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Educação: Teoria e Prática

versión impresa ISSN 1993-2010versión On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.31 no.64 Rio Claro ene. 2021

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v31.n.64.s14281 

Artigos

LITERATURA INFANTIL NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO: A EXPERIÊNCIA COM OS ELEMENTOS DO TEXTO NARRATIVO

CHILDREN’S LITERATURE IN THE LITERACY PROCESS: EXPERIENCE WITH ELEMENTS OF NARRATIVE TEXT

LITERATURA INFANTIL EN EL PROCESO DE ALFABETIZACIÓN: LA EXPERIENCIA CON LOS ELEMENTOS DEL TEXTO NARRATIVO

Fatima Aparecida Souza Francioli1 
http://orcid.org/0000-0001-8373-7056

Lucia Militão Cabreira Copetti2 
http://orcid.org/0000-0002-0133-2301

1Universidade Estadual do Paraná, Paranavaí, Paraná – Brasil. E-mail: fas.francioli@hotmail.com.

2Universidade Estadual do Paraná, Paranavaí, Paraná – Brasil. E-mail: lucia.ninemilitao@hotmail.com.


Resumo

Este artigo é parte de uma pesquisa de mestrado que se voltou à análise das atividades pedagógicas com a literatura. Nesse recorte, o objetivo é demonstrar como as crianças em processo de alfabetização se apropriam dos elementos do texto narrativo – narrador, personagem, tempo, espaço e enredo – por meio de textos literários. A pesquisa envolveu 27 alunos do segundo ano do ensino fundamental de uma escola pública, por meio de experimentos didáticos. Durante o experimento, as crianças observaram, através de contos clássicos, os elementos do texto narrativo em cada uma das histórias que eram apresentadas de diversas formas: leitura, vídeo, áudio, música e oralmente. Após a contação da história, as crianças desenvolveram diferentes atividades, como: interpretação oral, desenhos, recorte e colagem, reescrita da história e produção textual para identificação e representação de todos os elementos do texto narrativo. Na produção da narrativa ficou evidente que as crianças conseguiam estabelecer certa harmonia na utilização dos elementos na produção textual. Embora não seja enriquecida de detalhes, podemos identificar claramente o espaço da narrativa produzida pela criança, devido ao fato de que ela infere detalhes sobre esse elemento em sua produção.

Palavras-chave Alfabetização; Literatura infantil; Texto narrativo

Abstract

Part of a Master’s thesis focused on analyzing pedagogical activities in the literature, this article aims to demonstrate how children undergoing the literacy process appropriate elements of narrative text – narrator, character, time, space, and plot – through literary texts. The study consisted of a series of didact experiments conducted with 27 high school sophomores from a public school, during which they observed the elements of narrative texts through classical tales presented by reading, video, audio, music, and orally. To identify and represent all elements after storytelling, children developed activities such as oral interpretation, drawings, cut and paste, story rewriting, and textual production. Children managed to apply the elements into textual production in a somewhat harmonious manner, allowing for the clear identification of the notion of space, even though not rich in details.

Keywords Literacy; Children’s literature; Narrative text

Resumen

Este artículo es parte de una investigación de maestría que se volvió al análisis de las actividades pedagógicas con la literatura. En este recorte, el objetivo es demostrar cómo los niños en proceso de alfabetización se apropian de los elementos del texto narrativo por medio de textos literarios: narrador, personaje, tiempo, espacio y enredo. La investigación involucró a veintisiete alumnos del segundo año de la enseñanza primaria de una escuela pública, a través de experimentos didácticos. Durante el experimento, los niños observaron, a través de cuentos clásicos, los elementos del texto narrativo en cada una de las historias que se presentaban de diversas formas: lectura, vídeo, audio, música y oralmente. Después de la narración de la historia, los niños desarrollaron diferentes actividades como: interpretación oral, dibujos, recorte y collage, reescritura de la historia y producción textual para identificación y representación de todos los elementos del texto narrativo. En la producción de la narrativa quedó evidente que los niños conseguían establecer cierta armonía en la utilización de los elementos en la producción textual. Aunque no esté enriquecida de detalles, podemos identificar claramente el espacio de la narración producida por los niños debido a que ella infiere detalles sobre este elemento en su producción.

