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Educação: Teoria e Prática

versão On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.28 no.58 Rio Claro maio/mai 2018  Epub 01-Jan-2019

https://doi.org/10.18675/1981-8106.vol28.n58.p426-441 

Artigos

ENSINO DE HISTÓRIA E TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL: REFLEXÕES SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

TEACHING HISTORY AND HISTORICAL-CULTURAL THEORY: REFLECTIONS ON THE ORGANIZATION OF THE TEACHING-LEARNING PROCESS

ENSEÑANZA DE HISTORIA Y TEORÍA HISTÓRICO-CULTURAL: REFLEXIONES SOBRE LA ORGANIZACIÓN DEL PROCESO DE ENSEÑANZA-APRENDIZAJE

Clarice Gonçalves Rodrigues AlvesI 

I Instituto Federal de Roraima, Roraima - Brasil. E-mail: clarice.duarte@ifrr.edu.br


Resumo

Este artigo busca refletir sobre as possibilidades didáticas de relacionar o ensino de História à luz da Teoria Histórico-cultural. Valendo-se de revisão bibliográfica de autores como Vigotsky, Leontiev e Galperin, buscou-se evidenciar a necessidade de pensar em metodologias que promovam a aprendizagem e a assimilação de conceitos objetivando o desenvolvimento cognitivo dos estudantes. O estudo salienta a importância do planejamento das atividades de estudo e o uso de teorias psicológicas e pedagógicas que incitem a criatividade e a criticidade, elementos indispensáveis para o aprendizado de História.

Palavras-chave: Ensino de História; Teoria Histórico-cultural; Aprendizagem

Abstract

This article aims to discuss the didactic possibilities of relating History teaching in light of the Historical-Cultural Theory. Using a bibliographical review of authors such as Vigotsky, Leontiev and Galperin, we sought to highlight the need to develop methodologies that promote learning and assimilation of concepts, aiming to develop students' cognition. The study stresses the importance of planning study activities and the use of psychological and pedagogical theories that encourage creativity and criticality, indispensable elements for learning History.

Keywords: History teaching; Historical-cultural theory; Learning

Resumen

Este artículo busca reflexionar sobre las posibilidades didácticas de relacionar la enseñanza de Historia a la luz de la Teoría Histórico-cultural. Se valió de la revisión bibliográfica de autores como Vigotsky, Leontiev y Galperin, y se buscó evidenciar la necesidad de pensar en metodologías que promuevan el aprendizaje y la asimilación de conceptos teniendo en cuenta el desarrollo cognitivo de los estudiantes. El estudio subraya la importancia de la planificación de las actividades de estudio y el uso de las teorías psicológicas y pedagógicas que inciten la creatividad y la criticidad, elementos indispensables para el aprendizaje de Historia.

Palabras clave: Enseñanza de Historia; Teoría Histórico-cultural; Aprendizaje.

Introdução

A Teoria Histórico-cultural concebe o homem enquanto ser histórico. Propõe a construção social do conhecimento entendendo que é na interação com o outro, realizada por meio da linguagem, que ocorre a individualização e a internalização do saber. Aponta para a necessidade de refletir, estruturar e organizar as atividades educativas tendo em vista o desenvolvimento cognitivo dos alunos.

Investigar como o ser humano aprende é o primeiro passo para, posteriormente, desenvolver e aplicar metodologias de ensino que promovam o aprendizado. A Teoria Histórico-cultural percebe que a atividade de estudo é formada por um conjunto de ações mentais e cognitivas e que a aprendizagem possui diferentes graus de apropriação, ordens de execução, níveis de interiorização e complexidade.

Esta proposta pretende ampliar o debate sobre a importância da construção de didáticas de ensino de História fundamentadas na contradição, no conflito, na indagação de situações-problema, na criticidade e na criatividade. Entender o papel da escola, das atividades do estudo e a aplicabilidade do ensino desenvolvimental é visto, neste contexto, como basilar para organizar um ensino de História condizente com nosso contexto de rápidas mudanças sociais, econômicas e culturais.

