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Educação: Teoria e Prática

versão On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.29 no.61 Rio Claro maio/ago 2019  Epub 18-Dez-2019

https://doi.org/10.18675/1981-8106.vol29.n61.p422-439 

Artigos

POLÍTICA DE AMPLIAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL: A CRIANÇA INGRESSANTE E SUA EDUCAÇÃO NOS DOCUMENTOS OFICIAIS

POLICY OF ENLARGEMENT OF ELEMENTARY EDUCATION: THE NEWCOMER CHILDREN AND THEIR EDUCATION IN THE OFFICIAL DOCUMENTS

POLÍTICA DE AMPLIACIÓN DE LA ENSEÑANZA FUNDAMENTAL: EL NIÑO INGRESANTE Y SU EDUCACIÓN EN LOS DOCUMENTOS OFICIALES

Jaqueline Cristina da SilvaI 
http://orcid.org/0000-0002-5457-3897

Géssica Priscila RamosII 
http://orcid.org/0000-0002-1254-4510

IUniversidade Federal de São Carlos - Câmpus de São Carlos, São Paulo - Brasil. E-mail: jaquelinecristina011@gmail.com

IIUniversidade Federal de São Carlos - Campus de São Carlos, São Paulo - Brasil. E-mail: gessicaramos@ufscar.br


Resumo

No ano de 2006, no Brasil, foi aprovada a Lei nº 11.274 que alterou a duração do ensino fundamental para nove anos e estabeleceu a matrícula obrigatória da criança a partir dos seis anos de idade. Diante disso, o objetivo do presente trabalho foi apreender a concepção de criança ingressante e de sua educação nos documentos oficiais que embasam essa política. Para isso, foi utilizada a pesquisa documental, tendo como base as categorias: brincar, espaço, currículo, metodologia de ensino, tempo, relação professor/aluno e aprendizagem/desenvolvimento. A partir dos dados encontrados, verificou-se que a criança ingressante é percebida como um ser completo, com características e peculiaridades próprias que precisam ser consideradas no planejamento pedagógico das escolas de nove anos. Apesar disso, a concepção oficial sobre a criança ingressante e sua educação limita-se a aspectos abstratos e teóricos que necessitam de tempo para serem refletidos e amadurecidos pelos profissionais.

Palavras-chave: Ensino fundamental de nove anos; Concepção de criança; Concepção educacional; Política educacional

Abstract

In 2006, in Brazil, the Law No. 11.274 was approved. This law changed the length of elementary school from eight to nine years, and established the required enrolment of the child from six years old. Due to this fact, the objective of this work was to apprehend the newcomer children conception and their education in the official documents that support this policy. For this, documentary research was used, based on the categories: play, space, curriculum, teaching methodology, time, teacher-student relationship and learning/development. Based on the data found, it was verified that incoming children are perceived as complete subjects, with their own characteristics and peculiarities, what need to be considered in the pedagogical planning of nine-year schools. Nevertheless, the official conception of the newcomer child and his education is limited to abstract and theoretical aspects that need time to be reflected and matured by professionals.

Keywords: 9-year elementary school; Child conception; Educational conception; Educational politics

Resumen

En el año 2006, en Brasil, se aprobó la Ley n.° 11.274, que aumentó la duración de la enseñanza fundamental a nueve años y estableció la matriculación obligatoria del niño a partir de los 6 años de edad. Con eso, el objetivo del presente trabajo fue aprehender la concepción del niño ingresante y de su educación en los documentos oficiales que fundamentan esta política. Para ello, se utilizó la investigación documental, teniendo como base las categorías: jugar, espacio, currículo, metodología de enseñanza, tiempo, relación profesor-alumno y aprendizaje/desarrollo. Con base en los datos encontrados, se verificó que el niño ingresante es percibido como un sujeto completo, con características y peculiaridades propias, las cuales deben ser consideradas en la planificación pedagógica de las escuelas de nueve años. A pesar de ello, la concepción oficial sobre el niño ingresante y su educación se limita a aspectos abstractos y teóricos, que requieren largo tiempo para que se vean reflejados y madurados por los profesionales.

Palabras clave: Enseñanza fundamental de nueve años; Concepción de niño; Concepción educativa; Política educativa

1 Introdução

O ensino fundamental no Brasil vem sofrendo grandes ajustes e importantes alterações ao longo dos anos. De modo especial, nos anos de 2005 e 2006, por meio da Lei nº 11.114 e da Lei nº 11.274, respectivamente, a criança de seis anos foi incluída no ensino fundamental (BRASIL, 2005), que teve sua duração ampliada de oito para nove anos (BRASIL, 2006). Esta lei também determinou que as redes de ensino teriam até o ano de 2010 para materializar essas mudanças.

