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Educação: Teoria e Prática

versión impresa ISSN 1993-2010versión On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.30 no.63 Rio Claro  2020

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v30.n.63.s13502 

Artigos

A EDUCAÇÃO COMPARADA E SEUS CAMINHOS NA RBEP DESDE 1944: ENTRE ESPAÇOS, TEMPOS E QUESTÕES

THE COMPARATIVE EDUCATION AND ITS PATHS ON THE RBEP SINCE 1944: AMONG SPACES, TIMES AND QUESTIONS

LA EDUCACIÓN COMPARADA Y SUS CAMINOS EN LA RBEP DESDE 1944: ENTRE ESPACIOS, TIEMPOS Y CUESTIONES

Vivian Batista da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-5509-2008

Andressa Oliveira Livério2 
http://orcid.org/0000-0003-4197-4605

1Universidade de São Paulo, São Paulo, São – Brasil

2Universidade de São Paulo, São Paulo, São – Brasil


Resumo

Este texto examina de que maneira a Educação Comparada é discutida na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, em artigos que se utilizaram de questões ou metodologias de análise comparativas. Esse periódico vem circulando desde a década de 1940, reunindo artigos de Educação Comparada com características variadas. Metodologicamente, a pesquisa consistiu no levantamento, organização e análise de mais de 100 artigos ao todo. Entre a década de 1940 e os anos 1970, as referências aos EUA predominaram em textos que mencionaram o país ou alguma cidade, estado ou instituição norte-americana. Dos anos 1980 em diante a tendência foi atentar para outros espaços, sobretudo para a América Latina e Portugal, em artigos que trataram de questões mais atuais. As comparações estiveram presentes em boa parte das páginas da revista, sendo que entre 1944 e 1960 elas apareceram mais do que nos anos 1960 até a década de 1980. Após a diminuição do número de textos de Educação Comparada, entre a década de 1990 e 2015, temos um período marcado pela retomada e crescimento desse tipo de artigo.

Palavras-Chave Educação Comparada; Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP); Espaçoss, tempos e questões da Educação Comparada

Abstract

This paper examines how Comparative Education is discussed in Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, by articles using comparative analysis methodology or questions. The periodic is being published since the 1940 decade and has been reuniting different articles on Comparative Education. In terms of methodology, this research consisted of surveying, organization and analysis of over 100 articles. Between 1940 and 1970, references to EUA were highlighted on texts mentioning it, its cities, states or institutions. From 1980 on, the wave regarded pointing others spaces, mostly Latin America and Portugal, on articles of current questions. Comparisons were present in major pages from the periodic, being more common between 1944 and 1960 than from 1960 to 1980. After articles on Comparative Education decrasing between 1990 and 2015, the following period was marked by the resume and growth of this kind of article. As we identified this production, to sum up, it became possible to note the different configurations of comparative studies on RBEP.

Keywords Comparative Education; Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP); Spaces, times and questions on Comparative Education

Resumen

Este texto examina de qué manera la Educación Comparada se plantea en la Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, em artículos que se utilizaron de cuestiones o metodologías de análisis comparativas. Este periódico viene circulando desde la década de 1940 y viene reuniendo artículos de Educación Comparada con características variadas. Metodológicamente, la investigación consistió en el levantamiento, organización y análisis de más de 100 artículos en total. Entre la década de 1940 y los años 1970, las referencias a Estados Unidos predominaron en textos que mencionaron el país o alguna ciudad, estado o institución norteamericana. Desde la década de 1980, la tendencia fue a prestar atención a otras áreas, especialmente para América Latina y Portugal, en los artículos que tratan más temas de actualidad. Las comparaciones estuvieron presentes en buena parte de las páginas de la revista, siendo que entre 1944 y 1960 aparecieron más que en los años 1960 hasta la década de 1980. Después de la disminución del número de textos de Educación Comparada, entre la década de 1990 y 2015, tenemos un período marcado por la reanudación y crecimiento de ese tipo de artículo.

