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Educação: Teoria e Prática

versão On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.29 no.61 Rio Claro maio/ago 2019  Epub 18-Dez-2019

https://doi.org/10.18675/1981-8106.vol29.n61.p389-403 

Artigos

PIBID COMO EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO: PERSPECTIVAS DE PROFESSORES SUPERVISORES

PIBID AS TRAINING EXPERIENCE: PERSPECTIVES OF TEACHER SUPERVISORS

PIBID COMO EXPERIENCIA DE FORMACIÓN: PERSPECTIVAS DE LOS PROFESORES SUPERVISORES

Maria Mikaele Silva CavalcanteI 
http://orcid.org/0000-0002-4551-6495

Maria Adriana Borges SantosII 
http://orcid.org/0000-0003-2090-2864

Silvina Pimentel SilvaIII 
http://orcid.org/0000-0002-5486-3608

Heraldo Simões FerreiraIV 
http://orcid.org/0000-0003-1999-7982

IUniversidade Estadual do Ceará, Ceará - Brasil. E-mail: mikaele262009@hotmail.com

IIUniversidade Estadual do Ceará, Ceará - Brasil. E-mail: madriborges@hotmail.com

IIIUniversidade Estadual do Ceará, Ceará - Brasil. E-mail: silvinapimentel@yahoo.com.br

IVUniversidade Estadual do Ceará, Ceará - Brasil. E-mail: heraldo.simoes@uece.br


Resumo

O Programa Institucional de bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) é uma experiência inovadora? Este questionamento subsidia o presente artigo que discute se o PIBID se configura como uma proposta inovadora a partir da perspectiva dos professores supervisores dessa iniciativa no estado Ceará. O estudo vincula-se a pesquisa em rede sobre Desenvolvimento Profissional Docente e Inovação Pedagógica, apoiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior (CAPES). Trata-se de um estudo qualitativo e empírico, que utiliza como procedimento de coleta de dados entrevista semiestruturada, realizada com trinta professores participantes do programa de diferentes áreas de ensino e localidades do estado do Ceará. Os resultados indicam que o PIBID fomenta práticas docentes inovadoras ao mesmo tempo em que aproxima a universidade da escola.

Palavras-chave: PIBID; Experiência formativa; Inovação Pedagógica; Professores Supervisores

Abstract

Is the Teaching Beginners Institutional scholarship Program (PIBID) an innovative experience? This questioning subsidizes this article that discussing if the PIBID appears as an innovative proposal from the perspective of teachers who supervise this initiative in the Ceará state. This study is linked to the network research about Teacher Professional Development and Pedagogical Innovation, supported by the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (CAPES). This is a qualitative and empirical study, which uses a semi-structured interview as data collection procedure, conducted with thirty teachers participating in the program from different teaching areas and locations in the state of Ceará. The results indicate that PIBID promotes innovative teaching practices while bringing the university closer to the school.

Keywords: PIBID; Formative experience; Pedagogical Innovation; Teachers Supervisors

Resumen

¿Es el programa institucional de becas para profesores principiantes (PIBID) una experiencia innovadora? Este cuestionamiento subvenciona este artículo que discute si el PIBID aparece como una propuesta innovadora desde la perspectiva de los profesores supervisores de esta iniciativa en el estado de Ceará. El estudio está vinculado a la investigación en red sobre Desarrollo Profesional Docente e Innovación Pedagógica, apoyados por la Coordinación de Perfeccionamiento de Personal a Nivel Superior (CAPES). Se trata de un estudio cualitativo y empírico, que utiliza un procedimiento de recopilación de datos de entrevistas semiestructurado, realizado con treinta profesores que participan en el programa de diferentes áreas de enseñanza y ubicaciones en el estado de Ceará. Los resultados indican que el PIBID promueve prácticas de enseñanza innovadoras al tiempo que acerca la universidad a la escuela.

Palabras clave: PIBID; Experiencia formativa; Innovación pedagógica; Supervisores de la Facultad

1 Introdução

O debate sobre a formação e atuação docente é uma temática central nas discussões sobre a realidade educacional do país por repercutir diretamente na qualidade do ensino. Nas últimas décadas, intensificaram-se ações voltadas para o contexto escolar e práticas dos professores, tendo em vista o alcance por melhores resultados nessa área, porém, como adverte Imbernón (2009, p. 34), é oferecida “muita formação, mas também é evidente que há pouca inovação ou, ao menos, a inovação não é proporcional à formação que existe”.

