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Educação: Teoria e Prática

versão On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.28 no.58 Rio Claro maio/mai 2018  Epub 01-Jan-2019

https://doi.org/90.18675/1981-8106.vol28.n58.p298-319 

Artigos

HABILIDADES SOCIAIS E PÚBLICO-ALVO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL: ANÁLISE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA

SOCIAL SKILLS AND TARGET AUDIENCE OF SPECIAL EDUCATION: ANALYSIS OF THE BRAZILIAN SCIENTIFIC PRODUCTION

HABILIDADES SOCIALES Y PÚBLICO-OBJETIVO DE LA EDUCACIÓN ESPECIAL: ANÁLISIS DE LA PRODUCCIÓN CIENTÍFICA BRASILEÑA

Tássia Lopes de AzevedoI 

Carolina Severino Lopes da CostaII 

I Universidade Federal de São Carlos, São Paulo - Brasil. E-mail: tassia_to@hotmail.com

II Universidade Federal de São Carlos, São Paulo - Brasil. E-mail: carollina_costa@yahoo.com.br


Resumo

Considerando a importância de um repertório de habilidades sociais adequado e usado de forma competente para ampliar as possibilidades de um desenvolvimento saudável e promissor, este estudo objetivou analisar a produção científica que aborda assuntos relacionados às habilidades sociais e ao público-alvo da educação especial. Utilizou-se, como fonte de dados, teses e dissertações indexadas no banco da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e no da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, publicadas entre os anos de 1999 a 2016. Foram encontrados 29 estudos, sendo nove teses e 20 dissertações. Os resultados evidenciaram que a maioria das pesquisas é de caráter descritivo, comparativo e correlacional, havendo escassez de estudos quase-experimentais. Tais dados remetem para a necessidade de investimentos na realização de estudos relacionados a essa temática específica, dada a importância do movimento inclusivo em nosso país.

Palavras-chave: Educação Especial; Habilidades Sociais; Público-alvo da educação especial

Abstract

Considering the importance of a suitable repertoire of social skills efficiently used to expand the possibilities of a healthy, promising development, this study aimed to analyze the scientific production that addresses topics concerning social skills and target audience of special education. As data source, we used theses and dissertations indexed in the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel and Digital Library of Theses and Dissertations database, published between 1999 and 2016. A total of 29 studies was found, being 09 theses and 20 dissertations. The results indicated that most of the research is descriptive, comparative and correlational, with a lack of quasi-experimental studies. These data refer to the need for investments in studies related to this specific issue, given the importance of the inclusive movement in our country.

Keywords: Special Education; Social Skills; Target audience of special education.

Resumen

Teniendo en cuenta la importancia de un repertorio de habilidades sociales apropiadas y usado de manera competente para expandir las posibilidades de un desarrollo sano y prometedor, este estudio tuvo como objetivo analizar la producción científica que se ocupa de cuestiones relacionadas con las habilidades sociales y el público-objetivo de la educación especial. Se utilizó como fuente de datos, tesis y disertaciones indexadas en la base de datos de la Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior y de la Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, publicados entre los años 1999 y 2016, encontraron 29 estudios, siendo 09 tesis y 20 disertaciones. Los resultados mostraron que la mayor parte de las investigaciones son descriptivas, comparativas y correlacionales, con escasez de estudios cuasiexperimentales. Estos datos indican la necesidad de inversiones en estudios relacionados con este tema en particular, dada la importancia del movimiento inclusivo en nuestro país.

Palabras clave: Educación Especial; Habilidades sociales; Público-objetivo de la educación especial.

Introdução

Nas últimas três décadas, estudos que abordam a temática sobre habilidades sociais, bem como os investimentos na especificação das bases conceituais desse campo teórico e prático, vêm crescendo exponencialmente em nosso país (BOLSONI-SILVA et al., 2006; CAMARGO; BOSA, 2009; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 1998; 1999; 2001; 2005; 2011).

Contudo, a perspectiva teórica que envolve as habilidades sociais não apresenta um corpo conceitual unitário e contempla uma diversidade de definições para alguns de seus principais termos (BOLSONI-SILVA et al., 2006), por essa razão, serão apresentados de forma breve os principais conceitos e definições adotados.