Palabras clave Educación Comparada; Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP); Espacios, tiempos y cuestiones de la Educación Comparada

1 Introdução

De que maneira o campo da Educação Comparada tem se configurado no Brasil? Quais tempos e espaços têm sido objetos de comparação? Com quais interesses os pesquisadores mobilizam seus trabalhos, quais questões vêm mobilizando as investigações? O presente artigo pretende colaborar com reflexões dessa natureza examinando produções da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, em artigos que se utilizaram de questões ou metodologias de análise comparativas. O periódico vem circulando desde a década de 1940, reunindo artigos de Educação Comparada com características variadas. Metodologicamente, a pesquisa consistiu no levantamento, organização e análise de mais de 100 artigos ao todo.

De fato, o estudo comparado tem crescido desde as décadas finais do século XX e hoje está amplamente institucionalizado em programas de pós-graduação, periódicos especializados, congressos e associações criadas em diferentes lugares do mundo. Esforços dessa natureza vêm sendo mapeados por autores como Schriewer (1995), Cowen (2012), Barroso (2009), Nóvoa (1998, 2009), Ferreira (2009), Souza e Martínez (2009) e Gomes (2015), em trabalhos que marcam a história desse campo de estudos desde suas origens, identificadas no começo do século XIX em meio aos projetos que, em vários espaços nacionais, eram empreendidos para criar sistemas de ensino capazes de sustentar uma educação básica destinada a todos, de forma gratuita, obrigatória, leiga e sob a responsabilidade do Estado (MEYER; RAMIREZ; SOYSAL, 1992). Tal como alguns autores defendem, foi justamente essa ideia de escola de massas (NÓVOA; SCHRIEWER, 2000) ou de escola democrática (BEISIEGEL, 1984), como também pode ser chamada, que configurou a Educação Comparada num projeto ideológico e científico ao mesmo tempo. Essa é uma afirmação feita por pesquisadores como Schriewer (1995), Nóvoa (1998) e está especialmente discutida numa coletânea sobre a difusão mundial da escola (NÓVOA; SCHRIEWER, 2000).

Assinale-se o trabalho de administradores, que, a exemplo de Marc-Antoine Jullien de Paris (1775-1848) e Victor Cousin (1792-1867) na França e Horace Mann (1796-1859) nos Estados Unidos, estavam interessados em conhecer e descrever casos de outros lugares, reunindo informações úteis para o aperfeiçoamento do sistema de ensino em seus países. Por isso não se pode compreender a Educação Comparada fora da expansão da escola de massas. Essa área de conhecimento se constituiu junto a mudanças políticas, econômicas e educacionais de um lado, e a diversas correntes intelectuais que se destacaram em tempos e locais específicos, de outro. A nós, especialmente, interessa reconhecer que “nunca, como hoje, a Educação Comparada, enquanto disciplina e campo de estudo, interrogou-se tanto sobre sua identidade e seu futuro” (BARROSO, 2009, p. 9).

Como já foi possível assinalar, a Educação Comparada esteve relacionada com a criação e desenvolvimento dos diversos sistemas nacionais de ensino, quando reformadores e estudiosos de diferentes países realizavam visitas e missões oficiais aos espaços estrangeiros. Era nesse sentido que Esquisse et vues préliminaires d'un ouvrage sur l'éducation comparée, trabalho pioneiro, assinado por Marc-Antoine Jullien, de Paris, e publicado em 1817, propunha a Educação Comparada como uma ciência pautada em fatos passíveis de coletas e observações sistemáticas. Ao autor interessava saber quais países estavam avançando na expansão de seus sistemas educacionais e quais países estavam atrasados. O que se queria era catalogar descrições de experiências que disponibilizassem o que se tomava como as "melhores" práticas de um país para serem transplantadas para outros. Por isso a ideia de "meliorismo", que vem do latim melior e em português pode ser traduzida por "melhorismo", esteve na raiz do desenvolvimento da Educação Comparada e ajuda a entender as articulações entre os aspectos ideológicos e científicos dessa área do conhecimento (KALOYIANNAKI; KAZAMIAS, 2012). Esforços dessa natureza foram realizados em diversas partes do mundo, incluindo-se o Brasil e outros países da América Latina, tal como evidenciam os trabalhos reunidos na coletânea organizada por Mignot e Gondra sobre as "viagens pedagógicas" (2007).

