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Educação: Teoria e Prática

versão On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.29 no.60 Rio Claro jan./abr 2019  Epub 01-Set-2019

https://doi.org/10.18675/1981-8106.vol29.n60.p26-46 

Artigos

FORMAÇÃO CONTINUADA NO PNAIC: EVIDÊNCIAS DE PRATICISMO EM DEBATE

PNAIC CONTINUING EDUCATION: EVIDENCE OF PRACTICISM IN DEBATE

FORMACIÓN CONTINUADA EN EL PNAIC: EVIDENCIAS DE PRACTICISMO EN DEBATE

Cristiano José OliveiraI  1
http://orcid.org/0000-0002-8273-0511

Luana Costa AlmeidaII 
http://orcid.org/0000-0003-0664-6796

I Universidade do Vale do Sapucaí, Secretaria Municipal de Educação de Pouso Alegre, Minas Gerais - Brasil. E-mail: crisprosa@hotmail.com

II Centro de Estudos Educação e Sociedade - Cedes, São Paulo - Brasil. E-mail: luanaca@gmail.com


Resumo

Parte da pesquisa cujo foco foi investigar a formação continuada no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC, implantado em 2012 como acordo formal entre os governos federal, estaduais e municipais objetivando a alfabetização de todas as crianças até os oito anos de idade, o presente artigo busca discutir pontos destacados por professores participantes sobre a formação vivenciada. Delimitado na perspectiva qualitativa, a pesquisa se pautou na análise dos documentos oficiais que orientam o PNAIC, no material de apoio utilizado para o processo de formação e em entrevistas semiestruturadas realizadas com professoras da rede municipal de uma cidade sul mineira que participaram da formação entre os anos de 2013 e 2016. Ainda que a pesquisa tenha evidenciado outras questões, objetivamos neste artigo discutir a forte marca de praticismo observada na fala dos entrevistados, evidenciando que, no processo de formação, e diferente do que anuncia a proposta oficial, a prática foi priorizada em detrimento da teoria, privilegiando atividades voltadas ao “como fazer” e ao estudo de exemplos em prejuízo da possibilidade de momentos de reflexão que permitissem tanto a ampliação de conhecimentos por parte dos professores, quanto o revisitar da própria prática a partir do debate de concepções.

Palavras-chave: Formação Continuada; Praticismo; PNAIC

Abstract

As part of a research which focuses on the investigation of the continuing education in the National Pact for Literacy in the Right Age (PNAIC), that was implemented in 2012 as a formal agreement between federal, state and municipal governments aiming at the literacy of all children up to eight years of age, this article seeks to discuss points highlighted by teachers who participated in the PNAIC training course. Delimited in the qualitative perspective of research, the study was based on the analysis of the official documents that guide the training proposed by the PNAIC, as well as in the analysis of semi-structured interviews developed with municipal teachers of a southern city of the state of Minas Gerais. Data analysis showed that, in the teachers' speech, there is a strong feature of practicism, in which the action over reflection is emphasized, as well as practice over theory, against the principles announced in its design. The teachers prioritized practical aspects, preferring activities focused on "How to do" and the study of examples, in detriment of reflection moments that could allow a review of the practice itself by the teacher based on theoretical debate of concepts.

Keywords: Continuing Education; Practicism; PNAIC

Resumen

Como parte de la investigación de maestría cuyo enfoque fue investigar la formación continuada en El Pacto Nacional por la Alfabetización en la Edad Adecuada (PNAIC), implantado en el 2012 como acuerdo formal entre los gobiernos federal, estaduales y municipales con el objetivo de alfabetizar a todos los niños hasta los ocho años de edad, el presente artigo busca discutir puntos destacados por profesores que participaron en el curso sobre la formación vivida. Delimitado en la perspectiva cualitativa de investigación, el estudio se basó en el análisis de los documentos oficiales que orientan la formación propuesta por el PNAIC, así como en el análisis de entrevistas semiestructuradas a profesores de la municipalidad de una ciudad del sur del estado de Minas Gerais, los cuales participaron en la formación entre los años 2013 y 2016. Aunque la investigación evidenció otras cuestiones, en este artículo buscamos discutir la fuerte marca de practicismo observada en el habla de los entrevistados, lo que revela que en el proceso de formación y a diferencia de lo que anunciaba la propuesta oficial, la práctica fue priorizada en detrimento de la teoría, privilegiando actividades dirigidas al «cómo hacer» y al estudio de ejemplos en perjuicio de la posibilidad de promover momentos de reflexión que permitiesen tanto la ampliación de conocimientos por parte de los profesores como la revisión de la propia práctica a partir del debate de concepciones.

Palabras clave: Formación continuada; Practicismo; PNAIC

Introdução

A formação continuada do professor tem espaço nas discussões acadêmicas e na elaboração das políticas públicas educacionais especialmente quando o debate se coloca pela melhoria da educação brasileira. A implementação de políticas para formação docente inicial e continuada se ampliou, sobretudo, a partir da década de 1990, em que, por força de indução pelos organismos internacionais, dentre eles o Banco Mundial, ganhou ênfase o discurso de que para a elevação do nível de qualidade da educação a atuação do professor era questão fundamental, para a qual a formação desse profissional seria ponto nevrálgico.

