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Educação: Teoria e Prática

versión impresa ISSN 1993-2010versión On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.31 no.64 Rio Claro ene. 2021

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v31.n.64.s15109 

Resenhas

NEURODIDÁTICA: NEUROCIÊNCIA PEDAGÓGICA APLICADA AO ATO DE ENSINAR

NEURODIDACTICS: PEDAGOGICAL NEUROSCIENCE APPLIED TO THE ACT OF TEACHING

NEURODIDÁCTICA: NEUROCIENCIA PEDAGÓGICA APLICADA AL ACTO DE ENSEÑAR

Evandro Luiz Ghedin1 
http://orcid.org/0000-0002-2844-6122

Artemison Montanho da Silva2 
http://orcid.org/0000-0003-3263-0034

Karolayne Êndrea Oliveira Peixoto3 
http://orcid.org/0000-0003-3758-6854

1Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Amazonas – Brasil. E-mail: evandroghedin@gmail.com.

2Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Amazonas – Brasil. E-mail: artemisonsilva@gmail.com.

3Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Amazonas – Brasil. E-mail: karol.lp.edu@gmail.com.

CODEA, André. Neurodidática, : fundamentos e princípios. Rio de Janeiro: Wak, 2019.


O livro Neurodidática: fundamentos e princípios tem por finalidade elencar e organizar diversos conceitos acerca da neurociência relacionada com o funcionamento do sistema nervoso – tudo isto aplicado ao ato de ensinar. A obra foi redigida pelo professor André Codea (2019) e está dividida em parte I (“Fundamentos e princípios”) e parte II (“Reflexões sobre a neurodidática na escola”).

Codea deixa claro que o livro propõe ideias e inferências que podem assessorar o leitor com concepções que podem inovar sua particular realidade, transformando assim a sua prática para que o discente aprenda melhor. A obra traz riquíssimas contribuições para o leitor que tem interesse na interface entre neurociência e educação, bem como para todo aquele que se interessa pela prática de ensinar.

No texto de introdução, André Codea declara que a organização dessa obra espera colaborar com aquela que, segundo ele, é árdua, mas gratificante: a tarefa de formar cérebros. O autor deixa claro que o livro não traz como proposta esgotar a discussão do assunto, mas sim apresentar um conjunto de diversos conhecimentos já discutidos por outros autores na área da neurociência pedagógica. O autor lembra alguns centros de estudos do mundo que pesquisam sobre a neurociência pedagógica e neurodidática, como aqueles na Espanha, Inglaterra e Alemanha, no que diz respeito à Europa, e nos Estados Unidos, representando as Américas. Codea enfatiza que, como qualquer área nova do conhecimento, esse campo sofre muitas críticas que acabam gerando rejeição de algumas pessoas. Codea acentua que “a ciência do cérebro evolui muito nos últimos 50 anos, mas ainda há muito a descobrir e aclarar” (CODEA, 2019, p. 19).

O primeiro capítulo da obra é intitulado “Nós somos o nosso cérebro”. Nele, Codea afirma que nós somos o nosso cérebro, pois todo processo que ocorre no organismo humano passa por esse órgão, que sofre mudança estrutural, não apenas genética, como também segue uma interpelação com estímulos ambientais e externos.

Ainda no primeiro parágrafo, o autor discute a neuroplasticidade, em que ele metaforicamente compara “o cérebro com uma massinha de modelar que fôssemos moldando a partir das experiências que vivenciamos” (CODEA, 2019, p. 24). Esta neuroplasticidade é o processo de aprendizagem do cérebro, pois, à medida que o ser humano adquire novos conhecimentos, o cérebro vai se remodelando.

A obra então define o cérebro como único, fruto da genética e do ambiente. Sendo assim, o autor enfatiza que somos diferentes nas diversas fases de desenvolvimento. Embasado em Johnson (2013 apudCONDEA, 2019), apresenta a teoria do desenvolvimento, na qual há três âmbitos para elucidar o desenvolvimento cognitivo: âmbito maturacional; âmbito das especializações interativas; e âmbito da aprendizagem de habilidades.

