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Educação: Teoria e Prática

versión impresa ISSN 1993-2010versión On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.30 no.63 Rio Claro  2020

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v30.n.63.s13999 

Artigos

PRÁTICAS DE LEITURA NO CONTEXTO ESCOLAR: A IMPORTÂNCIA DO DIALOGISMO NA FORMAÇÃO DO LEITOR

READING PRACTICES IN THE SCHOOL CONTEXT: THE IMPORTANCE OF DIALOGISM IN THE FORMATION OF THE READER

PRÁCTICAS DE LECTURA EN EL CONTEXTO ESCOLAR: LA IMPORTANCIA DEL DIALOGISMO EN LA FORMACIÓN DEL LECTOR

Vanessa Levati Biff1 
http://orcid.org/0000-0003-0868-5123

Magali de Moraes Menti2 
http://orcid.org/0000-0003-4698-2794

Veronice Camargo da Silva3 
http://orcid.org/0000-0002-4255-2757

1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense, Sapucaia do Sul, Rio Grande do Sul – Brasil. E-mail: vanessalbiff@gmail.com.

2Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul – Brasil. E-mail: magali@lingua.com.br.

3Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Bagé, Rio Grande do Sul – Brasil. E-mail: veronicesilva@uergs.edu.br.


Resumo

Este artigo discute as práticas de leitura realizadas no contexto escolar, evidenciando a importância da leitura dialógica na formação do leitor, segundo a noção de dialogismo de Bakhtin, por meio de uma pesquisa bibliográfica e documental. Problematizam-se as possíveis concepções de leitura, a partir dos diferentes processos de ensino-aprendizagem, com base em Mizukami (1986), Gadotti (1999) e Silva (1999). Entende-se a leitura como um processo dialógico, propondo-a como possibilidade de atuação educativa que promova a formação do leitor em contexto escolar, considerando os dados obtidos em duas teses referentes às práticas de leitura e à escola e o que determinam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no tocante à leitura.

Palavras-chave Práticas de Leitura; Formação do Leitor; Dialogismo; Leitura Dialógica

Abstract

This article discusses the reading practices performed in the school context, highlighting the importance of dialogic reading in the reader's formation, based on Bakhtin's notion of dialogism, through a bibliographic and documentary research. The possible conceptions of reading from the different teaching-learning processes are problematized, based on Mizukami (1986), Gadotti (1999) and Silva (1999). Reading is understood as a dialogical process, proposing it as a possibility of educational action that promotes the formation of the reader in the school context, considering the data obtained in two theses concerning reading practices and school, and what determines the Brazilians’ Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) and Base Nacional Comum Curricular(BNCC) regarding reading.

Keywords Reading Practices; Formation of the Reader; Dialogism; Dialogic Reading

Resumen

Este artículo discute las prácticas de lectura realizadas en el contexto escolar, destacando la importancia de la lectura dialógica en la formación del lector, según la noción de dialogismo de Bakhtin, a través de una investigación bibliográfica y documental. Las posibles concepciones de la lectura de los diferentes procesos de enseñanza-aprendizaje están problematizadas, basadas en Mizukami (1986), Gadotti (1999) y Silva (1999). La lectura se entiende como un proceso dialógico, proponiéndolo como una posibilidad de acción educativa que promueve la formación del lector en el contexto escolar, considerando los datos obtenidos en dos tesis sobre prácticas de lectura y escuela y en lo que determinan los Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) y la Base Nacional Comum Curricular brasileños (BNCC) sobre lectura.

Palabras clave Prácticas de Lectura; Formación del Lector; Dialogismo; Lectura Dialógica

1 Introdução

Ler é chato, ler é cansativo, não gosto de ler, é monótono, muito parado, me dá sono... São essas as percepções coletadas no interior da biblioteca de uma escola pública da rede federal do Rio Grande do Sul entre alunos que se afirmam não leitores quando questionados quanto ao porquê de não gostarem de ler.

O que se percebe, todavia, informalmente no interior de uma biblioteca escolar pode ser verificado nos preocupantes índices que traduzem a situação da leitura no Brasil, já que estudos nacionais e internacionais, como a Prova Brasil e o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), têm revelado os baixos índices de habilidade leitora, se comparados com média de outros países em desenvolvimento.

Infelizmente, de acordo com a 4ª edição da pesquisa Retratos da Leitura, 44% da população brasileira compõem o universo de não leitores, e mais de 50% afirmam que gostam pouco ou não gostam de ler. Os dados ainda mostram que, em geral, a leitura é considerada uma atividade obrigatória, solitária, que exige paciência e atenção. Tal associação contribui para a constatação de que, infelizmente, a leitura é ainda apreciada e praticada pela minoria da população, o que nos possibilita problematizar as práticas e concepções de leitura que a escola tem adotado na formação de leitores ao longo dos anos.