Ao se discutir a formação de professores, considerando a natureza dinâmica do ofício docente, percebe-se que somente a formação inicial2 não é capaz de preparar o professor para sua atuação, sendo necessária sua continuidade. Uma formação constante que, segundo Imbernón (2010, p. 13), só pode acontecer a partir do momento em que o sujeito entra numa inquietação consciente de que “a teoria e a prática devem ser revisitadas e atualizadas nos tempos atuais”. Como bem pontua o referido autor, no campo da formação continuada é fundamental refletir sobre o papel da educação e do professor dentro da sociedade para provocar reflexões envolvendo teoria e prática e alimentar ações que permitam pensar sobre o que fazer nas políticas e práticas de formação.

Atualmente, a formação continuada de professores esbarra em vários termos que se confundem. Fusari e Franco (2006, p. 18-19) comentam que “um rápido rastreamento na história da concepção da formação contínua permite constatar um emaranhado de terminologias a ela associadas: educação permanente, treinamento, capacitação, reciclagem, entre tantas outras” e observam três conotações para a formação: 1) como compensação de deficiências iniciais, preocupada em “‘repor’ conhecimentos, atitudes e habilidades que careceram ou não foram trabalhadas na formação inicial”; 2) como atualização do repertório de conhecimentos, preocupada em atualizar conhecimentos “superados e envelhecidos pelo desgaste do tempo”; 3) como elemento de aperfeiçoamento dos conhecimentos, preocupada em “aperfeiçoar aquilo que o sujeito já sabe, mas ainda precisa aprofundar”.

A discussão trazida por Castro e Amorim (2015) analisando, entre outros aspectos, as políticas públicas para formação de professores, distingue a formação continuada em duas perspectivas: treinamento, tendo em vista a melhoria do desempenho dos participantes e permanente, em que se considera o processo de desenvolvimento profissional dos sujeitos. Para eles, a formação continuada nas ações governamentais tende a representar um prosseguimento da formação inicial, vista como treinamento e reparação e não como forma de emancipação docente a partir do desenvolvimento profissional.

Nesta mesma direção, Freitas (2002, p. 147) observa que as políticas no âmbito da formação continuada iniciadas na década de 1990 “têm reforçado a concepção pragmatista e conteudista da formação dos professores”. Para ela “a formação continuada é uma das dimensões importantes para a materialização de uma política global para o profissional da educação ” (FREITAS, 2002, p. 148).

A formação continuada como formação permanente é defendida, dentre outros, por Imbernón (2010) como forma de crescimento do docente, mas, ao mesmo tempo, como mecanismo de potencializar uma formação ligada à prática e que fomente a autonomia dos professores na gestão de sua própria formação. Para Fusari e Franco (2006, p. 20), essa formação deveria ser não apenas permanente, mas em serviço:

Em serviço, não por haver uma sequência de ações, o que comumente ocorre, mas por privilegiar um processo de desenvolvimento profissional do sujeito, constituído por história de vida e de acesso aos bens culturais, de fazeres profissionais e de diferentes realidades de trabalho, carregadas ora por necessidades de superação de desafios, ora por dificuldades relevantes de atuação. (FUSARI; FRANCO, 2006, p. 20).

A partir do retorno à literatura, os referidos autores observam que a formação continuada mais promissora seria aquela que:

permite ir além da reflexão exclusiva das práticas, mobilizando os professores para um exercício consciente e dialógico do pensamento pedagógico que, sistematizando teoria e prática, contribui para a ressignificação de sua profissionalidade, construindo um outro olhar possível sobre o processo ensino-aprendizagem. (FUSARI; FRANCO, 2006, p. 20).

Na contramão desse entendimento, as políticas públicas para formação de professores não têm se configurado potencialmente como momento de efetivação da relação teoria e prática, contribuindo para a ressignificação e melhoramento dos processos de ensino-aprendizagem. Veiculada no discurso oficial como forma de buscar a qualidade do ensino, a formação continuada tem sido refém de ações voltadas ao melhoramento dos resultados nas avaliações externas em larga escala. Ligadas a exigências externas oriundas dos organismos internacionais, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), temos, por exemplo, ações de formação continuada vinculadas à tentativa de enfrentamento dos baixos indicadores relativos aos processos de alfabetização e letramento da população brasileira (MORTATTI, 2013). Especificamente em relação à formação do professor-alfabetizador, assumindo como marco a “Declaração Mundial sobre Educação para Todos” (WCEFA, 1990) e a adesão do governo brasileiro a seus princípios, podemos observar que as políticas se relacionam aos pactos3 postos naquele momento e realimentados pelas orientações internacionais desde então.

Nessa perspectiva, interessado nos delineamentos para a formação continuada do professor-alfabetizador, o presente trabalho traz para o debate um recorte da pesquisa de mestrado que se voltou à análise da proposta de formação continuada no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC, o qual pode ser considerado a principal ação do governo federal nessa área nos dias atuais (OLIVEIRA, 2017). Mais especificamente, objetivamos neste artigo discutir um aspecto marcante da análise construída: a forte marca de praticismo observada na fala dos professores entrevistados.

