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Educação: Teoria e Prática

versão impressa ISSN 1993-2010versão On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.32 no.65 Rio Claro  2022

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v32.n.65.s15325 

Artigos

Relação família-escola no Brasil: um estado do conhecimento (1997-2011)

Family-school relationship in Brazil: a state of knowledge (1997- 2011)

Relación familia-escuela en Brasil: un estado de conocimiento (1997-2011)

Maria Alice Nogueira1 
http://orcid.org/0000-0001-9664-8335

Tânia de Freitas Resende2 
http://orcid.org/0000-0003-4275-7426

1Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil. E-mail: malicen@terra.com.br.

2Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil. E-mail: taniaresbr@gmail.com.


Resumo

Este artigo apresenta resultados de um estado do conhecimento que focalizou dissertações e teses sobre a relação família-escola cadastradas no banco da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) defendidas entre os anos 1997 e 2011. Foram identificados 266 trabalhos, dos quais se analisaram: o tipo (dissertação ou tese), o número de trabalhos no período e a distribuição por áreas de conhecimento. Os trabalhos da área de Sociologia da Educação (n = 88) mereceram um tratamento específico, identificando-se: tema, referenciais teóricos, procedimentos metodológicos, campo empírico e resultados. Traçou-se, assim, um panorama da produção sociológica brasileira sobre a relação família-escola no período, identificando-se suas principais tendências e lacunas, resultados convergentes e divergentes. Verificou-se uma produção crescente, com predomínio das abordagens qualitativas, do foco no ensino fundamental, na escola pública e nas famílias de meios populares, além de forte influência da literatura francesa. Parece necessário maior distanciamento crítico dos estudos em relação aos seus referenciais teóricos.

Palavras-chave Relação Família-escola; Estado do Conhecimento; Sociologia da Educação

Abstract

The article presents results of a “state of knowledge” that researched dissertations and theses about family-school relationship, from 1997 to 2011 on Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior’s (CAPES) database. We identified 266 works, of which we analyzed: type (dissertation or thesis), number of texts over time and distribution by areas of knowledge. The texts from Sociology of Education’s area (N= 88) deserved a specific study, in which we identified: theme, theoretical references, methodological procedures and empirical field; main results. Therefore, it was possible to draw a view of Brazilian sociological production on family-school relationship, identifying its main tendencies and gaps, convergent and divergent results. Our findings pointed to an increasing production. The texts focus predominantly on low-income groups, especially on elementary education, with qualitative studies, and a strong influence of French literature. We highlight the need of a stronger critical distancing of the studies regarding their theoretical references.

Keywords Family-school Relationship; State of Knowledge; Sociology of Education

Resumen

Este artículo presenta resultados de un estado de conocimiento que se ha centrado en disertaciones y tesis sobre la relación familia-escuela registradas en el banco de datos de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) defendidas entre los años 1997 y 2011. Se identificaron 266 trabajos, de los cuales se analizaron : el tipo (disertación o tesis), número de trabajos hechos en el período y distribución por áreas de conocimiento. Los trabajos de Sociología de la Educación (88) tuvieron un tratamiento específico, donde se han identificado: temática, referencias teóricas, procedimientos metodológicos, campo empírico y resultados. Así, se ha podido trazar un panorama de la producción sociológica brasileña sobre la relación familia-escuela e identificar las principales tendencias y huecos, así como los resultados convergentes y divergentes. Hubo una producción creciente, con predominio de enfoques cualitativos, un enfoque en la educación primaria, escuelas públicas y familias de origen popular, además de la fuerte influencia de la literatura francesa. Parece necesario haber mayor distancia crítica de los estudios en relación a sus referentes teóricos.

Palabras clave Relación Familia-escuela; Estado de Conocimiento; Sociología de la Educación

1 Introdução

Nas últimas décadas, a “família” tornou-se uma categoria frequentemente considerada nas pesquisas em Sociologia da Educação, mas essa categoria não surgiu recentemente: ao menos no nível macroscópico de análise, a família já estava presente na literatura sociológica desde 1950/1960. A novidade atual reside no modo de tratamento que as novas gerações de sociólogos vêm a ela reservando.

Após o final da Segunda Guerra Mundial, um conjunto de pesquisas empíricas foi produzido nos principais países desenvolvidos, focalizando o meio familiar como um poderoso fator explicativo das desigualdades de oportunidades escolares (FORQUIN, 1995). Essas pesquisas correlacionavam características morfológicas da família (renda, nível de instrução e ocupação dos pais, número de filhos etc.) com o desempenho escolar dos filhos, indicando que os fatores socioculturais tinham um efeito maior sobre o desempenho do que as posses econômicas. Certas famílias foram consideradas mais aptas do que outras a incitar o êxito escolar devido, por exemplo, a suas atitudes de interesse pelos estudos da prole.