De acordo com Del Prette e Del Prette (2001, p. 31), a habilidade social “aplica-se à noção de existência de diferentes classes de comportamentos sociais no repertório do indivíduo para lidar com as demandas das situações interpessoais”. Tal habilidade é aprendida e contempla dimensões pessoais, situacionais e culturais (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001). Para os autores, a competência social, por outro lado, se remete aos efeitos do desempenho das habilidades sociais nas situações vividas pelo indivíduo. É um “atributo avaliativo de comportamento ou episódio de comportamentos bem-sucedidos no ambiente social” (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2011, p. 20).

Um amplo e refinado repertório de habilidades sociais tem sido considerado como um fator de proteção do curso do desenvolvimento humano, especialmente reconhecido como um componente crucial para o desenvolvimento socioemocional e o ajustamento do indivíduo em diversos contextos (ROSIN-PINOLA; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2007). Por outro lado, os déficits em habilidades sociais estão associados a diversos problemas psicossociais tais como depressão, ansiedade, estresse, isolamento social, agressividade, comportamentos opositores e antissociais, hiperatividade e baixa estima (BOLSONI-SILVA et al., 2006; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2008); ocorrência de problemas de comportamento e baixo desempenho acadêmico (FREITAS; DEL PRETE, 2013).

Alguns autores (ANGÉLICO; DEL PRETTE, 2011; BOLSONI-SILVA; BORELLI, 2012; FREITAS; DEL PRETTE, 2013) apontam que, em geral, existe um comprometimento das habilidades sociais em indivíduos com deficiência intelectual, deficiências sensoriais e em outros indivíduos do Público-alvo da Educação Especial (PAEE) 1. Além disso, estudos que tratam da avaliação do repertório social e acadêmico de alunos do PAEE, matriculados em escolas especiais e regulares (BARBOSA; DEL PRETTE, 2002; BATISTA; ENUMO, 2004), têm evidenciado dificuldades dessa população em atividades acadêmicas e de interação social.

Apesar dos estudos apresentarem esses dados, é importante interpretar com cuidado tais resultados para não incorrer no erro da culpabilização da deficiência (MENDES, 2006), uma vez que se compreende que é o ambiente que necessita reestruturar-se para atender as diferenças entre os alunos; os dados das pesquisas nos mostram que temos muito a avançar em termos de reestruturação ambiental e formação dos principais agentes de socialização das crianças (pais, professores e outros).

Os dados das pesquisas com alunos do PAEE nos remetem, ainda, para a importância de que a inclusão de tais pessoas não se limite à garantia da matrícula compulsória nas escolas regulares prevista por lei, mas para outras questões de suma importância como a permanência e sucesso desse aluno em sua trajetória escolar. Nesse sentido, há que se destacar que pesquisas têm apontado para a importância das habilidades sociais para o sucesso e a inclusão escolar desse público (ROSIN-PINOLA; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2007).

Alguns estudos de revisão da produção científica na área de habilidades sociais (ANGÉLICO; CRIPPA; LOUREIRO, 2011; CAMARGO; BOSA, 2009; MURTA, 2005) têm demonstrado a importância de se aprofundar o conhecimento do que tem sido produzido nessa área, especificamente quando associada às pessoas do PAEE.

Dos estudos citados, somente dois se referiam em alguma medida ao PAEE, sendo o de Murta (2005) que realizou uma revisão de estudos nacionais sobre programas de intervenção em habilidades sociais com foco em prevenção primária, secundária e terciária. Ao abordar os estudos sobre prevenção terciária, a autora discorreu sobre a existência de programas de intervenção para pais de crianças com deficiência intelectual e autismo. Os resultados de tais programas apontaram dados promissores a respeito da realização de programas de intervenção no sentido de favorecer a aquisição ou aprimoramento de habilidades sociais pelos participantes.

O outro estudo objetivou realizar uma revisão crítica da literatura sobre os estudos existentes na área de autismo e inclusão escolar (CAMARGO; BOSA, 2009). Os autores identificaram poucos estudos sobre o tema e apontaram que tais pesquisas apresentavam limitações metodológicas. Além disso, a análise das poucas pesquisas sobre o tema indicou um interesse maior centrado na identificação da competência social nessa população. Os autores, ainda, concluíram que há a necessidade de investigações que demonstrem as potencialidades interativas de crianças com autismo e a possibilidade de sua inclusão no contexto educacional e social.