Antes de tudo, é preciso esclarecer que, por mais que o foco deste estudo seja a formação do leitor no contexto escolar, compreendemos que essa formação não se restringe apenas a essa instituição, muito menos única e exclusivamente ao professor de Língua Portuguesa. Ao escolher tratar da formação do leitor no contexto escolar, optamos por considerar a escola um espaço privilegiado para o aprendizado da leitura, já que, realizada nesse espaço, ela se apresenta como uma das práticas norteadoras de todo o processo de escolarização, configurando-se, assim, como a principal instituição a promover sua democratização, acesso, aprendizado e exercício. Dito isso, não estamos desconsiderando outras instituições sociais na constituição do sujeito leitor, apenas direcionamos, neste estudo, o foco da formação do leitor a partir de práticas de leitura feitas no contexto escolar.

Considerando essa responsabilidade, partimos do pressuposto de que as práticas de leitura realizadas no contexto escolar têm atuado como fatores condicionantes na formação do leitor por motivos que serão discutidos no decorrer deste trabalho. Por outro lado, advogamos por uma prática que atue como princípio emancipador –aqui usando o termo “emancipador” no sentido de propor práticas de leitura que respeitem a liberdade e a historicidade do leitor em seus mais variados aspectos, tanto na escolha dos modos de ler, quanto nos modos de significar aquilo que foi lido.

Diante do exposto, este artigo se propõe a discutir as práticas de leitura realizadas no contexto escolar, evidenciando a importância da leitura dialógica na formação do leitor a partir da noção de dialogismo de Bakhtin.

Para a consecução desse objetivo, este estudo caracteriza-se como uma análise exploratória, adotando, quanto aos procedimentos técnicos, a realização de uma pesquisa bibliográfica e documental. Propusemo-nos, inicialmente, a problematizar as possíveis concepções de leitura a partir dos diferentes processos de ensino-aprendizagem com base em Mizukami (1986), Gadotti (1999) e Silva (1999), buscando analisar as práticas de leitura ocorridas dentro do contexto escolar. Em seguida, apresentamos uma prática de leitura dialógica, segundo a teoria de Bakhtin (2000), identificando-a como possibilidade de atuação educativa para a promoção da formação do leitor em contexto escolar, considerando os dados obtidos em duas teses referentes às práticas de leitura e à escola e o que determinam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no tocante à leitura.

2 Práticas de leitura no contexto escolar

Cientes de que a escola exerce um importante papel na formação do leitor e que, desse modo, a análise das questões sobre a leitura está fundamentalmente ligada à concepção sobre o que é ensinar e aprender, propomos, neste estudo, problematizar as diferentes concepções sobre leitura que passam, obrigatoriamente, pelos objetivos e conceitos que se atribuem à escola e à escolarização. Dessa forma, pretende-se analisar como as teorias pedagógicas e, em decorrência, as concepções de ensino-aprendizagem deram suporte às práticas de leitura desenvolvidas em contexto escolar e, consequentemente, à formação do leitor.

Para isso optamos por fazer esta análise a partir da obra de Mizukami (1986), que divide os processos de ensino-aprendizagem em cinco abordagens: tradicional, comportamentalista, humanista, cognitivista e sociocultural, realizando um aprofundamento com os teóricos abordados por Gadotti (1999) e sugerindo uma relação com as concepções de leitura sintetizadas por Silva (1999).

2.1 Abordagem tradicional

Na abordagem tradicional, o aluno é o receptor do conhecimento que é fornecido por intermédio do professor. Nessa configuração, o aluno é uma espécie de tábula rasa, não interroga nem dialoga com a autoridade externa, sua atitude é passiva (MIZUKAMI, 1986). De acordo com Gadotti (1999), foi no Iluminismo que se iniciou o fundamento da pedagogia burguesa, marcada pela transmissão de conteúdo e formação social e individualista.

Nesse contexto, propomos pensar que as práticas escolares, no que se refere à leitura, ancoradas nessa perspectiva, concedem prioridade à decodificação das mensagens contidas no texto, onde ler é decodificar mensagens (SILVA, 1999).

Essa concepção tradicional é extremamente problemática na medida em que indica uma passividade do leitor quanto à produção de sentidos, já que, nesse sentido, cabe ao leitor receber a mensagem sem demonstrar posicionamento sobre o que é lido. De acordo com Silva (1999, p. 12):

Daí, muitas vezes, o total desprezo dos docentes pelo repertório prévio e interesses dos estudantes, o que coloca estes leitores na condição de entidades vazias - de conhecimentos e sentimentos - a quem cabe somente decodificar e "engolir" as mensagens dos múltiplos textos estudados.