Com base nesse contexto, o objetivo deste artigo é apreender a concepção de criança ingressante e de sua educação nos documentos oficiais que fundamentam essa política e que, por conseguinte, servem de referência para a prática pedagógica das escolas.

Entre os anos de 2004 e 2010, o Ministério da Educação (MEC) publicou diferentes textos, legislações e documentos orientadores que hoje compõem o Programa Ampliação do Ensino Fundamental para Nove Anos. No total, foram emitidos onze pareceres e homologadas três resoluções, que buscaram auxiliar mais especificamente nos encaminhamentos burocráticos. Também foram publicados sete documentos orientadores, sendo alguns focados notadamente nas questões administrativas.

Nesta investigação selecionamos apenas quatro desses documentos para análise, na medida em que contém orientações pedagógicas voltadas para os sistemas de ensino, especialmente no tocante à atuação com as crianças ingressantes. São eles: Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações Gerais (BRASIL, 2004); Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações para a Inclusão da Criança de Seis Anos de Idade (BRASIL, 2007); Ensino fundamental de Nove Anos: Passo a Passo do Processo de Implantação (BRASIL, 2009a); A Criança de 6 Anos, a Linguagem Escrita e o Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações para o Trabalho com a Linguagem Escrita em Turmas de Crianças de Seis Anos de Idade (BRASIL, 2009b).

Para estudo e análise desse material, definimos algumas categorias de conteúdo (KUENZER, 1998, p. 66). Assim, tendo como base a compreensão da concepção de criança ingressante no material, foram definidas como categorias: brincar, espaço escolar, currículo da escola, metodologia de ensino, tempo, relação professor/aluno e aprendizagem/desenvolvimento. O brincar foi pensado desde o início, justamente por ser uma prática associada à imagem da criança, por isso, para esta análise, foi considerado tudo aquilo que se relaciona com o brincar: a brincadeira, a imaginação, o lúdico, a espontaneidade. Com a categoria espaço escolar procuramos verificar todas as orientações dadas em relação à preparação do espaço escolar para atender a criança ingressante. Com a categoria currículo da escola, buscamos identificar as indicações sobre o tipo de conteúdo e a organização curricular previstas especialmente para se trabalhar com essas crianças. Já com a categoria metodologia de ensino, visamos perceber a forma de trabalho pedagógico que é indicada para se trabalhar com as crianças ingressantes, bem como identificar as principais orientações pedagógicas sugeridas. Nesse mesmo sentido, com a categoria tempo, buscamos compreender a organização do tempo e a rotina que é proposta para atender essa criança. Já na análise da categoria relação professor/aluno, englobamos todos os aspectos envolvidos na relação entre os professores e as crianças ingressantes, sobretudo seu papel diante delas. Por fim, na categoria aprendizagem/desenvolvimento, consideramos como esses processos são pensados e relacionados na prática escolar para o atendimento dessa criança.

2 O que os documentos oficiais da política de ampliação do ensino fundamental dizem sobre a criança

A idade cronológica da criança, conforme o material do Programa (BRASIL, 2004), não é o aspecto central que define a sua maneira de ser. Apesar disso, é ressaltado que existem algumas características que distinguem as crianças de seis anos das de outras faixas etárias: “[...] sobretudo a imaginação, a curiosidade, o movimento e o desejo de aprender aliados à sua forma privilegiada de conhecer o mundo por meio do brincar” (BRASIL, 2004, p.19-20). Não por acaso, o brincar, especialmente no documento Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações para a Inclusão da Criança de Seis Anos de Idade (BRASIL, 2007), é entendido como um espaço de múltiplas aprendizagens e de fundamental importância para as crianças na escola. Conforme o texto:

[…] o brincar é um espaço de apropriação e constituição pelas crianças de conhecimentos e habilidades no âmbito da linguagem, da cognição, dos valores e da sociabilidade. E que esses conhecimentos se tecem nas narrativas do dia-a-dia, constituindo os sujeitos e a base para muitas aprendizagens e situações em que são necessários o distanciamento da realidade cotidiana, o pensar sobre o mundo e o interpretá-lo de novas formas, bem como o desenvolvimento conjunto de ações coordenadas em torno de um fio condutor comum (BRASIL, 2007, p.39).

Por esse caminho, o referido material também reforça a importância da atividade lúdica. Além disso, é entendido que o brincar é fundamental para o desenvolvimento e a aprendizagem infantil, já que “ao brincar, a criança cria uma situação imaginária, experimenta um nível acima da sua idade cronológica, da sua conduta diária, extrapolando suas capacidades imediatas” (BRASIL, 2009b, p. 22).

