exequibilidade do instrumento na população alvo no cenário de aprendizagem: Para essa avaliação, um dos pesquisadores convidou um grupo de pacientes atendidos por estudantes de Medicina do nono período de uma instituição de ensino particular logo após o término da consulta. Aqueles que aceitaram leram e assinaram o TCLE, e foram orientados a responder a um questionário sociodemográfico e, logo após, ao MES-PP. Aplicaram-se esses questionários impressos em uma sala privada, onde o paciente foi lembrado que poderia deixar de participar a qualquer momento. Àqueles que, porventura, fossem analfabetos, era facultado responder por meio da leitura feita pelo pesquisador do questionário e do instrumento. O instrumento foi aplicado aleatoriamente, por conveniência.
Considerações éticas: O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa, tendo recebido parecer favorável - Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 50991321.3.0000.5143 e Parecer nº 4.997.082.
RESULTADOS
Na primeira fase do estudo, foi realizada a adaptação do MES para ser respondido pelo paciente, conforme a descrição apresentada a seguir.
Na instrução, a orientação “Após realizar o atendimento, preencha o Mapa da Empatia em Saúde. Registre suas impressões e sentimentos a respeito da situação atual desta pessoa” foi substituída por “Após receber o atendimento, preencha o Mapa da Percepção Empática do Paciente na ordem numérica apresentada. Registre suas impressões e sentimentos a respeito do atendimento”.
A pergunta do quadrante 1 - “O que você sentiria se estivesse no lugar desta pessoa? (tomada de perspectiva)” - foi transformada em: “O que você acha que a pessoa que te atendeu percebeu em relação aos seus sentimentos no momento da consulta?”. Esse quadrante tem por objetivo avaliar se o paciente sentiu que o profissional se colocou no seu lugar e comunicou isso de alguma forma.
A pergunta do quadrante 2 - “Qual a sua percepção das necessidades e desejos desta pessoa, atuais e futuras? (tomada de perspectiva)” - foi transformada em: “O que você acha que a pessoa que te atendeu percebeu sobre suas necessidades e desejos, atuais e futuros?”. Esse quadrante tem por objetivo avaliar se o paciente sentiu que o profissional tomou sua perspectiva e compreendeu suas necessidades.
A pergunta do quadrante 3 - “Como me sinto conhecendo a história desta pessoa? (compartilhamento emocional)” - foi transformada em: “O que você acha que a pessoa que te atendeu sentiu ao conhecer a sua história?”. Esse quadrante tem por objetivo avaliar a ressonância empática, se o paciente percebeu que o profissional teve ou não contágio emocional.
A pergunta do quadrante 4 - “Como posso ajudar esta pessoa? (preocupação empática)” - foi transformada em: “O que a pessoa que te atendeu propôs para te ajudar?”. Esse quadrante tem por objetivo avaliar se o paciente identificou a atuação do profissional acerca de suas necessidades.
Ao final, foram colocadas seis ilustrações de emojis com sentimentos/emoções mais comuns para que o paciente escolhesse aquela que predominou no profissional que prestou o atendimento: alegria, tristeza, medo, surpresa, raiva, indiferença. Em seguida, o paciente deveria completar o emoji central com a percepção dos sentimentos do profissional.
Essa versão foi submetida à análise de conteúdo e exequibilidade utilizando a técnica de painel de especialistas (fase 2). A reunião foi realizada online, com duração de duas horas, em data que se adequasse a todos os participantes. O grupo foi composto por oito especialistas. Os participantes caracterizaram-se por serem: 87,5% do sexo feminino; com idade média de 49 anos (variando de 23 a 57 anos), sendo quatro médicos, dois pedagogos, uma enfermeira e uma psicóloga; com tempo médio de graduação de 28,0 ± 5,0 anos. Os experts avaliaram cada item, considerando a semântica, pertinência e exequibilidade. Todas as sugestões foram debatidas até consenso dos participantes. As alterações sugeridas encontram-se descritas no Quadro 1.
Quadro 1 Alterações do MES-PP sugeridas pelos experts no painel de especialistas.