Numa perspectiva tradicional, também podemos verificar as práticas de leitura, nas quais ler é traduzir a escrita em fala. De acordo com Silva (1999, p. 12) “os adeptos desta concepção reduzem a leitura à ação de oralizar o texto por parte do leitor”; assim, a atenção docente se volta para a eloquência ou expressividade verbal. Os alunos-leitores correm o risco de “transformar os símbolos escritos em símbolos orais, mas sem nenhuma preparação para compreender as ideias referenciadas pelos textos” (SILVA, 1999, p. 12).

Nos dias de hoje, há uma gama de pesquisadores que tecem críticas à postura das práticas de leitura pautadas apenas na decodificação, no entanto é importante destacar que a crítica não está no processo de decodificação em si, já que este faz parte da leitura, mas nas práticas escolares ancoradas em tendências pedagógicas tradicionais, que dão primazia à reprodução mecânica de conteúdos e informações por si sós, já que, nesse sentido, a compreensão de leitura não transcende o processo de decodificação, restringindo e limitando o ato de ler à mera reescrita de informações e conteúdos, e, dessa maneira, não contribuindo para a formação do leitor.

2.2 Abordagem comportamentalista

Na abordagem comportamentalista ou behaviorista, que tem como precursores Skinner e Watson, o processo de aprendizagem consiste na formação de uma associação entre estímulo e resposta, tendo como característica principal o conhecimento empirista, isto é, o conhecimento como resultado direto da experimentação planejada (MIZUKAMI, 1986).

De acordo com Skinner, são as experiências que determinam o comportamento do indivíduo. Seus estudos compreendem a aprendizagem como modificação do comportamento provocado por aquele que ensina por meio da utilização dos estímulos reforçadores sobre aquele que aprende (GADOTTI, 1999).

Nessa abordagem, o estímulo, chamado de reforço, nada mais é do que a recompensa. Esse reforço pode ser positivo, consistindo na apresentação de um estímulo agradável após a resposta que é a esperada; ou negativo, que consiste na apresentação de um estímulo desagradável após a resposta que não é a esperada. Tanto um reforço como o outro aumentam a probabilidade de resposta. O estímulo positivo eleva a probabilidade de ocorrência de uma resposta, e o negativo visa à sua eliminação pela apresentação de um estímulo aversivo.

Assim, como na abordagem tradicional, a relação entre ensino e aprendizagem na abordagem comportamentalista é diretiva, posto que tem como objetivo a transmissão de conhecimentos. O aluno é visto como receptor das reflexões direcionadas pelo professor, que, por sua vez, é quem determina as habilidades que devem ser desenvolvidas com o intuito de obter maior produtividade no desempenho do aluno. Desse modo, com base na análise dos repertórios a serem ensinados, cabe ao professor ensinar os comportamentos não dominados, avaliando constantemente os resultados de seus procedimentos de ensino.

Uma perspectiva behaviorista skinneriana sintetiza o ato de ler como decodificação mecânica de signos linguísticos por meio de aprendizado estabelecido a partir do condicionamento estímulo-resposta. Nessa concepção, podemos pensar que ler é dar respostas a sinais gráficos, de acordo com Silva (1999, p. 13):

Neste caso, o texto é o estímulo e a leitura, a resposta. Caso o leitor “"acerte" a resposta prevista ou pré-determinada pelo professor (geralmente em azul no manual do professor), então esse aluno será ''reforçado'', caso ele erre a resposta prevista, será "punido". Despreza-se aqui quaisquer possibilidades de um mesmo texto permitir diferentes interpretações, ou sentidos, mesmo porque uma resposta protocolar, firmada pelo professor, é privilegiada no intuito de permitir correção e controle.

Nessa perspectiva comportamentalista, podemos também pensar que ler é extrair a ideia central, ou seja, o aluno-leitor não é levado a desenvolver suas próprias ideias, devendo localizar, no texto, sua parte essencial (SILVA, 1999). Logo, a sua individualidade não é respeitada, já que há uma resposta certa na qual ele deve se enquadrar.

Não resta dúvida de que essa concepção de leitura ainda circula em muitos meios educacionais. Estímulo-reposta mediante repetições, cópias, releituras, fichas de leitura levam ao desgosto de ler, uma vez que a prática ocorre de maneira forçada, causando um distanciamento do leitor.

O hábito de leitura, nessa abordagem, é adquirido pela persistência e repetição frequente de constantes leituras, todavia, se, durante a aprendizagem na escola, a leitura constitui apenas uma ocasião para estímulo-resposta, é pouco provável que o gosto pela leitura – o reforço positivo – se desenvolva. Não é a automatização do ato de ler que levará a uma atitude positiva frente à leitura.

2.3 Abordagem humanista

Segundo a abordagem humanista, que tem como principal teórico Carl Rogers, o ensino é centrado no aluno e em seu desenvolvimento intelectual e emocional. O papel do professor é reduzido a um facilitador de aprendizagem, já que o conteúdo antes por ele transmitido agora é fruto das próprias experiências dos alunos (MIZUKAMI, 1986).

