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Educação: Teoria e Prática

versión impresa ISSN 1993-2010versión On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.32 no.65 Rio Claro  2022

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v32.n.65.s15627 

Artigos

Ensino remoto emergencial: as dificuldades na perspectiva de mães e mães-professoras

Emergency remote teaching: difficulties from the perspective of mothers and teaches

Enseñanza remota de emergencia: dificultades desde la perspectiva de madres y madres-maestras

Karla Menezes Lopes Niels1 
http://orcid.org/0000-0002-3647-2427

Rita de Cássia Mendonça Sales-Contini2 
http://orcid.org/0000-0002-2160-0609

Gabriela Moysés Pereira3 
http://orcid.org/0000-0002-0307-1547

Fernanda Tonholi Sasso Curanishi4 
http://orcid.org/0000-0002-6256-4093

1Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro- Brasil. E-mail: karla.niels@gmail.com.

2Instituto Tecnológico de Aeronáutica, São José dos Campos, São Paulo – Brasil. E-mail: prof.ritasales@gmail.com.

3Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro- Brasil. E-mail: gabyquimica@yahoo.com.br.

4Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Paraná – Brasil. E-mail: fernanda.tonholi@gmail.com


Resumo

A pandemia provocada pela covid-19 em 2020 provocou intensas mudanças no cenário social. Uma das áreas mais afetadas foi a educação, em especial a educação básica, que, sem preparo, foi da modalidade presencial à remota. Para entender como as dificuldades enfrentadas são distintamente percebidas pelas mães, mães-professoras e seus filhos durante o ensino remoto emergencial (ERE), empreendeu-se uma pesquisa de opinião, entre os meses de junho e julho de 2020, com 395 mulheres brasileiras cujos filhos estão em idade escolar, a fim de entender os impactos do início do ERE para esse grupo. Evidentemente, diferenciamos dentre as mães que compõem a amostra aquelas que exercem a docência, as quais denominamos “mães-professoras”, a fim de pontuar as diferenças entre o que cada uma dessas realidades sofreu com a experiência do ERE. Os resultados demonstram que com a prática do ensino remoto as mães tiveram que se desdobrar para auxiliar os filhos nas atividades escolares, o que provocou grande exaustão física, mental e emocional, sobretudo para as mulheres que têm mais de um filho, que trabalham fora ou que exercem o magistério. Ainda, a faixa etária dos discentes revela crianças e adolescentes entre 2 e 13 anos, que, sem preparação prévia, deixaram subitamente os espaços escolares aos quais pertenciam e tiveram que continuar as aulas de forma remota. Conclui-se que, embora não haja culpados, o processo de ensino-aprendizagem ao longo de 2020 deixou de ser um todo para tornar-se algo fragmentado, por vezes sem rumo certo, cujas consequências para os sujeitos envolvidos ainda não são claras.

Palavras-chave Ensino remoto; Gênero; Docência; Maternidade; Covid-19

Abstract

The Covid-19 pandemic caused considerable social changes in the global scenario. Education was one of the most affected fields, especially basic education that had to migrate to the remote environment without any preparation. To understand how mothers, mother-teachers, and children perceive difficulties during emergency remote education (ERE), an opinion poll was conducted with 395 Brazilian women with children of school age between June and July 2020. Participants who were likewise teachers were differentiated among the sample to point out differences experienced by each of these realities. The results indicate that remote education forced mothers to put great efforts into helping their children with school activities, causing physical, mental, and emotional exhaustion – especially among women with more than one child, who work outside their homes, or who work in teaching. The results also show that children and adolescents aged from 2 to 13 thirteen years old were forced to leave the school environment and continue classes remotely, without prior preparation. Despite the lack of culprits for such a situation, the teaching-learning process throughout 2020 has ceased to be whole to become fragmented and often distraught, with unclear consequences for the involved subjects.