Educação escolar: conteúdos, conceitos e contextos

A educação escolar tem como objetivo fornecer meios para que os indivíduos se apropriem dos conteúdos, conceitos e saberes produzidos pela humanidade ao longo do tempo. O aprendizado ocorre nas transformações, na análise de elementos e posicionamentos discordantes, na tensão entre novo e antigo, entre permanências e rupturas.

A educação é um fenômeno que se desenvolve dialeticamente em sua base, explicitada na contradição entre ensino e aprendizagem. Portanto, cabe intensificar a pesquisa sobre os elementos que fomentem e instiguem no espaço escolar novas formas de ver e pensar o objeto de estudo, promovendo a criatividade, a capacidade analítica e a criticidade dos estudantes. Conforme Libâneo (2001, p.160):

Educação compreende o conjunto dos processos, influências, estruturas e ações que intervêm no desenvolvimento humano de indivíduos e grupos na sua relação ativa com o meio natural e social, num determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais, visando a formação do ser humano. A educação é, assim, uma prática humana, uma prática social, que modifica os seres humanos nos seus estados físicos, mentais, espirituais, culturais, que dá uma configuração à nossa existência humana individual e grupal.

O ensino de História que proponha uma transformação em nível pessoal e coletivo deve problematizar, indagar, conectar saberes. Contudo, percebe-se no contexto escolar e na abordagem de diferentes propostas governamentais acerca do ensino de História, a fragmentação de conteúdos e a dissociação entre teoria e contexto social. Somando-se a isto, percebe-se tendências pedagógicas que exploram demasiadamente os conteúdos em detrimento da didática ou, ao contrário, enfatizam o método e esvaziam seus conteúdos, fato igualmente prejudicial ao processo de aprendizagem. Portanto, assimilar e interiorizar os saberes historicamente construídos são - e devem ser - a base para quaisquer mudanças educativas, fato que reitera a importância de planejar conteúdos que promovam a reflexão e a criatividade. Candau (2000, p68) faz uma crítica à padronização do ensino:

Parece que o sistema de ensino, nascido no contexto da modernidade, assentado no ideal de uma escola básica a que todos têm direito e que garanta o acesso aos conhecimentos sistematizados de caráter considerado “universal”, além de estar longe de garantir a democratização efetiva do direito à educação e ao conhecimento sistematizado, terminou por criar uma cultura padronizada, ritualística, formal, pouco dinâmica, que enfatiza processos de mera transferência de conhecimentos, quando esta de fato acontece.

A atividade pedagógica precisa incorporar-se de teorias que expliquem o processo de aprendizagem e sejam passíveis de serem aplicadas no cotidiano escolar. Faz-se necessário superar a reprodução e a mera transmissão de conhecimentos. O ensino deve ser valorizado, mas, sobretudo, a aprendizagem e sua aplicabilidade no cotidiano dos estudantes, sendo indispensável compor metodologias a partir de teorias que respondam como o aluno aprende realmente e o que deve aprender para que haja uma transformação em nível pessoal e coletivo, tendo como referência suas necessidades.

para que a atividade do professor se constitua em atividade para os estudantes é necessário que ela parta da identificação de necessidades preliminares dos mesmos, tendo em vista a construção de necessidades coletivas, primeira condição de toda e qualquer atividade. Nesse processo, demanda ainda educar os motivos para que os motivos-estímulos se transformem em motivos formadores de sentido, fazendo com que o que move o sujeito no contexto escolar coincida com o objeto a que essas ações se dirigem (no caso do ensino desenvolvimental, o ensino-aprendizagem-desenvolvimento), segunda condição para que a ação se efetive enquanto atividade. (LONGAREZY; PUENTES, 2015, p. 108).