Na concepção rogeriana, a aprendizagem está condicionada à coerência dos conteúdos com as expectativas dos alunos. Voltado para uma conduta não diretiva e antiautoritária, o professor não interfere diretamente nos campos cognitivo e afetivo do aluno. Desse modo, a proposição de Rogers implica um modelo de educação no qual o aluno tem a responsabilidade e a liberdade de escolher o caminho que subsidiará sua própria construção do conhecimento (GADOTTI, 1999).

Nesse contexto, o aluno é um ser ativo que tem como responsabilidade selecionar aquilo que for relevante para sua vida e, por isso, deve manter uma relação interpessoal com o facilitador, que, por sua vez, deve confiar na potencialidade de cada aluno, propiciando a liberdade de expressão e, ao contrário da aplicação de uma avaliação formal, promover o processo de autoavaliação por parte do aluno.

Podemos pensar que, nessa concepção, diferentemente das abordagens anteriores, o processo de leitura dependerá de uma participação eficiente e ativa do aluno-leitor, visto que o sentido do texto será construído a partir do seu próprio conhecimento. Nessa abordagem, cada aluno-leitor pode realizar uma leitura diferente, valorizando seus interesses, experiências e posicionamentos individuais, cabendo ao professor facilitar esse acesso, criando o clima inicial de liberdade, confiança e motivação.

Apesar de alguns críticos a considerarem utópica, a teoria rogeriana é bastante instigadora e traz considerações pertinentes a serem adotadas para a formação do leitor, pois proporciona uma práxis pedagógica centrada no aluno, dando importância às relações pessoais e à afetividade, já que busca “ajudar os alunos a converter-se em indivíduos capazes de ter iniciativa própria para a ação, responsáveis por suas ações” (GADOTTI, 1999, p.176), qualidade que consideramos importante para o desenvolvimento do hábito de leitura. Por outro lado, ao se considerarem centrais apenas as experiências individualizadas do próprio leitor em seu processo formativo, corre-se o risco de não se estar contribuindo para a sua ampliação de mundo, no sentido de poder propor outras relações que extrapolem o seu próprio conhecimento e se relacionem com outros contextos por ele ainda não experienciados.

2.4 Abordagem cognitivista

Contrapondo-se ao behaviorismo que centra a sua atenção no comportamento humano, o cognitivismo propõe analisar cientificamente a aprendizagem, o ato de conhecer. Nessa abordagem, que tem como principais teóricos Piaget, Ausubel e Brunet, o processo educacional tem o importante papel de provocar situações de aprendizagem adequadas ao nível de desenvolvimento em que se encontram os alunos (MIZUKAMI, 1986).

Para Piaget, cabe ao professor planejar situações de ensino em que os conteúdos pedagógicos sejam coerentes com o desenvolvimento da inteligência; seu pensamento nega os mecanismos em que se baseiam as abordagens tradicional e behaviorista. De acordo com Ausubel, para haver a aprendizagem significativa, faz-se necessário que haja uma relação entre o que vai ser aprendido pelo aluno, aquilo que ele já sabe e a capacidade que ele tem para aprender (GADOTTI, 1999).

Assim, nessa concepção cognitivista, ler é interagir (SILVA, 1999), ou seja, é um processo interacional no qual o leitor reconstrói o sentido a partir do que já conhece; no entanto, diferente da abordagem humanista, o processo de leitura será desenvolvido a partir de situações planejadas pelo professor que visem a uma aprendizagem significativa, sendo necessário observar tanto as relações internas do texto, quanto a situação de enunciação e o projeto de leitura proposto. A compreensão, portanto, de um texto vai depender crucialmente do que o aluno-leitor já souber a respeito do assunto tratado, e, quanto maior for o número de elementos de que ele dispuser sobre o tema – e aí o papel do professor –, mais significativa será a leitura, pois estará provido de recursos para processar o que foi lido, aprendendo por meio da leitura compreensiva.

Nessa perspectiva, a leitura se volta ao significado construído a partir da interação entre leitor e texto e dos elementos que lhe foram proporcionados para isso no contexto escolar.

2.5 Abordagem sociocultural

A abordagem sociocultural, que tem como principais teóricos Paulo Freire e Vigotski, evidencia a tendência sociointeracionista, propondo que o desenvolvimento humano ocorre de maneira inseparável das atividades sociais e culturais, ou seja, que o homem se constitui na interação com o meio em que está inserido.(MIZUKAMI, 1986).

A concepção freireana sustenta uma concepção dialética de ensino em que “educador e educando aprendem juntos numa relação dinâmica na qual a prática, orientada pela teoria, reorienta essa teoria, num processo de constante aperfeiçoamento” (GADOTTI, 1999, p. 253). Já para Vigotski, quando o homem transforma o meio na busca de atender às suas necessidades básicas, ele se transforma e, nesse contexto, a aprendizagem é uma experiência social fruto da interação com outros indivíduos e com o meio (GADOTTI, 1999).