Keywords Remote teaching; Genre; Teaching; Maternity; Covid-19

Resumen

La pandemia del covid-19 en 2020 provocó intensos cambios en el campo social. Una de las áreas más afectadas fue la educación, especialmente la educación básica, que no estuvo preparada para el cambio de la modalidad presencial a la remota. Para comprender cómo las madres, madres-maestras y sus hijos perciben claramente las dificultades que se enfrentaron durante la educación remota de emergencia (ERE), se realizó una encuesta de opinión entre junio y julio de 2020, con 395 mujeres brasileñas, cuyos hijos están en edad escolar, con el fin de comprender los impactos de iniciar la ERE para este grupo. Evidentemente, en la muestra de participantes, diferenciamos las madres que practican la docencia, a las que denominamos madres-maestras, para identificar las diferencias que cada una de estas realidades sufrió con la experiencia de la ERE. Los resultados demuestran que con la práctica de la educación remota las madres tuvieron que hacer todo lo posible para ayudar a sus hijos con las actividades escolares, lo que les provocó un gran agotamiento físico, mental y emocional, especialmente en mujeres que tienen más de un hijo y que trabajan fuera del hogar o en el ramo de la enseñanza. La franja de edad de los hijos y adolescentes fue de entre 2 y 13 años, que sin preparación previa tuvieron que abandonar repentinamente los espacios escolares para continuar sus clases en la modalidad remota. Se concluye que, aunque no hay culpables, el proceso de enseñanza-aprendizaje, a lo largo de 2020, dejó de ser un todo para convertirse en algo fragmentado, a veces sin rumbo, cuyas consecuencias para los sujetos involucrados aún no están claras.

Palabras clave Educación remota; Género; Enseñanza; Maternidad; Covid-19

1 Introdução

A educação foi uma das áreas fortemente atingidas durante a pandemia de covid-19 em 2020. Assim que deflagrada a transmissão comunitária no Brasil, o Ministério da Educação, através da Portaria nº 343/2020 e seguindo as recomendações de distanciamento social da Organização Mundial da Saúde, autorizou o Ensino Remoto Emergencial (ERE) no território brasileiro (BRASIL, 2020). Com isso, as redes públicas e particulares de ensino interromperam suas atividades presenciais e novas estratégias educacionais passaram a ser discutidas para a implantação da nova modalidade de ensino.

Diante da impossibilidade de continuar o ensino presencial, gerada por uma crise sanitária sem precedentes, o ERE assumiu um papel essencial para que não houvesse uma paralisação total das atividades escolares e, desse modo, não fosse perdido parte ou todo o ano letivo de 2020. Porém, é necessário reconhecer que o ensino remoto tem grandes limitações, ao mesmo tempo em que não substitui a experiência escolar presencial (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020), visto que a escola não é somente um local de transmissão de conteúdos, mas também um ambiente de interação social cujas funções envolvem a formação do cidadão e a constituição do sujeito social (BUENO, 2001).

A despeito das diferenças existentes, o ensino remoto exercido por boa parte das escolas do país e do mundo entre 2020 e 2021 foi inspirado na modalidade de educação a distância (EAD), modelo de ensino já bastante estruturado. Assim como a modalidade EAD atual, o ERE tem utilizado como principal ferramenta a internet e as novas tecnologias da informação e comunicação (TIC) (BARBOSA; VIEGAS; BATISTA, 2020). Redes públicas e particulares têm disponibilizado tal modalidade de ensino através de ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), como as plataformas do tipo Moodle, e outros recursos on-line, tais como aulas por videoconferência ou redes sociais, envio de atividades por e-mail ou por aplicativos de mensagens, videoaulas transmitidas pela internet ou televisionadas, entre outros (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020).

Diferentemente da modalidade EAD, na qual diversos sujeitos estão envolvidos na produção e no desenvolvimento das aulas – conteudista, designer instrucional, tutor, professor formador, coordenador de disciplina etc. –, no ERE o professor tem sido o único responsável pelo conteúdo e pelas aulas ministradas, sejam elas síncronas ou assíncronas. Em suma, o ERE se difere da modalidade EAD principalmente no que tange a um pré-planejamento padronizado e um arcabouço conceitual que o embase (NIELS et al., 2021; PARDO KUKLINSKI; COBO, 2020).