O termo inovação, muito recorrente na sociedade atual, segundo o dicionário Caldas Aulete (2011, p. 499), significa “ação ou resultado de inova”, ou ainda, “coisa nova, novidade”. Assim, o termo é comumente associado às tecnologias, que por sua vez, estão sempre em evolução, progredindo, se desenvolvendo e impactando as relações e o modo de vida em sociedade. Este cenário social de mudanças constantes também reverbera na instituição escolar e nas práticas docentes, pois há uma cobrança de que a escola acompanhe esse movimento, tenha práticas mais dinâmicas e, com isso, possa oferecer um aprendizado de maior qualidade e significação para aqueles que ali se formam.

Inovar na escola é sinônimo de reflexão, ação e mudança, uma tríplice complexa e desafiadora que requer o rompimento de concepções, ideias e práticas embasadas numa racionalidade técnica. Nesse sentido, corroboramos com Farias (2006) quando compreende que mudar significa buscar novos aprendizados e ressignificar a prática docente ao se deparar com diversas situações problemas. No entanto, ações institucionais dessa natureza, que visem à inovação, ainda são restritas no contexto da escola, em geral, a cargo de iniciativas isoladas por parte de alguns professores, o que torna essa ação ainda mais desafiadora.

Desse modo, este trabalho discute a experiência de professores da Educação Básica, que atuaram na modalidade de supervisores no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), um programa do governo federal que tem como um dos seus objetivos a participação e o desenvolvimento de experiências e práticas inovadoras (BRASIL, 2010).

Este estudo vincula-se a uma pesquisa em rede, aprovada pelo Programa Observatório da Educação/OBEDUC e apoiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior (CAPES), abrangendo as regiões Nordeste (UECE/CE) e Sudeste (UFOP/MG e UNIFESP/SP) do Brasil. Neste artigo, o nosso olhar volta-se para a realidade cearense, tendo como objetivo compreender se, na perspectiva de seus professores supervisores, o PIBID é uma experiência inovadora.

Para tanto, realizamos uma investigação de enfoque qualitativo do tipo empírico, que utilizou como procedimento de coleta de dados entrevistas semiestruturadas feitas com 30 professores supervisores de seis municípios do estado do Ceará, a saber: Juazeiro do Norte, Crato, Fortaleza, Limoeiro do Norte, Quixadá, Redenção e Sobral. Utilizamos o software Nvivo como suporte na organização dos dados e os estudos de Minayo (2001) e Bardin (2010) para a interpretação dos dados.

No tópico seguinte apresentamos a iniciativa em discussão, no caso, o PIBID e a sua trajetória ao longo do primeiro decênio desde o seu surgimento, com destaque para os avanços e desafios.

2 Primeiro decênio de PIBID: entre avanços e desafios

O PIBID é um programa federal que visa o aperfeiçoamento e a valorização da formação inicial para ser professor por meio do fomento a iniciação à docência. É uma ação promovida pela CAPES e que ganha destaque na cena nacional no ano de 2007.

O programa de iniciação a docência incentiva estudantes de licenciaturas a atuarem na Educação Básica por meio da inserção no cotidiano da escola pública, futuro contexto de trabalho. A iniciativa, institucionalizada pelo Decreto n° 7.219, de 24 de junho de 2010 (BRASIL, 2010), assegura bolsas para todos os envolvidos: licenciandos, docentes universitários e professores da Educação Básica. A finalidade principal da iniciativa é fortalecer a formação inicial e a valorização do magistério.

A proposta almeja que os envolvidos vivenciem experiências pedagógicas enriquecedoras no plano metodológico, tecnológico e da inovação educativa. Os professores supervisores, por sua vez, assumem papel fulcral nesta iniciativa, uma vez que são os responsáveis por orientar, acompanhar, dar apoio, inserir o licenciando no contexto escolar. Diante dessa configuração, pressupõe-se que o docente em questão reflita sobre a sua prática, sinta-se motivado a novas experiências, conhecimentos e a mudança, como pondera Farias (2012) ao indicar que esses profissionais têm reavivado a relação deles com o trabalho.