Já nos anos 1970, com a hegemonia do paradigma da reprodução, o papel da família ficou reduzido à transmissão, aos descendentes, de uma herança (material e, especialmente, cultural) que se supunha ser determinante para os resultados escolares, beneficiando os grupos favorecidos. Essas análises, quase sempre de caráter macroscópico, eximiram-se, tanto quanto as anteriores, da observação dos processos cotidianos vividos pelas famílias e de seu papel na produção/manutenção das desigualdades escolares (TERRAIL, 1997).

Em suma, se as análises sociológicas desenvolvidas até o final da década de 1970 não deixaram de reconhecer o papel da família na escolaridade dos filhos, elas o subestimaram ao deduzi-lo somente a partir das condições de existência do grupo familiar. O funcionamento interno das famílias e suas relações com a escola permaneciam como uma caixa-preta.

A partir dos anos 1980, em um movimento de reorientação teórico-metodológica, a Sociologia da Educação começou a voltar seu olhar para as esferas microscópicas da realidade social, em particular para o interior do estabelecimento de ensino, da sala de aula, da família. Nesse contexto, surgiu um novo campo de estudos que se ocupa das trajetórias escolares dos jovens e das diversas estratégias desenvolvidas pelas famílias no decorrer dessas trajetórias. Estratégias mais explícitas, como os modos de escolha do estabelecimento de ensino ou das atividades extraescolares dos filhos; outras mais implícitas, como o acompanhamento cotidiano da escolaridade deles, sendo essas últimas bem menos acessíveis ao pesquisador, já que investigá-las supõe um trabalho de observação direta da/na família, em geral bastante ciosa da preservação de sua intimidade.

Além de mudanças internas ao pensamento sociológico no sentido de atribuir maior autonomia às condutas dos atores sociais em relação aos determinantes sociais, a emergência desse campo de estudos é fruto também de um novo contexto social, no qual se observa uma intensificação dos laços que unem família e escola como instâncias de socialização, cujas esferas de atuação passam a se intersectar: a escola reconhece cada vez mais na família um parceiro importante para a realização de sua tarefa educativa, e a família cada vez mais compartilha com a escola o trabalho de formação dos filhos.

Em função desse novo contexto, assiste-se hoje a uma proliferação, em diversos países, de trabalhos a respeito do papel das dinâmicas internas da família – segundo os diferentes meios sociais – nos destinos escolares da prole. No Brasil, esse tipo de estudo vem ganhando impulso e desempenhando um papel significativo na produção e difusão desse novo subcampo da Sociologia da Educação, designado como “sociologia das relações família-escola” (Nogueira, Romanelli, Zago, 2000; Romanelli, Nogueira, Zago, 2013).

Já era hora, pois, de se investigarem os contornos e as condições da recente produção brasileira: que objetos têm sido privilegiados? Quais as perspectivas analíticas e os procedimentos metodológicos adotados? Quem são os autores de referência? Quais os lócus privilegiados desse trabalho?

Na tentativa de responder a essas questões, realizamos um balanço do conjunto de dissertações de mestrado e de teses de doutorado sobre o tema defendidas em programas de pós-graduação brasileiros e cadastradas no banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), visando a contribuir para o ordenamento dos saberes existentes nessa área do conhecimento, identificando os aportes, resultados, contradições e lacunas das pesquisas que vêm sendo desenvolvidas no país.

Trata-se de um estudo de caráter documental, bibliográfico e descritivo que corresponde às características de um “estado do conhecimento”, segundo a classificação de Romanowski e Ens (2006). Para essas autoras, a denominação “estado da arte” é mais apropriada quando o estudo abrange a produção de conhecimento em uma determinada área, focalizando diversos tipos de publicação disponíveis: trabalhos acadêmicos, comunicações em eventos, livros, artigos etc. Já os estudos – como o presente – que abordam um único setor das publicações sobre um tema seriam mais adequadamente denominados “estado do conhecimento”.

Ressalte-se que, em 2009, ao iniciarmos o trabalho de pesquisa, não localizamos algum balanço desse tipo anteriormente realizado no Brasil sobre a relação família-escola, entretanto, durante o desenvolvimento do estudo, tivemos contato com as produções de Almeida (2010), Santos e Rocha (2010) e Dias (2009). Ainda assim, em nenhum dos três casos se tratava de trabalho na perspectiva da Sociologia da Educação, como é nosso propósito. Mais recentemente, identificamos os estudos de Oliveira (2015) e de Saraiva-Junges/Wagner (2016), mas esses também não focalizavam especificamente a produção sociológica e, como os anteriores, não contemplavam o tipo de abordagem aqui realizada.

