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Educação: Teoria e Prática

versão impressa ISSN 1993-2010versão On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.29 no.62 Rio Claro set./dez 2019  Epub 01-Jan-2020

https://doi.org/10.18675/1981-8106.vol29.n62.p546-552 

Apresentação

APRESENTAÇÃO

Arlete de Jesus BritoI 
http://orcid.org/0000-0003-1220-7474

Adriana de BortoliII 
http://orcid.org/0000-0003-2524-4987

IUniversidade Estadual Paulista – Câmpus de Rio Claro, São Paulo – Brasil. E-mail:arlete.unesp@gmail.com.

IIFaculdade de Tecnologia Professor Antônio Seabra (FATEC), Câmpus Lins, São Paulo – Brasil. Email: adrianadebortoli1@hotmail.com.


Esse número temático da revista Educação: Teoria e Prática dedica-se a questões de interface entre História, Filosofia e a Formação de Professores de Matemática. Ele apresenta resultados de investigações desenvolvidas pelos integrantes do grupo de pesquisa interinstitucional História, Filosofia e Educação Matemática (HIFEM) criado em 1996 e atualmente coordenado pela professora Arlete de Jesus Brito. Os autores constantes na edição temática são professores e pesquisadores que atuam em universidades públicas e privadas brasileiras. Além deles, convidamos para participar desse número temático as Dra. Cristina Ochoviet e Dra. Verónica Molfino, do Departamento de Matemática do Consejo de Formación en Educación (Uruguay). Os trabalhos dessas autoras têm dialogado com as problemáticas da Educação Matemática, Formação de Professores e Filosofia.

As pesquisas de (RESENDE, MESQUITA, 2013; PACHECO, ANDREIS, 2018) aliadas a nossas práticas em escolas de Educação Básica e no Ensino Superior indicam a grande dificuldade dos professores em ensinar a Matemática a seus alunos, de modo que estes possam tomá-la como uma ferramenta de ação política, junto à sociedade. Essa dificuldade é histórica e está relacionada a questões filosóficas sobre como vem sendo construída a noção de “Matemática” presente nos currículos de ensino, inclusive nos de formação docente, em diferentes épocas. Tal noção pressupõe que esse campo do saber seria o elaborado nos meios acadêmicos, o que oblitera outras matemáticas produzidas e utilizadas em diferentes práticas sociais e nega legitimidade aos processos matemáticos utilizados pelas pessoas fora do ambiente escolar. A História e a Filosofia podem colaborar para desconstruir a ideia de que existe apenas uma matemática, a acadêmica.

Miguel e Brito (1996) afirmam que a participação da História na formação do professor de Matemática pode ajudá-lo a observar como ela é um espaço de expressão de poder, já que o conhecimento matemático existente hoje se constituiu não apenas por meio do incremento linear e da colaboração pacífica entre matemáticos, mas, na maior parte das vezes, pelo signo do segredo, por meio de contendas sobre a prioridade de criação do conhecimento ou mesmo pela exclusão de conhecimentos que, apesar de estarem corretos, não se coadunavam com os demais saberes da época em que foram criados. Além disso, muita Matemática foi produzida para contribuir com guerras, para subsidiar a exploração econômica e esse ramo do saber passou a fazer parte ostensivamente do currículo escolar quando foi conveniente ao capitalismo (cf. BRITO, 2012)

No Brasil, existem recomendações para o uso pedagógico da História da Matemática em documentos oficiais como Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), o recurso à História da Matemática pode oferecer uma importante contribuição ao processo de ensino e de aprendizagem ao mostrar necessidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos que levaram à criação da Matemática. Portanto, ao estabelecer comparações entre os conceitos e processos matemáticos do passado e do presente, o professor criaria condições para que o aluno desenvolva atitudes e valores mais favoráveis diante desse conhecimento. Além disso, segundo os PCN, conceitos abordados em conexão com sua História constituíram veículos de informação cultural, sociológica e antropológica de valor formativo. A História da Matemática seria, nesse sentido, um instrumento de resgate da própria identidade cultural. Em muitas situações, o recurso à História da Matemática poderia esclarecer ideias Matemáticas que estão sendo construídas pelo aluno, especialmente para dar respostas a alguns porquês de conceitos e, desse modo, contribuir para a constituição de um olhar mais crítico sobre os objetos de conhecimento. Assim, a própria História dos conceitos poderia sugerir ao professor, caminhos para abordá-los. Nesse sentido, os PCN vão ao encontro de pesquisas que também indicam que a integração da História e da Filosofia na Formação de Professores de Matemática pode colaborar para a criação de alternativas de ensino. Segundo Ferreira e Rich (2001), conhecimentos de História e de Filosofia podem incrementar a criatividade profissional de professores, ao ajudá-los a compreender melhor ideias Matemáticas, o que pode acarretar em uma mudança de abordagem didática, em suas aulas.

Segundo a BNCC (2012), além dos diferentes recursos didáticos e materiais, como malhas quadriculadas, ábacos, jogos, calculadoras, planilhas eletrônicas e softwares de geometria dinâmica, seria importante incluir a História da Matemática nas aulas como recurso que pode despertar interesse e representar um contexto significativo para aprender e ensinar Matemática. Entretanto, esses recursos e materiais precisariam estar integrados a situações que propiciem a reflexão, contribuindo para a sistematização e a formalização dos conceitos matemáticos. Ferreira et al (1992), Miguel e Brito (1996), Nunes, Almouloud e Guerra (2010) também afirmam o potencial da História da Matemática para uma aprendizagem significativa, por parte dos alunos, e para a formalização de conceitos em aula.