O surgimento do programa teve origem com a Lei n° 11.273/2006, que autoriza a concessão de bolsas de estudo e de pesquisa a participantes de programas de formação inicial e continuada de professores para a Educação Básica, de responsabilidade, a princípio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), e a posteriori, do FNDE em parceria com a CAPES, conforme resume Tancredi (2013). Seu delineamento como política observa também as diretrizes do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação e os princípios da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica.

No decorrer desses anos o PIBID cresceu expressivamente. Segundo o último relatório, disponibilizado pela agência financiadora da iniciativa (BRASIL, 2013), o programa passou de 3.088 bolsistas em 2009 para 49.321 em 2012 e, em 2014, com 90.254 concessões. Apesar da falta de dados recentes e atualizados em âmbito nacional sobre a repercussão dessa iniciativa no contexto da formação e atuação docente, sabe-se que, nos últimos anos, um número expressivo de trabalhos foram apresentados em diferentes eventos da área, assim como pesquisadores em nível de mestrado e doutorado têmm se dedicado a estudar os reflexos do programa sob diferentes aspectos. Em levantamento no mês de agosto de 2017, no banco de teses e dissertações da Capes, identificamos um total de 523 trabalhos atribuídos ao descritor “PIBID”.

O interesse pelo programa entre os pesquisadores iniciantes e experientes do país da área de educação, principalmente aqueles que voltam seus estudos para o campo da formação de professores tem se intensificado, devido a sua configuração em atrelar os estudos universitários à realidade escolar, sobretudo, diante de um contexto em que as licenciaturas tem sido alvo de críticas e constantemente colocada em cheque por diferentes instâncias, por meio do discurso afirmativo de que não se prepara o professor como deveria para a atuação em sala de aula, constituindo-se como um período que acumula índices precários e uma formação aligeirada, tanto no âmbito teórico como prático, como assevera Pimenta e Lima (2006). No centro do debate, sem dúvidas, encontra-se a relação teoria e prática, que, por vezes, parece ser uma realidade distante do contexto de ensino das Instituições Superiores do Brasil, indo na contramão do que propõe os documentos legais.

Sobre o assunto, Pimenta e Lima (2006) apontam para um distanciamento entre a teoria e prática nos cursos de licenciatura, o que contribui para uma formação fragmentada. No que se refere ao currículo do curso de Pedagogia, especificamente, Gatti (2014) analisou 71 currículos dos cursos presenciais em instituições de todo o país, uma lista de 3.513 disciplinas (3.107 obrigatórias e 406 optativas), e identificou que “a proporção de horas dedicadas às disciplinas referentes à formação profissional específica fica em torno de 30%, ficando 70% para outros tipos de matérias oferecidas nas instituições formadoras” (2010, p. 1372). Ainda nessa direção, André (2015, p. 70), diz que há “uma grande defasagem entre teoria e prática. Fala-se sobre grandes teorias educacionais, mas pouco sobre o que acontece em uma escola”. Sem a pretensão de fazer a defesa de uma formação pragmática, é preciso ponderar que ao inserir o licenciando no contexto escolar se amplia e dá significado aquilo que está sendo estudado.

Nesse sentido, a participação no PIBID tem proporcionado uma experiência prenhe de aprendizagens, tanto para os licenciandos quanto para os professores experientes da escola e universidade. Essa aproximação do futuro contexto de trabalho é uma experiência singular e significativa, pois apesar deste ser um ambiente familiar a todos os candidatos a docência, uma vez que vivenciaram a realidade da escola quando eram alunos, voltar-se para esta instituição na condição de estudante de licenciatura, de quem estuda e busca tornar-se um profissional da área, contribui para que este um ambiente seja novo e as situações que antes passavam despercebidas, agora são motivo para novas reflexões.

Ao longo de sua trajetória, no entanto, o programa tem enfrentado alguns desafios, inclusive que colocam em dúvida a sua permanência, a exemplo da Portaria nº 046/2016, de 11 de abril, que teve como objetivo instituir novo Regulamento para o Programa. A Portaria nº 046/2016, porém, foi revogada em 14 de junho de 2016.