Numa segunda fase da história da Educação Comparada, após a Primeira Guerra Mundial, esse campo do conhecimento foi marcado pela busca da paz e da cooperação internacional e os estudos comparados visaram sobretudo a edificação de um dito novo mundo. Num terceiro momento, a partir da década de 1960, a Educação Comparada foi marcada pelas teorias desenvolvimentistas e, por outro lado, pelas teorias e metodologias das ciências sociais. Em finais do século XX, a Educação Comparada tendia a não atentar mais para os sistemas nacionais de ensino, que até então eram as unidades tradicionais de análise, para estudar as escolas, suas organizações, seus atores, os seus discursos, as iniciativas políticas em perspectivas mais globais e que, tal como se passava a entender, eram apropriadas nos diversos espaços locais. Segundo Cowen (2012), os tradicionais estudos de casos nacionais atualmente vêm dando lugar a análises que não tomam mais o Estado-nação como a unidade de análise exclusiva ou mais apropriada em Educação Comparada. Hoje é possível identificar processos sociais e científicos que estão na origem de uma renovação das abordagens comparadas em educação e que, de acordo com Nóvoa (2009), podem ser organizados em três perspectivas: 1) Problemáticas educativas comuns aos diversos países, suscitadas pela emergência de um sistema mundial em níveis econômico, educacional e cultural; 2) A crise do Estado-nação e a consolidação de novos espaços de identidade cultural, no plano local e no quadro das diferentes regiões do mundo; 3) A internacionalização do mundo universitário e da pesquisa científica.

Coloca-se, ainda, uma tensão que, de diferentes maneiras, marcou a história da disciplina e que se referiu aos limites entre a pesquisa e a ação política. Ao assinalar as distinções entre a reflexão reformadora internacional e a ciência da Educação Comparada, Schriewer (1995) afirma que elas são fundamentais para a compreensão do campo, apontando suas ambiguidades conceituais. Assim como Nóvoa (2009, p. 50), consideramos que a Educação Comparada está mais próxima de um campo especializado e multidisciplinar do que de uma disciplina autônoma. Nesse sentido, "é preciso precaver-nos de uma leitura linear e evolucionista […], incapaz de explicar um processo tão complexo como o da formação de um campo disciplinar" (NÓVOA, 2009, p. 51).

2 O “estado da arte” da Educação Comparada no Brasil

Iniciativas mais recentes, como a da Sociedade Brasileira de Educação Comparada - SBEC, da Sociedade Ibero-americana de Educação Comparada - SIBEC, do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, com o apoio do World Council of Comparative Education Societies- WCCES, merecem ser destacadas aqui. Nos últimos anos, eles vêm organizando encontros e congressos sistematicamente, o que constitui um espaço de investigação e reflexão acerca da internacionalização e seus efeitos nas políticas, metodologias e práticas da educação1. Entre nós, pesquisadores brasileiros, a comparação vem se colocando como um esforço promissor e isso é atestado pelo progressivo aumento do número de publicações da área. Em 2009, ao apresentar coletânea sobre o tema, Castro (2009), então Presidente da Sociedade Brasileira de Educação Comparada (criada em 1983), afirmou que esse é um espaço dinâmico de reflexões para educadores. As potencialidades da análise de experiências internacionais foram recentemente debatidas em Seminário Internacional realizado pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), em março de 2013. Tendo como título a Educação Comparada e novas abordagens na formação docente, o evento debateu as conquistas e os desafios da formação de professores, bem como o papel da Educação Comparada no aperfeiçoamento dos docentes que trabalham na Educação Básica. Os trabalhos são múltiplos pelas questões que colocam, pelos métodos mobilizados, pela bibliografia usada (FERREIRA, 2009).