Também é enfatizado que o brincar não pode ser compreendido apenas como recurso didático, assumindo a função de treinar ou sistematizar conhecimentos, mas que essa atividade precisa ser tratada como espaço da expressão da espontaneidade da criança. No entanto, apesar dessa orientação estar presente em um de seus documentos (BRASIL, 2007), o brincar espontâneo quase não é explorado na totalidade dos textos. Vale ressaltar, ainda, que boa parte das brincadeiras apresentadas como sugestões para a prática do professor estão sempre relacionadas a atividades de sistematização de conteúdo, especialmente da Língua Portuguesa (BRASIL, 2007, 2009b).

No que diz respeito ao espaço escolar nos textos oficiais, o documento Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações Gerais (BRASIL, 2004) destaca a importância de, no momento de se pensar a organização da escola para atender as crianças ingressantes, levar em consideração não somente os ambientes, mas os materiais didáticos, as mobílias e os equipamentos escolares.

Assim, interpreta que é preciso que tudo seja repensado para melhor atender as características das crianças. Além disso, é dito que os espaços, na escola, precisam promover o encontro da cultura infantil, valorizando as trocas, as interações e as relações entre todos. Nas palavras do documento:

Uma proposta pedagógica que envolva as diferentes áreas do currículo de forma integrada se efetiva em espaços e tempos, por meio de atividades realizadas por crianças e adultos em interação. As condições do espaço, organização, recursos, diversidade de ambientes internos e ao ar livre, limpeza, segurança etc. são fundamentais, mas são as interações que qualificam o espaço. Um trabalho de qualidade para as crianças nas diferentes áreas do currículo exige ambientes aconchegantes, seguros, encorajadores, desafiadores, criativos, alegres e divertidos nos quais as atividades elevem sua auto-estima, valorizem e ampliem as suas leituras de mundo e seu universo cultural, agucem a curiosidade, a capacidade de pensar, de decidir, de atuar (BRASIL, 2007, p. 17).

Dessa maneira, a escola, enquanto ambiente de socialização, deve manter o espaço organizado pedagogicamente, refletindo se: “as peraltices infantis têm tido lugar na escola ou somos somente a ‘polícia dos adultos’? […] o que compõem os murais? Por quem são organizados?” (BRASIL, 2007, p. 28). Como encaminhamento a essas questões, o material (BRASIL, 2007) sugere que o professor observe, faça registros, participe e proponha diferentes brincadeiras às crianças. Com essa atitude, segundo o documento, os professores poderiam auxiliar no momento do planejamento e da organização dos espaços, de modo a sempre incentivar e garantir o espaço para brincar. Ademais, é enfatizado que as instalações escolares devem orientar-se pelos interesses do desenvolvimento das crianças por faixa etária. Entretanto, não fica explicitado como seria essa organização e como os profissionais da educação poderiam viabilizar tal mudança nas instalações das escolas já existentes.

Quanto ao currículo da escola de nove anos, é reforçado que as crianças são seres integrais que aprendem de maneira articulada e gradual e que, por isso, o currículo deve buscar a integração entre as diversas áreas do conhecimento (BRASIL, 2004). Além disso, os textos oficiais (BRASIL, 2007, 2009b) percebem o currículo como ferramenta que colabora com a construção da identidade e da personalidade do estudante.

Sendo assim, o planejamento deve ser pensado de forma coletiva com todos os envolvidos no processo educacional, inclusive as próprias crianças para garantir que todos os interesses sejam partilhados e englobados. No material (BRASIL, 2007), também é ressaltada a necessidade de revisão dos currículos, dos conteúdos e das práticas pedagógicas de todo o ensino fundamental de nove anos, bem como a importância de se flexibilizar e recriar os objetivos, conteúdos e formas de avaliação, a fim de mantê-los sempre contextualizados com as demandas das crianças, da escola e da comunidade. Por esse caminho, sugere que alguns questionamentos sejam considerados:

O que selecionar em face do acúmulo de produções e informações a que estamos sujeitos e suas constantes transformações? [...] que elementos e de que cultura(s) estão sendo selecionados e adaptados para serem introduzidos às crianças? Quais os que estão sendo silenciados? De que ponto de vista estão sendo abordados e para que grupos sociais? (BRASIL, 2007, p. 59).

Para dar encaminhamento a essas questões, é destacado que, nos anos iniciais, é importante garantir o ensino articulado entre Ciências Sociais, Ciências Naturais, Noções Lógico-matemáticas e Linguagens às crianças de seis anos. Entretanto, não são apresentados elementos mais concretos para essa reflexão, nem para a definição dos conhecimentos indispensáveis dentro de cada uma dessas áreas, sobretudo para as crianças ingressantes.

Outro aspecto a ser destacado é que, não obstante os materiais (BRASIL, 2007, 2009a, 2009b) enfatizarem a necessidade de o currículo colaborar com o desenvolvimento de todas as áreas do conhecimento, de maneira articulada, existe nele (BRASIL, 2007, 2009b) uma ênfase maior na linguagem escrita. Por exemplo, o documento A Criança de 6 Anos, a Linguagem Escrita e o Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações para o Trabalho com a Linguagem Escrita em Turmas de Crianças de Seis Anos de Idade (BRASIL, 2009b) discute a importância da escola na inserção das crianças no mundo letrado. Vale destacar que, além desse, não foi publicado nenhum outro material diferenciado e específico para outras áreas do conhecimento.