Itens | Versão 1 | Versão 2 |
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Introdução | “Após receber o atendimento, preencha o Mapa da Percepção Empática do Paciente na ordem numérica apresentada. Registre suas impressões e sentimentos a respeito do atendimento.” | “Este instrumento tem por objetivo, através da sua opinião, melhorar a qualidade da consulta. Após receber o atendimento, preencha o Mapa da Percepção Empática do Paciente na ordem numérica apresentada. Registre suas impressões e sentimentos a respeito da consulta.” |
Quadrante 1 | “O que você acha que a pessoa que te atendeu percebeu em relação aos seus sentimentos no momento da consulta?” | “O que o profissional compreendeu/entendeu dos seus sentimentos na consulta?” |
Quadrante 2 | “O que você acha que a pessoa que te atendeu percebeu sobre suas necessidades e desejos, atuais e futuros?” | O que o profissional percebeu de suas necessidades, suas emoções e vontades durante a consulta? |
Quadrante 3 | “O que você acha que a pessoa que te atendeu sentiu ao conhecer a sua história?”. | “O que você acha que o profissional que te atendeu sentiu ao conhecer a sua história?” |
Quadrante 4 | “O que a pessoa que te atendeu propôs para te ajudar?”. | “Como esse profissional que te atendeu conseguiu te ajudar?” |
Emojis | Alegria, tristeza, medo, surpresa, raiva, indiferença. | Satisfação, tristeza, preocupação, surpresa, impaciência, indiferença e um em branco. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
A segunda versão foi submetida a um pré-teste com cinco pacientes, e constatou-se que eles apresentaram dificuldades para responder às questões abertas.
No quadrante 1, que continha uma pergunta aberta sobre o que o profissional compreendeu dos seus sentimentos, obtiveram-se respostas muito vagas (“compreendeu bem”, “compreendeu que há algo errado”, “que precisava de consultar”). No quadrante 2, os pacientes tiveram dificuldade de responder sobre suas necessidades e desejos. No quadrante 3, notou-se dificuldade em definir o sentimento. No quadrante 4, os pacientes limitavam-se, com frequência, a abordar somente a questão biomédica da saúde. Assim, após reunião entre os pesquisadores, optou-se por modificar o desenho do instrumento, que passou a ter os quadrantes ordenados por linhas em vez de colunas. A instrução foi modificada com o intuito de esclarecer melhor o objetivo do instrumento e a maneira de preencher. As respostas foram modificadas de abertas para respostas fechadas, para facilitar o preenchimento pelo paciente. As alterações encontram-se descritas no Quadro 2.
Quadro 2 Alterações do MES-PP (versão 2) após pré-teste com os pacientes.
Itens | Versão 2 | Versão 3 |
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Introdução | “Este instrumento tem por objetivo, através da sua opinião, melhorar a qualidade da consulta. Após receber o atendimento, preencha o Mapa da Empatia em Saúde na Percepção do Paciente na ordem numérica apresentada. Registre suas impressões e sentimentos a respeito da consulta.” | “Este instrumento tem o objetivo de avaliar a empatia do profissional durante a consulta. Preencha as perguntas abaixo, relatando a impressão que você tem sobre suas necessidades e sentimentos em relação a sua doença e sobre o atendimento do profissional. Sua opinião é muito importante, pois com ela poderemos melhorar o serviço prestado aos pacientes. Agradecemos sua colaboração.” |
Quadrante 1 | “O que o profissional compreendeu/entendeu dos seus sentimentos na consulta?” | “O que você está sentindo em relação à sua condição de saúde? (Marque uma ou mais carinhas que representem seus sentimentos) Alegria; tristeza, medo; surpresa; raiva; indiferença |
Você acha que o profissional conseguiu perceber esses sentimentos? ( ) não ( ) sim, percebeu pouco ( ) sim, percebeu muito” | ||
Quadrante 2 | “O que o profissional percebeu de suas necessidades, suas emoções e vontades durante a consulta?” | “Em relação ao que te motivou procurar atendimento, quais são suas necessidades e desejos? (Marque uma ou mais opções) ( ) Doença ( ) Sentimento (Por ex.: tristeza, angústia, ansiedade, medo, entre outros) ( ) Aspectos familiares/Convívio social |
Você acha que o profissional identificou suas necessidades e desejos durante a consulta? ( ) não ( )sim, pouco ( ) sim, muito” | ||
Quadrante 3 | “O que você acha que o profissional que te atendeu sentiu ao conhecer a sua história?” | “O que você acha que o profissional sentiu ao conhecer a sua história? (marque a carinha que melhor expresse esse sentimento) Satisfação; tristeza; preocupação; surpresa; impaciência; indiferença; outro” |
Quadrante 4 | “Como esse profissional que te atendeu conseguiu te ajudar?” | “Como o profissional que te atendeu conseguiu te ajudar? ( ) abordou sua doença ( ) abordou seus sentimentos ( ) abordou aspectos relacionados com sua família e com o convívio social |
A consulta atendeu sua expectativa? ( ) não ( ) pouco ( ) parcialmente ( ) muito” | ||
Emojis no final | Satisfação, tristeza, preocupação, surpresa, impaciência, indiferença e um em branco. | Foram retirados. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Após a finalização da terceira versão, um novo pré-teste foi realizado com mais dez pacientes em cenário de aprendizagem. Percebeu-se uma dificuldade dos pacientes em descrever sentimentos que não constavam nas opções e eram, no entanto, frequentes. Os pesquisadores, baseados nas sugestões de alguns pacientes, acrescentaram os sentimentos/as emoções de ansiedade/angústia e esperançoso no quadrante 1. No quadrante 2, os pacientes continuaram com dificuldades para compreender as palavras “necessidades” e “desejos” em uma consulta, apesar das opções. Os pesquisadores concluíram que a pergunta estava longa e poderia ser mais refinada para facilitar a compreensão, e que essas palavras deveriam ser excluídas da primeira pergunta, ficando apenas na segunda pergunta se houve ou não identificação delas. Assim, a quarta e última versão do MES-PP foi elaborada, com as modificações descritas no Quadro 3.