2 Procedimentos metodológicos

O primeiro passo da pesquisa consistiu no levantamento bibliográfico dos diferentes gêneros da produção brasileira sobre a relação família-escola (livros, artigos, trabalhos em congressos, teses e dissertações). Identificamos uma produção em crescimento, mas ainda pouco numerosa no que se refere a livros e artigos em periódicos. Decidimos, então, investigar a produção do conhecimento nos programas de pós-graduação brasileiros que, além de mais significativa numericamente, supõe-se estar na origem de boa parte dos livros e artigos científicos.

A base documental principal foi o Banco de Teses e Dissertações da CAPES1, em razão de sua abrangência. Esse banco disponibiliza dados sobre teses e dissertações produzidas em todo o país a partir de 1987. Ao iniciarmos a pesquisa, o banco apresentava teses e dissertações defendidas até 2007. Assim, delimitamos um recorte temporal de 10 anos, focalizando trabalhos defendidos entre 1997 e 2007. Na etapa seguinte da investigação, porém, em 2013, verificando a disponibilidade no banco de resumos de trabalhos defendidos até 2011, estendemos a pesquisa até eles, mapeando teses e dissertações do período 1997 a 2011.

Para fazê-lo, utilizamos ferramenta disponibilizada pelo Banco CAPES, procedendo à busca por assunto/ano base, com o uso dos seguintes descritores: escola família; escolar familiar; prática educativa familiar. São descritores bastante abrangentes, pois se verificou que o uso de expressões mais específicas, como “relação família-escola”, restringia excessivamente os resultados, excluindo muitos estudos sobre a influência da família na trajetória escolar dos sujeitos, que são relevantes na sociologia das relações família-escola.

A partir daí, iniciou-se a primeira etapa da pesquisa propriamente dita, com o levantamento de todas as teses e dissertações de cada ano do período 1997-2011 que tivessem, em seu título, nas palavras-chave ou no resumo, um dos três descritores utilizados ̶ o que resultou em uma lista de trabalhos das mais diferentes áreas do conhecimento.

Em seguida, procedeu-se à seleção dos trabalhos que efetivamente abordavam a relação família-escola, seleção essa que foi feita por meio do título e, se necessário, do resumo e das palavras-chave constantes na ficha referente a cada obra. Chegamos, assim, a um conjunto de 266 obras que foram organizadas em planilhas contendo os seguintes dados: ano, tipo (dissertação ou tese), título, programa/universidade, área de conhecimento, orientador, palavras-chave.

A área de conhecimento apresentada nas fichas nem sempre é precisa. Há um grande número de trabalhos classificados como da área de Educação, que é por demais abrangente, podendo incluir estudos de Psicologia da Educação, Sociologia da Educação, Filosofia da Educação, Didática, entre outros. Assim, outra etapa do trabalho consistiu na revisão da classificação dos trabalhos por área de conhecimento que levou em conta a área identificada no Banco CAPES, mas não se limitou a ela, considerando também o título do trabalho, as palavras-chave e o resumo. Nos casos em que persistiram dúvidas, recorreu-se ao nome do orientador, assim como a seu currículo Lattes.

A partir desses primeiros resultados, foi possível analisar algumas tendências predominantes na produção dos programas de pós-graduação brasileiros, porém, como já explicitado, a pesquisa se interessava, particularmente, pelos trabalhos vinculados à Sociologia da Educação. A etapa seguinte, por esse motivo, consistiu na seleção das obras ligadas a essa área de conhecimento (n = 88) que mereceram um estudo específico, no qual foram analisados sistematicamente todos os resumos, buscando-se identificar, para cada trabalho, os seguintes dados: ano, nível, título, universidade, orientador, tema, referenciais teóricos, procedimentos metodológicos, nível de ensino investigado (Educação Infantil, EF1, EF2, EM, ES), campo empírico (se o trabalho contempla famílias e/ou escolas e qual o número de unidades/sujeitos investigados, nível socioeconômico do público investigado) e principais resultados. Assim, foi possível traçar um panorama da produção científica brasileira contemporânea no campo da sociologia das relações família-escola, no âmbito dos programas de pós-graduação, identificando suas principais tendências e lacunas, bem como resultados convergentes e divergentes.

Cabe ressaltar os limites de se trabalhar com resumos de teses e dissertações, seja pela própria natureza desse gênero textual e por suas condições de produção, seja porque os resumos constantes do banco pesquisado por vezes não cumprem sua função de oferecer informações precisas sobre o estudo ao qual se referem. Para minimizar esse problema, em diversos casos recorremos ao trabalho completo (tese ou dissertação), a fim de completar informações, especialmente no caso de produções mais recentes, disponíveis nos bancos digitais das instituições de origem.