Para além disso, permeia essa experiência um contexto de instabilidade política, social e econômica que o país enfrenta, o que tem contribuído para o desenho de um cenário educacional pouco animador, uma vez que a educação vem sendo alvo de medidas que caminham para a configuração de um novo projeto de ensino no país, fortalecendo a desvalorização da profissão docente, a exemplo da Lei nº 13.415 de 16 fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017) que teve origem na Medida Provisória do Novo Ensino Médio n° 746 de 2016, que autoriza profissionais com “notório saber”1 ministrar disciplinas em cursos técnicos e profissionalizantes.

Desse modo, apresentamos no próximo tópico a experiência de professores supervisores, participantes do PIBID no estado do Ceará, bem como seus pensamentos e considerações sobre práticas inovadoras.

4 PIBID, uma experiência de formação inovadora?

A proposta do PIBID explicita textualmente o propósito de “proporcionar experiências docentes de caráter inovador e interdisciplinar” (BRASIL, 2010, p. 1), dessa forma, buscamos conhecer a perspectiva sobre o programa pelos seus participantes.

Participaram desta pesquisa 30 professores da educação básica do Ceará. Esse quantitativo foi estabelecido a partir de um levantamento prévio dos participantes da iniciativa, tanto egressos quanto ativos, por meio de um questionário eletrônico, que obteve o retorno de 83 professores.

Desse quantitativo, retiramos, aleatoriamente, uma amostra de 30 sujeitos para participar do momento subsequente da pesquisa: realização de entrevistas individuais. A escolha dos professores levou em consideração o lócus de atuação dos professores participantes, a distribuição entre ativos e egressos e a abrangência de diferentes regiões do estado cearense, o que possibilitou contemplar as seguintes cidades com o respectivo número de professores: Juazeiro do Norte com quatro, Crato também com quatro, Fortaleza contando com dez, Limoeiro do Norte com três, Quixadá e Redenção cada uma com dois e Sobral com cinco professores respondentes.

Do universo de professores participantes do estudo, 29 responderam e apontaram o PIBID como um programa que fomenta práticas inovadoras. Os relatos dos professores supervisores indicam que a experiência do programa modificou a rotina das escolas envolvidas nessa iniciativa ao proporcionar um elo maior entre a escola e a universidade, assim como impulsionaram mudanças em suas práticas como docentes. Em síntese, os professores destacam quatro aspectos de caráter inovador na participação do programa, sendo eles: a proposta/configuração do programa, aproximação da universidade com a escola, as novas experiências ocasionadas pela iniciativa e a valorização do magistério; esses elementos serão analisados a seguir.

O principal indicativo do PIBID como um programa de caráter inovador, segundo os professores entrevistados nesse estudo, decorre de que a iniciativa oportuniza novas experiências docentes aos que dele participam, reconhecimento presente nos relatos de 14 supervisores, dentre os quais, destacamos o seguinte relato:

É inovador sim, porque são outras metodologias que eles trazem, outras formas de trabalhar, outras sugestões para trabalhar até mesmo com a questão das mídias, dos gêneros digitais, uma forma diferente de trabalhar. Às vezes, você pode até se tornar tradicional mesmo usando data show. Acho que a forma de trabalhar é que faz a diferença. Então o PIBID é inovador pra mim por isso, porque ele veio modificar essa metodologia que a gente tinha só de livro didático, só passar uma leitura para um aluno de um paradidático e cobrar aquela leitura em uma ficha de leitura, isso pra mim é tradicional (Professor de Língua Portuguesa).

Percebemos que para esse professor, o PIBID proporcionou o contato com novas experiências, indicando possibilidades metodológicas distintas das que ele estava acostumado a utilizar, fazendo-o romper com um ensino, que o mesmo acreditava ser tradicional.

Partimos da ideia de que para romper com o ensino tradicional seja necessário gerar mudanças no trabalho escolar, isto é, no planejamento, metodologias, nas relações pedagógicas, que devam convergir para uma mudança na cultura da escola, posto que o conhecimento do professor é social. Como menciona Messina (2001), sobre esse contexto de mudanças, este é um reflexo de um processo multidimensional transformador, não só do professor, mas do espaço escolar que ele atua.