Sobre a metodologia de ensino, é dito, nos materiais (BRASIL, 2004, 2007), que a prática pedagógica deve evitar estratégias monótonas, com excesso de atividades “acadêmicas” e o disciplinamento precoce das crianças. Os textos indicam que o diálogo, a interação, a aproximação e a disposição por parte dos docentes para com as crianças devem prevalecer em todas as circunstâncias. Por esse caminho, é destacado, ainda, que a ampliação da duração do ensino fundamental exige uma reorganização das propostas pedagógicas, de modo que assegurem o desenvolvimento integral dos alunos, sem limitar a aprendizagem das crianças de seis anos exclusivamente à alfabetização (BRASIL, 2007, 2009a).

Ao discutir a metodologia de ensino, o documento Ensino fundamental de Nove Anos: Orientações para a Inclusão da Criança de Seis Anos de Idade (BRASIL, 2007) convida o leitor a pensar:

[...] que intervenções do professor contribuem para os processos de desenvolvimento integral das crianças? Como ampliar o universo cultural das crianças e suas possibilidades de interação? Que construções estão sendo realizadas pelas crianças ante os elementos culturais e naturais que as circundam? Que situações permitem e favorecem a manifestação das diferentes linguagens? (BRASIL, 2007, p. 59).

O próprio material reconhece que as respostas possíveis são muitas, mas enfatiza que é na construção coletiva, na interação e no diálogo com as diferentes vozes que a aprendizagem se constrói. Ademais, destaca que as cartilhas e livros didáticos devem ser colocados como secundários em sala de aula, já que o direcionamento da organização pedagógica é de responsabilidade do professor, em conjunto com seus alunos e pares (BRASIL, 2007, p. 95).

No que diz respeito ao tempo, o documento Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações Gerais (BRASIL, 2004) traz uma crítica à organização do tempo escolar ao ressaltar que, muitas vezes, ele remete ao tempo das fábricas e do mercado de trabalho. Pensando que a criança é um sujeito integral, o texto convida o leitor a questionar essa disposição temporal das escolas:

Os currículos e os programas têm sido trabalhados em unidades de tempo e com horários definidos, que são interrompidos pelo toque de uma campainha. [...] o pensamento obedece às ordens das campainhas? Por que é necessário que todas as crianças pensem as mesmas coisas, na mesma hora e no mesmo ritmo? As crianças são todas iguais? (BRASIL, 2004, p. 10).

Outro documento (BRASIL, 2007), por sua vez, também destaca a necessidade de se respeitar os ritmos e os diferentes modos de aprendizagens das crianças, e ressalta que a criança deve ser incentivada a gostar e desfrutar de seu momento atual de desenvolvimento. Por esse caminho, o referido material evidencia, ainda, a importância do planejamento flexível de modo a possibilitar a retomada dos conteúdos quantas vezes for preciso. Por outro lado, o mesmo documento reconhece que o trabalho cotidiano na escola possui um tempo bastante escasso.

Assim, conforme alguns documentos (BRASIL, 2004, 2007, 2009a), durante o planejamento, é preciso pensar o uso do tempo escolar de forma a qualificá-lo didaticamente, de modo a não deixar para os anos seguintes da escolarização o que pode ser iniciado desde a entrada da criança na escola.

No tocante à relação professor/aluno, é destacada a necessidade de o professor construir práticas que contribuam para humanizar as relações e interações (BRASIL, 2007). Além disso, é incentivado que, através da aproximação das crianças, de suas vontades e cotidiano, o professor estabeleça laços afetivo, ético, social e político com elas. Nesse sentido, é mencionado que o desenvolvimento e a aprendizagem da criança estão relacionados às experiências e qualidades das interações. Conforme o material:

[...] o reconhecimento do papel social da criança tem levado muitos adultos a abdicarem de assumir seu papel. Parecem usar a concepção de “infância como sujeito” como desculpa para não estabelecerem regras, não expressarem seu ponto de vista, não se posicionarem. O lugar do adulto fica desocupado, como se para a criança ocupar um lugar, o adulto precisasse desocupar o seu, o que revela uma distorção profunda do sentido da autoridade [...] O equilíbrio e o diálogo se perdem e esses adultos, ao abrirem mão da sua autoria (de pais ou professores), ao cederem seu lugar, só têm, como alternativa, o confronto ou o descaso. (BRASIL, 2007, p. 18).