Quadro 3 Modificações do MES-PP (versão 3) após pré-teste com os pacientes.
Itens | Versão 3 | Versão 4 |
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Introdução | “Este instrumento tem o objetivo de avaliar a empatia do profissional durante a consulta. Preencha as perguntas abaixo, relatando a impressão que você tem sobre suas necessidades e sentimentos em relação a sua doença e sobre o atendimento do profissional. Sua opinião é muito importante, pois com ela poderemos melhorar o serviço prestado aos pacientes. Agradecemos sua colaboração.” | Não houve modificações. |
Quadrante 1 | “O que você está sentindo em relação à sua condição de saúde? (Marque uma ou mais carinhas que representem seus sentimentos) Alegria; tristeza, medo; surpresa; raiva; indiferença | Acrescentaram-se os seguintes sentimentos: ansiedade/angústia e esperançoso. |
Você acha que o profissional conseguiu perceber esses sentimentos? ( ) não ( ) sim, percebeu pouco ( ) sim, percebeu muito” | ||
Quadrante 2 | “Em relação ao que te motivou procurar atendimento, quais são suas necessidades e desejos? (Marque uma ou mais opções) ( )Doença ( ) Sentimento (Por ex.: tristeza, angústia, ansiedade, medo, entre outros) ( ) Aspectos familiares/Convívio social” “Você acha que o profissional identificou suas | O que você espera que o profissional aborde em seu atendimento? (Marque uma ou mais opções) ( ) sua doença ( ) seus sentimentos (Por ex.: tristeza, angústia, ansiedade, medo...) ( ) suas questões familiares” |
necessidades e desejos durante a consulta? ( ) não ( ) sim, pouco ( ) sim, muito” | Você acha que o profissional identificou suas necessidades e desejos durante a consulta? ( ) não ( ) sim, pouco ( ) sim, muito” | |
Quadrante 3 | “O que você acha que o profissional sentiu ao conhecer a sua história? (marque a carinha que melhor expresse esse sentimento) Satisfação; tristeza; preocupação; surpresa; impaciência; indiferença; outro. | Não houve modificações. |
Quadrante 4 | “Como o profissional que te atendeu conseguiu te ajudar? ( ) abordou sua doença ( ) abordou seus sentimentos ( ) abordou aspectos relacionados com sua família | Não houve modificações. |
e com o convívio social” “A consulta atendeu sua expectativa? ( ) não ( ) pouco ( ) parcialmente ( ) muito” | ||
Emojis no final | Foram retirados. | Não houve modificações. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
A versão final do MES-PP (Figura 1) foi aplicada em 40 pacientes atendidos por alunos do nono periodo de Medicina de uma instituição de ensino particular, no internato de saúde da família, durante os meses de agosto e setembro de 2022. Depois de assinarem o TCLE e preencherem o questionário sociodemografico, os pacientes preencheram o MES-PP logo após a consulta. Durante a aplicação da última versão do MES-PP, os pacientes conseguiram preencher o instrumento com facilidade, demonstraram compreensão dos itens e mostraram-se valorizados.
DISCUSSÃO
Este estudo faz parte de uma linha de pesquisa que busca desenvolver instrumentos que facilitem ou estimulem o desenvolvimento da empatia no cenário do aprendizado clínico e teve como objetivos elaborar e validar um instrumento capaz de identificar a percepção do paciente sobre o comportamento empático do estudante de Medicina durante o atendimento clínico.