Considerando a importância de um repertório de habilidades sociais adequado e usado de forma competente para ampliar as possibilidades de um desenvolvimento saudável e promissor, no caso de pessoas do PAEE, a realização de pesquisas que identifiquem características da produção científica nacional nesses dois campos específicos do conhecimento seria de grande relevância, especialmente no sentido de traçar um panorama da produção existente e das lacunas a serem preenchidas.

Diante disso, o objetivo do presente estudo foi o de analisar a produção científica, produzida em nível de teses e dissertações, que abordam temas relacionados às habilidades sociais e ao PAEE.

Método

Esta pesquisa utilizou como delineamento a revisão sistemática de literatura, seguindo a maioria dos indicadores do grupo PRISMA (Relatórios transparentes das revisões sistemáticas e meta-análises, tradução nossa) (MOHER; LIBERATI; TETZLAFF; ALTMAN, 2015).

Utilizaram-se, como fonte de dados, teses e dissertações indexadas no banco da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (IBICT), sob o eixo temático habilidades sociais e público-alvo da educação especial, que foram desenvolvidas e publicadas em programas de pós-graduação stricto-senso do ensino público e privado, entre os anos de 1999 a 2016.

A escolha desta data inicial deu-se pela adesão de estudos relacionados às habilidades sociais, que se iniciou no Brasil a partir dos anos 90 (BOLSONI-SILVA; et al., 2006) com o artigo denominado Habilidades Sociais: Uma Área em Desenvolvimento (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 1996); e no ano de 1999, com a publicação do primeiro livro sobre habilidades sociais no Brasil (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 1999), e, desde então, o conhecimento e a aplicabilidade desse campo em nosso país cresceu exponencialmente (MANOLIO; FEREIRA, 2011).

Realizou-se, primeiramente, uma busca pelas teses e dissertações indexadas no site da CAPES, todavia, na data da coleta, esse portal disponibilizava apenas documentos do banco de teses dos anos de 2011 a 2016. Para garantir a inclusão de pesquisas relacionadas à temática estudada, no período de interesse, utilizou-se, também, o site da Biblioteca Brasileira de Teses e Dissertações - IBICT. Os descritores selecionados para as buscas foram: (a) habilidades sociais e deficiência; (b) habilidades sociais e necessidades educacionais especiais; (c) habilidades sociais e intervenção; (d) e necessidades educativas especiais e habilidades sociais.

Pode-se observar uma síntese dos descritores utilizados para a realização das buscas, do número de resultados encontrados, dos estudos descartados e do número de teses e dissertações selecionadas para análise por meio da Figura 1.

Fonte: Elaboração própria

Figura 1 Fluxograma do caminho percorrido para a seleção das dissertações e teses analisadas 

Foram encontradas pesquisas que abarcavam assuntos adjacentes à temática específica de interesse, como algumas que compreendiam habilidades sociais e problemas de comportamento infantil, habilidades conjugais, profissionalização, etc. Tais pesquisas foram descartadas e, também, as que não estavam disponibilizadas online na íntegra. Por fim, foram consideradas 29 pesquisas, sendo nove teses e 20 dissertações.

Procedimento de análise dos dados

Para analisar as informações qualitativas dos dados coletados, além das indicações do grupo PRISMA, utilizou-se um Roteiro de Análises de Teses e Dissertações (MENDES; FERREIRA; NUNES, 2002), constituído por três categorias mais amplas: (a) identificação; (b) análise descritiva das dissertações e teses; (c) análise crítica dos trabalhos científicos. Da primeira parte, alguns dados encontram-se descritos nos resultados e parte, no Anexo 1. Parte dos dados foi disposta em figuras e tabelas, e outra foi descrita agrupando os dados em categorias temáticas (FRANCO, 2008).

Resultados e Discussão

Os resultados serão apresentados na seguinte sequência: instituições e programas de pós-graduação de origem e número de publicações por ano; temáticas principais, população-alvo e os tipos de PAEE estudados; método e principais resultados e, por fim, implicações teóricas das pesquisas.