Originar novas experiências vai muito além de metodologias diferenciadas, pois são provocativas de transformações no sujeito, na forma que ensina e conduz o processo de ensino aprendizagem, ou seja, quando produz algum efeito de mudança, deixa marcas e vestígios (LARROSA, 2015). Para os professores supervisores a noção de prática inovadora está imbricada a renovação de seu modo de pensar e fazer sua ação profissional, conforme expressa o relato a seguir transcrito:

No momento em que eu exerço uma reflexão muito maior sobre esse trabalho eu acredito que ele foi ressignificado sim. Eu creio que eu estou sempre aberta a aprender o que foi trazido de novo, não só nas reuniões, no momento em que a gente sentava para avaliar mesmo o plano de aula, numa questão [...] Então, eu comecei a perceber também que esse trabalho coletivo é muito válido, quando eu coloco o que eu produzi para o outro analisar eu cresço com isso (Professor de Filosofia).

Esse entendimento corrobora a asserção de Farias (2006, p. 51), que considera que inovar indica “aperfeiçoamento, progresso e se faz associado ao desejo de mudança”. É uma prática intencional que se caracteriza pelo rompimento de concepções e práticas, compreensão reforçada ainda por Ferreira (2013) ao lembrar que no “plano das ideias pedagógicas”, embora não haja consenso sobre a possibilidade de “determinar exatamente o que seja uma inovação educacional”, em geral ela é compreendida “como algum tipo de melhoria, de mudança, seja no aspecto organizacional das instituições como também nos currículos, nas metodologias de ensino, nas práticas educativas ou na própria avaliação” (p. 259).

Tais aspectos aparecem nas falas dos entrevistados, que associam a mudança ao “(re) pensar a sua ação docente”, que ocorre em decorrência do acompanhamento dos futuros professores que buscam compreender a profissão para qual estão se formando. Essa atividade de reflexão profissional não é dada a priori, é decorrente de “[...] uma análise sistemática e crítica do seu trabalho pedagógico situado em contexto de relações intersubjetivas de ensino e de aprendizagem” (THERRIEN, 2014, p. 2).

Eu tive que reinventar: “poxa vida, esse pessoal vem pra cá, o que eu vou fazer?” [...] Quando eu chego em sala de aula é completamente diferente daquilo que eu vi na universidade, isso aí é uma prática inovadora porque eles [licenciandos] já estão na universidade e ao mesmo tempo eles estão vendo como é cotidiano da escola. [...] Eu gostaria muito, se na época que eu tivesse feito magistério, tivesse o Pibid. Não pela bolsa, mas porque a gente sai da realidade tão cheia de ideia, com tanto gás, com tanta energia e as dificuldades dentro da escola acaba suprimindo esse gás (Professor de Ciências - grifo nosso).

Conforme podemos destacar, ao dizer que gostaria de ter participado do PIBID, quando fez seu curso de licenciatura, o professor em questão reconhece que o programa é um diferencial para aqueles que pretendem ingressar no magistério, como aponta outro entrevistado “[...] eu não tive isso [PIBID] na minha licenciatura, então eu posso dizer: é uma riqueza muito grande” (Professor de História).

Essa configuração do PIBID é um dos principais motivos para o seu destaque entre as políticas de formação docente hoje, uma vez que os cursos de formação de professores historicamente vêm sendo acusados de desvincular teoria e prática, deixando essa última sempre para o final dos cursos de licenciatura. Sobre o assunto, Tardif (2012) destaca que na formação para o magistério, ao longo dos anos, tem predominado os conhecimentos disciplinares, produzidos numa espécie de “redoma de vidro”, sem diálogo com a ação docente, sendo esses conhecimentos aplicados posteriormente por meio dos estágios supervisionados. Esses, por sua vez, são apontados como tendo uma duração breve e condição precária (LÜDKE; CRUZ, 2005). O PIBID, por sua vez, ao proporcionar, em geral, uma ação mais prolongada rompe com a barreira antes mencionada.