3 Resultados

3.1 Trabalhos de diferentes áreas de conhecimento

Como já apontado, identificamos, no período analisado, um total de 266 trabalhos que abordavam diretamente a relação família-escola a partir de diferentes áreas de conhecimento. O Gráfico 1 apresenta a distribuição desses trabalhos por ano e por tipo. Constata-se o maior número de dissertações de mestrado (227) em face das teses de doutorado (39), o que é esperado, considerando-se a estrutura dos programas de pós-graduação. Mais importante é observar que, nos dois casos, há, ao longo do período, uma inclinação ascendente da curva indicativa do número de produções, com destaque para o biênio 2007-2008: 2007 foi o ano com maior número de teses de doutorado defendidas (n = 7) e em 2008 houve a maior produção de dissertações de mestrado (n = 28).2

Fonte: Produção própria a partir de dados da pesquisa.

Gráfico 1 Distribuição dos trabalhos por ano e tipo. 

Considerando que nosso interesse se concentra nos estudos que abordam a relação família-escola na perspectiva da Sociologia, fez-se necessária uma distinção dos trabalhos por área de conhecimento. Em que pese a dificuldade de se fazer – a partir de resumos – uma distinção fina entre as perspectivas analíticas dos trabalhos, procuramos, utilizando os dados disponíveis, identificar a abordagem preponderante em cada estudo, chegando, ao final do processo, a um quadro bastante diversificado de áreas e subáreas, sintetizado na Tabela 1.

Tabela 1 Distribuição dos trabalhos por área/subárea e por tipo. 

ÁREAS DE CONHECIMENTO TOTAL TESES TOTAL DISSERT. TOTAL DA SUBÁREA TOTAL DA ÁREA
PSICOLOGIA Psicologia 8 57 65 100
Educação Especial 4 26 30
Psicologia Social 1 4 5
SOCIOLOGIA 15 73 88 88
EDUCAÇÃO Educação Infantil 1 12 13 45
Educação e Linguagem 0 12 12
Educação do Campo 2 4 6
Estudos Culturais 1 5 6
Educação Matemática 1 4 5
Avaliação Educacional 0 2 2
Educação e Trabalho 0 1 1
OUTRAS CIÊNCIAS HUMANAS/SOCIAIS Política 1 11 12 21
Antropologia 1 2 3
Administração/Economia da Educação 0 3 3
Serviço Social 1 2 3
SEM IDENTIFICAÇÃO DE ÁREA 2 9 11 11
ESTADO DA ARTE 1 0 1 1
TOTAL 39 227 266 266

Fonte: Produção própria a partir de dados da pesquisa.

Ressalta-se, na análise dessa Tabela, a nítida preponderância dos campos da Psicologia e da Sociologia em relação aos demais. No caso da Psicologia, pode-se levantar a hipótese de que esse campo seja mais inclinado a tomar a família como objeto de estudo. Já no caso da Sociologia, embora a família não seja, tradicionalmente, uma de suas categorias centrais de estudo – ao menos no caso da Sociologia da Educação –, assistiu-se, nas últimas décadas, a uma clara expansão do campo que vem sendo conhecido como “Sociologia das Relações Família-Escola” (Nogueira, Romanelli, Zago, 2000).

3.2 Trabalhos na perspectiva da Sociologia

Como mostra a Tabela 1, identificamos um grupo de 88 estudos que se situam numa perspectiva sociológica. Este grupo passou, então, a ser o foco principal da pesquisa. Examinaremos as características gerais desse conjunto de trabalhos para, em seguida, discutir seu conteúdo.

Com relação à distribuição dos 88 trabalhos por ano e por tipo (Gráfico 2), novamente se verificou o maior número de dissertações (73) em comparação com o total de teses (15). No que tange à evolução ao longo do período, observou-se um contraste entre, por um lado, um ritmo reduzido de produção de teses de doutorado e, por outro lado, um expressivo aumento das dissertações de mestrado, com um ápice no ano de 2008.

Fonte: Produção própria a partir de dados da pesquisa.

Gráfico 2 Distribuição dos trabalhos por ano e por tipo – Sociologia. 

No que se refere à distribuição dos trabalhos por instituição (Tabela 2), destaca-se isoladamente o número de trabalhos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), seguida, com diferença significativa, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB). Nos casos da UFMG e da PUC-Rio, esse destaque deve ser relacionado com a existência de dois grupos de pesquisa sobre o tema: respectivamente, o Observatório Sociológico Família-Escola (OSFE) e o Grupo de Pesquisas em Sociologia da Educação (SOCED).

Tabela 2 Distribuição dos trabalhos por instituição de ensino superior – Sociologia. 