A seguir, a Tabela 1 ilustra o número de estudos por ano de defesa, programas de pós-graduação e instituições de origem.

Tabela 1 Número de estudos por ano de defesa, programa de pós-graduação e instituições de origem. 

Ano 2001 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2014 2015 Total
Instituição/ Programas
PPGEEs/UFSCar 1 1 2 2 2 3 1 1 3 2 1 1 20
PPGPsi/UFSCar 2 2
PPGAC/UEL 1 1 2
PRPGPsi/USP 1 1
PPGE/UERJ 1 1
PGE-UFPR 1 1
PPGPD/UFRGS 1 1
PPGSIR/UNICAMP 1 1
Total 1 1 2 2 3 3 3 2 4 5 1 2 29

Legenda: PPGEEs/UFSCar = Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos; PPGPsi/UFSCar = Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos; PPGAC/UEL = Programa de Pós-Graduação em Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina; PRPGPsi/USP = Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto/SP); PPGE/UERJ = Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro; PGE/UFPR = Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná; PPGPD/UFRGS - Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; PPGSIR/UNICAMP= Programa de Pós-Graduação em Saúde Interdisciplinar e Reabilitação.

Fonte: Elaboração própria

Com relação ao número de pesquisas, a maior parte concentrou-se nas regiões Sudeste (n= 25; 86,2%) e Sul (n=4;13,8%). Esses dados convergem com os de Freitas (2013) que, por meio de uma pesquisa de levantamento bibliográfico sobre habilidades sociais, demonstrou o maior número de publicações encontradas nas regiões Sul e Sudeste. De acordo com o autor, isso se deve ao fato de que essas regiões contém maior número de programas de pós-graduação, cujas áreas de concentração são afins a essa temática específica.

No que se refere às Universidades de origem, tais estudos se concentraram, em sua maioria, na UFSCar (n=22). As outras universidades tiveram entre dois e um trabalho defendidos apenas durante todo o período estudado. No que diz respeito aos programas de pós-graduação, encontrou-se vinte pesquisas oriundas do PPGEES-UFSCar, cuja área de concentração é a Educação Especial; dois estudos do PPGPsi-UFSCar e um do PRPGPsi-USP, tendo a Psicologia como área de concentração; dois do PPGAC-UEL, em Análise do Comportamento; um do PPGPD-UFRGS, em Psicologia do Desenvolvimento; um do PPGSIR-UNICAMP, em saúde interdisciplinar; um do PPGE-UERJ e um do PGE-UFPR, ambos com área de concentração em Educação.

No PPGEES-UFSCar foram defendidos 20 estudos na área específica de habilidades sociais e do PAEE, publicados entre os anos de 2001 à 2015, sendo quatro teses e 16 dissertações de mestrado. É compreensível que a UFSCar e esse programa concentrem maior número de pesquisas, uma vez que são os únicos do país, cuja área de concentração é a Educação Especial, e sua fundação data de mais de 35 anos. Vale destacar ainda que a UFSCar é a sede de atuação dos professores e precursores do Campo Teórico e Prático das Habilidades Sociais no país.

Com relação ao ano de defesa, nota-se que em 2011 (n=04) e 2012 (n=5) foram os anos com maior número de produções, seguidos dos anos de 2007 (n=3), 2008 (n=3) e 2009 (n=3). Nota-se que houve um aumento no número de defesas nos anos de 2011 e 2012, que não se manteve nos três anos subsequentes (2013 a 2015). No ano de 2016 não foram encontradas, nas plataformas CAPES e IBICT, pesquisas relacionadas à temática-alvo. É possível que, no período da coleta, nem todos os estudos referentes ao ano de 2015 e 2016 estivessem disponíveis. Mas, também, pode-se supor que a produção nessa temática específica não mantenha uma tendência constante de crescimento, necessitando de maiores investimentos (BOLSONI-SILVA; BORELLI, 2012).

Se tratando das principais temáticas abordadas nos distintos trabalhos, a maioria dos estudos buscou relacionar as habilidades sociais ao desempenho acadêmico dos mesmos (n= 11; 38%) e aos professores de alunos do PAEE (n = 8; 27,5%). Em seguida, observa-se maior frequência de estudos que buscaram implementar e avaliar programas de habilidades sociais com os familiares de tal público (n= 7; 24%) e com trabalhadores com deficiências (n=2; 7%). E, por fim, uma pesquisa cuja temática principal se referiu à avaliação de um instrumento que afere as habilidades sociais de crianças do PAEE ou problemas de comportamento (n=1; 3,5%).