Delimitações metodológicas do estudo

Fruto da investigação que buscou compreender como professores participantes da formação continuada pelo PNAIC percebem a formação oferecida e quais suas implicações para a prática docente, a coleta de dados implementada abarcou a análise dos documentos oficiais que delimitam o programa em nível nacional, o material utilizado no processo de formação dos professores-alfabetizadores e as entrevistas com os professores da rede municipal de uma cidade do Sul de Minas Gerais que, como critério de inclusão, lecionavam no ciclo de alfabetização, atuavam nas turmas regulares e participavam da formação continuada ofertada pelo PNAIC no momento da entrevista.

O campo

O município palco da investigação está localizado na Mesorregião do Sul e Sudoeste de Minas Gerais, no Brasil. Segundo dados disponíveis no site do IBGE, a população do município estimada para 2016 foi de 41.886 habitantes. Segundo informação do site oficial do município, a cidade assume uma expressão nacional pela projeção das escolas técnicas nas áreas de eletrônica, telecomunicação e informática e sua economia concentra-se principalmente nas atividades agropecuárias e industriais.

A Rede Municipal de Ensino do município é formada por oito escolas de Ensino Fundamental que atendem 3.377 alunos das zonas urbana e rural. Composta por cinquenta e quatro turmas no ciclo de alfabetização (1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental), somando-se 966 alunos atendidos em quarenta e sete turmas regulares, nas quais atuam quarenta e um professores, sendo que seis dobram turno e, por isso, têm mais de uma turma sob sua responsabilidade.

Os participantes

Circunscrito aos professores que lecionavam no ciclo de alfabetização, atuavam nas turmas regulares e participavam da formação continuada ofertada pelo PNAIC, o convite para participação na presente pesquisa se estendeu a todos os professores da rede municipal. Dos trinta e cinco professores contatados, dezenove se prontificaram a participar da pesquisa nos concedendo entrevista. Dentre esses, dezoito participaram da formação desde a implantação do curso em 2013. Ainda que objetivássemos abranger todo o universo, optamos por finalizar a coleta de dados com os professores que se voluntariaram tanto pela disponibilidade colocada por eles para participação quanto pela observação de que as falas começaram a apresentar recorrência, o que evidenciou a saturação das informações coletadas.

Dos participantes, todos são mulheres, três formadas no curso profissionalizante de magistério; treze no curso superior de Pedagogia e três no curso Normal Superior. Em termos de experiência profissional há tanto professoras iniciantes, que lecionam até cinco anos (3 professoras), quanto professoras experientes, que lecionam há mais de vinte anos (7 professoras).

Os instrumentos de coleta de dados

Dentro da pesquisa da qual os dados desse artigo são oriundos, a coleta de dados se deu perante a busca e análise dos documentos oficiais que regulamentam o PNAIC, do material utilizado junto aos professores na formação ofertada pelo Pacto e de entrevista semiestruturada com professores participantes do programa de formação, buscando compreender como estes profissionais percebem a formação oferecida, bem como as implicações dessa para sua prática docente. Seguindo a recomendação da literatura da área (TRIVIÑOS, 1987; MANZINI, 2003), procuramos fazer o contato com os participantes da forma mais amigável possível, com o objetivo de estabelecer um clima de segurança e confiança antes da entrevista e, munidos do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, explicamos a importância da participação e o caráter sigiloso da identidade dos entrevistados, os quais não seriam identificados nominalmente.

Viabilizamos a coleta de dados na própria unidade escolar, com dia e horário previamente agendados e segundo a disponibilidade dos participantes de forma a facilitar a contribuição dos mesmos. As entrevistas foram individuais e utilizamos um roteiro para o seu desenvolvimento que, segundo Manzini (2003), contribui para a interação entre o entrevistado e o entrevistador, além de auxiliar na condução da entrevista. As questões do roteiro focaram a percepção dos professores sobre a formação vivenciada em relação à sua organização, proposta, material utilizado e, especialmente, os desdobramentos e impactos observados por eles para a sua prática docente.

Para apresentação dos trechos das entrevistas e considerando o acordo de anonimato feito com as professoras participantes, todos os nomes foram substituídos pela letra P, de professora, seguida por um número aleatório atribuído de 1 a 19. É importante destacar que como nosso objetivo não é uma análise linguística das entrevistas, optamos por textualizar a transcrição, corrigindo alguns erros sem interferir no conteúdo das respostas.

Formação continuada: o lugar de onde se olha

A discussão sobre a formação continuada de professores encontra no campo acadêmico uma produção crescente. Segundo Facci, Leonardo e Silva (2010), ainda que essa produção seja potencialmente promissora, nem sempre a abordagem adotada se delimita em uma tendência crítica.