Assim, na perspectiva sociocultural, podemos conceber a leitura como um processo de construção do sentido para além do texto e do leitor, mas que também considera as práticas sociais e culturais nas quais ocorre essa interlocução. Nessa abordagem, assumimos uma visão de que a interação entre texto e leitor não ocorrerá no vácuo, pois há diferentes aspectos contextuais do meio sociocultural que contribuirão para a construção do significado. A compreensão do autor está cercada de contextos cultural, histórico, político e a do leitor também traz seus próprios contextos. E é nessa perspectiva, considerando a formação do leitor baseada numa concepção sociointeracionista, que se considera a leitura uma atividade dialógica que ocorre no meio social.

3 Por uma prática de leitura dialógica

Ao propor uma prática de leitura dialógica, assumimos, dentro da abordagem sociocultural, também denominada sociointeracionista, uma perspectiva fundamentada nos estudos de Bakhtin (2000), para quem a linguagem é definida por um conjunto de práticas dialógicas e interacionais construídas pelas e nas relações sociais, o que nos permite compreender tal atividade como um processo dotado da possibilidade de produção de novos sentidos.

O dialogismo, numa concepção bakhtiniana, é o princípio constitutivo da linguagem estabelecida por meio da interação entre os sujeitos, e é nessa direção que objetivamos explicitar possibilidades de leitura. Ao propormos essa perspectiva, todavia, não estamos adotando o termo simplesmente restrito à interação verbal entre duas pessoas, uma vez que esse conceito bakhtiniano se estende à sua concepção de mundo e de sujeito, e, portanto, muito maior do que uma modalidade de interação, já que se configura como um princípio de constituição da linguagem, dos sujeitos, dos discursos e do mundo. Conforme Barros (1999, p. 3):

Concebe-se o dialogismo como o espaço interacional entre o eu e o tu ou entre o eu e o outro, no texto. Explicam-se as frequentes referências que faz Bakhtin ao papel do ‘outro’ na constituição do sentido ou sua insistência em afirmar que nenhuma palavra é nossa, mas traz em si a perspectiva de outra voz.

É dessa forma, na compreensão de que a palavra de um é inevitavelmente atravessada pela palavra do outro e, nesse caso, que a condição do sentido para o texto é estabelecida pela interação entre os sujeitos envolvidos e o próprio texto, que propomos pensar uma leitura dialógica dentro da ótica bakhtiniana.

Bakhtin (2000), em sua obra Estética da Criação Verbal, ao tratar sobre o problema do texto, expõe um conceito dialógico importante para estruturarmos um entendimento sobre o que esperamos ao propor uma prática de leitura dialógica:

Ver e compreender o autor de uma obra significa ver e compreender outra consciência: a consciência do outro e seu universo, isto é, outro sujeito (um tu). A explicação implica uma única consciência, um único sujeito; a compreensão implica duas consciências, dois sujeitos. O objeto não suscita relação dialógica, por isso a explicação carece de modalidades dialógicas (outras que não puramente retóricas). A compreensão sempre é, em certa medida, dialógica (BAKHTIN, 2000, p. 239).

A partir desse trecho, voltemo-nos para a questão da leitura. Podemos pensar que o texto, enquanto objeto, é produto de um autor e, nesse sentido, a explicação implica uma única consciência – o autor pode explicar aquilo que produziu, o leitor pode explicar aquilo que entendeu do texto. Agora, podemos pensar que o texto será produto de ambos, implicando dois sujeitos e, portanto, duas consciências. Nesse caso, a compreensão do texto se dará pelo atravessamento de múltiplas vozes. Focaremos, neste momento, na leitura literária, para sistematizamos nosso entendimento sobre leitura dialógica. Na literatura, de acordo com Bakhtin (2000), o personagem é representado enquanto objeto e sujeito – práticas de explicação – e, nesse sentido, é percebido como objeto representado. Por outro lado, o mais importante é que o contexto da história narrada e o personagem enquanto sujeito sejam compreendidos, e compreendê-los requer o estabelecimento de relações dialógicas em vários sentidos, pois entende-se que essa relação é marcada de subjetividades. Somente mediante a compreensão a obra poderá despertar amor, piedade, ódio, entre outros sentimentos e sensações. Dessa forma, podemos igualmente concluir que:

Partindo de um texto, perambulam-se nas mais variadas direções, recolhendo-se fragmentos heterogêneos na natureza, na vida social, no psiquismo, na história, que serão unidos numa relação ora de causalidade, ora de sentido, confundindo-se a constatação e os valores

(BAKHTIN, 2000, p. 242).