As propostas pedagógicas devem rumar para a transformação da sociedade e não para sua manutenção, portanto, estudar os métodos e procedimentos para organizar o ensino e relacionar teoria e prática social são percebidos pela Teoria Histórico-cultural como ferramentas para melhorar a aprendizagem dos estudantes. Pensar em educação para o desenvolvimento integral da personalidade humana significa, portanto, pensar em prática social, vista como ação do sujeito na sociedade.

As contribuições de autores russos como Vigotsky, Leontiev e Galperin para a construção de métodos de ensino de História é vista como um dessafio no contexto educacional brasileiro. Por meio da convergência entre Pedagogia, Psicologia e Ensino de História pode-se refletir sobre o processo educativo de maneira abrangente, considerando o tripé: ensino-aprendizagem-desenvolvimento.

Para tanto, o processo de apreensão do conhecimento deve primar para o desenvolvimento conceitual e para a resolução de situações-problema, e não se ater na mera transmissão de saberes e informações. O método investigativo, a busca parcial, a exposição problêmica participativa e a conversação heurística são práticas pedagógicas que desenvolvem o pensamento teórico-crítico dos estudantes. A busca parcial, por exemplo, é um método que parte de uma situação-problema e requer uma organização para sua solução valendo-se de elementos contraditórios. Neste caso, os alunos devem fazer uma busca independente, cabendo ao professor organizar as atividades sistematizadas por meio de problemas formulados pelo docente. Após chegarem à solução do problema previamente exposto, ocorre a troca de conhecimentos entre alunos e professor, seja em conversas, debates, seminários e demais tarefas que exijam explanação.

A prática educacional é um processo de construção, produção e trabalho. Essa compreensão de educação a percebe como uma construção coletiva que promove a educação integral do homem, permitindo que compreenda suas contradições e as dinâmicas sociais realizadas no mundo dos fenômenos materiais. Os seres humanos não se inquietam inutilmente; é necessário que haja um problema, uma contradição, uma dualidade em sua experiência de vida que o instigue.

No planejamento das aulas, pensa-se em detalhes sobre como o conteúdo será exposto, na particularidade do público, na linguagem a ser utilizada, etc., no entanto, há um ponto importante: como problematizar o tema? Como relacionar conhecimentos conhecidos e desconhecidos? Como perceber o que é um elemento essencial para construir um conceito? Como instigar dúvidas e a busca de soluções para a mesma? Para que haja uma mudança educativa, é necessário fazer um caminho inverso: da certeza para a dúvida, da resposta para a pergunta, do individual para o coletivo. Deve-se buscar a solução de problemas, sim, mas de maneira que os estudantes sejam guiados pela criatividade e criticidade. “Os conteúdos são fundamentais para que o aluno aprenda e sem conteúdos relevantes, conteúdos significativos, a aprendizagem deixa de existir, ela se transforma em um arremedo, ela transforma-se numa farsa”. (SAVIANI, 2007, p. 61). A falta de dados, de debates, pesquisas, entre outros, impedem que o aluno reflita criticamente sobre sua temporalidade, resultando em comodismo e indiferença com sua realidade pessoal, profissional e social.

Na relação dialética entre conteúdo e didática, percebe-se na Psicologia Cognitiva uma aliada para a transformação da educação que, muitas vezes, centra-se na didática e perde de vista que o importante é a aprendizagem dos indivíduos. Como os estudantes assimilam os conteúdos? Quais métodos corroboram para sua assimilação? Como organizar as atividades de ensino?

Vigotsky, Leontiev e Galperin: teorias psicológicas no contexto pegagógico

Lev Semenovitch Vigotsky (1896-1934) foi o precursor da Psicologia Histórico-cultural. O autor estabeleceu relações entre pensamento e linguagem, ressaltou a necessidade de avaliar a criança pelo que está aprendendo - e não pelo que já aprendeu - e buscou entender os processos mentais envolvidos na aprendizagem. Reiterou a importância da apropriação dos conceitos científicos no desenvolvimento dos alunos, pois a apropriação de conceitos do tipo superior influenciará sobre os conceitos espontâneos - aprendidos no dia a dia e já internalizados - engendrando dinâmica e dialeticamente uma relação entre conhecimentos científicos e espontâneos.