Por esse caminho, o material (BRASIL, 2007) relata que há uma tendência nos adultos a olharem as crianças esperando alguma coisa do futuro adulto que ela será ou desejando que sua infância seja parecida com aquela que viveram. Com essa visão, a criança, segundo o referido documento, tende a ser percebida enquanto um ser humano incompleto e imaturo, o que não seria ideal para seu desenvolvimento.

Além disso, há documentos (BRASIL, 2007, 2009a) que enfatizam a importância de o professor considerar a criança como sujeito ativo do processo de aprendizagem e entender que ela não só participa como intervém no mundo ao seu redor. Para isso, ressaltam que é essencial que o professor seja pesquisador, procure sempre atualizar seus conhecimentos, busque novas informações sobre todas as áreas, organize e sistematize esses saberes, para então fazer a mediação com as crianças. Ainda, é destacado em um deles (BRASIL, 2007) que respeitar a criança e ter sensibilidade com suas particularidades não significa abrir mão do papel do professor de planejar, organizar e mediar o conhecimento. Assim, o professor precisa equilibrar aquilo que é objetivo educacional coletivo, e que planejou enquanto desenvolvimento cognitivo, com aquilo que acontece no contexto escolar e surge como demanda das crianças.

Sobre a aprendizagem/desenvolvimento, vários materiais (BRASIL, 2004, 2007, 2009b) evidenciam que o ser humano possui múltiplas dimensões e que seu desenvolvimento ocorre de forma processual e contínua. Isso também é válido no caso da criança que deve ser percebida como sujeito total, completo e indivisível. Nesse sentido, é ressaltado que:

Se acreditamos que o principal papel da escola é o desenvolvimento integral da criança, devemos considerá-la: na dimensão afetiva, ou seja, nas relações com o meio, com as outras crianças e adultos com quem convive; na dimensão cognitiva, construindo conhecimentos por meio de trocas com parceiros mais e menos experientes e de contato com o conhecimento historicamente construído pela humanidade; na dimensão social, freqüentando não só a escola como também outros espaços de interação como praças, clubes, festas populares, espaços religiosos, cinemas e outras instituições culturais; na dimensão psicológica, atendendo suas necessidades básicas, como, por exemplo, espaço para fala e escuta, carinho, atenção, respeito aos seus direitos (BRASIL, 2007, p. 28).

Também é enfatizado que, quando o aprendizado é bem pensado e organizado, ele resulta no desenvolvimento da criança, desencadeando processos que não são possíveis sem essa intervenção. Além disso, de acordo com um dos documentos (BRASIL, 2007), o desenvolvimento do indivíduo tem relação direta com o ambiente sociocultural em que ele está inserido, e o papel social desempenhado pelos outros indivíduos também colabora com esse desenvolvimento. Conforme o material, o ser humano aprende e desenvolve-se a partir do convívio com outros, da interação, da imitação, espelhando-se e indo além daquilo que presencia, interage e percebe.

Assim, chegando-se ao final da análise das categorias propostas, é possível extrairmos algumas conclusões sobre elas:

  1. o brincar além de se apresentar como uma particularidade da criança de seis anos que a permite extrapolar sua criatividade e capacidade de ação a partir da espontaneidade, também se mostra como um espaço de muitas aprendizagens e um caminho para acessar as diferentes áreas do conhecimento. Fica evidente, no material, a importância da brincadeira espontânea por parte da criança, apesar de a maioria dos exemplos práticos sugeridos relacionarem o brincar com atividades de sistematização do saber escolar. Ademais, apesar de o brincar aparecer como uma característica muito importante e totalmente relacionada ao desenvolvimento da criança, não fica explícito, nos documentos, como os professores poderiam pensá-lo no tempo e espaço do cotidiano escolar, salvo no sentido do letramento e da alfabetização;

  2. o espaço escolar deve ser modificado e transformado para receber as crianças de seis anos, bem como para melhor atender as crianças que já estavam inseridas no ensino fundamental. A organização espacial deve propiciar a interação entre as crianças e adultos e, também, o contato com diferentes experiências e áreas do conhecimento. Apesar das colocações, essas mudanças e espaços não são caracterizados nos documentos, apenas sinalizados como fatores importantes de serem levados em consideração pelos gestores e professores, na hora de planejarem a disposição espacial da escola;

  3. o currículo da escola deve ser repensado, englobando todas as áreas do conhecimento, de forma inter e multidisciplinar. Enquanto ferramenta que colabora para a constituição da identidade das crianças, o currículo também necessita valorizar todas as histórias e culturas, além de buscar atender as reivindicações das crianças e da comunidade como um todo, sempre de maneira flexível. Apesar de os documentos enfatizarem diversas vezes a importância de um currículo articulado e contextualizado, relacionando as diferentes áreas, a área de Língua Portuguesa, enquanto componente curricular, é sempre enfatizada por eles. Já o brincar, pouco enfatizado nos textos oficiais, não é explicitado como componente curricular fundamental, nem para a criança ingressante;