Palabras clave Alfabetización; Literatura infantil; Texto narrativo

1 Introdução

É sabido que a escola tem a função de desenvolver o conhecimento. Mas qual conhecimento cabe à escola desenvolver? Em primeiro lugar, deve oferecer um ambiente adequado para que o professor eleve os alunos do nível de um conhecimento espontâneo, de senso comum, para o nível do conhecimento elaborado, capaz de compreender o mundo em suas múltiplas dimensões. Esse processo implicará em um ensino articulado entre a teoria e a prática. Contudo, diante de uma prática que se apresenta de forma empírica e fragmentada, é necessária uma profunda mudança nos aspectos do processo educativo.

Conforme descreve Saviani (2008), é possível constatar que no processo de ensino e aprendizagem a criança se apropria dos conceitos científicos, que são parte do trabalho específico da escola. O desenvolvimento psíquico da criança se dá a partir da apropriação dos conceitos, e a mediação do professor se apresenta como requisito fundamental para essa apropriação.

Nesse contexto, o processo da leitura e da escrita se desenvolve gradativamente no período da alfabetização e por meio das atividades escolares, porém é um processo que se inicia antes de a criança ingressar na escola, no meio social que a rodeia, mas que se consolida pela intervenção do professor, no cotidiano escolar. A partir do exposto, apresenta-se um cenário no qual encontramos a problemática que envolve o trabalho com a leitura. Como desenvolver o conhecimento dos elementos do texto narrativo com crianças no processo de alfabetização? Como a literatura infantil estimula a imaginação e a criação na infância por meio da leitura? Para atender a estes questionamentos, o trabalho foi realizado a partir da leitura dos clássicos literários: contos e fábulas.

Nessa direção, este artigo apresenta um recorte da pesquisa de mestrado que se voltou à análise das atividades pedagógicas com a literatura infantil abordando os elementos do texto narrativo, especificamente com crianças do segundo ano do ensino fundamental.

2 Literatura infantil no processo de alfabetização

A literatura infantil é um recurso didático instigante para se iniciar o trabalho com as crianças do ensino fundamental, principalmente na fase da alfabetização, ou seja, auxilia e promove o desenvolvimento de funções psíquicas como imaginação, emoção, linguagem, que, ao serem estimuladas, produzem novas aprendizagens.

Bakhtin (2016), ao abordar os gêneros do discurso, explica que os textos literários exercem influências e qualificam a pessoa de tal forma que desenvolvem nela capacidade de aprendizagem e condições de entender o contexto no qual está inserida e de modificar a realidade de acordo com sua necessidade. Nesse aspecto, a escola tem a função de desenvolver na criança o gosto pela leitura e pela escrita desde muito cedo, proporcionando atividades que despertem o seu interesse e que deem sentido ao ato de ler, sendo a literatura infantil uma ferramenta indispensável para incentivar a leitura dos alunos.

Nesse sentido, Camargo e Silva (2020, p. 4) afirmam que

a literatura infantil é essencial no âmbito escolar devido ao fornecimento de condições à formação da criança, visando aprimorar a criatividade e o pensamento crítico. Constitui-se em um elemento que representa o mundo e a vida através das palavras, deixando a imaginação, o gosto pela leitura e a aprendizagem entrelaçados.

No entanto, as autoras alertam para o cuidado com a literatura como recurso didático, que ao ser destinada para outras atividades deixa de ser prazer com caráter mágico e lúdico e passa a ser um meio para atingir outros objetivos didáticos.

Para Mello (2011, p. 49-50), quando se pensa em dar sentido à leitura e à escrita de acordo com seu significado social, apropriado à função que exercem em nossa sociedade, pode-se pensar em dois casos diferentes:

a criança pequena se inicia no contato com a cultura escrita na escola e […] a criança chega à escola, tendo já formado para si um sentido para a escrita alheio a sua função social. Tanto em um caso como em outro, a literatura infantil pode contribuir fortemente para formar nas crianças uma atitude leitora e produtora de textos. […] o desafio está em formar na criança um motivo para a leitura de um texto escrito que coincida com sua finalidade. Ou seja, temos que educar na criança a atitude de ler e ouvir uma leitura motivada pelo entendimento da informação ou do sentido expresso no texto.

Quando se insere a criança no mundo da escrita e da leitura e ela passa a fazer parte de atividades nas quais se abordem temas que a atraem, que chamem a sua atenção e a envolvam, fazendo com que compreenda o que está sendo lido por ela ou pelo adulto, isso possibilita a sua formação em relação à cultura escrita.