Nas últimas décadas, especialmente ancorada na perspectiva do professor reflexivo, a defesa da formação continuada de professores acaba se restringindo à dimensão prática. Como bem pontua Facci, isso acaba por configurar essa formação em um engodo, já que:

Defender a necessidade de refletir coletivamente não significa levar em consideração o contexto sócio-histórico em que o professor desenvolve sua prática nem a análise das relações que perpassam os pesquisadores e os professores. Não é suficiente apenas dar voz aos professores, é preciso que eles reflitam em que condições econômicas, políticas e sociais desenvolvem a profissão e que necessidades postas pelo capital exigem dos professores esta ou aquela postura. (FACCI, 2004, apud FACCI; LEONARDO; SILVA, 2010, p. 219-220).

Assumindo essa perspectiva, podemos tomar de Imbernón (2010, p. 40) que é preciso “potencializar uma nova cultura formadora, gerando novos processos na teoria e na prática da formação, introduzindo novas perspectivas metodológicas”. Como bem pontua Silva (2011, p. 15):

A formação de professores é um processo contínuo de desenvolvimento pessoal, profissional e político social, que não se constrói em alguns anos de curso, nem mesmo pelo acúmulo de cursos, técnicas e conhecimentos, mas pela reflexão coletiva do trabalho, de sua direção, seus meios e fins, antes e durante a carreira profissional.

Aspectos que exigem, para além da formação inicial, investimento nas condições de trabalho ligadas a salários, carreira e formação continuada com tempo coletivo para reflexão no interior da escola (SILVA, 2011). Pode-se dizer que o processo de formação docente é dinâmico e exige do professor uma postura ativa e impregnada de uma reflexão crítica sobre a prática docente que possibilite repensar o próprio ato de ensinar. Freire (2015, p. 40) explicita que tanto a reflexão desencadeada antes da realização da ação pedagógica quanto a reflexão sobre ela são essenciais para a pertinência do trabalho docente: “Por isso é que na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática”.

Segundo o referido autor, a crítica educativa deve contribuir para uma curiosidade que permita indagar sobre a prática. A ação e a reflexão são formas essenciais para este refazer pedagógico. A proposição de uma política pública educacional em prol da formação continuada que dialogue com o mundo e com a sociedade é defendida por Freire (2014) na busca de uma educação histórica, democrática e emancipatória que seja capaz de quebrar os estigmas da educação bancária4.

Assim, pensar na formação do professor é pensar nos aspectos sociais, legais, políticos, metodológicos, filosóficos, curriculares, pedagógicos, organizacionais e de condições de trabalho. A luta é por uma formação crítico-reflexiva não voltada à prática somente, mas atrelada aos conhecimentos da Filosofia, História, Psicologia e Sociologia (FACCI; LEONARDO; SILVA, 2010) em que se potencialize a dimensão político-epistemológica para que o professor seja capaz não apenas de refletir sobre sua ação, mas tomá-la em sua totalidade, fazendo frente às condições objetivas e subjetivas do seu trabalho pedagógico num movimento pautado na construção de uma identidade emancipatória.

para que o professor pratique uma educação emancipadora é necessário que realize ações problematizadoras, visando a formação de sujeitos conscientes, autônomos e críticos. Para tanto, o professor deve avaliar sua prática, e o faz a partir da formação continuada, pois é nesse momento, sob uma perspectiva crítico-reflexiva, que o professor irá analisar sua ação docente. (ARAÚJO; REIS, 2014, p. 5).

Nesse sentido, a formação continuada significativa seria aquela capaz de promover mudanças reais, a qual requer um processo consciente de formação por parte do professor e seu engajamento na reflexão crítica de sua prática, assim como de comprometimento com a sua realidade. Todavia, faz-se necessário destacar que, como nos alerta André (2010), ainda que a formação continuada de professores seja essencial, ela não garante sozinha a qualidade da educação. É fundamental que o professor se aproprie desse processo para ressignificar sua prática em sala de aula e empreender sua própria construção de conhecimento, mas sem perder de vista as condições objetivas para desenvolvimento de seu trabalho, sem as quais a efetivação de uma educação de qualidade socialmente referenciada5 não é possível.

Elementos da formação continuada proposta no PNAIC

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC foi implantado no ano de 2012 firmado como acordo formal entre os governos federal, estaduais e municipais, objetivando que todas as crianças deveriam estar alfabetizadas até os oito anos de idade, ou seja, até o final do 3º ano do Ensino Fundamental (BRASIL, 2012a). De acordo com Guerreiro (2013), a principal inspiração e modelo para o PNAIC originou-se de um programa do governo do Ceará que em 2004 foi apresentado para a eliminação do analfabetismo escolar e implantado em Sobral, tendo sido assumido no âmbito estadual em 2007 com o nome “Programa pela Alfabetização na Idade Certa - PAIC”. Todavia, os documentos sustentam que a base do PNAIC é o Pró-letramento, sendo continuidade e aperfeiçoamento deste (CARDOSO; CARDOSO, 2016).

Dentro da proposta do PNAIC organizou-se a formação continuada de professores-alfabetizadores como ponto essencial para que a meta de alfabetização das crianças fosse cumprida, defendendo que a prática pedagógica se tornasse espaço formativo e base para reflexão:

Os projetos de formação continuada devem fortalecer na escola a constituição de espaços e ambientes educativos que possibilitem a aprendizagem, reafirmando a escola como espaço do conhecimento, do convívio e da sensibilidade, condições imprescindíveis para a construção da cidadania. (BRASIL, 2012b, p. 13).

