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Educação: Teoria e Prática

versión impresa ISSN 1993-2010versión On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.29 no.62 Rio Claro set./dic 2019  Epub 01-Ene-2020

https://doi.org/10.18675/1981-8106.vol29.n62.p754-762 

Resenhas

VER E ENSINAR A MATEMÁTICA DE OUTRA FORMA – INTRODUZIR A ÁLGEBRA NO ENSINO: QUAL É O OBJETIVO E COMO FAZER ISSO?

SEEING AND TEACHING MATHEMATICS IN ANOTHER WAY – INTRODUCING ALGEBRA IN TEACHING: WHAT IS THE OBJECTIVE AND HOW TO DO IT?

VER Y ENSEÑAR MATEMÁTICAS DE OTRA MANERA: INTRODUCIR EL ÁLGEBRA EN LA ENSEÑANZA: ¿CUÁL ES EL OBJETIVO Y CÓMO HACERLO?

Édrei Henrique LourençoI 
http://orcid.org/0000-0002-7119-8988

Paulo César OliveiraII 
http://orcid.org/0000-0003-2514-904X

IColégio Politécnico de Sorocaba, São Paulo – Brasil. E-mail: henrique.edrei@gmail.com.

IIUniversidade Federal de São Carlos, Câmpus de São Carlos, São Paulo – Brasil. E-mail:paulooliveira@ufscar.br


Produto da estadia do filósofo e psicólogo Raymond Duval, emérito da Université du Littoral Côte d’Opale/França, como professor visitante da Universidade Bandeirantes de São Paulo, o livro Ver e ensinar matemática de outra forma – introduzir a álgebra no ensino: qual é o objetivo e como fazer isso? trata-se do segundo volume da série “Ver e Ensinar a Matemática de Outra Forma”, cuja organização foi da professora Drª. Tânia Maria Mendonça Campos. Ele foi sistematizado em três capítulos e contou com a participação dos professores Tânia Maria Mendonça Campos, Luiz Gonzaga Xavier de Barros e Marlene Alves Dias sob a supervisão do professor Raymond Duval.

A obra traz ricas contribuições para a comunidade acadêmica da área de Educação Matemática, bem como aos professores atuantes no Ensino Fundamental e Ensino Médio.

No capítulo I (Estado da arte do ensino da álgebra: os objetivos visados e as dificuldades dos alunos) os autores argumentam que para compor o referido estado da arte é necessário considerar três questões:

  1. Que critérios permite-nos afirmar que determinada tarefa origina-se da álgebra e não de outro domínio da matemática?

  2. O que o ensino da álgebra oferece que outros conhecimentos matemáticos não oferecem?

  3. O sucesso na resolução de exercícios envolvendo habilidades algébricas é um prognóstico confiável de compreensão e desenvolvimento do pensamento matemático?

Para a descrição desse estado da arte é necessário olhar qual conhecimento como um todo constitui o objetivo global desse ensino e como ele foi matematicamente decomposto em elementos de base. Os objetivos e conteúdos do referido ensino corresponde aos elementos de base, enquanto o todo denominado de conhecimento completo apresenta múltiplos aspectos e conexões implícitas com outros conhecimentos.

No contexto da educação francesa, o objetivo do ensino da álgebra é a aquisição das equações como ferramenta de solução de problemas. O emprego metafórico para a palavra ferramenta consiste nas propriedades e nos procedimentos para resolver a equação. Resolver as equações é, por um lado, a condição absolutamente necessária para utilizá-las como ferramenta. Por outro lado, é preciso poder colocar os dados em forma de equações para, em seguida, resolvê-la, o que constitui uma fonte de incompreensão.

Em suma, o objetivo do ensino de álgebra envolve a apropriação de um novo sistema de representação e de tratamento de dados quantitativos.