Ou seja, são essas relações, estabelecidas dialogicamente, que irão nos possibilitar diferentes modos de interrogação e troca, ou seja, diálogo. E, nesse interrogar, organizamos nossas experiências a fim de obtermos uma resposta, uma maneira de compreensão, que, portanto, será particular a cada sujeito.

Pensarmos sobre essa perspectiva significa também articular o entendimento de que o sujeito/leitor, ao compreender o texto, adota simultaneamente uma atitude responsiva ativa, cujo conceito está estritamente ligado ao dialogismo, conforme apresentado por Bakhtin (1992, p. 291, grifo nosso):

[...] o ouvinte que recebe e compreende a significação (linguística) de um discurso adota simultaneamente, para com este discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar, etc., e esta atitude do ouvinte está em elaboração constante durante todo o processo de audição e de compreensão desde o início do discurso, às vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo locutor. A compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se o locutor.

Embora, nesse trecho de Bakhtin, a atitude responsiva ativa esteja vinculada a uma relação ouvinte/locutor, sendo mencionada, desse modo, apenas na oralidade, podemos também identificá-la na relação leitor/autor e aplicá-la ao texto escrito, o que significa pensar que toda leitura, se dialógica, forçosamente produz uma atitude responsiva, já que torna o leitor, antes passivo, um sujeito ativo, na medida em que ele acaba tomando posicionamentos perante o texto, estabelecendo uma relação de compreensão e, portanto, também autoral daquilo que foi lido.

É sob esse aspecto que enfatizamos nosso ponto de vista ao defender que é nessa prática de leitura dialógica, levando em consideração a noção de atitude responsiva, que deve ocorrer a formação do sujeito/leitor em contexto escolar, o que vai ao encontro do que determina os PCNs e a BNCC.

Os PCNs concebem leitura como “um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita etc.” (BRASIL, 1997, p. 41). Já na BNCC o conceito de leitura é expandido, de acordo com o documento:

O Eixo Leitura compreende as práticas de linguagem que decorrem da interação ativa do leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos, orais e multissemióticos e de sua interpretação, sendo exemplos as leituras para: fruição estética de textos e obras literárias; pesquisa e embasamento de trabalhos escolares e acadêmicos; realização de procedimentos; conhecimento, discussão e debate sobre temas sociais relevantes; sustentar a reivindicação de algo no contexto de atuação da vida pública; ter mais conhecimento que permita o desenvolvimento de projetos pessoais, dentre outras possibilidades

(BRASIL, 2018, p. 71).

Percebemos que, em tais documentos, principalmente na BNCC, há diferentes modos de ler de acordo com diversos objetivos de leitura, o que remonta à necessidade de uma atitude responsiva do leitor perante o texto; todavia, embora os documentos norteadores compreendam a leitura dentro de uma abordagem sociocultural, o que percebemos na escola é que a leitura, por muitas vezes, ainda é entendida como a atividade de captação das ideias do autor e que não leva em conta a gama de experiências e os conhecimentos de mundo do leitor. Tal afirmação pode ser verificada nos dados apresentados em duas pesquisas de doutorado realizadas com alunos do ensino médio referentes à relação entre as práticas de leitura literária e a escola.

Na primeira pesquisa, realizada com alunos do primeiro ano do ensino médio de quatro escolas paulistas, Oliveira (2013) identificou uma tensão existente entre os estudantes e a leitura dos livros requisitados pela escola em virtude da obrigatoriedade e das avaliações implicadas nessas leituras, bem como a desconsideração, por parte dos agentes escolares, das leituras que os alunos praticavam espontaneamente.

Na segunda pesquisa, feita com alunos na faixa etária de 15 a 17 anos que integram o ensino médio da região de São João da Boa Vista/SP, Gonçalves (2014) apontou que eles identificam a leitura como um fator importante, mas, por outro lado, afirmam que não gostam de ler, principalmente os clássicos. De acordo com Gonçalves (2014), como os alunos acabam não lendo os títulos sugeridos em aula, acabam não se considerando, de fato, leitores e assumindo como verdadeiros os discursos que os caracterizam como tal. A autora ainda conclui em sua pesquisa que os próprios alunos acabam desvalorizando as leituras que praticam com intensidade e frequência fora da escola.

Com efeito, a falta de identificação com a leitura em contexto escolar se configura como um dos principais motivos que fazem que os alunos não consigam enxergar a leitura como uma atividade prazerosa. Sem esse envolvimento, os alunos não desenvolvem um comprometimento com a leitura proposta e, por conseguinte, não conseguem interagir, dialogar, fazer associações e compreender aquilo que é lido. Por outras vezes, não há o envolvimento prazeroso do aluno, pois a atividade se reduz a um estudo de aspectos literários e/ou linguísticos. A obra a ser lida é escolhida para exemplificar o estilo de uma época, resultando em dados para serem memorizados e devolvidos nas provas de interpretação ou de análises de aspectos linguísticos. Tais práticas vão de encontro ao que determina a BNCC, já que, de acordo com as diretrizes, a leitura no contexto escolar não deve ser tomada como um fim em si mesma; os alunos devem estar envolvidos em práticas de reflexão que lhes permitam ampliar suas capacidades de uso da língua em práticas situadas de linguagem, adotando, desse modo, uma abordagem sociocultural de leitura.