Apesar de o ERE ter sido a saída encontrada para que as escolas continuassem a cumprir seu papel formador durante a pandemia, esse sistema de ensino, principalmente por não ter sido planejado previamente, apresentou, especialmente em seu início, alguns problemas. O fechamento das escolas trouxe um grande desafio para as famílias, que, com o advento do ensino remoto, tiveram de mediar seus filhos no processo de ensino-aprendizagem. No que diz respeito ao uso das TIC, estudantes, professores e famílias precisaram não somente ter acesso a tais tecnologias como estar digitalmente alfabetizados para utilizar essa modalidade com êxito, o que não é uma realidade contundente na maior parte do Brasil (NIELS et al., 2021), sem contar as “profundas dificuldades socioeconômicas brasileiras” (NIELS et al., 2021, p. 141), o que dificulta ainda mais o acesso e o uso das TIC.

Ademais, as dificuldades imanentes a esse fazer são ainda maiores para a figura materna, visto que o cuidado dos filhos e os afazeres domésticos são ainda hoje considerados pela sociedade como atribuições próprias da maternidade (MACEDO, 2020). Por exemplo, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no Brasil pré-pandemia, enquanto mulheres realizavam 23,8 horas semanais de trabalho doméstico não remunerado, os homens desempenhavam apenas 12 horas (MULHERES..., 2019).

Com a pandemia, tais mulheres-mães, tanto a do lar quanto aquela que trabalha fora, passaram a conciliar sua rotina diária com a responsabilidade de oferecer apoio educacional para seus filhos durante o ensino remoto, possivelmente aumentando a sua carga de trabalho doméstico. Não que essas mulheres não dessem suporte aos seus rebentos em idade escolar, mas a responsabilidade do ensino e da ministração de conteúdos curriculares, antes legado à escola, acabou sob a tutela dos responsáveis legais, sobretudo da mãe. Isso ocasionou um grande desconforto, pois muitas dessas mulheres não possuem o conhecimento teórico-pedagógico necessário para tal exercício. Sendo assim, acabam frustradas por não conseguirem oferecer o suporte de que seus filhos necessitam para alcançar o êxito escolar. Atrelado a isso, o acúmulo de funções pode provocar um esgotamento físico, mental e emocional nessas mulheres (NIELS et al., 2021).

A pandemia também provocou severas mudanças na rotina das crianças e dos adolescentes que frequentam – ou acessam – a educação básica, pois muitos desses estudantes não se sentem motivados e tampouco possuem maturidade para acompanhar habilidosamente as aulas on-line. A modalidade de ensino a distância, como é sabido, pressupõe que o discente seja um sujeito autônomo, capaz de construir e desenvolver o conhecimento de maneira colaborativa com seus pares. Sendo assim, nessa modalidade o professor passa a ser um mediador de ensino, isto é, aquele que fará a ponte entre o conteúdo e o corpo discente. Quando falamos de crianças de 3 a 14 anos, faixa correspondente à educação infantil e ao ensino fundamental, sabemos que esses sujeitos ainda não atingiram tal autonomia.

É ainda imperativo pontuar que já antes da pandemia a classe docente era submetida a extensas horas de trabalho, tanto que a classe apresenta altos índices de síndrome de burnout (CARLOTTO, 2011). Borsoi e Pereira (2011) realizaram uma pesquisa com 96 professores da Universidade Federal do Espírito Santo e mostraram que a maioria deles extrapolava sua jornada de trabalho e estava extremamente sobrecarregada, apresentando problemas de ordem psicoemocional e/ou psicossomática. Nesse estudo, as mulheres docentes declararam que cumpriam jornadas de trabalho mais extensas, que faziam uso de medicação prescrita ou que apresentavam algum sintoma de sofrimento ou adoecimento. Com a pandemia, os professores, em especial as professoras que também são mães, tiveram que reorganizar a sua rotina para atender tanto às demandas de seus alunos quanto a de seus filhos, o que aumentou significativamente sua sobrecarga de atribuições, consequentemente conduzindo-as à exaustão física e mental.