O autor afirma que, apesar de existirem muitas críticas a respeito da teoria de Jean Piaget (1999 apudCONDEA, 2019), especialmente no que diz respeito às fases de desenvolvimento, para Codea está bem claro que em cada fase maturacional o cérebro está preparado para possibilidades e limitações de aprendizagens importantes. Por fim, o autor apresenta algumas implicações/inferências interessantes para o âmbito educacional, diante do que foi discutido no capítulo.

No capítulo dois, André Codea traz uma discussão a respeito das emoções e sua importância no processo de ensino-aprendizagem. Ao definir o título do capítulo como “Somos seres emocionais que pensam”, o autor expressa a ideia de que nossos estados emocionais interferem no processo de aprendizagem. De início, Codea (2019, p. 34) traz um esclarecimento acerca do sistema límbico, que, segundo ele, “é uma rede neural complexa que está direta ou indiretamente relacionada com nossos estados emocionais”. Posteriormente, o autor apresenta ao leitor o cérebro “três em um”, teoria desenvolvida por Paul MacLean (1990 apud CONDEA, 2019) na qual o cérebro é composto por três formações básicas: o cérebro reptiliano; o cérebro mamífero; e o cérebro mamífero superior ou neocórtex cerebral.

Ainda no capítulo dois, o autor explica que o ser humano tem estados emocionais diferentes em contextos diversos e, sendo assim, fica comprovada a relação entre emoções positivas e a cognição. A partir de então, o autor explana algumas emoções e suas relações com a aprendizagem. Seguindo esse prisma, é possível afirmar que somos seres movidos por recompensas e punições, e que tais determinam nosso comportamento, no sentido das teorias behavioristas ou comportamentalistas.

Certamente que estímulos recompensadores são mais agradáveis, e eles nos levam à repetição. Estímulos que trazem alegria e felicidade associados às experiências educativas certamente parecem um caminho próspero para a ampliação da cognição (aprender e recuperar informação tornam-se então atividades mais agradáveis). Embasado nisto, o autor afirma mais uma vez que, no que diz respeito ao funcionamento do sistema buscador de recompensas, somos levados a maximizar o contato com estímulos que são agradáveis e minimizar o contato com estímulos que são desagradáveis. Por fim, o autor traz para a conversa as implicações desta discussão para a educação.

No capítulo três, intitulado “Nossa atenção e motivação aumentam com a novidade”, o autor trata da atenção e motivação humana, afirmando que tais processos cognitivos aumentam com a novidade. Inicialmente, Codea fala a respeito daquilo que Robert J. Sternberg (2000 apudCONDEA, 2019) chama de “atenção seletiva”, na qual o ser humano é capaz de eliminar certos estímulos de seu campo perceptivo, favorecendo assim aquilo em que se quer focar. Posteriormente, o autor define o sistema e subsistema da atenção. Codea finaliza o capítulo com as implicações educacionais das discussões trazidas ali, tais como: a) surpresa e novidade devem ser elementos fiéis na sala de aula, e b) faz-se necessário atender às necessidades atencionais dos alunos para manter a atenção, dentre outros.

No quarto capítulo (“Repetir é fundamental para aprendermos”), Codea apresenta algumas teorias que têm por finalidade otimizar a aprendizagem. O texto discute que “repetir é fundamental para aprendermos”, mas o autor faz questão de aclarar que “há uma linha de pensamento que defende a repetição, mas de forma diferente do que é feito usualmente” (CODEA, 2019, p. 57). Trata-se então de uma repetição espaçada e elencada com outros conteúdos, que facilita a capacidade de recuperação de conteúdo e memória. Essa sim traz aprendizagem satisfatória e prolongada.

Ainda no quarto capítulo, o autor apresenta ao leitor uma técnica que tem por objetivo otimizar a aprendizagem: o interleaving (que poderia ser traduzido como “intercalar”), cuja ideia é de fato intercalar uma lição do conteúdo aprendido com outra lição de conteúdos anteriores. Codea traz também ao leitor a existência de uma corrente de pensamentos que defende que a aprendizagem é otimizada quando o aluno é submetido repetidamente à testagem, técnica essa comumente chamada, segundo o autor, de test-enhanced (que poderia ser traduzido como “aprendizagem aprimorada por testes”).