São as situações reais nas quais a leitura é utilizada “como instrumento de ampliação do que se sabe, como compartilhamento de experiências, ideias e sentimentos ou como retomada de experiências vividas” (MELLO, 2011, p. 50) que favorecem o aprendizado da criança. E a literatura infantil é uma aliada para o bom andamento desse processo. O trabalho com a literatura infantil na alfabetização oferece muitas possibilidades de promoção de interesse pela leitura.

A leitura, bem como a escrita, são produções da experiência humana que a história social promoveu e, do ponto de vista da aprendizagem, correspondem a práticas valorizadas na transmissão cultural, e a educação formal ou informal considera a importância de recolher e registrar o vivido, formatando-o como narrativas ou relatos:

O mito, a arte, a ciência e a ficção, a história e as histórias dependeram originalmente desse contar partilhado em rodas de trabalho ou de lazer […]. O caminho que leva a esse refúgio produtivo da leitura passa estrategicamente pelas situações ilustradas nas narrativas de Monteiro Lobato, criador da literatura infantil brasileira.

(YUNES, 2009, p. 71-72, grifo da autora)

As histórias que foram transmitidas oralmente, perpassando gerações e resistindo durante muito tempo, são responsáveis pelo acervo cultural que, depois de anos, tornou-se produções escritas. Histórias como as contadas outrora em volta da fogueira enchem de ideias novas o imaginário de quem as ouve. Essa prática da oralidade é responsável, até nossos dias, por despertar o interesse dos nossos alunos pela narrativa. Muitas vezes, nossas crianças têm os primeiros contatos com histórias somente quando ingressam na escola. E a escola, por sua vez, nem sempre tem um trabalho organizado para essa prática com a literatura nas salas de aula.

Diante dessa importância do ato de contar histórias, para se pensar em um trabalho com literatura infantil em sala de aula é necessária primeiramente uma avaliação criteriosa para a escolha das obras, pois algumas delas podem apresentar temas não apropriados para aquela faixa etária. Outro aspecto que deve ser analisado é a maneira como a obra está sendo proposta para a faixa etária à qual é destinada. A partir dessas análises cautelosas teremos, então, uma ferramenta eficaz que pode ser utilizada para estimular e ampliar o interesse da criança pela leitura na sala de aula, principalmente na fase de alfabetização.

Na ação pedagógica, o professor precisa ter conhecimento acerca do que a criança já elaborou para ela mesma sobre aquele conteúdo que o professor pretende ensinar, para que ela possa executar de maneira conveniente a atividade proposta. E, para o bom andamento do trabalho pedagógico, é necessário que o professor acompanhe o sentido que a criança vai atribuindo à leitura e à escrita, a partir das propostas de trabalho em sala de aula e de acordo com suas vivências anteriores: “quando uma criança entra na escola, ela já adquiriu um patrimônio de habilidades e destrezas que a habilitará a aprender a escrever em um tempo relativamente curto” (LURIA, 2010, p. 143).

Um exemplo claro dessa abordagem é quando, na sala de aula, é lida ou contada uma história e, ao questionar as crianças sobre o entendimento da mensagem da narrativa lida, as respostas são espontaneamente dadas de diversas maneiras e com pontos de vista diferenciados. Para Mello (2011), a vivência da criança depende da atitude que ela tem perante os objetos ou as situações.

Dessa forma, podemos entender que o sentido que uma criança atribui àquilo que o professor apresenta a ela na escola vai depender da organização do trabalho pedagógico a partir das relações reais estabelecidas com as coisas ou com as situações propostas, e esse sentido também é criado pelo professor no processo de apresentação do conhecimento, através das atividades, para as crianças.

A literatura é feita de fantasia, e a escola, muitas vezes, não percebe que a fantasia faz despertar a emoção: “A escola não percebe que a literatura exige do leitor uma mudança, uma transferência movida pela emoção. E a literatura é feita de palavras, e é necessário um projeto de educação capaz de despertar o sujeito para o encanto das palavras” (QUEIRÓS, 2002, p. 30).