Este estudo selecionou tais categorias de sujeitos – as mães, o público estudante da educação básica e as professoras que também são mães – para analisar os impactos da instituição do ERE no Brasil, observando-os em cada uma dessas distintas realidades a partir da aplicação de um questionário de opinião pública elaborado pelas autoras deste estudo, que também são mães e professoras. Partindo de uma realidade emergencial e análoga à que os brasileiros experimentaram em 2020, cremos que esse tipo de captação de percepções nos permitirá sistematizar algumas das características do ERE, e com isso contribuir tanto para um melhor entendimento de suas deficiências quanto para possíveis soluções para os impactos que dele advirem.

Diante do cenário apresentado, este trabalho almeja deixar como legado para a sociedade dados que demonstram as dificuldades enfrentadas por mães, mães-professoras e seus filhos em tempos de pandemia. Assim, espera-se também contribuir para o estudo deste momento da história da educação no Brasil, para os estudos de gênero e, sobretudo, para a construção de um ensino híbrido eficaz no futuro.

2 Metodologia

Para levantamento de informações acerca da realidade e das dificuldades enfrentadas pelas mães, mães-professoras e seus filhos durante a prática do ensino remoto, foi realizada uma pesquisa de opinião pública com 395 mulheres brasileiras, entre 20 e 60 anos de idade, das regiões Sul, Sudeste e Nordeste do país,1 cujos filhos estão em idade escolar, isto é, encontram-se cursando a educação básica.2 As entrevistas ocorreram de forma remota, através de formulário eletrônico elaborado na plataforma Google Forms e disponibilizado via redes sociais – WhatsApp, Telegram, Facebook, Instagram, LinkedIn – entre junho e julho de 2020. Cumpre ressaltar que no formulário de pesquisa divulgado foi apresentado às entrevistadas termo de assentimento livre e esclarecido no qual eram informadas a respeito dos objetivos desta pesquisa, bem como das condições de sua participação (anônima, voluntária) e, principalmente, da possibilidade de interromper sua participação a qualquer momento.

Quanto ao número de entrevistadas, o ideal seria entrevistar toda a população brasileira, mas como em nenhuma pesquisa isto é possível, dado o tempo e os custos envolvidos, foi determinado que seria realizada uma análise amostral, isto é, uma amostragem representativa da população da qual ela foi extraída. Considerando o fato de que a amostragem não representaria a totalidade, a utilização deste conceito implica a aceitação de uma margem de erro (TRIOLA, 1999). Então, para determinar o tamanho amostral, quando não se conhece a proporção populacional de indivíduos pertencentes à categoria de interesse de estudo nem mesmo a proporção populacional de indivíduos que não pertencem à categoria, deve ser utilizada a Equação 1 (LEVINE; BERENSON; STEPHAN, 2000):

n=Z/220,25E2 (1)

Em que n: número de indivíduos na amostra; Z2α/2: valor crítico que corresponde ao grau de confiança desejado; e E2: margem de erro ou erro máximo de estimativa (α).

Para que os resultados obtidos tenham um certo grau de confiabilidade, é necessário correlacioná-los com o erro máximo da estimativa. Os valores de confiança mais utilizados e os valores de Z correspondentes utilizados na Equação 1 para o cálculo do tamanho amostral podem ser encontrados na Tabela 1.

Tabela 1 Valores críticos associados ao grau de confiança na amostra. 

Grau de confiança α Valor crítico Zα/2
90% 0,10 1,645
95% 0,05 1,960
99% 0,01 2,575

Fonte:Levine, Berenson e Stephan (2000).