O Caderno de Formação do Pacto (BRASIL, 2012b, p. 14), material criado para o processo de formação continuada de professores, ressalta que a “escola deve ser concebida como um espaço social em que pessoas que assumem diferentes papéis interagem no sentido de promover o desenvolvimento e a aprendizagem dos estudantes”. Nessa perspectiva, a defesa oficial foi a participação e a construção por parte dos envolvidos sem que a formação tivesse foco apenas técnico ou instrumentalista os quais estariam fadados à desconexão com a realidade e com os reais problemas sociais.

Em resumo, de acordo com o Caderno de Apresentação para Formação do Professor-Alfabetizador (BRASIL, 2012b), a formação proposta se coloca como construção participativa, histórico-social, fundamentada nas concepções de Paulo Freire e Vygotsky, com foco no processo de aprendizagem dos alunos e, sobretudo, nos procedimentos pedagógicos propostos pelo professor, pensada na modalidade presencial com metodologia pautada em estudos e atividades práticas. Produzido por pesquisadores das universidades públicas do país, os textos utilizados para a formação defendem uma concepção de alfabetização que garantiria “os conhecimentos relativos às correspondências grafo fônicas assim como o desenvolvimento da habilidade de fazer uso desse sistema em diversas situações comunicativas” (BRASIL, 2012b, p. 7). O Programa anuncia a defesa da concepção de alfabetização na perspectiva do letramento, sustentada por Magda Soares, na qual a etapa inicial da aprendizagem da escrita requer a participação em eventos variados de leitura e de escrita, nos quais o desenvolvimento de habilidades de uso da leitura e da escrita se dão nas práticas sociais que envolvem essas habilidades, requerendo também atitudes positivas em relação a essas práticas, sendo elas sempre contextualizadas (SOARES, 2004).

Na proposição inicial, e baseada no Programa Pró-Letramento, a formação teria duração de dois anos (2013/2014), com carga horária de 120 horas por ano tendo sido, todavia, ampliado em decorrência da grande participação de professores-alfabetizadores e da adesão dos municípios. Durante o programa, os encontros com os professores-alfabetizadores foram conduzidos por Orientadores de Estudo, os quais são professores das redes públicas que participam de um curso específico ministrado por universidades públicas.

A formação no PNAIC utiliza os Cadernos, material com temas diversificados. Em 2013 o tema foi linguagem com foco no currículo, ludicidade e planejamento das atividades na alfabetização. Em 2014 foi a matemática. Em 2015 iniciou-se o trabalho com a interdisciplinaridade, com previsão de conclusão em 2016 o que, todavia, não se efetivou tendo sido paralisada a formação e retomada apenas em outubro de 2016, porém com mudança de foco, passando-se para o estudo do tema avaliação, especialmente voltado à Avaliação Nacional da Alfabetização - ANA6.

Analisando o programa, Melo (2015, p. 8) critica a abordagem dada à formação continuada dizendo que embora a promessa do programa fosse a de promover a igualdade e cidadania, na medida em que se propõe a formar professores para alfabetizar as crianças na “idade certa” e no que tange ao aspecto político “há uma clara intenção do Estado em tratar a formação de alfabetizadores e a educação da criança sem perspectivas de realmente transformar a realidade social com vistas a uma vida humanizada e mais justa”. Por outro lado, e corroborando a crítica em relação à formação no PNAIC, Santos (2015) alerta que ela deixa lacunas no campo teórico e metodológico. Especificamente no campo pedagógico, Melo (2015) levanta duas lacunas: a ênfase nos estudos da linguagem e a falta de elementos socioculturais, argumentando que isso pode “comprometer o acesso das crianças aos outros conhecimentos, tão necessários ao seu processo de letramento e à formação integral dos sujeitos” (MELO, 2015, p. 122). Ela defende a necessidade de reflexões “sobre os condicionantes sociais, culturais, econômicos e políticos que envolvem o processo de alfabetização e a atividade profissional do alfabetizador” (MELO, 2015, p. 122).

Tais aspectos evidenciam fragilidades na proposta, aspecto corroborado por nossa pesquisa que, além de observar rupturas como o foco dado à avaliação em detrimento do anteriormente planejado para 2016, também observa que na fala das professoras entrevistadas e diferente do que se anuncia oficialmente nos documentos, o foco da formação ficou nas ações práticas e no desenvolvimento de modelos aos invés de priorizar processos de reflexão que pressuporiam a formação numa perspectiva teórico-prática, em um movimento de revisitar a própria prática.

Evidências de praticismo na formação pelo PNAIC

No material produzido para o processo de formação, o caderno Formação de Professores no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (BRASIL, 2012c), pontua-se a adoção da prática da reflexividade, a qual não deve pautar apenas as observações das situações didáticas, mas proporcionar ao professor uma análise com ferramentas conceituais. Anuncia que a análise de práticas de sala de aula constitui-se um bom dispositivo para trabalhar a reflexividade durante a formação e acrescenta que esta atividade analítica se justifica principalmente pelo fato de se estabelecer por meio de análises contextualizadas e próximas do vivenciado cotidianamente. Todavia, ainda que anunciada dessa forma, ao analisarmos a sequência proposta para a formação e as entrevistas com as professoras participantes da pesquisa observamos que há ênfase nos aspectos práticos discutidos e apresentados, não sendo evidenciada de forma mais marcante a existência de discussão teórica que permita o domínio das ferramentas conceituais das quais o documento fala e que permitiriam ao professor refletir sobre a própria ação por meio de análises contextualizadas.