Como vimos anteriormente, a criança vai construindo motivos e cria para si sentido do conhecimento que vai adquirindo. Se a leitura é apresentada à criança como apenas uma obrigação de atividade em sala de aula e não é feita uma associação à vida de maneira que a criança entenda que a leitura tem uma função social, torna-se praticamente impossível que esse leitor iniciante construa um sentido adequado ao ato de ler.

O trabalho com a literatura infantil na alfabetização é extremamente importante e encantador pelo fato de desenvolver a criatividade e estimular a imaginação na criança. Entretanto, é fundamental que o professor desenvolva nos alunos a percepção e o reconhecimento das especificidades que compõem o texto literário, a linguagem literária, bem como suas propriedades. A prática com a alfabetização literária demanda um trabalho de mediação em que o professor “estende pontes entre os livros e os leitores, ou seja, […] [cria] as condições para fazer com que seja possível que um livro e um leitor se encontrem” (REYES, 2014), apresentando, assim, o mundo da literatura aos alunos nos trabalhos com os gêneros do discurso.

3 As narrativas que estimulam a imaginação infantil: as fábulas e os contos de fadas

Contar histórias para as crianças pequenas sempre foi uma prática muito comum em todas as culturas, letradas ou não. É muito difícil encontrarmos uma criança que não goste de ouvir histórias. As narrativas cheias de mistérios e fantasias prendem a atenção da garotada, que, deslumbrada, viaja pelos caminhos da imaginação. Ao falarmos de histórias para crianças, nos reportamos à literatura infantil. Coelho (2000, p. 46) enfatiza que

como objeto que provoca emoções, dá prazer e diverte e, acima de tudo, modifica a consciência de mundo de seu leitor, a literatura é arte. Sob outro aspecto, como instrumento manipulado por uma intenção educativa, ela se inscreve na área da Pedagogia.

Entretanto, o texto narrativo tem a função de despertar os interesses individuais das crianças e, para isso, é preciso que o professor não faça dessa prática de ler histórias apenas um “ritual didático alheio aos verdadeiros interesses delas” (REGO, 1994, p. 54). Ao escolher um livro e/ou uma história para ler para as crianças, é preciso observar atentamente a produção que será escolhida.

Ao falarmos de texto narrativo para a criança, nos reportaremos às fábulas e aos contos. Silva (2010) explica que as fábulas são narrativas curtas que se mantiveram importantes através dos tempos, e os contos são narrativas que revelam um mundo maravilhoso cheio de fantasias, e perpassam o tempo mantendo viva toda a mística que existe em seu entorno. Essa relação tem aumentado cada vez mais. Entretanto, foi na década de 1980 que literatura infantil esteve mais presente nas salas de aula, a partir do momento em que os educadores perceberam a importância da literatura para a formação leitora das crianças e dos adolescentes.

A origem dos contos de fadas, que tiveram seus primórdios na transmissão oral, tem fomentado várias pesquisas nessa área.

Silva (2010) relata que não faltam hipóteses que justifiquem a receptividade e a proliferação dos contos de fadas. Pelo fato de que foram recolhidos do acervo da cultura oral e pela presença do maravilhoso em seu conteúdo, os contos de fadas já conseguiram cativar um público adepto ao gênero, como os contos de fadas de Perrault e La Fontaine, que elaboraram obras com fundo instrutivo e moralizante. Os contos de fadas perpetuados por Perrault, Grimm e Andersen integram-se definitivamente à literatura infantil, passando a ser considerados um meio adequado não só para a formação do jovem burguês, mas da criança em geral.

A autora se utiliza de estudos de Zilberman (1982 apudSILVA, 2010) para evidenciar que os contos de fadas poderiam se tornar um meio de acesso ao entendimento do mundo real “sob uma perspectiva renovadora, [para] abdicar das imposições ideológicas constantes nos contos tradicionais” (SILVA, 2010, p. 124); de uma forma contextualizada, criar situações que possibilitem à criança conhecer a si mesma e o mundo em que vive.

Dessa forma, se for executado um trabalho focado na literatura desde muito cedo, será possível despertar na criança o interesse pela leitura e pela escrita de maneira atrativa e contextualizada, possibilitando que haja interpretação do imaginário baseado na realidade. Uma maneira de vivenciar esse tipo de trabalho é através do texto narrativo.