Os estudos comparados no Brasil estão sendo marcados em boa parte pelas investigações que consideram as proximidades com Portugal (SOUZA; MARTÍNEZ, 2009). Esses estudos têm sido motivados por acordos e convênios como, por exemplo, o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, firmado em 2000; o Programa de Cooperação no Âmbito da Subcomissão Social, Ciência e Tecnologia, Juventude e Desporto para 2006-2009, que abrangeu, entre outras áreas, as da Educação, Ciência, Tecnologia e a do ensino superior (SOUZA; MARTÍNEZ, 2009). O que vem sendo motivado dessa maneira é o estabelecimento de novas relações entre Portugal e suas ex-colônias, pautadas sobretudo em vizinhanças culturais e linguísticas e na ideia de uma "comunidade lusófona" (NÓVOA; CARVALHO; CORREIA; MADEIRA; Ó, 2003). Contudo, Madeira (2003) adverte que essa aproximação atual da Europa com a América Latina, e em particular com Portugal em relação ao Brasil, estaria revestida por uma retórica de identidade - frágil em virtude da ausência de uma política cultural bilateral efetiva que, ideologicamente, a considera como resultado de afinidades de ordem cultural, movidas pelo conhecimento mútuo ou por determinadas familiaridades.

Não se pode deixar de mencionar que a produção nacional da área conta também com as comparações entre Brasil e Argentina. Nesse conjunto pode-se citar o livro organizado por Vidal e Ascolani sobre as Reformas educativas no Brasil e na Argentina: ensaios de história comparada da educação (1820-2000) e publicado em São Paulo no ano de 2009. No mesmo ano, em Brasília, foi editada outra coletânea organizada por Araújo e intituladaHistória(s) comparada(s) da educação. Em Fortaleza, merece destaque a publicação do livro História da Educação Comparada: discursos, ritos e símbolos da educação popular, cívica e religiosa, de Cavalcante, Queiroz, Araújo e Holanda (2011). Esses são apenas alguns exemplos da produção nacional em Educação Comparada, cujas datas de edição deixam entrever o progressivo interesse nesse campo de estudos entre os brasileiros. Não poderíamos deixar de mencionar os trabalhos de Peralva (2005), que compara temas relativos à violência e à democratização da escola na França e no Brasil. Numa de suas últimas publicações, está a coletânea que ela organizou com Adorno, Poli, Marcé, Wieviorka e Xavier acerca dos Dialogues franco-brésiliens sur la violence et la démocratie (2005). Como é possível depreender de uma primeira retomada de livros produzidos no Brasil sobre o tema, as áreas de história da educação, políticas e avaliações educacionais são as que mais vem dedicando espaço para os estudos comparativos. Isso pode ser exemplificado pelo livro que Catani e Oliveira organizaram sobre as Reformas educacionais em Portugal e no Brasil (Belo Horizonte, Editora Autêntica, 2000) e pelo livro que Gatti Júnior, Monarcha e Bastos organizaram sobre O ensino de história da educação em perspectiva internacional (2009).

3 Os artigos sobre Educação Comparada na RBEP

Se entre os pesquisadores brasileiros tem se firmado o interesse pelos estudos comparados em educação, convém aprofundar o levantamento da literatura acima delineado e atentar para lugares específicos de divulgação. No caso, coloca-se em pauta a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, considerando-se as especificidades desse periódico no campo educacional brasileiro. As suas páginas expõem projetos e debates expostos por administradores, professores e pesquisadores. Elas abrigam textos que podem ser resultados de estudos, discussões sobre a organização científica da Educação Comparada ou sobre políticas da área. O olhar para as particularidades dessas produções ajuda a entender como elas estão sendo geradas e postas em circulação, participando assim da criação e recriação de um campo de estudos que, conforme já se procurou evidenciar aqui, vive hoje um importante momento de sua história. Como sugere Nóvoa (2009), trata-se de compreender as razões que conduzem à institucionalização e fortalecimento dessas pesquisas e de como os vários interesses e análises vêm se configurando, localizando-se o desenvolvimento e a finalidade de certas preocupações, no interior de diversas instituições e grupos diferenciados, a partir de propostas específicas de exame.

A Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP) vem circulando desde 1944 sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e tem periodicidade quadrimestral. Ela reúne artigos de Educação Comparada com características variadas, já que esse campo tem sido marcado por diferentes interesses no decorrer dos anos. Sendo assim, podemos perguntar: como suas questões têm sido postas? Quais tempos e espaços têm sido mobilizados? Metodologicamente, a pesquisa consistiu no levantamento, organização e análise de artigos. Quando da procura desses textos, foram selecionados aqueles que de fato utilizaram questões ou metodologias de análise comparativas. Ficaram excluídos, portanto, trabalhos que se aproximavam mais de estudos de caso. A Revista corresponde a uma fonte privilegiada para conhecer os caminhos das comparações. Ela reservou parte significativa de suas páginas para trabalhos dessa natureza e, além de artigos, manteve, por exemplo, sessões como a chamada “Documentação” para dar “Informações sobre o estrangeiro”, descrevendo uma série de iniciativas de ensino realizadas em diferentes lugares. O periódico já foi objeto e fonte de estudo em investigações da área (GIL, 2002; ALVARENGA, 2000) e vem publicando estudos inéditos, resultantes de pesquisas que são consideradas pela sua consistência, rigor e originalidade na abordagem do tema e contribuem para a construção do conhecimento na área de Educação.

O presente artigo examina 136 artigos de Educação Comparada localizados no periódico2. Ao analisarmos o conjunto dessa produção, podemos notar que entre a década de 1940 e os anos 1970, os estudos históricos foram mais numerosos e as referências aos EUA predominaram em textos que mencionaram o país ou alguma cidade, estado ou instituição norte-americana. Dos anos 1980 em diante, a tendência foi atentar para outros espaços, sobretudo para a América Latina, em artigos que trataram de questões mais atuais. As comparações apareceram mais entre 1944 e 1960. Entre 1960 e a década de 1980, houve a diminuição do número de textos de Educação Comparada na RBEP. Entre a década de 1990 e 2015, temos um período marcado pela retomada e crescimento desse tipo de artigo. Nos vários momentos de sua publicação, esses textos atentaram para diferentes níveis e modalidades de ensino, entre os quais podemos destacar a Educação Infantil, a Educação de Jovens e Adultos, o ensino profissionalizante e as Escolas Normais. Alguns conceitos teóricos úteis às pesquisas comparativas também foram objeto da Revista.

Ao identificarmos essa produção, é possível notar as diferentes configurações dos estudos comparativos na RBEP e os modos pelos quais a Educação Comparada vem se construindo entre os estudiosos brasileiros. As páginas que se seguem detalham a configuração desses trabalhos de modo mais cuidadoso.

4 A Educação Comparada a RBEP: os tempos, espaços e questões em pauta

Na RBEP, as questões, os tempos e espaços de comparação foram relativamente variados. Conforme já assinalamos acima, os EUA e a América, sobretudo a América Latina, foram as unidades de análise mais recorrentes. Os norte-americanos foram os mais mencionados num primeiro momento das publicações, entre 1944 e a década de 1970. A leitura dos trabalhos que se referiram aos EUA, e a países europeus, como foi o caso da França, Inglaterra e Alemanha, nos conduz a sublinhar as chamadas “políticas educativas de empréstimo” (STEINER-KHAMSI, 2002). Os tipos de menções a esses lugares, sobretudo nos textos publicados até a década de 1970, podem ser ilustrados por meio do título de um dos artigos da Revista, assinado por Francisco Venâncio Filho, “Contribuição norte-americana à educação no Brasil” (v. IX, n. 25, nov./dez. 1946, p. 229-266). Muitos desses artigos foram resultados de viagens e observações de experiências educacionais, buscando “lições a serem aprendidas do exterior” (STEINER-KHAMSI, 2002). Eles exemplificaram os esforços “melhoristas” (KALOYIANNAKI; KAZAMIAS, 2012) característicos da Educação Comparada já em seus primórdios. Os EUA e a Inglaterra foram os países mais mencionados nesse movimento de empréstimo, destacando-se em seguida a França e a Alemanha. Essas referências podem ser chamadas aqui de “lugares exemplares” (STEINER-KHAMSI, 2002). Como assinala Gita Steiner-Khamsi (2002) a propósito da implantação de reformas escolares, o olhar para esses “lugares exemplares” pode ser comparado a empréstimos tomados do exterior. Eles corresponderam a estratégias realizadas em diferentes momentos e sistemas educacionais para transformar práticas locais, delimitar e legitimar projetos educativos.