A partir da análise das entrevistas constatamos que apenas duas professoras (P7 e P8) mencionam o campo teórico como ponto de destaque na formação pelo PNAIC, sendo que o depoimento das demais professoras (17) se referem apenas à dimensão prática. Porém, mesmo nas entrevistas das duas professoras que citam a dimensão teórica, não encontramos elementos que explicitem essa dimensão, já que ao citarem exemplos do curso sempre se referem a atividades voltada à prática como, por exemplo, a professora P7 que, embora anuncie a formação teórica como existente e pertinente, ao contar da formação não cita nada que nos remeta à percepção dessa dimensão. Mais especificamente, quando a professora menciona os pontos positivos da formação ela destaca que a fundamentação teórica seria importante para a revisão dos conceitos, sendo os estudos no PNAIC a possibilidade de revisitar as teorias estudadas em outros momentos formativos - “ a gente aprende na faculdade e a gente acaba deixando um pouco de lado. E rever alguns conceitos, alguns assuntos, algumas teorias, isso é muito bom ” (P7). Todavia, não há indícios no restante da entrevista de quais assuntos teóricos a formação teria trazido ou de como os conceitos trabalhados teriam contribuído para mudanças em seu cotidiano de trabalho.

Assim, mesmo mencionando a questão teórica, não encontramos sinais de que houve uma reflexão no curso a partir do campo teórico que permitisse o repensar da própria prática e da atividade de alfabetização a partir de uma construção conceitual. Observamos, em detrimento disso, a constante referência a exemplos e experiências estudadas durante o curso.

Analisando o material do PNAIC é possível observar que a discussão teórica é proposta no início de cada unidade/encontro sem desenvolvimento das questões. Evidência que indica dois possíveis movimentos: 1) compreensão de que os professores participantes da formação já trariam de sua formação inicial conceitos e discussões que uma breve retomada da dimensão teórica poderia abarcar, sem necessidade de desenvolvimento das questões postas; ou 2) opção de apenas apresentar as discussões teóricas pertinentes, esperando que o formador as desenvolvesse e aprofundasse durante os encontros. Porém, seja qual for a explicação, o que prevalece na fala das professoras entrevistadas são os exemplos e sugestões práticas, em que o cerne é a exposição de “modelos” em detrimento de uma exploração conceitual que instrumentalizasse as professoras no revisitar de sua própria prática.

Como pode ser observado na fala da professora P17, priorizou-se atividades de troca, apresentação de possibilidades e vivências que focavam a prática. Fica evidente em todas as entrevistas que a estrutura e organização dos encontros trazia um texto introdutório e exemplos focados na prática, com leitura de relatos, troca de experiências e elaboração de sequências didáticas, não havendo evidências da articulação entre essas atividades práticas com as discussões teóricas que seriam desenvolvidas na parte inicial dos encontros.

“A Sequência Didática que acabou se acostumando com ela. Os trabalhos em grupo, porque a gente sempre procura trabalhar com as crianças, mas nós adultos trabalhando em grupo também foi muito bom. A gente troca experiências. Faz atividades, jogos. Então tudo isso aí foi muito bom. E a gente usa em sala com as crianças. Porque a gente no PNAIC trabalha também assim: os cartazes, recortes” P17.

Interessante destacar que para a maioria das professoras (12) a formação focalizada na prática e no que algumas denominam por trabalho participativo é pertinente por permitir o intercâmbio entre os próprios cursistas durante a formação. Algumas destacam que a troca de experiências favorece os trabalhos coletivos e o compartilhamento de ideias, o que ajuda a enriquecer a aprendizagem e a ampliar as possibilidades de fazer o trabalho educacional de outras formas.

“ uma conversa com a outra, porque está na mesma sala, no mesmo ciclo, aí várias atividades eram uma que passava pra outra... Experiência, porque eu sou nova na alfabetização e eu aprendi muitas coisas com as meninas lá.” P3

“ eu acho que é interessante o convívio ali mesmo coletivo. Porque cada uma tem a sua história de sala. Então, quando a gente está ali, naquele momento entre nós, a gente acaba compartilhando muitas coisas e o que a gente ouve, com certeza, dá pra aplicar na tua sala.” P12

“A própria troca de experiências lá eu acho que é muito válido... Pra gente pegar o que deu certo, o que funcionou numa escola... Eu acho que isso ajuda bastante.” P16

Contribuindo com essa discussão, ao discutir sobre o trabalho participativo na formação, Imbernón (2011) aponta que a troca de experiências é importante e ajuda a aumentar a comunicação entre os professores. Para ele essa troca torna possível a atualização em todos os campos de intervenção pedagógica, isso porque a formação precisa sair do isolamento e da individualidade e acontecer no coletivo integrado e de forma colaborativa. No entanto, essa troca de experiências deve ser feita mediada pela teoria e discussões conceituais que ajudem a ressignificar a própria prática, caso contrário não permite uma apropriação pelo professor de seu fazer pedagógico.