4 Elementos do texto narrativo

No decorrer desse item interessa-nos destacar os elementos do texto narrativo explicitados por Gancho (2003), como sendo: personagens, espaço, tempo, narrador, enredo. Esses elementos evidenciam que a narração é um tipo de texto que conta uma história. Compõe-se de fatos reais ou fictícios, dispostos em sequência, numa relação de causa e efeito. Em geral, as narrativas literárias são construídas primeiramente criando-se uma expectativa, expondo uma situação comum com as personagens da história. Em seguida, um conflito é gerado apresentando algo inesperado às personagens e ao leitor, quebrando a expectativa inicial, e isso faz com que a história tome outra direção. Esse conflito é o que confere à narrativa uma relevância ficcional, e não a configuração de um simples relato (SIQUEIRA, 1992, p. 12).

Ao se pensar em um trabalho com narrativa para crianças, os textos devem ser recheados de dramatismo, movimentação e fantasia para que ela se interesse pelos livros, que devem oferecer a todo o momento “fatos novos e interessantes, cheios de peripécias e situações imprevistas, movimentando-se assim o espírito infantil” (CUNHA, 1998, p. 76). A narrativa é encontrada em vários gêneros textuais e, de acordo com a interpretação pessoal, pode-se encontrá-la também em vários outros contextos.

Ao se tratar de texto narrativo para o público infantil, o autor precisa ser cauteloso, pois as crianças se envolverão emocionalmente com as personagens, vivenciando, juntamente com elas, todos os conflitos e suas resoluções. É comum isso ocorrer com as crianças, e é por isso que o professor precisa estar atento às escolhas dos textos a serem trabalhados em sala de aula com o público infantil. Nesse momento, no trabalho pedagógico, cabe ao professor interferir e fazer a mediação entre a criança e o texto para que haja compreensão e não resulte em outras consequências, talvez até mesmo traumáticas.

Todas essas informações são importantes para o professor elaborar, de maneira consciente, seu trabalho pedagógico com o texto narrativo. Entretanto, ao se abordar o assunto com as crianças na fase de alfabetização, é preciso que se utilize uma linguagem acessível para que os pequeninos compreendam os elementos do texto narrativo e se apropriem deles.

5 Metodologia

Esta pesquisa foi realizada com alunos do segundo ano do ensino fundamental em uma escola municipal localizada no noroeste do Paraná. Em experimento didático, as crianças observaram, por meio de contos clássicos, os elementos do texto narrativo em cada uma das histórias que eram apresentadas de diversas formas: leitura, vídeo, áudio, música e oralmente.

As crianças tinham entre 7 e 8 anos. Para dar início à realização da pesquisa na sala de aula, selecionamos histórias da literatura infantil que foram escolhidas a partir dos questionamentos feitos com as crianças, que elegeram as suas favoritas: Chapeuzinho Vermelho, Os três porquinhos, Branca de Neve e os sete anões, Rapunzel e Cinderela. Durante 20 semanas consecutivas, com a turma do segundo ano matutino, composta por 27 alunos, desenvolvemos atividades de contação de história e apresentação dos elementos do texto narrativo. A metodologia utilizada nas atividades de apresentação das histórias foi diversificada porque a intenção era proporcionar às crianças momentos de descontração e de lhes oportunizar o conhecimento dos elementos da narração, que, apesar de estarem diretamente ligados ao trabalho com os textos narrativos, não são um conteúdo previsto para essa etapa e, por esse motivo, as crianças não tinham noção alguma sobre eles. No entanto, todo o processo de desenvolvimento da pesquisa está permeado de propostas de atividades que são obrigatórias à alfabetização, tais como a leitura e a produção textual.

6 Descrição e análise do desenvolvimento dos elementos do texto narrativo em atividades pedagógicas

A partir das atividades realizadas pelas crianças, tanto dos registros escritos como das respostas orais, envolvendo leitura, produção escrita, identificação dos elementos do texto narrativo nos textos clássicos da literatura infantil, ilustrações, entre outras, foram observados e analisados o comportamento e o desenvolvimento das crianças que se encontram em processo de alfabetização.

No limite deste texto, não será possível apresentar todas as atividades desenvolvidas na pesquisa. Por isso, escolhemos a sequência das atividades desenvolvidas com a história Chapeuzinho Vermelho.