No entanto, para que se cumpram tais objetivos é necessário que os professores tenham, em sua formação, a possibilidade de refletir sobre o conhecimento matemático a partir de uma mirada histórica e filosófica. Já no início do século XX foram publicados textos que abordam a importância da História da Matemática e a de seu ensino para a Formação de Professores (cf. SCHUBRING, 2000; DEJIĆ, MIHAJLOVIĆ, 2014). Além disso, diversos congressos na área de Educação Matemática evidenciam interesses de pesquisa sobre esse tema, como por exemplo, o History and Pedagogy of Mathematics (HPM); o Congress of the European Society for Research in Mathematics Education (CERME) e o Encontro Nacional de História da Educação Matemática (ENAPHEM).

Assim, no primeiro eixo desse número temático, o leitor encontrará discussões que se voltam para questões da inserção da História e da Filosofia na Formação de Professores de Matemática. Esse eixo é composto pelos seguintes artigos: O que os livros didáticos de Matemática Moderna representam para um grupo de professores de Matemática no interior do Estado de São Paulo; Algumas considerações sobre a reconstrução de antigos instrumentos matemáticos dirigida para formação de professores; O problema tahânico de Lobato: Emília conhece Beremiz que não conhece a Educação Matemática; A História da Matemática em atividades didáticas na formação inicial de professores e A História da Matemática nos planos de aula de 2009 a 2013 do Portal do Professor-MEC.

O segundo eixo apresentado nesse número temático é formado por textos que abordam historicamente a formação inicial e continuada de professores que ensinam Matemática. Discussões sobre esse tema são antigas, conforme apontam Miguel, Miorim e Brito (2013). Esses autores realizaram levantamento de dissertações e teses que abordavam História da Educação Matemática, no período de 1984 e 2010, encontrando um total de 202 trabalhos acadêmicos, dos quais 14 teses e 25 dissertações versavam sobre histórias de formação de professores de matemática. No entanto, há que se considerar que depois de 2010, uma vultosa quantidade de pesquisas sobre esse tema foi realizada a partir, principalmente, de projetos do Grupo de História Oral e Educação Matemática e do Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática. Dialogando com esse viés historiográfico, esse número temático apresenta os textos: O Quadro Valor de Lugar nos Módulos do Projeto Logos II: uma experiência histórica na formação de professores, Zoltan Dienes e a formação de professores em Porto Alegre em tempos de Matemática Moderna e Uma narrativa sobre a história da educação de Itaipulândia (PR).

Há vários vieses de investigações sobre a História da Formação de Professores de Matemática e Baroni e Nobre (1999) apontam que uma das categorias desse tipo de investigação seria a História das Instituições de formação de matemáticos e de professores de Matemática. Por meio de algumas das pesquisas dessa categoria, observamos que o modelo predominante na formação superior de professores de matemática no Brasil, por muito tempo, se deu pelo denominado “modelo 3+1” (veja-se, por exemplo, MAURO, 1999; KRAHE, 2000; MENINO, 2001; BORTOLI, 2003; STAMATO, 2003; CURY, 2011; MARTINS-SALANDIM, 2012), ou seja, três anos de disciplinas exclusivamente matemáticas e um ano de disciplinas pedagógicas. Esse modelo, criticado e superado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores da Educação Básica, de 2002, colaborou para difundir, entre os professores, um modelo de ensino de matemática que priorizava a lógica dedutiva e o formalismo linguístico em detrimento da significação de conceitos. Tal modelo e as práticas pedagógicas dele decorrente alinham-se a correntes filosóficas, tais como o platonismo, o formalismo e o logicismo, como apontam Brito (2004) e Cardoso (2009).

Contudo, a persistente dificuldade de aprendizagem dos alunos da Escola Básica e o desinteresse dos mesmos para com essa disciplina têm indicado a falência tanto desse modo de entender tal campo do conhecimento, quanto desse modelo de ensino. Portanto, faz-se necessária a reflexão filosófica sobre tais questões, na formação do professor de matemática. Speranza e Grugnetti (1996) afirmam que nossas opções filosóficas devem guiar nossas escolhas educacionais e estarem abertas à análise. Assim, nesse número temático, o artigo Enseñanza de la Matemática para la justicia social en la formación de profesores en Uruguay, de Verónica Molfino, Cristina Ochoviet aborda a importância da filosofia para a construção do conhecimento especializado do professor de matemática e de sua atuação política cidadã.

Ademais, acreditamos que a formação docente deve ser trabalhada de forma colaborativa. Nesse viés, o artigo intitulado Trabalho Colaborativo no uso de Software de Geometria Dinâmica apresenta um exame das interações entre professores em que houve a promoção de uma cultura profissional colaborativa e, nesse cenário, inerentes a dúvidas e incertezas, houve o objetivo de ocasionar um aprendizado eficaz de geometria mediante a interação com as tecnologias.

Finalmente, esse número temático conta com a resenha de uma obra Ver e ensinar a Matemática de outra forma- introduzir a Álgebra no ensino: qual é o objetivo e como fazer isso?, do filósofo e psicólogo Raymond Duval, emérito da Université du Littoral Côte d’Opale/França que traz ricas contribuições para a comunidade acadêmica da área de Educação Matemática, bem como aos professores atuantes no Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Portanto, alinhamo-nos ao interesse da revista Educação: Teoria e Prática que consta de uma publicação que tem como missão constituir-se em um instrumento para o diálogo crítico e discussão entre professores, pesquisadores, especialistas em educação e alunos e que ao longo de sua existência foi fortalecendo seu propósito acadêmico no que concerne à produção de conhecimentos de cunho interdisciplinar.

Referências

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