Visando alcançar o objetivo proposto, utilizaram-se diferentes estratégias metodológicas. Inicialmente foi realizada uma etapa qualitativa que consistiu na realização de uma revisão da bibliografia nacional e internacional sobre instrumentos utilizados para avaliar a percepção do paciente sobre o atendimento recebido. Entre os instrumentos desenvolvidos com essa finalidade, encontramos a escala CARE, que foi validada para ser utilizada em consultas na atenção primária, e a Escala de Jefferson para o paciente15. Essas duas escalas avaliam somente a percepção do paciente em relação à conduta médica no contexto do atendimento clínico.
O diferencial do instrumento proposto neste estudo foi não só considerar a percepção do paciente sobre a conduta médica no atendimento clínico, como também os sentimentos dele sobre o seu quadro de saúde e sua expectativa em relação à conduta do profissional de saúde, espelhando-a com a realidade do atendimento recebido. Assim, esse instrumento mostrou-se capaz de estimular a reflexão do paciente sobre os seus sentimentos e necessidades, bem como apontar as lacunas no aprendizado do estudante, em relação ao comportamento empático no contexto do atendimento clínico.
A versão elaborada inicialmente, submetida à validação de conteúdo ou calibração, utilizou a técnica de painel de especialistas. Segundo Figueiredo et al.18, a “especialidade” de seus integrantes pode estar relacionada aos ambientes ou às situações de interesse para o tratamento das questões envolvidas no objetivo da pesquisa. Em outras palavras, pessoas cuja opinião podem acrescentar por terem alguma forma de contato com a situação de interesse da investigação. A diversidade da escolha dos especialistas (seja por estudarem a empatia ou atuarem no contexto da relação com o paciente) levou em consideração a capacidade de opinar tanto em relação aos domínios do construto quanto no que concerne à linguagem que deveria ser acessível à população-alvo para que o instrumento pudesse ser de fácil entendimento. A utilização da técnica de especialistas, neste estudo, se mostrou vantajosa, uma vez que o consenso sobre as alterações sugeridas contribuiu para a elaboração de um instrumento mais acessível e confiável. A avaliação do instrumento considerou os domínios da empatia clínica, bem como a objetividade e clareza dos itens, refinando e aprimorando frases longas e detalhadas ou termos ambíguos, que podem resultar em respostas inadequadas e imprecisas19.
Para que o conteúdo avaliado por instrumentos da área da saúde seja atual e relevante, é imprescindível que o pesquisador se insira no contexto social da população-alvo a fim de conhecer suas necessidades e particularidades20. Assim, a nova versão foi aplicada a uma pequena amostra de pacientes no cenário de atendimento ambulatorial acadêmico. Essa etapa se mostrou imprescindível para a obtenção da versão final.
Muitas alterações foram realizadas no instrumento, diante das dificuldades observadas para o preenchimento pelos pacientes. Inicialmente, observou-se que os pacientes apresentaram uma grande dificuldade em responder às questões abertas. Denscombe21 discute em seu estudo que questões abertas podem resultar em dados variáveis devido às diferentes habilidades de escrita e interpretação dos participantes, o que pode afetar a consistência e a comparabilidade dos dados coletados.
Nossos resultados foram semelhantes, já que muitas vezes os pacientes respondiam com uma palavra ou mesmo não conseguiam responder. Esses resultados levaram à elaboração de questões fechadas, o que facilitou o entendimento e preenchimento do instrumento pelos pacientes. Em estudo experimental realizado por Gunther et al.22, que comparou os dois tipos de perguntas, os autores concluíram que, em geral, questões fechadas não são inferiores a questões abertas. Para esses autores, as questões fechadas oferecem maiores vantagens do que as abertas. As questões abertas, apesar de permitirem ao respondente se expressar com suas próprias palavras, estão sujeitas à variabilidade do respondente e a maior tempo para responder, e muitas vezes não fornecem solução direta, podendo inclusive apresentar impedimentos para a obtenção de validade nas respostas. Como o público-alvo desse instrumento possui uma variabilidade muito grande em relação à habilidade de escrita, optou-se por questões fechadas que direcionassem o respondente para o objetivo do estudo.
Além da mudança no tipo de respostas, optou-se também por mudar o layout do instrumento, dispondo os quadros um abaixo do outro, o que permitiu colocar emojis para facilitar a reflexão sobre os sentimentos, tornando o instrumento mais lúdico e mais acessível aos pacientes.