Não se poderia deixar de mencionar a presença de Lourenço Filho (1897-1970) e Anísio Teixeira (1900-1971), figuras marcantes na história da escola em vários estados do país e na história da própria Revista. Eles foram autores de artigos de Educação Comparada, mencionados também em outros artigos da área no periódico. Anísio Teixeira foi coordenador do INEP entre 1952 e 1964 e assinou artigos de Educação Comparada. Sobre sua atuação, Cardoso, por exemplo, escreveu os “Diários de viagem de Anísio Teixeira: razões e sentidos de uma escrita de 'si' e do 'outro'” (v. 94, n. 236, jan./abr. 2013, p. 11-31). Esse autor, inclusive, fez e incentivou inúmeras viagens aos EUA para conhecer experiências, teorias de “referência” para a organização do sistema de ensino brasileiro (CARDOSO, 2013) e teve no periódico do INEP um importante espaço para divulgação dessas produções. Assinale-se que um dos artigos localizados na Revista foi assinado por Albuquerque, tendo por título “A prática de ensino nos Institutos de Educação e Escolas Normais” (v. XV, n. 42, abr./jun. 1951, p. 30-82). Essa autora teve uma atuação de destaque junto a cursos de formação de professores primários e participou de viagens organizadas por Anísio Teixeira para os Estados Unidos, no intuito de conhecer experiências escolares inspiradoras para orientar os professores em nossas escolas. O olhar da autora voltou-se, sobretudo para o trabalho desenvolvido no interior da sala de aula. Além da presença de Anísio Teixeira, gostaríamos de assinalar a de Lourenço Filho como um autor que muito colaborou com a ordenação do sistema de ensino no país, com a formação de professores e com a Educação Comparada (MONARCHA, 2010). A RBEP publicou vários estudos comparados do autor. Lourenço Filho foi citado e elogiado em outros artigos, principalmente após publicar seu livro Educação Comparada (1964). No prefácio dessa obra, destinada a cursos de formação docente, ele elucidou o que na época se definiu como princípios e finalidades da disciplina.

Outro espaço muito presente nas páginas da RBEP foi a América Latina. Ela vem comparecendo de forma marcante desde o início das publicações, mas essa tendência vem se intensificando nas últimas décadas. A leitura dos artigos indica uma proximidade que não é apenas geográfica, porque eles destacam problemas e desafios educativos comuns aos países que compõem esse espaço. Se atentarmos para as referências feitas à América Latina, sobretudo no período compreendido entre 1970 e 1990 aproximadamente, notamos a recorrência da noção de subdesenvolvimento. As referências a Portugal também merecem destaque e datam na Revista do final dos anos 1990 em diante. O olhar para os portugueses evidencia a preocupação em se compreender aspectos comuns da história da escola. O mesmo se pode dizer quando tomamos em conta os artigos sobre o Brasil em comparação com países como o Japão, o Chile, Cuba e a Argentina. Essa perspectiva de comparação marca as produções atuais da RBEP e da própria Educação Comparada como disciplina (NÓVOA, 2009). Nota-se, que além do olhar para países e nacionalidades, outras unidades de análise vêm se consolidando nas produções da área, de modo a se comparar diferentes regiões e estados brasileiros, ou mesmo diferentes instituições escolares, salientando-se cada vez mais a necessidade de compreender as características específicas de determinados espaços locais e suas relações com a globalização e também com a produção de indicadores educacionais em nível internacional. Gomes, em artigo publicado em 2015 na RBEP, faz algumas constatações parecidas, a partir do levantamento de trabalhos de Educação Comparada em várias revistas educacionais, dissertações e teses.