Vigotsky discorre sobre a necessidade de orientar o desenvolvimento do ser humano por meio da interação social, da experimentação e do uso de ferramentas para que os processos interpessoais se tornem intrapessoais, uma vez que estas estabelecem, regulam, permeiam seu comportamento e sua ação no mundo. Existem quatro conceitos fundantes em sua obra: Interação; Mediação, Internalização e Zona de Desenvolvimento Próximo (ZDP).

Pode-se dizer que o ZDP é a distância entre o nível de desenvolvimento atual e o nível de desenvolvimento potencial. Neste ínterim, o estudante deve ser estimulado e interagir para se desenvolver. O educador, mediador imprescindível no processo de ensino-aprendizagem, precisa valer-se de métodos para elevar seu nível de desenvolvimento, objetivando a internalização do conhecimento.

Para o autor, a estreita relação com a sociedade possibilita ao homem tornar-se humano, mas em função das condições materiais da sociedade na qual está inserido. Sua teoria possui um critério de análise desenvolvimental, uma vez que o ponto de partida deve ser, necessariamente, diferente do ponto de chegada. Segundo suas concepções, o desenvolvimento cognitivo humano ocorre no ambiente social por meio da atividade.

A atividade externa é a base para a constituição da atividade interna, que pode ser potencializada no desenvolvimento das capacidades humanas. O conhecimento seria, assim, tanto o resultado das ações mentais que implicitamente o abarcam quanto o processo pelo qual é obtido. Logo, o conhecimento é visto como um conjunto compreendido pelas ações mentais - por exemplo, abstração e generalização -, pelo procedimento ou processo para se obter determinado resultado, pelo reflexo e demais elementos.

A educação deve valer-se dessas assertivas e aplicar um planejamento pedagógico que aumente o nível de exigência cognitiva dos estudantes. Logo, a organização do pensamento, da didática e do conteúdo proposta pelo professor percorreria um caminho metodológico capaz de incentivar a interiorização dos conceitos trabalhados no ambiente de aprendizagem.

Aleksei Nikolaevitch Leontiev (1903-1979) também desenvolveu estudos tendo como premissa que o desenvolvimento humano e sua relação com o mundo ocorre em função da atividade que o sujeito exerce. Diferentemente dos animais, pautados pelos instintos e características biológicas que os direcionam a tarefas vitais, o homem precisa aprender individualmente, coletivamente, no momento presente e bebendo da fonte do passado, ou seja, entendendo processos já vivenciados por outros homens.

Leontiev firma que o psiquismo humano é histórico e social e que a consciência é construída socialmente. Para compreendê-la, é preciso: “estudar como se formam as relações vitais do homem tais ou quais condições sociais históricas e que estrutura particular engendra dadas relações” (LEONTIEV, 1978, p. 72). Posteriormente, deve-se estudar como a estrutura da consciência do homem se transforma em relação à atividade externa.

A Teoria da Atividade (TA) é considerada uma continuidade das ideias de Vigotsky. Suas pesquisas contribuem para o campo da Pedagogia, sobretudo, por questionar se a educação está voltada, efetivamente, para o pleno desenvolvimento dos indivíduos. “Por atividade, designamos os processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo, como um todo, se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executar esta atividade, isto é, o motivo” (LEONTIEV, 2014, p. 68).