Alguns estudos de revisão de literatura na área de habilidades sociais (BOLSONI-SILVA; et al., 2006; MURTA, 2005) confirmam os resultados da presente pesquisa de que as temáticas educacionais, considerando a participação do professor e questões de desempenho social e acadêmico de crianças do PAEE, são as mais investigadas quando associadas ao Campo Teórico Prático da Habilidades Sociais.

A preocupação em envolver os professores de alunos do PAEE pode estar relacionada às questões ligadas à matrícula compulsória desses alunos na escola regular. Entretanto, há, ainda, escassez de pesquisas que abordem a questão da inclusão de alunos PAEE no sistema regular de ensino (ROSIN-PINOLA; et al., 2007). Já, os estudos tanto com crianças, adolescentes e trabalhadores do PAEE, relacionados à temática das habilidades sociais, permitem identificar diferentes classes e subclasses de ações e de configurações interativas presentes nos ambientes domiciliares, sociais, de trabalho e educação (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 1998).

No caso da família, sabe-se que esse é um dos primeiros contextos interativos da criança, e os pais ou responsáveis são os seus primeiros agentes de socialização. E, ao se referir à aquisição de habilidades sociais por crianças no contexto familiar, Del Prette e Del Prette (2001) afirmam que essa aquisição geralmente se dá mediada pelos pais, por exemplo, quando estes buscam promover situações de contato social para seus filhos. Por essa razão, Freitas e Del Prette (2013) ressaltam a importância de implementar intervenções não só ao PAEE, mas também às pessoas que participam do contexto dessa população, como professores e familiares.

No que se refere às especificidades do PAEE de tais pesquisas, houve maior número de pesquisas que abordaram a deficiência visual (n=8; 27,5%) e deficiência intelectual (n=7; 24%), diferentes deficiências (n=5; 17,2%), deficiência física (n=4; 13,8%), Síndrome de Down (n=2; 7%), deficiência auditiva (n=1; 3,5%), autismo (n=1; 3,5%) e altas habilidades (n=1; 3,5%). Nota-se que a deficiência visual, apesar de ser uma das deficiências de baixa incidência, inclusive em número de alunos matriculados em escolas regulares (BUENO; MELETTI, 2012), é uma das mais estudas quando o foco recai sobre as habilidades sociais.

O número de pesquisas por tipo de PAEE específico denota que a produção científica nessa área ainda é incipiente, necessitando de investimentos, pois ainda há poucos estudos que investigam as habilidades sociais de pessoas do PAEE, considerando suas especificidades, o que dificulta a ampliação do conhecimento sobre tal área (FREITAS; DEL PRETTE, 2013). Além disso, a deficiência intelectual é uma das áreas mais carentes de investigação quando associada às habilidades sociais, uma vez que, de acordo com o censo (INEP, 2013), é o tipo mais prevalente em número de matrículas que, ainda por cima, tem presente, nos critérios para o diagnóstico, a indicação de que pessoa possui deficits em áreas adaptativas, incluindo as habilidades sociais.

Quanto à população-alvo, observou-se que o público mais investigado foram as crianças do PAEE (n=14; 48,3%), seguido de professores de tal público (n=4; 13,8%), famílias (n=4; 13,8%), adolescentes (n=4; 13,8%) e trabalhadores (n=3; 10,3%) do PAEE. Considera-se de grande relevância a realização de estudos que tenham como população-alvo crianças e adolescentes do PAEE, pois tal população, muitas vezes, apresenta deficits em seu desenvolvimento de condutas adaptativas, principalmente nas habilidades de relacionamento (BARBOSA; DEL PRETTE, 2002), sendo que a minimização de tais deficits nestas etapas poderia contribuir para uma trajetória desenvolvimental com melhor prognóstico.