Ambos os resultados apresentados, nas duas pesquisas, são reflexos das práticas de leitura associadas a uma concepção tradicional e/ou behaviorista nas quais, como abordado anteriormente, a leitura é vista como pretexto, e não como uma prática social. Dessa maneira, as práticas não estabelecem espaço para o dialogismo, como proposto por Bakhtin (2000). Isso reforça que a leitura escolarizada ainda é muito marcada pelo fazer tradicional, que, além de se constituir em um ato solitário que afasta o aluno do mundo, de suas práticas cotidianas, acaba por contribuir para o distanciamento entre texto e leitor. Em tais práticas, não há oportunidade de que tenhamos a formação de leitores ativos responsivos, já que não se criam situações que levem em consideração as experiências dos alunos-leitores para que eles vivenciem a heterogeneidade de significados.

Consequentemente, ao propormos uma prática de leitura dialógica, enfatizamos que, no contexto escolar, a caracterização de nossos alunos-leitores como formação intelectual, posição social, graus de intimidade, entre outros fatores, deve ser considerada na escolha das leituras propostas, visando à instauração de espaços possíveis de dialogicidade para que também sejam possíveis a comparação e a relação com outros textos e contextos. Isso não significa possibilitar apenas as leituras por eles preferidas, mas, sim, compreender que a leitura é sempre um meio, que deve ser a resposta a uma necessidade pessoal diante das diversas esferas das atividades sociais, e não apenas uma atividade escolar pautada na avaliação e no cumprimento de um conteúdo exposto no plano de ensino.

Na perspectiva da BNCC, e considerando a prática de leitura dialógica fundamentada nesta pesquisa, essas habilidades não podem ser desenvolvidas de forma genérica e descontextualizada. As práticas de leitura devem estar reguladas pela diversidade de textos pertencentes a diferentes gêneros que circulam na sociedade, de maneira a abranger produções e formas de expressão diversas, desde a literatura (infantil, juvenil, o cânone, o culto, o popular) até a cultura de massa, incluindo os diferentes gêneros textuais e literários, de modo a garantir ampliação de repertório, além de interação e trato com o desconhecido.

De acordo com a BNCC, o desenvolvimento de uma autonomia de leitura, considerando essa abordagem, segue caminhos diversos para a construção de sentidos, não havendo muitos pré-requisitos, a não ser o conhecimento prévio dos alunos.

O interesse por um tema pode ser tão grande que mobiliza para leituras mais desafiadoras, que, por mais que possam não contar com uma compreensão mais fina do texto, podem, em função de relações estabelecidas com conhecimentos ou leituras anteriores, possibilitar entendimentos parciais que respondam aos interesses/objetivos em pauta. O grau de envolvimento com uma personagem ou um universo ficcional, em função da leitura de livros e HQs anteriores, da vivência com filmes e games relacionados, da participação em comunidades de fãs etc., pode ser tamanho que encoraje a leitura de trechos de maior extensão e complexidade lexical ou sintática dos que os em geral lidos

(BRASIL, 2018, p. 76).

Nesse sentido, estamos sugerindo que as propostas de leitura no contexto escolar levem em conta a historicidade dos alunos-leitores e que possibilitem a descobrir o que ainda não sabem, mas a partir de uma atividade reflexiva, na qual seja possível dialogar com o texto, fazendo inferências com base no conhecimento prévio que já possuem. Já que, na perspectiva dialógica, a compreensão do texto não advém apenas do que o texto traz por escrito, não se refere a uma explicação, mas se estabelece por intermédio do conhecimento de mundo que este também traz para o texto. De acordo com a BNCC (BRASIL, 2018, p. 75):

A participação dos estudantes em atividades de leitura com demandas crescentes possibilita uma ampliação de repertório de experiências, práticas, gêneros e conhecimentos que podem ser acessados diante de novos textos, configurando-se como conhecimentos prévios em novas situações de leitura.

Nessa perspectiva dialógica, muitas são as possibilidades de atuação educativa que podem contribuir para a formação do leitor emancipado, mas caberá ao professor formador, a partir da sua realidade, sistematizar essas possibilidades. O importante é o que não fazer e, nesse sentido, os PCNs têm sido claros:

Fora da escola, não se lê só para aprender a ler, não se lê de uma única forma, não se decodifica palavra por palavra, não se responde a perguntas de verificação do entendimento preenchendo fichas exaustivas, não se faz desenho sobre o que mais gostou e raramente se lê em voz alta

(BRASIL, 1997, p. 43).