Nesse sentido, ainda que as professoras tenham apontado as vivências e as trocas de experiências práticas como ponto positivo, a forma como ela se efetivou no curso não evidencia uma articulação com o campo teórico. As percepções trazidas pelas professoras não nos fornecem elementos que possam levar ao que sugere Freire (2014) quando fala sobre a necessidade de a formação continuada proporcionar uma tentativa constante de mudança de atitude relacionando teoria e prática. O perigo, tomando a reflexão de Silva (2011), é a de que dentro do contexto criado pelas políticas neoliberais para a formação de professores e no qual essa experiência se insere, haja a intensificação da visão pragmatista da formação deste profissional, correndo o risco de vivenciarmos o que poderíamos chamar de neotecnicismo7.

Mesmo não sendo possível afirmar que as professoras são incapazes de construir um processo crítico-reflexivo a partir da formação vivenciada, não há elementos nas entrevistas que nos permitam sustentar uma observação mais contundente de uma reflexão oriunda do campo teórico e em relação com a prática vivenciada no cotidiano escolar. Quando indagadas sobre a formação e sua contribuição para seu trabalho pedagógico, as professoras não citam conceitos ou discussões propiciadas pela formação. Nesse sentido, as entrevistas remetem mais ao campo de uma formação que leva a exemplos e discussões de “como fazer” que a momentos de reflexão sobre a prática potencializados por conceitos aprendidos e/ou discutidos, havendo foco na troca de experiências sem essa reflexão conceitual sobre o feito e o proposto, como pode ser observado nos exemplos destacados a seguir:

“No PNAIC nós tivemos as aulas bem práticas. . Então, eles apresentavam pra gente diversas formas... Assim fica mais fácil de alfabetizar, muito através do lúdico, de jogos... pra facilitar pra gente mesmo.” P4

“Na troca de experiências ali enriquece tanto você... A criatividade você vai aprendendo com o outro. Nossa, olha aquele jogo, dá pra fazer assim... Esse material dá pra usar assim... Então, eu acho muito válido.” P8

“ a formação ajuda muito na prática do professor, com as estratégias. O professor já tem uma noção, mas ajuda muito, clareia bastante, norteia bastante o trabalho do professor no que é passado lá. Os vídeos que são passados, os textos de leitura, sugestões que são oferecidas pelo curso.” P15

Nesse viés, emergem evidências de permanência na formação pelo PNAIC do praticismo observado nas propostas a partir dos anos 1990. Ênfase da formação nos aspectos práticos em detrimento das discussões conceituais desde o material proposto até a percepção das participantes sobre a formação vivenciada, em que não se consolida o que Fusari e Franco (2006) já anunciavam como promissor para a formação de professores: ir além da reflexão exclusiva das práticas, mobilizando dialogicamente o pensamento pedagógico entre teoria e prática, num movimento que contribuiria para a ressignificação do processo ensino-aprendizagem.

Tomando o estudo de Melo (2015), o praticismo observado nas entrevistas não é algo inesperado, haveria intencionalidade dos programas de formação de professores-alfabetizadores de prescrever normas para o fazer docente, alinhada a objetivos políticos de perpetuação da ordem social vigente, o que reduz o trabalho do professor ao de mero executor. A autora ressalta o papel da operacionalização técnica desses programas e conclui que eles defendem que o bom professor é aquele que assimila e aplica as orientações didático-pedagógicas das propostas oficiais.

A não ruptura com essa tendência praticista intensificada nos anos 1990, tomando as reflexões de Miranda e Resende (2006, p. 517), coloca como principal risco “o aligeiramento da formação, a descaracterização da universidade como agência de formação de professores, a banalização da pesquisa, a redução das condições de autonomia e rigor para o exercício da crítica” e ao que Freitas (1995) já anunciava como o neotecnicismo. Fica evidente que as propostas de formação continuada pelas políticas públicas procuram instrumentalizar e trazer sugestões prontas, aspecto que colide frontalmente com as recomendações de estudiosos da área que preveem a produção pelo próprio professor não apenas de ações práticas, mas, especialmente, de uma reflexão sobre a prática, mediada pelos conceitos teóricos e voltada à realidade (MELO, 2015).

Freire (2014) destaca que na formação continuada de professores a teoria precisa implicar numa “inserção na realidade”, num olhar para a ação social. A partir deste pressuposto, revisitar a prática em vista de um novo fazer pedagógico é agir de forma consciente sobre sua própria realidade. “ na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 2015, p. 17). Nessa perspectiva, valoriza-se a prática e a reflexão que o professor faz de sua experiência no processo pedagógico, porém somente a prática, sem a apropriação do conhecimento, não é capaz de instrumentalizar o professor para uma posição ativa na sala de aula, com uma visão crítica sobre a realidade e, por esse movimento, a possibilidade de mudança da realidade (FACCI; LEONARDO; SILVA, 2010).