Universidades Número de trabalhos por universidade
UFMG 15
PUC-Rio e FURB 7
UFF e PUC-SP 6
UFRJ, UFSC 4
USP, UFJF, PUC-Minas, UFPE 3
USP/Ribeirão Preto, UNICAMP, UFSCAR, UFRRJ, UFMT, UCSAL, IUPERJ 2
Outras instituições (n = 13) 1

UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais; PUC-Rio, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; FURB, Fundação Universidade Regional de Blumenau; UFF, Universidade Federal Fluminense; PUC-SP, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro; UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina; USP, Universidade de São Paulo; UFJF, Universidade Federal de Juiz de Fora; PUC-Minas, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; UFPE, Universidade Federal de Pernambuco; UNICAMP, Universidade Estadual de Campinas; UFSCAR, Universidade Federal de São Carlos; UFRRJ, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; UFMT, Universidade Federal do Mato Grosso; UCSAL, Universidade Católica de Salvador; IUPERJ, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de JaneiroFonte: Produção própria a partir de dados da pesquisa.

Em relação à abordagem teórico-metodológica desse corpus de 88 trabalhos, os resumos permitiram identificar: o terreno empírico onde se realizaram as pesquisas, a metodologia adotada e os principais referenciais teóricos utilizados.

Quanto ao terreno empírico, observou-se clara predominância de trabalhos que interrogaram tanto a escola quanto a família (68%) em detrimento daqueles que se restringiram somente à família (27,5%) ou somente à escola (2,5%).

Constatou-se também o predomínio de trabalhos que focalizaram as classes populares (52,5%), seguidos, com grande diferença, daqueles que investigaram as classes médias (19,5%). Uma porcentagem ínfima de trabalhos (3,5%) enfocou as elites econômicas e/ou culturais. Vale ressaltar que uma parte dos estudos (12,5%) focalizou mais de um meio social, sendo que uma porcentagem equivalente dos resumos (12,5%) não permitiu identificar o meio social pesquisado. O foco predominante nas classes populares, nos estudos sociológicos sobre a relação família-escola e, de modo mais geral, na Sociologia da Educação, é uma tendência reportada em outros estudos nacionais e internacionais. Segundo Romanelli (2013, p. 46), as “famílias de elites” foram tradicionalmente consideradas, nesse campo científico, “menos dignas de interesse acadêmico” do que aquelas de camadas médias e populares. A partir das últimas décadas do século XX, porém, o olhar sociológico passou a contemplar não somente a “desvantagem social”, mas também o “privilégio” (SIROTA, 2000, p. 166), florescendo estudos voltados para os grupos sociais mais favorecidos. Esses estudos começaram, então, a ganhar maior legitimidade, sendo crescentemente reconhecida sua importância para a compreensão dos processos de construção das desigualdades e do funcionamento dos sistemas de ensino. No caso brasileiro, verifica-se que ainda há um importante espaço para expansão de pesquisas que contemplem esses meios sociais.

Quanto ao nível de ensino enfocado (Tabela 4), houve certa dificuldade de identificá-lo, em razão: (i) do caráter vago da redação de muitos resumos (por exemplo, 21,6% dos trabalhos indicam apenas tratar-se da “educação básica”, sem especificar o nível de ensino dentro dela); (ii) da porcentagem significativa de resumos que não explicitaram o nível de ensino abordado. De toda forma, fica clara a predominância de estudos que investigaram a educação básica (70,5%) e, dentro dela, o ensino fundamental (35,3% no mínimo, pois boa parte daqueles que mencionam “Educação Básica” provavelmente focalizou o ensino fundamental). Por um lado, o foco na Educação Básica é esperado, uma vez que há uma tendência, já documentada, de que a relação família-escola seja mais enfatizada nos anos iniciais da escolaridade, quando é maior a dependência da criança em relação ao apoio familiar (RESENDE; SILVA, 2016). Por outro lado, e por esse mesmo motivo, merece ser comentado o pequeno número de trabalhos voltados para a Educação Infantil – sendo que, no caso da legislação, conforme Resende e Silva (2016), é nos documentos relativos a esse nível de ensino que se encontra o maior número de referências à relação família-escola. Esse paradoxo se mostra apenas aparente quando se volta à Tabela 1 e se constata a existência de 13 trabalhos sobre relação família-escola classificados, em termos de área/subárea, como Educação/Educação Infantil. Ou seja, a hipótese explicativa, aqui, é a de que tem havido um crescimento dos trabalhos sobre relação família-escola voltados para a Educação Infantil, mas não necessariamente sob a perspectiva sociológica.

Tabela 4 Número de trabalhos por nível de ensino pesquisado. 

NÍVEL DE ENSINO n %
TOTAL 88 100
EDUCAÇÃO INFANTIL 2 2,3
FUNDAMENTAL I 17 19,3
FUNDAMENTAL II 7 8
FUNDAMENTAL I E/OU II 7 8
MÉDIO 10 11,4
EDUCAÇÃO BÁSICA
(SEM ESPECIFICAÇÃO)
19 21,6
SUPERIOR 3 3,4
NÃO SE APLICA 11 12,5
NÃO IDENTIFICADO 12 13,5

Fonte: Produção própria a partir de dados da pesquisa.