O PIBID ao inaugurar um novo panorama na formação de professores com uma inserção cotidiana e prolongada dos alunos bolsistas no ambiente escolar rompe com as limitações impostas pelo modelo de estágio curricular supervisionado presente na maioria dos cursos de licenciaturas em que os alunos vão à escola em momentos pontuais e, por vezes, tem uma visão fragmentada sobre a ação docente nesse ambiente, ação essa que tem especificidades que só podem ser percebidas no convívio cotidiano com a sala de aula e com a escola (SIMIÃO, 2012, p. 12).

Entendemos que a Educação Básica está diretamente imbricada com o ensino superior e que a (inter) relação entre esses dois contextos formativos impulsiona experiências prenhes de significados, como bem advoga André et al. (2014, p. 5) ao se reportar a essa iniciativa: “não é simplesmente um programa de bolsas. É uma proposta de incentivo e valorização do magistério e de aprimoramento do processo de formação de docentes para a educação básica”.

Nessa direção, outro indicador que também aparece nas falas dos docentes participantes do programa, é de que a iniciativa aproxima a escola da universidade.

[...] [o PIBID] permite que o aluno universitário venha até a escola, traga o que ele sabe, faça essa troca com os professores que estão naquela escola, com os alunos também e que eles saiam daqui produzindo algo sobre aquilo, porque eu acho que um dos pontos interessantes do PIBID é o relato das experiências, é a construção, apresentação dos trabalhos dos alunos das boas práticas vivenciadas dentro das escolas, por isso pra mim ele é inovador sim, ele saiu do banco da universidade, ele foi até a escola ele teve uma troca com o professor e com o aluno e ele voltou pra universidade e pode mostrar para os que não vivenciaram aquilo o que está sendo feito e o que ele fez, ou seja, o processo pelo qual ele mesmo participou (Professor de Matemática).

Ao inserir os licenciandos no contexto da escola, a iniciativa ocasiona o ato gnosiológico entre professores mais experientes, e proporciona uma nova dinâmica aos docentes envolvidos. A relação escola e universidade é defendida pelos pesquisadores e profissionais da educação, no entanto há um distanciamento entre ambas as instituições que vem se perpetuado ao longo dos anos. Desse modo, a troca de conhecimento e novas perspectivas que tem sido oportunizadas a partir dessa relação, por meio do programa, é algo destacado entre os professores supervisores participantes, conforme identificamos a seguir:

[...] para uma sala onde um professor já tem 20 anos de educação, 22 anos daquele magistério, muitas vezes não quer inovar, esse aluno faz com que ele inove, e não faz ele obrigado a inovar, ele faz porque ele vai se instigar, ele pensou assim, realmente dá certo, eu vou tentar fazer isso também, começa a construir na sala de aula uma rotina diferenciada, então a visão Pibid da universidade, trazer essa universidade para dentro da escola, também é importante, você verificar que têm alunos universitários, professores universitários, na sua escola, credibiliza essa escola, faz com que essa escola mostra uma diferenciação, então para não ser só uma, que fosse bem mais escolas (Professor de Física - grifo nosso).

Portanto, ao mesmo tempo em que o discurso do professor destaca que esse programa aproxima a universidade do contexto escolar, percebemos, também, que esse espaço passa a ser mais valorizado ao passo que é compreendido como lócus de formação e de aprendizagens. Além disso, a inserção da universidade nesse contexto, promove ainda, uma formação para os professores da Educação Básica participantes, que se sentem motivados a pensar sobre suas práticas e rever os conhecimentos adquiridos, conforme constatamos na passagem a seguir:

É inovador porque permite que o professor que está dentro da escola volte a vivenciar a academia, rever seus pressupostos, tudo aquilo que ele achava que era educação, tudo aquilo que ele achava que era a prática, adequada, a prática correta de ensino, ele coloca em cheque porque ele começa a rever teóricos da educação, ele começa a rever a sua postura como professor, então é fundamental, o Pibid é inovador porque permite tudo isso (Professor de Filosofia - grifo nosso)

Percebemos, assim, que a participação no PIBID impacta positivamente a rotina dos professores supervisores do programa, na medida em que os impulsiona a (re) pensar sobre as suas práticas ou assumirem posturas inovadoras no decorrer do exercício profissional. É importante destacar com isso que, conforme assevera Garcia (1999), as atividades do desenvolvimento profissional não afetam apenas o professor, mas a instituição escolar como um todo, pois a formação docente repercute na prática profissional e, consequentemente, na aprendizagem dos alunos e progresso das ações empreendidas no âmbito do contexto educativo que estes profissionais estão vinculados.