Pode-se afirmar que o número de pesquisas que incluíram os adolescentes e as famílias de crianças e adolescentes do PAEE é restrito, o que demonstra ser um obstáculo para a identificação de necessidades e/ou de recursos em habilidades sociais dessas populações. Muitas vezes, é comum que a família e a escola atribuam à deficiência os problemas de comportamento e/ou outros de seus filhos e alunos; porém, muitos dos deficits apresentados pelo PAEE têm sua origem na dificuldade familiar de ensinar e oferecer contingências para que aprendam comportamentos pró-sociais (FREITAS; DEL PRETTE, 2013).

Por essa razão, torna-se imperativo que seja dada maior atenção à realização de estudos com as famílias de crianças e adolescentes do PAEE, tanto no sentido de identificar suas características positivas com relação ao repertório de habilidades sociais, como para ampliar e refinar o repertório existente, e/ou ensiná-los sobre como desenvolver habilidades sociais em seus filhos em diferentes fases do desenvolvimento.

Em relação aos tipos de método utilizados nas pesquisas, houve predomínio de delineamentos descritivos (n=14; 48,3%), seguidos do correlacional (n=8; 27,6%) e quase-experimental (n=7; 24,1%). Os delineamentos descritivos e correlacionais contribuem para o conhecimento das variáveis pesquisadas, e do tipo de relações que elas estabelecem entre si (COZBY, 2006), e é plausível que haja maior número de pesquisas que utilizem tais delineamentos, pelas características do percurso histórico do Campo Teórico Prático das Habilidades Sociais (THS) em nosso país. Conforme Bolsoni-Silva et al. (2006), muitos estudos na área de habilidades sociais utilizam o método descritivo e/ou correlacional, possivelmente porque o THS ainda seja recente no Brasil.

Com relação à produção de estudos quase-experimentais, apesar de sua ocorrência em menor número (n=7; 24,1%), denota que os pesquisadores têm avançado na produção de conhecimento de maior complexidade e confiabilidade pelo uso de delineamentos que exigem maior rigor metodológico (COZBY, 2006). Tais estudos corroboram com o conjunto de conhecimentos disponíveis, por meio da exploração de relações mais precisas entre variáveis de interesse, já identificadas em estudos descritivos, correlacionais ou quase-experimentais (FREITAS; DEL PRETE, 2013). A realização desses estudos indica uma tendência de avanço do conhecimento produzido nessa área específica que, conforme se expande, se depara com a necessidade de aprofundar e refinar o tipo de conhecimento que se produz.

No que concerne aos resultados das pesquisas, os dados mostraram que, no caso dos estudos descritivos e relacionados à população com deficiência visual, as pesquisas evidenciaram que crianças cegas apresentaram repertório de habilidades sociais mais deficitário e restrito que crianças videntes; a maior parte do repertório comportamental de alunos cegos analisado em sala de aula pôde ser classificado como pró-inclusivo; que crianças cegas, seguidas por crianças com baixa visão e, por último, videntes, apresentaram mais dificuldades em discriminar sinais faciais característicos das seis emoções básicas.

No que se refere às pessoas com autismo, os resultados indicam que crianças com autismo apresentaram deficits em habilidades sociais e maiores índices de problemas de comportamento. Já, crianças com paralisia cerebral tiveram um repertório mediano de habilidades sociais de comunicação, empatia, civilidade e habilidades sociais acadêmicas.

Com relação à deficiência intelectual, o grupo de crianças com deficiência intelectual diferenciou-se (negativamente) do grupo de alto rendimento acadêmico e da amostra normativa em todos os fatores de habilidades sociais, problemas de comportamento e desempenho acadêmico. Adolescentes com Síndrome de Down apresentaram deficits de respostas assertivas de enfrentamento em seu repertório comportamental.

Em relação aos resultados dos estudos descritivos, pôde-se perceber que, de modo geral, eles indicaram que o desempenho social de pessoas do PAEE era mais deficitário do que o de indivíduos com desenvolvimento típico, em várias classes de habilidades sociais avaliadas (BARBOSA; DEL PRETTE, 2002; MAIA, DEL PRETTE; FREITAS, 2008); adicionalmente, pode-se dizer que os dados parecem sugerir que as habilidades sociais das pessoas do PAEE apresentam relação com as características intrínsecas de cada condição, e indicam a necessidade de que se crie condições para aperfeiçoar a aquisição e o uso com desenvoltura de habilidades sociais por essas pessoas.