Na primeira aula, foi apresentado às crianças o conto Chapeuzinho Vermelho em forma de áudio. Todos os alunos ouviram com muita atenção. Após esse momento, fizemos uma explanação oral da história e, coletivamente, as crianças contaram toda ela. Em seguida, entregamos uma atividade de recorte e colagem. Essa atividade continha o texto resumidamente cortado em tiras e a criança deveria colar as frases na ordem em que os fatos aconteceram. Fizemos a leitura e todas as crianças conseguiram realizar e concluir essa atividade.

Na segunda aula, retomamos a história de Chapeuzinho Vermelho oralmente e todas as crianças participaram desse momento com entusiasmo. Logo após, fizemos questionamentos em linguagem acessível ao entendimento das crianças de maneira que pudéssemos observar as respostas espontâneas. Após um momento de conversação e exploração oral de toda a narrativa, as crianças foram instigadas com questões como: Quem está participando dessa história? Onde a história aconteceu? Quanto tempo demorou para essa história acontecer? Quem está contando a história? Esse contador só conta ou também participa da história? Qual é o assunto que essa história aborda?

Nesse momento foi possível observar que todas as crianças, sem exceção, responderam de maneira espontânea às questões. Com base no aporte teórico, analisamos a prática desse primeiro contato das crianças com os elementos do texto narrativo. Como expusemos anteriormente, as questões foram elaboradas em uma linguagem de fácil entendimento para as crianças e as respostas foram registradas em cartazes. À pergunta “quem está participando dessa história?”, responderam “a Chapeuzinho”, “a mãe”, “o lobo”, “a vovó”, “os caçadores”, “os cachorros”. Essas respostas espontâneas se sucederam nas demais perguntas, a saber: “onde a história aconteceu?”, “na floresta”, “na casa da mamãe”, “na casa da vovó”, “no caminho do rio”, “no caminho da floresta”; “quanto tempo demorou para essa história acontecer?”, “cinquenta minutos”, “um dia”; “quem está contando a história?”, “Chapeuzinho”, “o lobo”, “a mãe”, “a vovó”, “os caçadores”, “os autores”, “a tia Lúcia”. Observamos que as respostas dadas às questões que se referem ao tempo da narrativa e ao narrador são as que mais se distanciaram da resposta “correta” devido ao fato de que, além de serem questões complexas, esse conteúdo nem sempre é explorado nessa fase de alfabetização.

Após esse momento de respostas espontâneas, foram apresentados os termos corretos de cada um dos elementos do texto narrativo, e confeccionamos, juntamente com as crianças, cartazes com as respostas e com os conceitos dos elementos do texto narrativo, e suas respectivas explicações foram expostas oralmente. A partir desse momento, encaminhamos o trabalho de forma a solicitar sempre que as crianças utilizassem os termos que lhes foram apresentados, ou seja, a nomenclatura correta dos elementos do texto narrativo. Para que essas respostas fossem assimiladas pelas crianças, a professora pesquisadora recorreu aos cartazes sempre que necessário, fazendo as intervenções necessárias. Quanto ao elemento “enredo”, deixamos para outro momento devido à sua complexidade para esse início.

Foi o primeiro contato desses alunos com os elementos do texto narrativo de modo organizado sistematicamente. Propusemos às crianças que fizessem um desenho a partir da história Chapeuzinho Vermelho com dois dos elementos de uma narrativa: espaço e as personagens. Analisamos os desenhos e observamos os seguintes aspectos:

  • Apenas duas crianças representaram todos os personagens e o ambiente: duas casas, a floresta, a Chapeuzinho, o lobo, a mãe, a vovó e o caçador.

  • Uma criança desenhou duas casas, a floresta, o lobo, a mãe, a vovó e o caçador, mas não desenhou a Chapeuzinho.

  • Três crianças desenharam duas casas, a floresta, a Chapeuzinho, o lobo, a mãe e a vovó; não desenharam apenas o caçador.

  • Uma criança desenhou duas casas, a floresta, a Chapeuzinho, a mãe e a vovó, mas não desenhou o lobo e o caçador.

  • Uma criança desenhou duas casas, a floresta, a Chapeuzinho, a mãe e o caçador, mas não desenhou a avó e o lobo.

  • Uma criança desenhou duas casas, a floresta, a Chapeuzinho, o lobo e a mãe, mas não desenhou a vovó e o caçador.

  • Uma criança desenhou duas casas, a floresta, a Chapeuzinho, o lobo e o caçador e não desenhou a mãe e a vovó.