Nesse sentido, identificamos ainda, as falas sobre a valorização do magistério nos discursos dos professores da pesquisa, corroborando com um dos principais objetivos do programa PIBID (BRASIL, 2010).

Como eu disse, ele vai trazer o aluno, universitário, para a Educação Básica, ele vai valorizar o mais magistério, ele vai ver o dia a dia como é, as dificuldades, mas também os ganhos, quando a gente vê um aluno ganhando, a gente ganha também! Então, eu acho muito boa essa ideia do Pibid, uma prática boa, para quem está na universidade se formando para o magistério, principalmente para a Educação Básica (Professor de Matemática - grifo nosso).

É nessa direção que os entrevistados indicam que a própria proposta do PIBID é inovadora, pois “abre possibilidades” (Professor de História), e que por ser “inovador, é um projeto que deve ser aperfeiçoado, mantido” (Professor de língua Portuguesa).

5 Considerações finais

Neste artigo, que teve como objetivo discutir sobre o PIBID, a ideia que nos acolhe é de que o programa se configura como uma proposta inovadora a partir da perspectiva dos professores supervisores dessa iniciativa no estado do Ceará, pois constatamos que os docentes participantes indicam que o PIBID é um programa inovador. O conceito de inovação, por sua vez, aparece como sendo flexível em meio às múltiplas perspectivas dos sujeitos que a utilizam.

Os professores avaliaram a experiência como promotora de práticas inovadoras, mediadora do redirecionamento da forma de ensino, elucidam, ainda, que o PIBID proporcionou o contato com experiências diversas, possibilitou vivenciar metodologias distintas das ditas tradicionais, proporcionou uma bricolagem no pensar e fazer da ação profissional. Assim como demonstram terem realizado experiências pedagógicas que promovem a inovação, a mudança em suas práxis a partir de ações que, não necessariamente, sejam advindas de reformas, mas de processos reflexivos que as alterem.

Além disso, constatamos também, que os professores entendem que o PIBID estreitou o elo entre a escola e a universidade, ocasionando uma mudança na rotina escolar e impulsionando novas experiências docentes para os professores da Educação Básica envolvidos nesta iniciativa. A estrutura do programa tem destaque em suas falas, quando ressaltam a relação simbiótica de conhecimentos e experiências entre participantes, professores e licenciandos. Ao mesmo tempo, a iniciativa é apontada como uma ação que repercute na valorização do magistério da Educação Básica.

Diante disso, concluímos que o PIBID tem proporcionado ganhos pessoais e profissionais para os professores que participam da iniciativa, e que consequentemente, reverberam em seus contextos de trabalho. Apesar de não contemplar todo o universo de docentes da rede pública e licenciandos, não podemos perder de vista o impacto das ações do programa nos últimos anos, configuradas como experiências prenhes de significados, mas que nesse momento atual do país são ameaçadas, uma vez que são anunciados projetos de educação que visam a desvalorização dos profissionais e da educação brasileira.

Mesmo com números muitos expressivos, no país todo, sobre ganhos na educação, o programa nos últimos meses tem vivido num clima de incertezas, sob constantes ameaças de descontinuidade, tal fato é preocupante. A CAPES chegou anunciar cortes muito expressivos no número de bolsas, que depois foram minorados. Mas a situação não melhorou muito e continua preocupante, especialmente com as constantes notícias de cortes em orçamentos do Governo Federal, que têm afetado diretamente os programas de formação de professores, como o PIBID.

Referências

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1A Lei nº 13.415, de 16 fevereiro de 2017, altera o art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e aceita profissionais com notório saber: “IV - profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional, atestados por titulação específica ou prática de ensino em unidades educacionais da rede pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham atuado, exclusivamente para atender ao inciso V do caput do art. 36”, que trata do ensino técnico e profissional. Desse modo, permite-se que exerça a docência profissionais sem licenciatura.

Recebido: 23 de Janeiro de 2018; Aceito: 17 de Abril de 2019

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