A atividade compreende um sistema que tem estrutura, transições, desenvolvimento e transformações próprios, permitindo a internalização da atividade externa e que resulta num reflexo psíquico da realidade: a consciência. Para que haja atividade, três elementos devem existir: objeto, necessidade e motivo. O objeto, no caso da atividade de estudo, é o conceito, o conteúdo, a teoria a ser assimilada. A necessidade é a primeira condição para haver atividade. Conforme Leontiev (1978), uma vez que a necessidade encontra a sua determinação no objeto (se "objetiva" nele), o dito objeto torna-se motivo da atividade, aquilo que o estimula. O motivo é extremamente necessário e sem ele, a atividade perde sua razão de ser, o que levaria à alienação. Além de necessidade, motivo e objeto, a atividade é constituída por outros elementos: sujeito, operações, meios e produto.

Durante o processo de internalização, o conhecimento vai processando-se e atos mentais como pensamento e linguagem vão cristalizando-se em distintas ações e operações, simples ou complexas. As ações estão ligadas a um fim; já as operações são condições para a existência da atividade. As condições das atividades são variáveis, mesmo que os fins sejam os mesmos. A atividade se enriquece e é transformada conforme o contato que os sujeitos têm com a realidade objetiva.

estudar como se formam as relações vitais do homem tais ou tais condições sociais históricas e que estrutura particular engendra dadas relações. Devemos em seguida estudar como a estrutura da consciência do homem se transforma com a estrutura da sua atividade. Determinar os caracteres da estrutura interna da consciência é caracterizá-la historicamente. (LEONTIEV, 1978, p. 92).

Deve-se ter em conta que a linguagem, enquanto construção humana e portadora de significados atribuídos pelos homens no tempo, é um fator indispensável para a compreensão da realidade social. A TA ressalta que a educação não é a mera transmissão do patrimônio cultural, pois a apropriação da cultura pelo homem o objetiva e o transforma. Os conteúdos culturais e disciplinares são a base para que, a partir da assimiliação e internalização dos mesmos, o homem consiga compreender a si mesmo e a realidade circundante. Contudo, o autor ressalta que:

na sociedade de classes, mesmo para o pequeno número que usufrui as aquisições da humanidade estas mesmas aquisições manifestam-se na sua limitação, determinadas pela estreiteza e carácter obrigatoriamente restrito da sua própria atividade; para a esmagadora maioria das pessoas, a apropriação destas aquisições só é possível dentro de limites miseráveis (LEONTIEV, 1978, p. 283).

Nessa perspectiva, a escola deve estabelecer didaticamente uma mediação da prática social que possibilite ao indivíduo desenvolver sua individualidade e suas potencialidades de modo consciente. Outro autor que colabora para a compreensão do processo de ensino-aprendizagem-desenvolvimento é Piotr Yakovlevich Galperin (1902-1988).

A Teoria da Formação por Etapas das Ações Mentais e Conceitos, formulada por Galperin, critica o ensino em forma de tarefas e pontua a necessidade de selecionar atividades adequadas ao potencial cognitivo dos estudantes por meio de uma sequência de atividades de estudo que possibilite ao estudante alcançar o êxito. O autor pontuou etapas intermediárias e diversos estágios na formação dos conceitos mentais e propôs o modelo de ensino formativo-conceitual, contrapondo-se a práticas educativas dissociadas da realidade dos alunos.

A teoria de Galperin abriu caminho para o estudo psicológico concreto da própria atividade psíquica, convertendo-se em instrumento da estruturação de suas formas e tipos dados. O mérito de Galperin consiste em que não só se limitou a teses gerais sobre a atividade, nem simplesmente destacou a ação como unidade de análise da atividade psíquica, mas também converteu a investigação da gênese das ações mentais (psíquicas) em método de estudo da atividade psíquica, e se propôs a estudar os tipos concretos da atividade psíquica, a partir das ações que o compõem (NUÑES; PACHECO, 1998).