Com relação aos procedimentos metodológicos empregados nos 88 trabalhos, o grande destaque é para a entrevista, utilizada em 44% dos casos. Seguem-se a observação, empregada em 15% dos estudos, e a aplicação de questionário/survey, mencionada em 14,5% dos trabalhos, além da análise documental (12,5%). Esses dados, combinados com os referentes ao número de famílias investigadas (Tabela 5), indicam a predominância de estudos qualitativos de caráter microssociológico na sociologia das relações família-escola praticada atualmente no Brasil.

Tabela 5 Número de trabalhos por número de famílias pesquisadas. 

Nº de famílias Nº de trabalhos %
TOTAL 88 100
ATÉ 10 21 23,9
DE 11 A 20 8 9,1
DE 21 A 30 7 8
ACIMA DE 30 5 5,7
SEM IDENTIFICAÇÃO DO Nº DE FAMÍLIAS 25 28,4
NÃO SE APLICA* 22 25

Fonte: Produção própria a partir de dados da pesquisa.

*Inclui pesquisas que não tomaram as famílias como campo empírico (n = 12) e trabalhos cujo resumo não permitiu identificar se a família foi tomada como campo empírico (n = 10).

Fonte: Produção própria a partir de dados da pesquisa.

No que tange aos referenciais teóricos utilizados nesse corpus de trabalhos, deparamo-nos igualmente com dificuldades de levantar as informações: grande parte dos resumos não contém informações sobre esse aspecto, outros fazem menções dispersas a autores diversos, entre outras limitações. Diante disso, nossa opção foi identificar, de forma simples, a frequência com que os autores eram mencionados, em vez de tentar caracterizar diferentes correntes teórico-metodológicas. Tal procedimento evidenciou a clara predominância da literatura de origem francesa: Pierre Bourdieu foi o autor mais citado nos resumos (28 menções), seguido de Bernard Lahire (15). Depois deles, Norbert Elias teve 4 menções e vários autores tiveram 3 ou 2 menções no conjunto de resumos, entre eles outros franceses (Daniel Thin, François Dubet, Bernard Charlot, François de Singly etc.) e alguns brasileiros (Nogueira, Viana, Portes). Os únicos autores de língua inglesa citados mais de uma vez nos resumos foram Basil Bernstein (3 menções) e Annette Lareau (2 menções).

Coletadas as principais informações referentes à abordagem teórico-metodológica dos trabalhos, chegamos, finalmente, ao principal foco de nosso interesse: a identificação dos objetos de pesquisa formulados e dos principais resultados encontrados. A sociologia das relações família-escola, tal qual vem sendo desenvolvida nos principais países ocidentais, tem se estruturado em torno de alguns subtemas, os quais orientaram o levantamento dos objetos de pesquisa dos 88 trabalhos, bem como a formação posterior de agrupamentos considerando as afinidades temáticas. Dessa forma, definimos cinco agrupamentos, apresentados na Tabela 6. Evidentemente, trata-se de uma divisão que tem objetivos analíticos, havendo fortes interseções entre os diferentes agrupamentos, os quais, em muitos casos, tornaram difícil o trabalho de classificação. Assim, frequentemente um mesmo trabalho apresentava elementos relacionados com diferentes agrupamentos, mas, ainda assim, foi classificado considerando-se o foco predominante do estudo.

Tabela 6 Número de trabalhos por objeto de estudo. 

  OBJETO N n

TOTAL
%
TOTAL 88 88 100
1 INFLUÊNCIA

(Influência da família e da escola na trajetória/desempenho escolar,)
26 36 41,0
1.1. Sucesso escolar improvável 10
2 ESTRATÉGIAS

(Estratégias/práticas educativas, internacionalização, migrações, dever de casa, pais-professores,)
18 23 26,0
2.1. Escolha do estabelecimento 5
3 CONCEPÇÕES

(Modos de socialização familiar e escolarização dos filhos, significados atribuídos à escolarização, representações, expectativas e ambições.)
11 11 12,5
4 INTERAÇÕES

(Participação/contatos/aproximação/parceria escola-família.)
11 11 12,5
5 POLÍTICAS PÚBLICAS E/OU AÇÕES INSTITUCIONAIS

(Efeitos nas famílias.)
7 7 8,0

Fonte: Produção própria a partir de dados da pesquisa.