Considerando que se tenha uma amostragem com 95% de confiabilidade, deve-se aplicar os dados Zα/2= 1,960 e uma margem de erro de α = ± 5% (E = 0,05). Os valores de Zα/2 e E foram retirados da Tabela 1 e inseridos na Equação 1 para que se obtenha o valor de número de indivíduos n. O número de indivíduos na amostra n, com uma confiabilidade de 95%, é igual ao valor de Zα/2 elevado ao quadro (Zα/22= 1,9602) e multiplicado pelo fator de 0,25, tendo como resultado o valor de 0,9604. O resultado desta multiplicação é divido pelo quadrado do valor da margem de erro (E2= 0,0025), valor referente à confiabilidade de 95%. O resultado é de 384,16 indivíduos; portanto, seria necessário que 384 mulheres fossem entrevistadas. Nesta pesquisa, ultrapassamos essa margem e coletamos 395 respostas, todas consideradas para o desenvolvimento deste trabalho.

3 Resultados e discussões

O ponto de partida do estudo revela algumas características básicas sobre as pessoas que estão envolvidas no processo de ensino remoto. Os dados obtidos, de acordo com o Gráfico 1A, mostram que se trata de mulheres-mães predominantemente adultas. Embora haja protagonistas em várias faixas etárias, a maior parte delas tem entre 32 e 39 anos.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 1A Respostas obtidas da questão Q1, “idade”. 

Quando associamos o fator idade às profissões relatadas, inferimos que a maioria dessas mulheres se encontra ativa no mercado de trabalho. Isso nos leva a crer tratar-se de mulheres centradas em uma vida que concatena convívio familiar e trabalho de forma concomitante. Apesar de parecer lógico, é preciso que aprofundemos esse olhar, compreendendo que tais mulheres são responsáveis por vários elementos da vida contemporânea que, em gerações anteriores, não representavam, necessariamente, a realidade que hoje se conhece. Se no passado a mulher era apenas responsável pela administração do lar e dos filhos, hoje, em contrapartida, não é mais agente exclusiva da vida doméstica. De acordo com o Gráfico 1B, a maioria das mulheres respondentes são professoras (46,5%) pedagogas (2,7%), assistentes sociais (1,9%), empresárias (2,7%), engenheiras (1,9%), funcionárias públicas (2,4%), isto é, possuem papel ativo na vida pública e no provimento econômico de suas famílias. Dessas, 82% estão ativas no mercado de trabalho (Gráfico 2A) e 71,1% em home office (Gráfico 2B).

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 1B Respostas obtidas da questão Q1, “profissão”. 

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 2A Respostas obtidas da questão Q4, “percentagem de mães trabalhando durante a pandemia”. 

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 2B Respostas obtidas da questão Q4B, “forma de trabalho realizado durante a pandemia”. 

Porém, além do exercício profissional, cabe a essas mulheres também as tarefas do lar, os cuidados inerentes à manutenção de uma casa e dos filhos. Essa condição é agravada pela necessidade do amparo no processo instituído do ensino remoto. Neste momento, não consideramos as demais atividades que ainda podem ser desenvolvidas por esse público, tal qual atividades de lazer e outros afazeres sociais que incluem divertimento ou descanso, e que são recomendadas pela Organização Mundial da Saúde como mantenedoras da qualidade de vida.

Dando sequência à leitura dos dados, observamos no Gráfico 3A que 49% das respondentes têm apenas um filho e 41% dois filhos. Isso significa que quase todas as entrevistadas têm poucos filhos – outro ponto no que diferem das mulheres de décadas passadas, quando as famílias eram mais numerosas. Entrementes, além das múltiplas tarefas a que elas diariamente se dedicam, boa parte delas precisa também se desdobrar em vários sentidos para suprir a atenção de que a prole necessita, tanto no âmbito educacional quanto em tantos outros relacionados aos cuidados com alimentação e saúde, por exemplo.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 3A Respostas obtidas da questão Q2A, “quantidade de filhos” 

Isso nos permite ter uma ideia dos desdobramentos implicados a partir do ensino remoto no que tange aos recintos domésticos, pois essas mães já possuíam uma rotina definida e, muitas vezes, regida por horários e compromissos rigorosamente estabelecidos. Por outro lado, o cronograma de aulas, atividades e trabalhos, avaliações e dever de casa muitas vezes é incompatível com a agenda de uma mãe que trabalha fora visto que boa parte das aulas ocorre em horário correspondente ao de trabalho dessa mulher.