Os autores da obra fizeram o inventário das dificuldades que os alunos na faixa de 11 a 16 anos de idade podem enfrentar na aprendizagem da álgebra elementar. A decomposição matemática do conhecimento leva a distinguir três aspectos para a aquisição da álgebra elementar:

  1. Colocação em forma de equação: trata-se de uma operação diferente e mais complexa que a única designação/redesignação de números e dados utilizando letras;

  2. Algoritmos de transformação de escrita e as propriedades matemáticas que os justifiquem;

  3. Utilização das equações para resolver problemas. No entanto, a utilização mais frequente e útil é a aplicação de equações que já estão prontas.

A qualificação dos erros foi organizada em quatro categorias e suas respectivas subcategorias, tomando por base as dificuldades relatadas em produções acadêmicas publicadas por outros pesquisadores. Uma primeira categoria é a dificuldade em associar a utilização das letras para as operações de designação, em particular a articulação com o símbolo de igualdade. Uma segunda categoria é a dificuldade para colocar vários dados em forma de equação. A terceira categoria envolve as dificuldades associadas ao funcionamento da equação: transformações de equações e propriedades matemáticas. Por fim, a quarta categoria refere-se às dificuldades de utilização de uma equação já escrita, por exemplo, uma fórmula. Nesse caso, a presença de frações e soluções negativas pode comprometer a resolução ou a compreensão dos resultados das equações.

Os autores advertem que a tentativa de classificação dos erros observados mostra a dificuldade desse tipo de classificação, por considerar que as categorias não são disjuntas, ou seja, os erros de uma categoria poderiam ser colocados em outra.

No capítulo II intitulado “Os dois pontos cruciais das pesquisas: a análise das produções dos alunos e análise dos problemas”, dois pontos de suma importância das pesquisas são considerados, sendo por um lado apresentada a análise das produções dos alunos e, por outro lado, a análise dos problemas propostos aos alunos. Assim, no que tange as produções dos alunos, a questão de como analisá-las visando à interpretação em termos de aquisição ou de obstáculo à compreensão, remete a dualidade das produções no quadro do ensino da matemática, na qual figuram os erros, ou abandonos, e o sucesso nas questões sob o ponto de vista matemático. Ainda considerando a produção dos alunos, foi realizada uma análise do fenômeno de não reconhecimento das identidades observáveis (produtos notáveis) e a importância da verbalização nos fenômenos de reconhecimento.

O fenômeno de reconhecimento ou não das identidades está vinculado à diferença cognitiva entre a operação de desenvolver o produto notável e a fatoração. Enquanto o desenvolvimento do produto notável envolve a aplicação de operações elementares na expressão algébrica, a fatoração envolve principalmente o reconhecimento de cada termo numérico como a composição de um produto possível de dois números e não inicialmente às letras.

A importância da verbalização nos fenômenos de reconhecimento diz respeito à verbalização implícita associada ao reconhecimento visual do símbolo do número. A verbalização implícita permite dar significados diferentes à escrita de um numeral por meio de diferentes operações, como o caso do numeral 9 que pode ser interpretado como o quadrado do número 3 (3x3) ou como (1x4)+(1x5) sendo um duplo produto conectado por uma operação aditiva, entre outras possibilidades.

Já no que se refere aos problemas propostos aos alunos em determinadas situações de aprendizagem os autores discutem, inicialmente, a análise em função do que exige a solução matemática do problema. Tal análise se inscreve no quadro da decomposição regressiva, sobre o qual é preciso conhecer o funcionamento da equação para poder utilizá-las como ferramenta de resolução de problemas. A obra contém exemplos de problemas classicamente propostos para os objetivos sucessivos de aquisição da ferramenta equação.

O primeiro objetivo de ensino (conhecimento de base) é tornar o recurso às letras necessário para resolver um problema que diz respeito a uma quantidade desconhecida. Os resultados de pesquisa apontam um efeito contrário àquele visado, pois os alunos adotam a estratégia por tentativas numéricas sucessivas e não veem a utilidade de recorrer às letras para resolver problemas do tipo: dois números têm por soma 300. De quanto aumenta seu produto se eu aumentar cada número de 7?

O segundo objetivo de ensino consiste em colocar na forma de equação. Segundo os autores, problema como o que acabamos de apresentar não é suficiente para expor na forma de equação, pois outras operações cognitivas são necessárias como, por exemplo, exprimir uma relação entre várias incógnitas.