Os conteúdos e os conceitos nutrem-se de procedimentos investigativos e cognitivos oriundos da análise e da reflexão objetivando a cientificidade do conhecimento, pautado na lógica e não na descrição sensorial dos fatos. Ensinar, neste contexto, significa intervir na formação e desenvolvimento das ações mentais dos alunos por meio de conteúdos que objetivem a construção de conceitos ou referências conceituais que, em diferentes níveis de compreensão e apreensão, tornar-se-ão ferramentas a serem aplicadas em diferentes situações de vida. Por meio deste modelo, o aluno deverá compreender, explicar e fazer as atividades a partir de uma situação-problema.

A Teoria de Formação por Etapas das Ações Mentais e Conceitos de Galperin procura capacitar e habilitar os estudantes para que selecionem referências concretas e tomem decisões frente a uma situação-problema. O objetivo é alcançar o real significado do conceito, utilizando-o na resolução de problemas, ao invés de memorizar fórmulas, dados e conceitos e resolver exercícios de maneira mecânica. A atividade de aprendizagem, entendida como “atividade de orientação-investigação”, deve ser orientada para o desenvolvimento do pensamento teórico dos estudantes, sendo organizada por meio de atividades de estudo dirigidas, nas quais o estudante buscará compreender as características essenciais do objeto de estudo dentro de características gerais.

A formação de conceitos científicos é percebida como um processo gradual, possuidor de uma estrutura interna, que difere da transmissão de conteúdos e de conceitos em si, ou seja, de teorias dissociadas das formas materiais onde são aplicadas. Galperin reforça a necessidade de promover junto aos estudantes uma generalização conceitual consistente aplicável a outros domínios. O autor também operacionaliza os conceitos de interiorização e mediação de Vigotsky a fim de desenvolver os estudantes como personalidades integrais (LONGAREZI; PUENTES, 2015).

Os conceitos deverão ser vivenciados em situações que exijam sua aplicação prática; e através da contradição entre interno e externo, conhecido e desconhecido, o aluno terá que evidenciar suas dúvidas, compreender e resolver o problema, podendo aplicá-los a outros domínios ou novas situações-problema. Esta lógica difere do modelo de ensino ilustrativo-informativo, pautado na explanação, demonstração e explicação de conceitos, processos e fenômenos como algo pronto e acabado, exigindo uma postura mais ativa do estudante e não a memorização mecânica e dissociada da realidade.

Neste método de ensino, cabe selecionar e organizar as atividades para que ocorra a formação de conceitos mentais que tenham como ponto de partida as formas externas de expressão - ação e linguagem - para, posteriormente, transformarem-se em formas internas de pensamento.

Conforme a teoria de Galperin, quando uma ação completamente nova se estrutura, sua forma é primeiramente material, depois verbal e, por último, mental. Assim, faz-se necessário organizar a aprendizagem, pois os conteúdos planejados potencializariam o desenvolvimento dos processos mentais, ou seja, as funções mentais superiores desenvolver-se-iam. Durante o processo de ensino-aprendizagem o estudante deverá encontrar a forma adequada da ação, sua forma material de representação e a transformação desta ação externa em interna. Ao professor cabe a tarefa de orientar e dirigir as atividades de estudo valendo-se de um esquema de referências conceituais que promova a análise do conteúdo a ser aprendido.

O modelo formativo-conceitual preconiza a aprendizagem por meio da prática, mas pautada em situações-problema. Para resolvê-las, o aluno deverá conjugar todas as características da ação: orientação, execução, situação-problema e contexto. A teoria de Galperin afirma que generalidade conceitual pode ser aplicada a outros domínios, fato que contrapõe o modelo de ensino tradicional baseado na explanação, demonstração, exemplificação e aplicação dos conceitos sem um entendimento mais amplo por parte dos alunos sobre a formação dos conceitos e sua aplicabilidade no contexto social.