Essa incompatibilidade dificulta o pleno acompanhamento das lições escolares dessa modalidade de ensino, ainda que a mulher seja mãe de apenas uma criança. Quando essa realidade se amplia a uma quantidade maior de filhos – uma vez que o questionário demonstrou haver mães que têm entre três e seis filhos (Gráfico 3A) –, esse acompanhamento torna-se impossível.

É importante destacar aqui que quando existe um conflito de horários, consequência de uma sobreposição de deveres que ocorrem simultaneamente, de modo que a mãe não consiga acompanhar ou auxiliar a criança nas atividades escolares, o processo educacional sofre uma importante ruptura, e a partir desse ponto a criança pode ter uma educação deficitária em sua origem, ainda que sua mãe seja uma professora.

Por mais paradoxal que soe, podemos ter a realidade de que, em um ambiente, a criança esteja tendo sua aula remota e, em outro espaço do mesmo lar, haja uma mãe professora que está ministrando aulas remotas, cumprindo sua carga horária de trabalho. Nesse caso, seu(s) filho(s), apesar de ter(em) uma mãe docente, ainda assim não pode(m) contar com seu apoio e auxílio quanto às dúvidas e às intercorrências naturais do processo educacional virtual que porventura tiver(em).

Agravando um pouco mais a situação, o Gráfico 3B denota que as principais faixas etárias percebidas nessa investigação abrangem crianças e adolescentes entre 2 e 13 anos de idade, isto é, alunos da educação infantil e do ensino fundamental – discentes cujas realidades de aprendizagem foram abruptamente modificadas literalmente da noite para o dia, sem que houvesse tempo para uma preparação prévia. Sendo assim, esses estudantes deixaram subitamente os espaços escolares aos quais pertenciam e viram-se obrigados a continuar as aulas de maneira remota, sem estarem habilitados para tal.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 3B Respostas obtidas da questão Q2B, “idade dos filhos” 

Além disso, vemos aqui uma quebra natural da linearidade de conteúdo, uma vez que os professores também foram surpreendidos e tiveram que rever tanto seus materiais quanto o formato de transmissão das competências e habilidades do currículo. Dessa maneira, o processo de ensino-aprendizagem, ao longo de 2020, deixou de ser um todo previsível para tornar-se algo fragmentado e instável. Fragmentado devido à separação/confusão abrupta entre aquele que ensina e aquele que aprende no processo educacional, na qual os docentes também se viram obrigados a aprender uma nova maneira de trabalhar, as famílias se viram obrigadas a ensinar e os estudantes a (re)aprender a aprender, mesmo sem as condições materiais e pedagógicas necessárias para tal. A instabilidade é outra marca do ensino remoto, isto é, as mudanças ocorreram durante o processo sem nenhum planejamento prévio das escolas, famílias ou estudantes, em um método pautado em tentativa, erro e acerto, o que gerou insegurança e fragilidade no processo educacional para todos os envolvidos. Cabe salientar que as mudanças não se restringiram ao início das atividades do ensino remoto; as adaptações e modificações no processo de ensino-aprendizagem são uma constância: alteram-se as plataformas, as ferramentas, as avaliações e a abordagem dos conteúdos.

Os resultados obtidos apontam também que os filhos de muitas das participantes possuem entre 2 e 6 anos, ou seja, ocupam ainda os anos iniciais da educação básica, a saber, a educação infantil (Gráfico 3B). Isso significa que essas crianças estão tendo contato com as informações sistematizadas formalmente pela primeira vez.