  4. a metodologia de ensino exige a aproximação do professor e de toda a equipe escolar com a vida do aluno, seu cotidiano e seu contexto social, econômico, cultural e afetivo. Todavia, o material não deixa claro como os profissionais podem garantir tal relação com a criança. A articulação entre todas as áreas do conhecimento também é parte fundamental do trabalho metodológico, no sentido de permitir que o ensino aconteça sem fragmentações ou rupturas para a criança. Por isso, nos documentos, o trabalho docente não deve ser cristalizado em propostas que prevejam sempre as mesmas ações e exercícios, pois as estratégias pedagógicas necessitam assegurar o desenvolvimento integral das crianças em todas as áreas, bem como envolvê-las, enquanto sujeitos ativos no processo ensino-aprendizagem;

  5. o tempo mostra-se como um aspecto muito relevante de ser considerado, especialmente no momento do planejamento pedagógico. No material, é expressa a ideia de que cada ser humano é único, possuindo um ritmo e um modo próprio de aprender. Assim, fica indicado o respeito à singularidade e ao tempo de cada criança, apesar do não aprofundamento do assunto nos documentos;

  6. a relação professor/aluno pressupõe um equilíbrio entre aquilo que foi planejado pelo docente e aquilo que as crianças reivindicam. A interação, a comunicação, a proximidade, o olhar, o toque e a troca de afetos do professor com as crianças apresentam-se como fundamentos primordiais no processo de ensino e aprendizagem, mas nenhum esclarecimento maior foi feito nesse sentido;

  7. a aprendizagem/desenvolvimento processa-se pelo tratamento à criança como sujeito de múltiplas dimensões a serem desenvolvidas de forma processual e contínua. Nesse sentido, a criança precisa ser concebida e tratada como um ser total, completo e indivisível, apresentando-a a experiências e interações com outras crianças e adultos. Portanto, fica explícito, mais uma vez, que os documentos do Programa discutem importantes informações teóricas, mas não explicitam como os profissionais da educação poderiam utilizar esses conhecimentos para pensarem na prática do ensino fundamental de nove anos notadamente com a política já em processo.

3 Considerações acerca da criança nos documentos oficiais do Programa Ampliação do Ensino Fundamental para Nove Anos

Após analisarmos cada uma das categorias elencadas, podemos apresentar algumas ideias acerca da concepção de criança ingressante no ensino fundamental, presente nos documentos oficiais do Programa estudado.

É nítido que a criança de seis anos representada no material é um ser íntegro e completo, e é papel das escolas respeitar e colaborar com o desenvolvimento de todas as suas dimensões afetivas, cognitivas, sociais e psicológicas. De acordo com o material:

As propostas pedagógicas [...] devem promover em suas práticas de educação e cuidados a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivo- lingüísticos e sociais da criança, entendendo que ela é um ser total, completo e indivisível. Dessa forma, sentir, brincar, expressar-se, relacionar-se, mover-se, organizar-se, cuidar-se, agir e responsabilizar-se são partes do todo de cada indivíduo (BRASIL, 2004, p. 15).

Outra ideia que define a criança de seis anos nos textos oficiais do Programa é sua atuação no e com o mundo. Segundo os documentos (BRASIL, 2004, 2007, 2009a, 2009b), ela deve ser entendida como sujeito ativo, tanto no processo de ensino e aprendizagem, como no momento do planejamento coletivo pedagógico.

A criança ingressante também possui características peculiares, como brincar, imaginar, criar cultura e ser curiosa. O brincar, enquanto uma singularidade sua, é enfatizado como essencial para seu desenvolvimento, já que brincando a criança pode interpretar e reinterpretar o mundo de diferentes formas, colaborando para sua aprendizagem. Entretanto, o material (BRASIL, 2007) também menciona que brincar não é algo dado na vida do ser humano, mas que se aprende e, por isso, a escola deve garantir e incentivar momentos e espaços para a brincadeira.

Nesse ponto, podemos perceber certa incoerência no tocante ao brincar e à criança. Isso pode ser observado no documento Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações para a Inclusão da Criança de Seis Anos de Idade (BRASIL, 2007), a partir da seguinte afirmação: "Partindo do princípio de que o brincar é da natureza de ser criança, não poderíamos deixar de assegurar um espaço privilegiado para o diálogo sobre tal temática" (BRASIL, 2007, p. 9). Mais à frente, no mesmo material, é dito: "É importante ressaltar que a brincadeira não é algo já dado na vida do ser humano, ou seja, aprende-se a brincar, desde cedo" (BRASIL, 2007, p. 36). Por conta disso, podemos questionar: afinal, como o brincar pode ser ao mesmo tempo, parte da natureza da criança, mas não ser algo dado na vida do ser humano? Nesse sentido, o texto parece demonstrar duas visões: 1) a de que ela brinca por natureza, 2) a de que ela precisa aprender a brincar, e a escola é um dos espaços propícios para essa aprendizagem.