O último objetivo diz respeito à descoberta das letras como variáveis. Neste caso, um salto qualitativo é dado quando as letras não são mais introduzidas para designar um número desconhecido, mas como uma função de generalização.

Posteriormente, Duval et al (2015) apresentam a análise dos problemas propostos sob o ponto de vista da distância entre a apresentação dos dados e o registro de tratamento que permitem a solução correta da questão. Esta análise parte das seguintes constatações: existem diferentes maneiras de apresentar os dados de um problema e existem diferentes problemas que têm a mesma solução matemática.

Nessa apresentação é considerada, inicialmente, a variação do modo de apresentação dos dados de um problema. Os dados do seguinte problema são apresentados no registro da língua natural: o perímetro de um retângulo é de 80 m. O comprimento mede 20 metros a mais que a largura. Quais as dimensões do retângulo? No entanto, o enunciado deste problema poderia partir da apresentação da figura retângulo com a largura designada pela incógnita ‘a’ e o comprimento por ‘a+20’. Na sequência, finaliza-se a apresentação do problema da seguinte forma: o perímetro de um retângulo é de 80 cm. Quais as dimensões do retângulo?

Uma segunda forma de apresentação é a inversão de sentido das conversões a serem efetuadas. Podemos apresentar os dados de um problema na forma literal e pedir para construir uma figura correspondente como no enunciado a seguir: desenhar uma figura cuja área é apresentada pela expressão 2a.(a+1).

Há problemas que parecem distintos, mas têm a mesma solução matemática (terceira forma de apresentação). Isto ocorre nos dois exemplos a seguir:

  1. Pierre e Elizabeth têm juntos 80 anos. Pierre tem 20 anos a mais que Elizabeth. Qual a idade de cada um?

  2. A soma de dois números é 80 e sua diferença é 20. Quais são esses números?

O segundo capítulo é finalizado com uma comparação entre essas duas formas de analisar os problemas a serem propostos aos alunos, sendo que a análise dos problemas em função da solução está associada à decomposição regressiva, enquanto que a análise sob a ótica da distância cognitiva que separa a apresentação dos dados dos tratamentos necessários para produzir a solução correta é um pré-requisito de um conhecimento completo. Segundo os autores, o ensino da álgebra e as pesquisas sobre o tema levam em consideração majoritariamente o ponto de vista matemático, isto é, consideram a decomposição dos conteúdos a serem ensinados apenas sob o ponto de vista matemático, o que pode caracterizar um obstáculo para a real progressão das pesquisas sobre o ensino da álgebra.

No capítulo 3, intitulado “As operações cognitivas subjacentes à compreensão das escritas algébricas”, do ponto de vista cognitivo é preciso reconhecer operações de substituição semiótica que são independentes umas das outras e fundamentais para compreender o que é uma equação, como funciona e como utilizá-la. Dentre as operações, destacamos a substituição de uma letra por um número desconhecido, vários números por uma letra, símbolos designando grandezas positivas e negativas, além das operações aditivas, entre outras.

Duval et al (2015) argumentam que equacionar um problema, isto é, colocá-lo na forma de equação, é uma atividade cognitivamente complexa. A partir de um enunciado de um problema (Um jornal e seu suplemento custam 1,10 reais. O jornal custa 1 real a mais que seu suplemento. Quanto custa o jornal?), é gerada a seguinte indagação: o que precisamos fazer para converter esse enunciado em uma equação?

A resposta está no fato que três operações devem ser efetuadas:

  • a) Redesignar todos os objetos (grandezas, quantidades) já designados no enunciado. Vamos partir de uma designação verbal que podemos associar ou não aos respectivos dados numéricos que seja convertido em uma redesignação literal. Alguns objetos são designados diretamente e outros são designados por meio de uma relação de dependência entre as variáveis, denominada designação funcional, conforme conteúdo do quadro a seguir:

Quadro 1 Exemplo das designações para o objeto matemático função 

  Designação verbal Dados numéricos Redesignação literal
Designação Custo do jornal ? a
direta Custo do suplemento ? b
  Custo dos dois R$1,10 a+b
Designação O jornal custa mais que o    
funcional suplemento (...+1) (b+1)
       

Fonte: Organizado pelos autores da resenha

A designação direta resulta de um procedimento linguístico, a nominalização, que consiste em transformar uma frase em um sintagma nominal. ‘Um jornal custa...’ torna-se ‘o custo do jornal’.