Ainda, conforme o Gráfico 4, grande parte desses estudantes é oriunda de escolas particulares (57,9%) e pública municipal (29%). Uma vez que a escola é o espaço que favorece não apenas a aprendizagem, a aquisição de conteúdos e a construção de sentidos, mas o fortalecimento das matrizes identitárias, de estímulo da interação entre pares, do inculcar da noção de grupo, e, por conseguinte, da vida em sociedade, as aulas remotas não puderam suprir tal função escolar.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 4 Respostas obtidas da questão Q3, “seu filho(a) estuda em escola: pública estadual, pública municipal, pública federal, particular com bolsa ou particular sem bolsa?” 

Embora não existam culpados para a situação educacional imposta pela pandemia de covid-19, não podemos deixar de apontar que a adoção do modelo remoto de ensino como alternativa para a manutenção do ano letivo, embora tenha suas justificativas, recai em peso maior sobre as crianças que pertencem aos anos iniciais, pois as priva do contato entre pares que o espaço escolar media.

Como era esperado, a porcentagem de mães cujos filhos se encontram em ensino remoto supera, em muito, o das mães cujas escolas dos filhos não utilizam esse meio de ensino (Gráfico 5). Há de se lembrar de que até o momento de realização desta pesquisa a rede federal de ensino ainda não havia aderido ao ERE. Com 92% das mães utilizando esse serviço – e lembrando que, ao mesmo tempo, quase metade delas é professora –, temos que apenas 47% delas se sentem preparadas para auxiliar os filhos em suas questões educacionais. As partes que sentem insegurança ou que ainda não se sentem preparadas para tanto somam 53% (Gráfico 6).

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 5 Respostas obtidas da questão Q5, “seus filhos estão em ensino remoto?”. 

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 6 Respostas obtidas da questão Q6, “você se sente capacitado(a) para auxiliar seu filho no ensino remoto?”. 

É pertinente pontuar que muitas das mulheres entrevistadas atuam na docência, ou como professoras ou como pedagogas (Gráfico 1B), o que implica dizer que conhecem as metodologias tradicionais de ensino. Assim, imagina-se, em primeiro momento, que essas mulheres teriam mais facilidade em lidar com as implicações do ensino remoto no cotidiano escolar de seus filhos – o que não se mostra, paradoxalmente, uma realidade.

Normalmente, a mãe está a postos para atender as demandas de seus filhos, sejam elas alimentares, de higiene ou mesmo do dever de casa. O que queremos dizer é que manter os filhos alimentados, seguros e protegidos é uma atividade comum para as mulheres que vivem a maternidade. No entanto, no cenário em que a pandemia nos coloca, essa necessidade de cuidado também mudou, agravando-se em alguns casos, como o da higiene, e abrindo novas carências, como as implicações originadas pelo ensino remoto. Aqui, as novas contribuições para as quais a mãe tem que estar a postos são muitas, mas, como pontos principais, temos: 1) o entendimento da infraestrutura necessária para as aulas; 2) a mediação do ensino; 3) o acompanhamento das tarefas; e 4) o esclarecimento das dúvidas.

O primeiro ponto envolve a compreensão da infraestrutura necessária para as aulas, como computadores, tablets ou smartphones e internet. Não basta apenas ligar o aparelho, mas muitas vezes deve-se saber detectar possíveis problemas de conexão e desempenho da máquina, entender possíveis falhas de ambiente virtual de ensino e como resolvê-las ou, ainda, saber lidar com possíveis falhas de transmissão das aulas. No segundo ponto, a mediação do ensino, é importante que a mãe acompanhe essas aulas com os filhos, especialmente no caso de crianças com menos idade, para que possa auxiliar o processo de aprendizagem, fornecendo os materiais necessários para as atividades, auxiliando na compreensão de novos conteúdos ou, ainda, filmando atividades de dever de casa, quando solicitadas pelos professores. Para o terceiro ponto, acompanhamento das tarefas, deveres de casa e atividades extras quando solicitadas, é necessário que essa mãe passe mais tempo atuando efetivamente no processo de ensino remoto do que aquele que apenas as aulas virtuais demandam. Finalmente, a mãe deve esclarecer as dúvidas que novos conteúdos podem suscitar nos filhos, uma vez que o tempo das crianças e adolescentes junto ao professor diminuiu muito com essa nova modalidade de ensino. Ainda que muitos professores se coloquem à disposição para esclarecimentos em grupos de WhatsApp, em redes sociais, por e-mail ou por recursos da própria plataforma, muitas vezes a criança recorre à mãe para esse auxílio, por uma questão de maior facilidade de acesso e rapidez na busca de uma resposta.