Temos aqui um total de dez crianças que deixaram de desenhar, no máximo, dois elementos do texto narrativo. Isso demonstra que as crianças agruparam os elementos que apresentam relação entre si, começando a estabelecer vínculos entre os signos que se correspondem, percebendo algum significado.

Iniciamos a terceira aula com questionamentos sobre a história da Chapeuzinho e sobre os elementos do texto narrativo na história. As crianças responderam oralmente aos questionamentos. Foi possível perceber que algumas crianças conseguiam responder às questões, mas outras não se recordavam dos termos. Fizemos uma breve recapitulação e solicitamos uma produção de texto. Os alunos deveriam escrever a história da Chapeuzinho Vermelho, com suas palavras e contendo os elementos da narrativa. A maioria das crianças conseguiu realizar a atividade de maneira satisfatória, sem auxílio, com exceção de dois alunos, que necessitaram de auxílio para a escrita. Entretanto, ao que se refere à organização das ideias, os dois conseguiram realizar a atividade. O Quadro 1 demonstra o número de crianças que conseguiram escrever o texto com os elementos solicitados. Demonstra, também, que a maior dificuldade das crianças se concentrou em caracterizar o espaço da narrativa pelo fato de ser necessário descrever o ambiente detalhadamente para que o leitor possa identificar o espaço da narração de maneira correta. Esse processo de descrição é um conteúdo que não foi bem explorado pela professora regente devido ao fato de que as crianças ainda se encontram no processo de alfabetização. Os demais itens foram expostos na produção de texto de maneira satisfatória para a faixa etária.

Quadro 1 (n=27) Produção do texto Chapeuzinho Vermelho.  

  Número de acertos % de acertos
Todos os personagens 20 74,07
Espaço completo 2 7,41
Narrador observador 27 100
Todo o enredo, com começo, meio e fim, sem fugir do tema 20 74,07
Tempo: aproximadamente um dia 27 100

Fonte: Dados coletados pela pesquisadora.

Em relação a essa atividade, podemos afirmar que apenas duas crianças utilizaram todos os elementos do texto narrativo em sua produção textual. Entretanto, uma dessas crianças é a mesma que utilizou todos os elementos no desenho da atividade anterior; a outra não desenhou completamente com todos os elementos. Essa forma de apresentação dos conceitos dos elementos do texto narrativo permite que a criança manifeste pela linguagem escrita a organização do pensamento.

Na quarta aula, fizemos novamente questionamentos orais e solicitamos novamente uma atividade de desenho. Dessa vez, a orientação dada foi que deveria ser um desenho com os personagens e o espaço da narrativa trabalhada. Pode ser observado no Quadro 2 que, tanto na atividade do segundo dia de aula quanto na atividade do quarto dia, as crianças conseguiram representar a personagem principal e o espaço. Observamos que as demais personagens não foram evidenciadas pelas crianças, nem mesmo o lobo; porém, ao observarmos o espaço da narrativa, nos dois desenhos a floresta aparece em mais de 90% dos casos, e no segundo desenho aumentou consideravelmente o número de crianças que desenharam as duas casas. Essa análise mostra que, a partir do trabalho sistematizado, as crianças estão fazendo tentativas de acerto e, a partir de um trabalho intensivo e sistematizado e com as intervenções do professor, elas conseguem resolver as atividades propostas.

Quadro 2 (n=27) – Desenhos. 

Personagens Desenho 2
(quarto dia de aula)
Número de acertos % de acertos Número de acertos % de acertos
Mãe da Chapeuzinho 12 44,44 12 44,44
Chapeuzinho 23 85,19 25 92,59
Avó da Chapeuzinho 8 29,63 12 44,44
Caçador 8 29,63 9 33,33
Lobo 15 55,56 21 77,78
Espaço Desenho 2
(quarto dia de aula)
Número de acertos % de acertos Número de acertos % de acertos
Uma casa 7 25,93 2 7,41
Duas casas 19 70,37 22 81,48
Rio 3 11,11 0 0,00
Floresta 25 92,59 25 92,59
Não fez 1 3,70 1 3,70

Fonte: Dados coletados pela pesquisadora.