Considerando que a organização do processo de ensino (seleção das situações problema; apresentação da base orientadora da ação; acompanhamento e organização do processo como um todo) lida com aspectos objetivos e racionais que, de certa forma, não dependem diretamente dos sujeitos, pode-se afirmar que a aprendizagem é organizada iniciando pelos aspectos externos, objetivos e materiais, para terminar num nível interno, mental e abstrato, no qual as ações sofrem um processo de abreviação, simplificando-se e, de automatização, ganhando agilidade, ao mesmo tempo em que podem ser facilmente monitoradas. (VALDES; REZENDE, 2006, p. 1213).

A atividade psíquica formar-se-ia da atividade prática e alicerçada pela Base Orientadora de Ação (BOA) que operacionaliza a escolha consciente de uma dentre as várias possibilidades de ação. A BOA deve, portanto, habilitar o estudante a selecionar referências concretas para resolver determinadas situações-problema, devendo entender o conceito, empregá-lo e analisá-lo.

A parte orientadora é a instância diretiva e, precisamente, no fundamental, depende dela a qualidade da execução. Se elaboramos um conjunto de situações em que se deva aplicar essa ação conforme o plano de ensino, essas situações ditarão um conjunto de exigências para a ação que se forma e, juntamente com elas, um grupo de propriedades que respondem a essas exigências e estão sujeitas à formação. (GALPERIN, 1986, p.116).

O ensino a partir do modelo formativo-conceitual leva em consideração a orientação, a execução, o sistema de ações e o contexto. O aprendizado consiste no resultado da ação realizada a partir de um esquema de orientação conceitual e não da assimilação do conceito de maneira fragmentada e desconexa. O aluno aprende não só a fazer, mas a compreender e explicar como age em tal ou qual situação-problema. O método formativo-conceitual operacionaliza os conceitos de mediação e interiorização estudados por Vigostsky e busca formar um nível de generalização conceitual aplicável a outros domínios.

O emprego dos conceitos e a observação da influência destes no contexto procura acelerar o processo de assimilação, permitindo que as formas externas de expressão se tornem formas internas de pensamento de maneira mais rápida. A compreensão que o estudante tem do significado operacional do conceito e sua internalização transcenderia o caráter informativo, pois tem um objetivo, uma razão de ser. Para isto, as situações-problemas elencadas pelo professor não podem ser aleatórias, devem partir de uma identificação prévia do ponto de partida dos estudantes e do mapeamento das possiblidades de que estes obtenham êxito na solução, ou seja, é preciso ter ciência dos conhecimentos e habilidades preliminares.

As ações possuem funções importantes a serem abordadas: orientadora, executiva e controladora. A função orientadora direciona o método, o objetivo e as características do objeto; na executiva, as ações são executadas com método orientado e o objetivo atingido de maneira dirigida; já a função controladora instiga as informações durante o processo, a fim de aplicarem-se as correções cabíveis. Seguindo os princípios estabelecidos por Galperin, o aluno não utiliza mais o método de tentativa e erro, apoiando-se nas características necessárias que definem o conceito.

Quanto à Base Orientadora da Ação (BOA), Galperin observou três tipos de orientações, segundo o critério a forma de elaboração, o grau de generalização e o grau de detalhamento. Dentro da caracterização da BOA, há níveis que podemos observar: generalidade (casos particulares e gerais sobre invariantes), plenitude (completa ou incompleta) e o modo de obtenção (preparada ou independente).

Ensino de História e Teoria Histórico Cultural

Ao tratar-se do ensino de História na contemporaneidade, percebe-se a necessidade de buscar métodos que instiguem a criatividade e a criticidade dos estudantes, que ensinem a “pensar demoradamente”, a refletir e, posteriormente, atuar de maneira mais consciente em prol do desenvolvimento pessoal e coletivo. Enquanto disciplina que nos habilita a analisar e compreender a trajetória humana no tempo e que comunica passado e presente, deve instigar questionamentos sobre processos e práticas sociais que os homens criaram, reproduziram ou transformaram em diferentes contextos.