A partir da Tabela 6, observa-se que o agrupamento mais numeroso (n = 36) é o de trabalhos que buscam investigar aspectos da influência da família e da escola na trajetória e/ou no desempenho escolar do estudante. Diversos deles lançam mão, para isso, de conceitos como habitus (BOURDIEU, 2001), diferentes capitais familiares (BOURDIEU, 2003), códigos (BERNSTEIN, 1996). Um subgrupo numericamente importante dedica-se a investigar casos de sucesso escolar (estatisticamente) improvável, em particular trajetórias de sucesso nos meios populares. Aliás, o foco nas camadas populares é uma tônica nesse agrupamento (pelo menos 19 dos 36 trabalhos focalizam esse meio social). A análise dos resumos permite afirmar que esses trabalhos, em linhas gerais, confirmam a influência da família no desempenho/trajetória escolar dos filhos. As variações entre eles ficam por conta dos fatores de influência analisados (capitais familiares, envolvimento parental, expectativas, estratégias, modelos socializadores, relações intersubjetivas e intergeracionais etc.). Observa-se aqui uma larga utilização da sociologia das relações família-escola na vertente francesa, parecendo haver, de modo geral, a reafirmação dos resultados dessa literatura, sem avanços significativos no sentido de ampliá-los ou questioná-los.

Um segundo agrupamento também bastante numeroso (n = 23) reúne estudos voltados para a investigação das estratégias das famílias no que tange à escolaridade dos filhos. Nele, o foco maior está na compreensão da prática educativa em si, e não tanto na influência específica que pode exercer sobre o desempenho, como no agrupamento anterior. Encontram-se aqui, por exemplo, trabalhos sobre as estratégias parentais de internacionalização das trajetórias escolares dos filhos (intercâmbios, escolas bilíngues etc.), deslocamentos geográficos da família em função da escolarização da prole, o acompanhamento doméstico da escolaridade, estratégias de pais-professores etc. Um subgrupo que merece atenção é o de estudos sobre as estratégias familiares de escolha do estabelecimento de ensino para os filhos. Nesse segundo agrupamento, cresce proporcionalmente o número de trabalhos focalizando as classes médias (ao menos 9 em 23).

Continuando na sequência descendente conforme o número de trabalhos, dois agrupamentos apresentam a mesma quantidade de títulos (n = 11). O primeiro deles focaliza as concepções educacionais das famílias e sua relação com a escolaridade dos filhos. Em que pesem as interseções com as temáticas anteriores, o foco, aqui, está em temas como: modos de socialização familiar e escolarização dos filhos, significados atribuídos à escolarização, representações familiares, expectativas e ambições dos pais em relação à escolaridade dos filhos. Observa-se novamente uma grande preponderância de estudos envolvendo as camadas populares (ao menos 8 em 11). Em termos de resultados apresentados, verifica-se uma tônica: a constatação de uma valorização da escola pelas famílias (atestada em pelo menos 7 dos 11 trabalhos), em muitos casos por razões instrumentais fortemente associadas à preocupação com o futuro dos filhos. Não seria imprudente, no entanto, afirmar que, a julgar pelo conteúdo dos resumos, os trabalhos não parecem trazer avanços significativos no sentido de ampliar ou questionar a literatura sociológica, limitando-se a confirmar seus postulados – em relação, por exemplo, à tese do “mito da omissão parental” formulada por Lahire (1997) ou à ideia de consonância/dissonância entre família e escola, explorada por Thin (2006) e muito presente nos resumos.

Outro agrupamento que também conta com 11 trabalhos é o que focaliza as interações mais diretas entre a família e a escola: as formas de participação da família na escola, os contatos entre as duas instituições, os processos de aproximação e de parceria. Novamente, há uma grande preponderância de estudos com famílias populares (ao menos 8 em 11). A tônica observada aqui é a constatação de um discurso de parceria que coexiste com tensões reais na relação entre as duas instituições. Os resumos também parecem indicar, da parte dos autores, uma responsabilização da escola pela interação insuficiente e/ou insatisfatória com as famílias. A quase completa ausência, pelo menos nos resumos, de discussões críticas sobre os limites e paradoxos da interação da família com a instituição escolar leva-nos a indagar se não estaria havendo, nesse subcampo da Sociologia da Educação, certa tendência a idealizar as famílias e sua disposição (e, mais ainda, suas condições concretas) para envolver-se com a escolaridade dos filhos.

O último agrupamento em termos numéricos, contando com apenas 7 trabalhos, é o que reúne estudos sobre os efeitos, na relação das famílias com a escola, de políticas públicas e/ou ações institucionais em vigência nos sistemas de ensino. Encontram-se nesse grupo, por exemplo, estudos que investigam os impactos, sobre as famílias, da implantação do ensino fundamental de nove anos, ou os efeitos da Reorganização da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo, iniciada em 1995. A quase totalidade desses estudos (ao menos 6 em 7) se concentra nas camadas populares e, embora pequeno, o conjunto de trabalhos é bastante diversificado, dificultando a análise a partir dos resumos. Tal análise faz crer, no entanto, que se trata de estudos com potencial de interface entre a sociologia da relação família-escola e a sociologia da família, especialmente ao trazer à luz os impactos das políticas e ações educacionais sobre diferentes esferas da vida familiar. Embora ainda bastante embrionária, uma questão se propõe para a continuidade da reflexão sobre esse último agrupamento: por se tratar de estudos que focalizam problemáticas muito específicas, não teriam eles um potencial maior de se desprender de uma certa influência estereotipada da literatura sociológica estrangeira sobre a produção científica brasileira no campo das relações família-escola?