Foi nessa perspectiva que a RBEP participou de um amplo movimento de construção das referências para o sistema de ensino brasileiro. Nas primeiras décadas de publicação do periódico, sobretudo, os estudos históricos foram mais notáveis e desde a década de 1980 os artigos vêm atentando para questões mais atuais. As perguntas que mobilizaram os trabalhos podem ser agrupadas de acordo com algumas categorias aqui estabelecidas. Uma delas relaciona-se ao ensino, reportando-se a disciplinas curriculares, como é o caso da Prática de Ensino, da Música, da Pedagogia, da Didática e da Sociologia da Educação. Note-se, com esses exemplos, a acentuada preocupação dos colaboradores do periódico com a formação de professores, questão relacionada a outro tema presente nas páginas da revista, relativa à feminização do magistério. Mas comparece também o olhar para outros níveis e modalidades de ensino, como o pré-escolar, o secundário, o técnico-profissional e o superior. A democratização da escola e o ensino público colocam questões tratadas em perspectiva comparada na RBEP, quando ela dá lugar a trabalhos sobre índices de alfabetismo, instrução pública, desempenho acadêmico, indicadores educacionais, dificuldades escolares e políticas públicas. A própria Educação Comparada é pauta de artigos da RBEP.

5 Considerações finais

A descrição e análise dos artigos de Educação Comparada publicados na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, desde o início de sua circulação, em 1944, até o ano de 2015, permitiram evidenciar a variedade de questões, tempos e espaços que estiveram presentes nas páginas do periódico. Assim como em outros periódicos e trabalhos da área de Educação Comparada, examinados por Gomes (2015), a Revista aqui analisada reúne trabalhos atentos a dimensões mundiais e internacionais, mas traz também a preocupação com unidades de análise mais locais, incluindo-se escolas e outros tipos de instituições educativas. A presença de Portugal e de países latino-americanos nas comparações divulgadas ultimamente não é exclusiva da RBEP e pode ser explicada pela necessidade de se entender questões e embates compartilhados por diferentes espaços na estruturação do sistema escolar. Enquanto uma publicação oficial, o periódico em pauta vem abrigando interesses voltados à pesquisa e à discussão política, gerando e fazendo circular os interesses de uma comunidade que vem se voltando cada vez mais para o fortalecimento dos estudos comparados.

1Para se ter uma ideia da fertilidade das questões estudadas e dos pesquisadores que hoje têm se dedicado a elas, convém consultar http://www.educacaocomparada.com.br. Acesso em: 2 out. 2019). A página reúne informações do 2º Congresso Ibero-Americano de Educação Comparada e do 7º Encontro Internacional da Sociedade Brasileira de Educação Comparada, realizado em maio de 2017.

2O levantamento e sistematização desses artigos contou com a colaboração da aluna de Iniciação Científica Andressa Livério, então bolsista Institucional da USP, entre 2014 e 2015. O trabalho foi efetuado consultando-se um site subsidiado pelo INEP: http://rbep.inep.gov.br/index.php/RBEP/issue/archive?issuesPage=2, onde foi possível encontrar as primeiras edições da Revista, de 1944 até 1949, além de números mais recentes datados de 1991 até 2015. Os números intermediários a esses anos foram encontrados no acervo da Biblioteca da Faculdade de Educação da USP.

Referências

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Recebido: 26 de Agosto de 2018; Revisado: 06 de Outubro de 2019; Aceito: 21 de Outubro de 2019; Publicado: 28 de Agosto de 2020

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