Após o refinamento dos itens, obtido por várias exposições ao público-alvo, o instrumento se mostrou de fácil compreensão pelos pacientes, independentemente do grau de instrução, o que facilita a sua utilização no cenário de atendimento ambulatorial. Além disso, devemos ressaltar a facilidade e rapidez de preenchimento, o que favoreceu a adesão dos pacientes voluntários a futuros estudos voltados para esse tema.
Assim, esse novo instrumento mostrou-se capaz de avaliar a empatia de forma multidimensional e gerar atitude reflexiva no paciente não apenas sobre o atendimento recebido, mas também sobre seus desejos e sentimentos presentes na consulta.
Além disso, o MES-PP, ao espelhar o MES que é um instrumento preenchido pelos estudantes, permite a comparação das percepções do discente e do paciente sobre a consulta realizada, sendo uma ferramenta com grande potencial educativo, no que tange ao estímulo do desenvolvimento da empatia no aprendizado da prática clínica. Ao avaliar a empatia no sentido multidimensional, o MES-PP é uma ferramenta que permite ao professor e estudante avaliar as relações médico-paciente em níveis educacionais diferentes.
Outro ponto positivo a ser destacado é que os pacientes se sentiram valorizados, por terem sua opinião considerada. Ao valorizarmos a opinião do paciente, permitimos sua inserção como corresponsável pela construção de um atendimento mais empático e de melhor qualidade.
Os dados obtidos com a utilização desse instrumento possibilitarão a identificação de aspectos relacionados com o atendimento empático que necessitam ser trabalhados no contexto do aprendizado da prática clínica, visando à melhoria do relacionamento médico-paciente. Principalmente, quando usado em associação ao MES, possibilitará ao estudante avaliar se sua percepção está sendo, de fato, comunicada da forma como ele imagina. Outra vantagem do instrumento é permitir tanto ao estudante quanto à academia identificar em qual componente da empatia é necessário aprimoramento, e se, de fato, onde o estudante julga ser bom ou não é concordante com o que o paciente recebe e julga.
Como limitações do estudo, podemos citar a amostragem por conveniência, composta por pacientes oriundos de um único centro de atendimento, e apenas no contexto ambulatorial de saúde da família e não hospitalar. Isso impede a generalização de resultados para diferentes contextos. Outra observação importante é que o MES-PP foi validado dentro de um contexto ambulatorial, no âmbito de atenção primária cuja população já tem vínculo com o profissional de saúde e com estudantes de Medicina, o que pode interferir na avaliação desses estudantes, uma vez que os pacientes pareciam propícios a avaliar bem os alunos, na intenção de não os prejudicar. Fato já relatado na literatura23.
Mais estudos se fazem necessários para aprimorar o modelo de instrumento proposto. Entretanto, o instrumento elaborado neste estudo se mostrou promissor para ser utilizado em futuras pesquisas sobre o tema, bem como para auxiliar no desenvolvimento da empatia no contexto do aprendizado da prática clínica, uma vez que insere o paciente na avaliação de seu cuidador, de forma multidimensional.
O instrumento elaborado para avaliar habilidade empática dos estudantes no cenário de atendimento clínico na percepção do paciente pode ser utilizado na graduação médica, no cenário de aprendizagem da prática clínica, fornecendo pontos estratégicos de intervenção no aprimoramento dessa habilidade e subsídios para embasar futuras intervenções curriculares com o objetivo de aprimorar o desenvolvimento das habilidades socioafetivas nos cenários de atenção à saúde.
Recomendamos que esse instrumento seja aplicado em associação ao MES, dentro do contexto educacional, para que haja um espelhamento da percepção do paciente e da percepção do estudante, de modo a permitir uma abordagem mais aprofundada do atendimento realizado no contexto da aprendizagem da prática clínica e demonstrar ao educador e ao estudante em qual componente da empatia intervir.
CONCLUSÃO
O instrumento resultante deste estudo foi considerado pelos pacientes de fácil compreensão e preenchimento, e pelos estudiosos do tema, capaz de avaliar o comportamento empático do estudante de Medicina na percepção do paciente. Essa ferramenta se mostrou de fácil aplicabilidade no cenário de aprendizagem com grande potencial educativo, no que tange ao estímulo do desenvolvimento de empatia em estudantes, principalmente se associada à utilização simultânea do MES. Novos estudos devem ser realizados para avaliar os resultados do uso do instrumento, em relação ao desenvolvimento da empatia e à possibilidade de sua utilização por outros profissionais da área da saúde.