Efetivamente, o importante é que o aluno-leitor se reconheça como tal e que veja sentido e prazer na atividade proposta, o que significa evitar práticas de leitura obrigatórias cujo objetivo não seja percebido ou não leve em conta as necessidades e o contexto do aluno-leitor. Numa perspectiva de leitura literária, os PCNs ainda complementam que “não se deve sobrecarregar o aluno com informações sobre épocas, estilos, características de escolas literárias etc., como até hoje tem ocorrido, apesar de os PCNs, principalmente o PCN+, alertarem para o caráter secundário de tais conteúdos” (BRASIL, 2006, p. 54).

Uma alternativa proposta a partir da perspectiva dialógica seria considerar as práticas sociais de leitura realizadas, propondo espaços para compartilhamento e problematização das impressões sobre o texto, trazendo e possibilitando espaço para outras vozes, outros contextos que possam auxiliar na formação leitora dos alunos.

4 Considerações finais

A partir das abordagens de ensino-aprendizagem, verificamos que, na escola, a leitura, por muitas vezes, ainda é entendida como a atividade obrigatória e solitária, de captação das ideias do autor, e que não leva em consideração as experiências e os conhecimentos do leitor. Por outras vezes, não há o envolvimento prazeroso do aluno, pois a atividade se reduz a um estudo de aspectos literários e/ou linguísticos, o que nos possibilita afirmar que tais práticas pouco contribuem para a formação do leitor.

Ao apresentar as diferentes abordagens de leitura, a partir das diferentes concepções de ensino-aprendizagem, que, se assumidas, podem agir em sentido oposto ao objetivo maior da escola, que é o de formar leitores críticos e emancipados, enfatizamos, conforme Bakhtin (2000), a possibilidade de uma prática de leitura dialógica.

Assim, compreendemos que o processo de leitura se trata não de um ato isolado e individual, mas, sim, de um ato interativo, portanto dialógico, no qual se pressupõe o estabelecimento de relações que serão caracterizadas pela historicidade dos sujeitos e pelo contexto sociocultural como determinam os PCNs e BNCC. Acreditamos que só assim poderemos conseguir a atitude responsiva ativa dos leitores, o que requer uma ampla modificação na forma como essa prática leitora vem sendo abordada.

Dessa forma, articulamos uma ideia de leitura dialógica numa relação entre autor-texto-leitor, considerando que outros contextos sociais, culturais e históricos constituem a significação e os modos de compreensão. Nesse sentido, o ato de ler não deve ser reduzido a uma atividade automática de captura de um texto, tal como proposto em abordagens tradicionais e behavioristas, nem apenas centrado no mundo individual do aluno-leitor, como na abordagem humanista, mas um processo dialógico de produção de sentidos que leve em conta outras significações anteriormente produzidas, conforme também proposto na BNCC. Assim, o processo de compreensão da leitura deve se instaurar a partir da mobilização de uma gama de experiências sociais historicamente construídas que são ativadas para emitir-se uma resposta a uma determinada leitura.

Para tanto, enfatizamos que é importante que as atividades realizadas no contexto escolar certifiquem-se de considerar a história e o contexto do leitor, bem como do autor, criando situações de leitura que permitam a identificação dos leitores com aquilo que é proposto enquanto texto, tornando-o um agente responsável pela produção de sentidos e, assim, tornando a prática de leitura mais democrática, mais dialógica.

Ao propormos uma prática de leitura dialógica, não podemos desconsiderar totalmente a dimensão de individualidade inerente ao ato da leitura, mas propomos que esse ato solitário, no sentido de não envolver interações físicas, não seja visto como algo cansativo e monótono – tal como identificado na percepção dos alunos na introdução deste artigo –, mas que a escola contribua para que os alunos encarem a prática de leitura, em especial a literária, como um encontro dialógico significativo. Isso consiste em considerar que o texto, nessa perspectiva, possui seus vazios que serão preenchidos pelo leitor e que, durante esse processo, essa relação entre autor-texto-leitor estabelece um pacto de cumplicidade, de tal maneira que a individualidade do ato da leitura só é percebida sob o ponto de vista do mundo concreto.

Referências

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 3. ed. São Paulo, Martins Fontes, 2000. [ Links ]

BARROS, D. L. P. Dialogismo, polifonia e enunciação. In: BARROS, D. L. P.; FIORIN, J. L. (org.). Dialogismo, polifonia, intertextualidade. São Paulo, SP: Edusp, 1999. [ Links ]

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Recebido: 22 de Março de 2019; Revisado: 26 de Setembro de 2019; Aceito: 12 de Fevereiro de 2020; Publicado: 14 de Dezembro de 2020

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