  • b) Encontrar um objeto que pode ser designado ou redesignado duas vezes. A dupla designação de um mesmo objeto é a primeira operação discursiva em toda atividade matemática, pois ela permite efetuar substituições, sequências de instruções, de raciocínios, as quais apresentamos no quadro a seguir:

Quadro 2 Relação entre a designação e redesignação 

  Designação verbal Dados numéricos Redesignação literal
Dupla designação de um mesmo objeto Objeto: o custo dos dois ‘um jornal e seu suplemento custam 1,1’ R$1,10 a+b = (b+1)+b = 2b+1

Fonte: Organizado pelos autores da resenha

  • c) Colocar na forma de equação é escrever uma equivalência referencial entre as duas designações diferentes de um mesmo objeto, no caso, 2b+1=1,1

Para qualquer enunciado do problema a ser considerado, segue três operações cognitivas que é o mínimo necessário para estabelecer a forma de equação: 1) escolher uma redesignação literal direta para poder fazer uma redesignação funcional de outro objeto; 2) discriminar duas designações diferentes de um mesmo objeto; 3) compreender que a equação é uma equivalência referencial da escrita de um número. No entanto, do ponto de vista do ensino, a compreensão da designação funcional não resulta da compreensão de uma designação direta. Entre as duas há um salto considerável.

Para transpor este salto, do ponto de vista cognitivo, a introdução das letras deve satisfazer duas exigências:

  1. Preencher a função de condensação não designando um número, mas uma lista indefinidamente aberta de números, isto é, uma associação;

  2. Implicar de imediato a designação funcional de uma segunda lista de números tendo com a primeira uma relação constante termo a termo. Neste caso, uma letra designa duas listas abertas correlatas de números. As listas abertas não devem ser desenvolvidas por tentativas de acertos e erros, mas sim por uma progressão regular que é inicializada.

A seguir apresentamos um quadro que contém a tarefa na qual as letras são introduzidas para cumprir simultaneamente uma função de condensação e para permitir uma designação funcional:

É importante que se promova a variação dos registros de entrada (no qual os dados a redesignar são apresentados) e aquele que pedimos a redesignação (registro de chegada), para que possamos ter tarefas cognitivas diferentes: converter (mudar a forma de registro) o registro numérico na forma de escrita decimal (II) para o registro algébrico (III) e vice-versa; converter o registro numérico na forma de escrita decimal (II) para o registro na língua natural (I) e vice-versa; assim como a conversão do registro na língua natural (I) para o registro algébrico (III) e vice-versa.

O desafio dessas variações é o reconhecimento imediato das redesignações ou das substituições possíveis, quaisquer que sejam os registros.

Raymond Duval e seus colaboradores terminam o livro argumentando que o tipo de grade que apresentamos nessa resenha permite cruzar os tipos de designação a produzir com os tipos de dados de partida para a lista de valores numéricos a produzir, de acordo com os tipos de registros dados. Esse cruzamento possibilita analisar todos os problemas e as sequências de atividades que propomos ao introduzir a colocação em forma de equações e, portanto, a álgebra, para avaliar a distância cognitiva própria a cada operação cognitiva elementar. As variáveis cognitivas cruciais são a condensação, a designação funcional e a dupla designação de um mesmo objeto para escrever uma igualdade.

REFERÊNCIAS

DUVAL, Raymond et al. Ver e ensinar a matemática de outra forma. Introduzir a álgebra no ensino: qual é o objetivo e como fazer isso? São Paulo: PROEM editora, 2015, v. 2. [ Links ]

Recebido: 06 de Março de 2018; Aceito: 17 de Setembro de 2018; Publicado: 19 de Dezembro de 2019

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