Além disso, no material do Programa (BRASIL, 2004, 2007), também é destacada a necessidade de adaptação do ambiente, dos materiais didáticos, mobílias, currículo e espaço, de acordo com as especificidades das crianças ingressantes na escola de nove anos. É dito que a organização espacial da escola demonstra o que se pensa sobre a criança e sua educação. Entretanto, existem lacunas e indefinições sobre a reestruturação desse ambiente. Ou seja, apesar de os textos apontarem para a importância de uma adaptação estrutural, o material não especifica e nem dá indícios do que seria, então, uma organização e adequação ideal do espaço.

Encontramos, ainda, outra imprecisão referente ao currículo dessa escola de ensino fundamental de nove anos. As publicações oficiais (BRASIL, 2004, 2007) convidam os leitores a questionar a concepção de currículo como um programa - com começo, meio e fim-, a ser seguido rigorosamente. Além disso, os documentos (BRASIL, 2004, 2007, 2009b) sugerem que existe uma articulação entre os conhecimentos historicamente acumulados, com as vivências e saberes dos alunos. No texto Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações para a Inclusão da Criança de Seis Anos de Idade (BRASIL, 2007), é destacado:

[...] este é o momento de recolocarmos no currículo dessa etapa da educação básica O brincar como um modo de ser e estar no mundo; o brincar como uma das prioridades de estudo nos espaços de debates pedagógicos, nos programas de formação continuada, nos tempos de planejamento (BRASIL, 2007, p. 10, grifo do autor).

Todavia, apesar da ênfase na necessidade de incluir o brincar no currículo e de ouvir as demandas das crianças, os textos oficiais, ao apontarem os componentes curriculares obrigatórios do ensino fundamental (Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Arte, Educação Física, Matemática, Ciências da Natureza, História e Geografia), não garantem, efetivamente, o espaço para os saberes dos alunos e para o brincar.

Uma segunda reflexão, que podemos fazer nesse mesmo sentido, é o fato de que todo os materiais do Programa (BRASIL, 2004, 2007, 2009a, 2009b) enfatizam a necessidade de a escola garantir uma articulação entre todas as áreas do conhecimento, bem como assegurar o desenvolvimento de diferentes conteúdos e linguagens nas crianças. Todavia, os mesmos documentos dão grande ênfase em dissertar sobre o componente curricular obrigatório de Língua Portuguesa, dando a impressão de que nem todas as áreas, conhecimentos e linguagens são igualmente importantes para a educação dessa criança.

No que diz respeito ao ensino e à aprendizagem mais adequados para a criança ingressante no ensino fundamental, os textos oficiais destacam que o ensino e a aprendizagem devem acontecer de forma articulada e interativa, entre todas as áreas do conhecimento, sendo inter e multidisciplinar. Além disso, é enfatizado que o aprendizado dos conhecimentos científicos não é fruto de memorização ou imitação por parte da criança. Por isso, é necessário não engessar o percurso de ensino e aprendizagem com atividades puramente sistemáticas, mecânicas.

Ademais, os documentos do Programa Ampliação do Ensino Fundamental para Nove Anos (BRASIL, 2004, 2007, 2009a, 2009b) discorrem sobre o quanto cada ser humano é único, e, nesse sentido, aprendem em ritmos e maneiras completamente distintas. Assim as crianças devem ter seu tempo de aprendizagem respeitado no ambiente escolar. Para isso, é importante que o currículo e o planejamento sejam flexíveis e ajustáveis, tanto para possibilitar o respeito ao tempo da criança, como para incluir suas demandas.

Todavia, há passagens nos textos afirmando que há um tempo limite para que esse aprendizado ocorra, como no excerto: "[...] reconhecer quando ele está em vias de consolidar os conhecimentos esperados ou quando não está conseguindo caminhar nessa direção, no período previsto" (BRASIL, 2007, p.101). Ou no trecho: "[...] deve-se ter clareza sobre o que é necessário que os estudantes aprendam em cada etapa escolar [...]" (BRASIL, 2007, p. 107). Assim, esse fato pode ser percebido como mais uma incoerência dentro dos textos oficiais, já que ao mesmo tempo em que enfatizam a necessidade de respeitar o tempo de aprendizagem da criança, é dito que há um período previsto para ela apropriar-se de determinados assuntos.

Em relação ao professor da escola de nove anos, também lhe é incumbido um papel muito significativo. Nos documentos (BRASIL, 2007, 2009b), é destacada a necessidade de aproximação afetiva do professor, especialmente com essa criança de seis anos. Palavras como toque, olhar, cuidado, carinho e presença são usadas para descrever essa relação. Conforme o material, o professor precisa estar sempre disponível e atento às crianças, ajudando-as em tudo que lhe for solicitado. Desse modo, vemos que essa criança apresentada nos documentos do Programa é um sujeito que demanda cautela e atenção especial, inclusive afetiva por parte da escola.