4 Considerações finais

A realização deste estado do conhecimento permitiu detectar algumas tendências mais gerais e esboçar algumas análises sobre a produção científica no campo da sociologia das relações família-escola no Brasil.

Cabe observar, inicialmente, que certas tendências identificadas nessa produção são comuns a diferentes áreas do conhecimento: a concentração na região Sudeste do país, a predominância de dissertações de mestrado sobre teses de doutorado, o aumento progressivo da produção nas últimas décadas etc. Todas essas tendências podem ser relacionadas com o próprio desenvolvimento dos programas de pós-graduação stricto sensu no país. Outras, no entanto, parecem específicas da temática. Talvez, a mais importante entre elas, do ponto de vista da caracterização do teor da produção científica na Sociologia da Educação, seja a predominância das abordagens qualitativas (e de estudos em pequena escala) e do foco no ensino fundamental, na escola pública e nas famílias pertencentes aos meios populares. Também se destaca a nítida influência do pensamento sociológico francês, sobretudo dos trabalhos de Bourdieu e de Lahire.

Vale lembrar que, em seus levantamentos de estudos sobre a relação família-escola, Saraiva-Junges e Wagner (2016), Almeida (2010), Rocha e Santos (2010) e Dias (2009) também identificam a hegemonia de abordagens qualitativas; Almeida (2010) verifica a preponderância de pesquisas realizadas no primeiro ciclo do ensino fundamental, enquanto Rocha e Santos (2010) constatam a prevalência de estudos em escolas públicas e apontam Bourdieu como principal referência teórica. As possibilidades de comparação desses levantamentos com nossos resultados, entretanto, não vão muito além disso, em particular no que se refere aos conhecimentos construídos sobre a relação família-escola, em virtude, sobretudo, das divergências relativas à concepção adotada a respeito dessa relação e à perspectiva teórica utilizada para formular as categorizações e proceder às análises.

Com relação ao modo como vem sendo construído o conhecimento no campo da sociologia das relações família-escola no Brasil, é preciso ressalvar que a qualidade do material empírico utilizado neste estudo impôs limitações às nossas análises. Como já mencionado na introdução, diversos trabalhos têm apontado que os resumos constantes dos bancos de teses são, frequentemente, incompletos e, por vezes, obscuros (MARTINS, SILVA, 2011; DIAS, 2009; FERREIRA, 2002), o que também constatamos. Ainda assim, algumas características se destacaram, permitindo que formulemos hipóteses que deverão ser colocadas à prova em estudos futuros.

Nesse sentido, conforme já analisamos em relação a alguns dos agrupamentos de trabalhos aqui examinados, o traço mais geral e marcante desse corpus consistiu, segundo a avaliação que nos foi possível realizar, em seu reduzido distanciamento crítico da literatura sociológica na qual se baseia, o que traz o risco de, em vez de elucidar a realidade social, moldá-la de acordo com matrizes teóricas previamente elaboradas. Tal afirmação se baseia no fato de termos encontrado, em diversos trabalhos, certas afirmações muito uníssonas – por exemplo, a reafirmação de que a omissão parental das famílias populares é um mito, com base em Lahire; ou a explicação das relações entre famílias populares e escola calcada na ideia de consonância ou dissonância entre as lógicas socializadoras familiares e escolares, de modo muito geral, sem sinal de maiores aprofundamentos ou questionamentos que levassem em conta especificidades locais, regionais ou mesmo brasileiras. Isso nos faz interrogar se “mito da omissão parental” e “consonância e dissonância entre socialização familiar e escolar” não estariam sendo tomados mais como clichês do que como verdadeiras ferramentas conceituais capazes de alargar as fronteiras do conhecimento. Também nos faz indagar, a exemplo de Santos e Rocha (2010), se a real diversidade existente entre famílias e entre escolas está devidamente representada nos estudos, ou se, ao contrário, parte importante dos trabalhos não acabaria por incorrer em estereótipos induzidos a partir dos modelos teóricos adotados.

1Banco disponível no endereço http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses.

2Essas análises estão sujeitas às limitações do banco de dados utilizado. Por exemplo, os valores menores, tanto do início quanto do final da série, podem se dever a resumos não enviados pelos autores. No primeiro caso, pelo fato de o banco se encontrar em seus primórdios e, no segundo, em razão da proximidade temporal entre o momento da coleta de dados e o ano de defesa.

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Recebido: 14 de Agosto de 2020; Aceito: 22 de Novembro de 2021

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