Isso causa um paradoxo, pois quanto mais se tenta valorizar o trabalho do professor, mais se esvazia a sua função, uma vez que, ao se negar a importância do conhecimento científico na sua formação e no processo ensino-aprendizagem, esse profissional é destituído daquilo que lhe é indispensável: a reflexão crítica sobre a profissão e a busca de alternativas para a superação das condições objetivas e subjetivas, profundamente alienantes, que caracterizam boa parte do trabalho docente na atualidade. (FACCI; LEONARDO; SILVA, 2010, p. 224).

Considerações finais

Política atualmente em ação, uma das principais ações do PNAIC se volta à formação continuada do professor-alfabetizador. Anunciada nos documentos que norteiam tal formação como voltada para a reflexão teórico-prática, na percepção de professores participantes não se configura como tal. Evidencia-se a ênfase nas atividades práticas, de socialização de experiências e modelos de atividades em detrimento da reflexão sobre a prática mediada pela teoria.

A análise das entrevistas pôde revelar a ênfase nas atividades práticas sem um processo de reflexão pelas docentes, numa perspectiva de racionalidade técnica8, com pouco foco no conhecimento teórico e muita ênfase nas trocas de experiências e exemplos práticos. Ficou claro que a formação impactou na ação dos professores na medida em que levou para seu cotidiano um conjunto de atividades como jogos, sequências didáticas e projetos, porém sem ocasionar uma transformação real a qual exigiria o repensar crítico de seu papel e ação na escola. Ou seja, ainda que permita mudança nas atividades do professor-alfabetizador, essas não se mostram potentes para o processo de formação crítico-reflexiva, o qual exige o revisitar das concepções que embasam as ações e o comprometimento com a transformação da realidade, que abarca as dimensões teórica e prática, porém assumindo a indivisibilidade entre elas.

Portanto, ainda que as práticas e a partilha de projetos e atividades não tornem a formação negativa, a ausência da discussão teórica e consolidação de novos conhecimentos que levem o profissional docente a repensar sua prática, bem como construir mecanismos de diálogo entre teoria e prática, enfraquecem a potencialidade da formação. A forte tendência ao praticismo observada nas políticas neoliberais e que permanece na formação do PNAIC, marca evidente das entrevistas, acarreta um desprezo ao processo crítico reflexivo que exige a relação teoria-prática em seu cerne e é essencial para quaisquer projetos que prevejam mudança na organização do trabalho pedagógico da escola em vias de construção de uma escola com qualidade socialmente referenciada.

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Notas:

2A formação inicial de professores é aquela posta como a primeira etapa de um empreendimento de formação acadêmica. No contexto da formação docente, é aquela que acontece nos cursos de magistério ou licenciaturas e que prepara os profissionais da educação para a docência.

3Para maiores detalhes ver WCEFA (1990).

4Para Paulo Freire a educação bancária é aquela em que o professor deposita o conhecimento em um aluno desprovido de seus próximos pensamentos. Este tipo de educação só manteria a estratificação das classes sociais, servindo o ensino de mero treinamento para a formação de massa de trabalho. A crítica a este sistema levantada por Freire condenava o tradicionalismo da escola brasileira. (FREIRE, 2014).

5“A busca pela qualidade socialmente referenciada vislumbra tanto os fatores internos à escola (estrutura, organização técnica e pedagógica, formação docente etc.), quanto os externos (estrutura e organização do entorno social, condições objetivas de subsistência das crianças atendidas, participação da família na vida escolar dos filhos etc.) compondo um todo que permita olhar para o processo de escolarização inserido no processo mais amplo de vida, sem que se vislumbre a escola como uma instituição isolada do meio social no qual está inserida”. (ALMEIDA; BETINI, 2015).

6Ainda que pelo debate que se almeja não seja apropriado maior explanação sobre a questão, é importante destacar que a turbulência política com o processo de impedimento da presidenta eleita Dilma Rousseff e posse de seu vice, Michel Temer, trouxe rupturas e reconfiguração à proposta.

7“o ensino básico e técnico vai estar na mira do capital pela sua importância na preparação do novo trabalhador ; a “nova escola” que necessitará de uma “nova didática” será cobrada por um “novo professor” - todos alinhados com as necessidades do “novo trabalhador”; tanto na didática como na formação do professor haverá uma ênfase muito grande no “operacional” nos resultados - a didática pode restringir-se cada vez mais ao estudo dos métodos específicos para ensinar determinados conteúdos considerados prioritários e; os determinantes sociais da educação e o debate ideológico poderão ser considerados secundários - uma perda de tempo motivada por um excesso de politização da área educacional. É muito provável que estejamos diante de uma retomada do tecnicismo sob novas bases: uma espécie de neotecnicismo.” (FREITAS, 1995, p. 127-128).

8Como esclarece Silva (2011, p. 20), “a racionalidade técnica defende a ideia de que os profissionais solucionem problemas instrumentais mediante a seleção dos meios técnicos”.

Notas:

1Bolsista FAPEMIG

Recebido: 13 de Junho de 2017; Revisado: 28 de Agosto de 2018; Aceito: 10 de Setembro de 2018

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