As atividades desenvolvidas implicaram o desenho de dois elementos do texto narrativo: personagens e espaço. A criatividade para desenhar, nesta faixa etária, mobiliza a realização do modelo mental conhecido pelas crianças, ou seja, a tentativa de aproximar o desenho do modelo visto no livro de história. Considerando que nos primeiros desenhos o nível de acertos foi menor que no segundo, houve avanços ao mobilizar que, a partir das intervenções da professora pesquisadora em sala de aula, as crianças já apresentam certo nível de compreensão da proposta.

Na quinta aula, solicitamos às crianças a leitura do texto Chapeuzinho Vermelho adaptado para responderem às questões envolvendo os elementos do texto narrativo. A aula se deu no mesmo formato que as demais: iniciamos com os questionamentos orais acerca dos elementos do texto narrativo para que os alunos relembrassem o que está sendo trabalhado com a turma. Nem todas as crianças se manifestaram, mas, pelo fato de que a turma toda conhece a professora pesquisadora, torna-se mais fácil o relacionamento entre aluno e docente.

O Quadro 3 demonstra o entendimento das crianças sobre o assunto ao responderem às questões sobre o texto Chapeuzinho Vermelho.

Quadro 3 (n=27) - Questões da Chapeuzinho Vermelho. 

Tema da pergunta Número de acertos % de acertos
Personagem principal 25 92,59
Demais personagens 21 77,78
Espaço 22 81,48
Narrador observador 27 100,00
Tempo: aproximadamente um dia 25 92,59
Enredo 23 85,19

Fonte: Dados coletados pela pesquisadora.

Fica evidente que, por se tratar de uma atividade de questões que devem ser respondidas a partir do texto, as crianças não tiveram muita dificuldade para executar essa tarefa. Com exceção da questão que solicita os demais personagens, os alunos conseguiram responder ao questionário de maneira satisfatória, o que resultou em um percentual acima de 80% nas demais questões. Entretanto, apenas 21 crianças responderam a todas as questões corretamente.

Nas demais atividades realizadas com outras histórias infantis, o grau de dificuldades foi aumentando, mas as crianças apresentaram resultados surpreendentes, chegando na maioria das respostas a 100% de acertos.

Na produção da narrativa ficou evidente que as crianças já conseguem estabelecer certa harmonia na utilização dos elementos na produção textual. Embora não seja enriquecida de detalhes, podemos identificar claramente o espaço da narrativa produzida pela criança, devido ao fato de que ela infere alguns detalhes sobre esse elemento em sua produção.

7 Considerações finais

É importante ressaltar que as crianças se encontram em processo de alfabetização. Entretanto, o que essa atividade nos mostra é que, a partir do trabalho sistematizado e intencional do professor em sala de aula, é possível proporcionar aos alunos o conhecimento além do que esteja previsto no planejamento, sem subestimar as crianças no tocante à aquisição do conhecimento.

Como já foi exposto anteriormente, a intervenção intencional é uma das funções do professor. Essa postura em sala de aula possibilita ao aluno um ambiente de aprendizagem real. Durante todo o período de contato com as crianças foi possível constatar que, sempre que a professora pesquisadora intervinha quando elas apresentavam dificuldade em executar a tarefa, essas mesmas crianças se sentiam mais seguras e conseguiam realizar a atividade solicitada.

Propor um trabalho de aquisição dos conceitos dos elementos do texto narrativo para crianças na fase de alfabetização pode parecer ousado, mas acreditamos que o professor, nas situações de ensino com as propostas de aprendizagem organizadas intencional e sistematicamente, é quem direciona as ações dos alunos, problematizando circunstâncias que orientam o pensamento da criança que, por si só, não estabelece relações com os fenômenos à sua volta. O professor deve entender que a criança é quem deve agir a partir das estratégias e dos procedimentos elaborados, pensados e propostos por ele. Assim, acreditamos que as ações intencionais no ensino fundamental devem ser permeadas constantemente pelas intervenções do professor para que, além de trabalhar os conteúdos propostos no currículo, o conhecimento possa sempre ser ofertado, contribuindo, assim, para que o desenvolvimento da criança se potencialize de modo a não estabelecer limites para a aquisição do conhecimento desde o início da sua trajetória como estudante.

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Recebido: 10 de Julho de 2019; Revisado: 19 de Maio de 2021; Aceito: 29 de Outubro de 2021; Publicado: 10 de Janeiro de 2022

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