O capítulo de número cinco, intitulado “Quer aprender? Jogue!”, é constituído por três fundamentos que embasam a ideia de que os jogos potencializam a aprendizagem: a) a aprendizagem por jogos ativa o sistema de recompensa e a motivação; b) plasticidade cerebral acontece quando jogamos; e c) o jogo melhora a cognição. Como de costume nessa obra, o autor apresenta no final do capítulo as implicações educacionais na prática pedagógica, desta vez relacionadas aos jogos. Codea afirma que além de melhorar a capacidade da cognição humana, os jogos têm a capacidade de estimular a motivação para a aprendizagem, ou seja, provocam neuroplasticidade cerebral, tornando-se um mecanismo aliado em sala de aula. De acordo com o autor, os jogos tornam a aprendizagem engraçada e prazerosa, o que hoje em dia certamente é um dos maiores desafios das metodologias educacionais.

Assim como no capítulo anterior, o capítulo seis (“Faça artes, cante, dance e aprenda”) apresenta três princípios para sustentar a afirmativa do autor: a) artes, música e dança são ferramentas potenciais de aprendizagem; b) o uso de atividades artísticas aumenta a capacidade criativa e a aprendizagem; e c) a música e a dança aumentam as capacidades cognitivas e a memorização.

Tais princípios são desenrolados no decorrer do capítulo, ficando claro que a utilização dessas ferramentas como coadjuvantes em sala de aula certamente trazem melhoras significativas no que diz respeito à aprendizagem, especialmente em relação à memória. Por fim, o autor apresenta as implicações na educação do uso de tais elementos, especificamente no que diz respeito à aprendizagem, declarando que estas práticas “desenvolvem habilidades sociais, cognitivas e morais, e estão relacionadas a muitas variáveis da aprendizagem” (CODEA, 2019, p. 74).

No capítulo sete, intitulado “Sentido e significado são essenciais para aprender”, o autor aborda a relação entre quatro princípios: o sentido, o significado, a relevância e o interesse. Tais princípios estão interligados, ou seja, um não funciona sem o outro. Dessa feita, observa-se que se o professor, ao ministrar o conteúdo determinado pelo currículo escolar, consegue estabelecer uma relação entre o conteúdo e a realidade vivenciada pelo discente, conseguirá fazer com que o conteúdo seja relevante e tenha significado para o aluno, despertando seu interesse para a sala de aula. Eis um desafio para os docentes, pois sentido e significado são os que nos levam a nos envolvermos com esta ou aquela coisa. Afinal, desde que o homem é homem ele busca encontrar sentido na vida, nisto ou naquilo.

Assim como no capítulo anterior, no oitavo capítulo, intitulado “Exercite-se, durma, alimente-se e aprenda mais”, Codea traz quatro princípios interligados, que indicam que a prática de exercícios físicos aliados ao sono e à alimentação equilibrada geram melhora cognitiva. Baseado em estudos produzidos anteriormente, o autor menciona uma relação entre as atividades de coordenação e o desenvolvimento cognitivo, apontando que essas atividades exercem influência nas funções executivas de meninos e meninas, além de melhorar a memória de longo prazo e os processos cognitivos. Além disso, ressalta que a privação de sono (é durante o sono que ocorre o processo de consolidação do que se aprendeu durante o período em que se esteve acordado), má alimentação, uso abusivo de cafeína e desidratação são fatores nocivos aos processos cognitivos. Mesmo que não haja estudos que comprovem que estar bem hidratado melhora as ações cognitivas, a desidratação é uma ameaça ao bom desenvolvimento.

O capítulo nove, intitulado “O corpo influencia o cérebro e a cognição”, traz como foco o impacto do corpo sobre o cérebro e a cognição. O autor busca explicar que os processos cognitivos podem ocorrer de modo externo, para além do cérebro, em que informações podem ser rapidamente recuperadas por meio de movimentos específicos aprendidos através da observação do outro, sem a necessidade da realização de complexas representações mentais. Isto se explica devido à existência dos neurônios-espelho, que propiciam a aprendizagem de uma ação por observação e sua reprodução mental. Logo, a observação é uma poderosa ferramenta de aprendizagem.