No ensino tradicional, ao professor cabe a tarefa de explanar conceitos, demonstrar os processos e exemplificar os conteúdos abordados, cabendo ao aluno perguntar, tirar dúvidas, memorizar, utilizar formas e aplicar minimamente conceitos. Galperin critica este método ilustrativo-demonstrativo, pois é distante da realidade dos estudantes e promove a passividade. O seu método permite que o aluno se torne mais ativo, pois não realiza quaisquer tarefas escolares, mas resolve atividades pautadas em situações-problema. O aluno, a partir de uma atividade dirigida e organizada deverá observar, compreender e internalizar os conteúdos. O papel do professor passa a ser a condução deste processo, fazendo a verificação da assimilação. Ele torna-se fonte de informação devendo esforçar-se por descobrir conceitos gerais, que estejam presentes em situações particulares ou em situações equivalentes tornando o saber o mais abrangente possível.

Esta metodologia de ensino compreende que a(s) necessidade(s) e o(s) motivo(s) são elementos a serem explorados no processo educativo, exigindo um comprometimento do professor no planejamento e orientação de atividades de estudo. Em contrapartida, o aluno terá que executar, abstrair, generalizar e ser capaz de usar o conhecimento em novas situações.

Ao transferir um conceito, uma teoria, uma explicação ou modelo a novos contextos, o aluno consegue conectar saberes e desenvolver a criatividade e a criticidade, tornando o ensino mais ativo e eficaz. O processo de construir e aplicar o conceito a novas situações colabora para o desenvolvimento cognitivo e criativo dos alunos, pois o conceito não é memorizado, mas tratado com uma abordagem distinta, fato que dever ser explorado no ensino de História.

O professor de História, habilitado a analisar a trajetória da humanidade no tempo, deve fomentar dentro do ambiente escolar discussões e debates que desenvolvam o senso crítico e a capacidade de análise dos alunos, uma vez que “o passado comunica o presente, o presente dialoga com o passado” (OLIVA, 2003, p. 423). Assim, a Teoria Histórico-cultural corrobora com seu ofício e ainda privilegia que a prática social, a contextualização, o uso de conceitos e da cientificidade sejam aplicados na atividade educativa.

Considerações finais

A compreensão do fenômeno educativo relaciona-se com a própria socialização do conhecimento histórico, artístico, filosófico, científico da humanidade. Pensar a atividade pedagógica significa pensar a atividade humana. Pensar sobre a atividade de estudo significa refletir sobre o modo como a educação pode potencializar aspectos afetivos, cognitivos, atitudinais dos estudantes, bem como sua capacidade de analisar e generalizar fenômenos da realidade.

A Teoria Histórico-cultural evidencia que o processo de ensino-aprendizagem tem como tripé fundamental o objeto, o aluno e o professor. Assim como o estudante necessita ampliar sua compreensão sobre si e sobre o mundo para nele melhor atuar, o professor também deve sentir-se um profissional indispensável no processo educativo. Ambos devem adequarem seus saberes e práticas, reafirmar seus projetos individuais e coletivos, e qualificar seus conhecimentos. Sobre o objeto, no caso o conteúdo específico, é o elemento que deve ser compreendido, analisado e internalizado para promover a aprendizagem. Esta concepção exige um equilíbrio didático entre teoria e prática, conteúdo e método, ensino e aprendizagem.

A escola precisa ensinar o aluno a pensar por meio de conceitos científicos, não pode estar alheia a teorias e métodos que desenvolvam as capacidades intelectuais dos estudantes a partir da criatividade, ou seja, fugindo da lógica da memorização e reprodução de saberes construídos historicamente, mas que não abarcam uma apreensão aprofundada por meio de conceitos e compreensões próprias dos estudantes.

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Recebido: 11 de Maio de 2017; Revisado: 09 de Março de 2018; Aceito: 04 de Abril de 2018

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