As pesquisas de caráter correlacional e/ou comparativo indicaram a ocorrência de correlação positiva entre desempenho acadêmico e habilidades sociais em crianças com deficiência intelectual; dentre as diferentes categorias do PAEE, as que apresentaram menor frequência de habilidades sociais foram as de autismo e Transtorno de hiperatividade e deficit de atenção2;a existência de diferenças estatisticamente significativas entre a identificação de sentimentos entre grupos de crianças cegas e videntes somente na discriminação das emoções pelos estímulos paralinguísticos da fala.

Os estudos quase-experimentais indicaram que, a partir da realização de programas de intervenção, houve: diminuição dos déficits em habilidades sociais de crianças e adolescentes com deficiência visual, quando as mães aprenderam habilidades sociais educativas; obtenção de impactos diretos sobre a aquisição, aperfeiçoamento e melhora da funcionalidade do repertório das habilidades sociais educativas de professores de alunos do PAEE e impactos indiretos sobre diminuição de problemas de comportamento; mudança confiável com relação à ampliação e ao aprimoramento de classes de habilidades sociais na maioria dos participantes com deficiência intelectual; obtenção de mudanças positivas quanto ao desempenho ocupacional e satisfação dos familiares de crianças com paralisia cerebral, que participaram dos grupos educativos.

De acordo com Bolsoni-Silva et al. (2006), a realização de programas de intervenção por meio do treinamento em habilidades sociais ainda é recente no Brasil se comparada a outros países como Inglaterra e EUA, por exemplo. Freitas e Del Prette (2013) acrescentam que a carência de pesquisas que envolvem habilidades sociais e o PAEE tem sido um obstáculo para a identificação de necessidades que poderiam nortear objetivos de intervenções educacionais e terapêuticas em habilidades sociais para esse público.

Os dados relacionados à categoria 'implicações teóricas dos estudos investigados', que remetem às sugestões para desenvolvimento de pesquisas futuras, mostraram que a maior parte dos pesquisadores indicou a importância e/ou necessidade de elaborar e implementar programas de habilidades sociais (n=14; 48,3%); replicar o estudo com amostras maiores (n=7; 24,2%); utilizar diferentes delineamentos e instrumentos de medida (n= 5; 17,2%); dar continuidade ao estudo por meio de pesquisa longitudinal (n=3; 10,3%).

Com relação às sugestões de se replicar os estudos com amostras maiores, tem-se que esse procedimento pode confirmar os resultados das pesquisas já realizadas; além disso, o apontamento sobre utilizar diferentes delineamentos e instrumentos denota que os pesquisadores identificam a necessidade que esses resultados sejam ratificados ou refutados por meio de modos diferentes de se coletar e analisar os dados, sem falar da importância de avaliações multimodais e por distintos informantes (COZBY, 2006).

Considerações Finais

Esta pesquisa realizou uma análise da produção científica relativa ao Campo Teórico e Prático das Habilidades Sociais e do PAEE, em dissertações e teses. Os resultados sugerem que há uma concentração de estudos na região sudeste e que tem havido um discreto aumento de pesquisas que abordam essas duas temáticas ao longo dos últimos anos, entretanto, ainda considera-se um número incipiente de estudos.

Conclui-se que este trabalho contribuiu para a identificação das principais características dos estudos que envolvem as habilidades sociais e a população do PAEE, e espera-se que possa nortear a realização de pesquisas futuras, pelo acesso a uma síntese do conhecimento produzido e acumulado nesses últimos anos em teses e dissertações nacionais.

Referências

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Notas:

1De acordo com o documento do Ministério da Educação denominado Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, o termo público-alvo da educação especial será utilizado para se referir às pessoas com deficiência (auditiva, visual, intelectual, física, múltiplas), transtornos globais do desenvolvimento, superdotação/altas habilidades.

2Pessoas com transtorno de hiperatividade e déficit de atenção, de acordo com a nova política de educação inclusiva (Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011), não são compreendidas como público-alvo da educação especial, no entanto serão consideradas neste estudo.

ANEXO 1

Recebido: 18 de Outubro de 2016; Revisado: 25 de Fevereiro de 2017; Aceito: 03 de Março de 2017

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