No décimo e último capítulo da parte um desse livro, o autor afirma que, para a efetividade do processo de ensinar e aprender, “O cérebro do professor também conta!”. Para o autor, o professor deve ser alguém que tenha sensibilidade emocional e que saiba escutar, pois uma atitude dialogal e fraternal gera empatia e torna a comunicação mais efetiva em sala de aula, pois aluno e professor conseguem se compreender. Ainda neste capítulo, Codea diz que o conjunto de atitudes e comportamentos apresentados pelo professor em sala, ou seja, sua personalidade e sua sensibilidade emocional, acompanhado de uma escuta sensível, também influenciam a sua relação com os alunos e como eles o enxergam, levando a um processo de classificação do professor como “bom ou mal professor”.

Para além das questões apresentadas nos dez capítulos da primeira parte, o autor nos propõe superar paradigmas (chamada “paralisia paradigmática”: achar que a forma que utilizamos é a melhor) que entravam a utilização dos conhecimentos oferecidos pela neurodidática em sala de aula. Por isso, na segunda parte do livro, que é composta por dois capítulos, o autor nos oferece de modo sintético algumas possíveis formas de trabalhar em sala com os princípios da neurodidática.

No capítulo onze (“As metodologias de ensino”), o autor discorre sobre a questão das metodologias utilizadas na educação brasileira e como elas estão relacionadas ao fracasso escolar, na medida em que ainda estão atreladas a um modo tradicional de educação que se vale do quadro branco, da anotação, cópia e memorização, tornando-as sem atrativos ao aluno. Uma das causas apontadas no texto para a contribuição das metodologias para o fracasso escolar é a clara diferença entre alunos e professores em relação ao domínio das ferramentas e recursos tecnológicos que se desenvolvem em um ritmo acelerado desde a década de 1980. Enquanto o cérebro do professor ainda trabalha de forma analógica, o cérebro dos alunos, sejam eles do ensino fundamental, médio ou superior, trabalham de forma digital, ou seja, a falta de conhecimento do funcionamento cerebral dos alunos implica em grandes problemas na relação ensino-aprendizagem. Como forma de superar as mazelas das metodologias tradicionais, Codea oferece um rápido vislumbre sobre novas formas de se trabalhar em sala utilizando as chamadas “metodologias ativas”, que visam proporcionar o ensino-aprendizagem por meio da problematização e solução de problemas utilizando atividades lúdicas e desafios.

O capítulo doze (“Neurociência, sala de aula e o desafio: como melhorar o processo?”) traz a discussão sobre o grande desafio lançado para a neurociência, de como melhorar o processo de ensino-aprendizagem em um modelo educacional ainda preso a velhos paradigmas educacionais e que não está propenso a sair de sua zona de conforto. Para Codea, uma das tarefas da neurodidática é unir o que já está posto de conhecimento metodológico e pedagógico ao neurocientífico, para que dessa forma o desafio de melhorar o processo de ensino-aprendizagem seja cumprido. Descobrir como o cérebro aprende seria, portanto, uma das formas mais eficazes de atingir tal propósito, pois tornaria a sala de aula mais atraente, ao passo que um professor com uma escuta sensível e empático tornaria os conteúdos ministrados mais compreensíveis e significativos para o aluno.

A obra resenhada apresenta alguns conceitos fundamentais sobre neurociência e neurodidática, desenhados de forma simples, clara, bem fundamentada e objetiva. Trata-se de uma obra importante que certamente irá colaborar com pesquisadores e professores ou quaisquer outros que tenham interesse em aprofundar seus conhecimentos nesta temática.

Codea apresenta uma didática que vai além da preocupação em “como se ensina”, mas mergulha nas formas de “como se aprende”, estabelecendo relações entre as metodologias de ensino existentes e os conhecimentos acerca do funcionamento da cognição humana, afunilando assim um dos vários campos que abordam a interface entre neurociência e educação, especificamente na prática docente.

A obra não traz receitas prontas nem promete grandes revoluções, porém traz um material muito bem elaborado e organizado, com intuito de ajudar o leitor a entender o que é e como aplicar a neurociência pedagógica na realidade escolar.

Referências

CODEA, A. Neurodidática: fundamentos e princípios. Rio de Janeiro: Wak, 2019. [ Links ]

Recebido: 10 de Junho de 2020; Revisado: 29 de Setembro de 2021; Aceito: 06 de Outubro de 2021; Publicado: 10 de Janeiro de 2022

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