Além disso, o professor possui o papel de mediador dos conhecimentos. É ele quem deve instigar a curiosidade da criança. Ao mesmo tempo, ele também possui a responsabilidade de equilibrar todas as diferentes propostas e demandas - dos alunos, do próprio professor e dos colegas - que surgirem no decorrer do percurso formativo.

[...] cabe a nós, professores(as), planejar, propor e coordenar atividades significativas e desafiadoras capazes de impulsionar o desenvolvimento das crianças e de amplificar as suas experiências e práticas socioculturais. Somos nós que mediamos as relações das crianças com os elementos da natureza e da cultura, ao disponibilizarmos materiais, ao promovermos situações que abram caminhos, provoquem trocas e descobertas, incluam cuidados e afetos [...] (BRASIL, 2007, p. 58).

Em geral, vemos que há fortes indícios de que a criança concebida por esses documentos oficiais do Programa Ampliação do Ensino Fundamental para Nove Anos (BRASIL, 2004, 2007, 2009a, 2009b) é um ser a quem se deve dar voz, ouvidos e atenção. É uma criança que brinca, imagina, é curiosa, e que se desenvolve por meio de interações com as pessoas e o mundo a sua volta. Por isso, o espaço destinado a essa criança, a diversidade e a qualidade das experiências oferecidas a elas impactam diretamente em seu desenvolvimento. Nesse sentido, a figura de um adulto, um professor que saiba equilibrar as exigências da escola e das crianças, torna-se fundamental no processo de ensino e aprendizagem.

Entretanto, apesar dessas ideias terem se sobressaído dentro dos textos oficiais do Programa, percebemos algumas incoerências e indefinições acerca dessa criança de seis anos, ingressante no ensino fundamental, e de sua educação. Essas contradições demonstram as incertezas sobre o caminho a ser seguido, ficando a critério e responsabilidade das escolas e professores essa decisão que, frente à urgência da referida política, em processo no país há mais de uma década, pode estar se atendo à reprodução de velhas práticas em um novo ambiente escolar.

A respeito disso, pesquisas que abordam a temática da materialização do ensino fundamental de nove anos em diferentes regiões do Brasil demonstram que poucas mudanças têm sido feitas nas escolas nesse sentido (MORO, 2009; ARELARO et al, 2011; PANSINI; MARIN, 2011; KLEIN, 2011; SOLERNO; FULCHINI, 2013; PUGLIESE, 2016). Pansini e Marin (2011), por exemplo, observaram que não houve uma substituição das mobílias para receber as crianças de seis anos, ocorrendo apenas um rearranjo inadequado dos espaços da escola. Klein (2011), por sua vez, constatou que as salas de aula e outros espaços da escola, como o pátio, não foram reorganizados para incluir as crianças de seis anos. Solerno e Fulchini (2013), ainda, observaram que a falta de estrutura física da escola para receber essa política tem comprometido o brincar. Pansini e Marin (2011) e Pugliese (2016), também, constataram, na prática, que as crianças de seis anos estavam vivenciando as mesmas experiências curriculares que as antigas turmas de 1ª série, oferecidas às crianças de 7 anos, inclusive, em termos de conteúdos. Moro (2009), além disso, observou que tem ocorrido grande pressão sobre a escola, por parte dos pais, para a alfabetização da criança logo no 1º ano. Arelaro et al (2011), de outro lado, relataram que houve pouca ou nenhuma preparação efetiva do corpo docente, e que o estudo dos documentos oficiais não foi garantido em todas as escolas envolvidas. Também Pansini e Marin (2009) constataram nas escolas uma falta de clareza sobre o processo de aprendizagem das crianças ingressantes, e mesmo sobre qual o papel dos profissionais na condução do processo de implementação da política.

Assim, conforme destacam Arelaro et al (2011), muitas das crianças ingressantes no ensino fundamental acabam sujeitas a vivenciar experiências escolares incompatíveis com sua faixa etária, de modo que “o ensino fundamental de nove anos não representa, necessariamente, um ganho na educação das crianças pequenas” (ARELARO et al, 2011, p. 48, grifo das autoras). As lacunas dessa política e de seus documentos, bem como suas incoerências e indefinições acerca da criança de seis anos ingressante no ensino fundamental e de sua educação, somadas à falta de tempo e postas pela velocidade da implementação da política, parecem ter contribuído com esse cenário, impedindo que tais crianças sejam efetivamente reconhecidas, em suas especificidades, no cotidiano escolar.

Referências

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Recebido: 05 de Junho de 2018; Revisado: 12 de Setembro de 2018; Aceito: 25 de Outubro de 2018

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