Como podemos ver, não se trata apenas de acompanhar aulas, ou seja, a mãe que se encontra com os filhos em aulas remotas acaba assumindo mais papéis no processo de aprendizagem da criança do que possuía anteriormente. Agora, ela desempenha o papel de mãe e de preceptora. Em outras palavras, trata-se de mais uma atribuição que requer seu olhar e atenção, ou mais uma tarefa imposta para ela em sua já onerada rotina.

Na tentativa de compreender de que forma as instituições de ensino conceberam esse processo, e se existe a participação dos pais no planejamento da aula remota, as respostas à sétima pergunta do questionário (Gráfico 7) revelou que 76% das escolas não consultaram os responsáveis antes da aplicação do ensino remoto, e tampouco procuraram medidas de tomada de decisão em conjunto com esses pais e mães. Embora haja uma margem considerável que o tenha feito – ou seja, 24% das escolas consideraram os pais como agentes incluídos no processo de concepção e de outras decisões do ensino remoto –, entendemos aqui que a pandemia da covid-19 foi um acontecimento que surpreendeu muitas pessoas, agências e instituições, dada a natureza de sua chegada no Brasil, bem como da rápida expansão de seus efeitos. Com a escola não foi diferente. Embora uma parte das instituições de ensino tenha conseguido se organizar melhor diante dessa urgente necessidade de mudança, a maior parte delas, devido a fatores que fogem à nossa compreensão, não teve a mesma capacidade de organização e reestruturação de suas atividades.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 7 Respostas obtidas da questão Q7, “a escola de seu filho(a) consultou os responsáveis antes da aplicação do ensino remoto e procurou tomar decisões em conjunto?” 

Diante disso, há aqui um fato que, apesar de hipotético, se aproxima da realidade: a maior parte dessas escolas pode apenas estar cumprindo as medidas emergenciais, sem que seu planejamento tenha sido redefinido em decorrência da nova situação. Nesse cenário, haveria apenas o andamento desordenado das atividades, sem um planejamento definido ou uma estruturação do processo de ensino-aprendizagem, como deveria ocorrer em toda escola brasileira. Se, de fato, estivermos diante desse cenário, então podemos afirmar que a covid-19 retirou o caráter democrático da escola, fundamento previsto na Lei nº 9.394/1996, que rege a educação brasileira e determina suas bases (BRASIL, 1996).

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 8 Respostas obtidas da questão Q8, “se seu filho(a) está em ensino remoto, por quais meios as ‘aulas’ ocorrem?” 

A pesquisa, como demonstra o Gráfico 8, apontou para o fato de que são inúmeros os meios tecnológicos, síncronos e assíncronos, pelos quais as aulas remotas têm ocorrido. Os meios síncronos apontados foram as plataformas de videoconferência Google Meet (5,1%), Zoom (3,4%) e Microsoft Teams (2,3%), antes restritas ao mundo corporativo e que foram adotadas para aulas remotas em tempo real. As atividades assíncronas abrangem atividades impressas retiradas na escola (5,4%), a plataforma de ensino Google Classroom (27,8%), WhatsApp (18,8%), AVA particular (19,6%) e YouTube (0,9%). Ainda 13,9% relataram que as aulas têm ocorrido por outros meios e 2,8% que os filhos não estariam participando de aulas remotas.

É interessante notar que o percentual de recursos assícronos é bastante superior ao de recursos síncronos. Se professor e aluno não estarem no mesmo espaço-tempo é uma das características definidoras do EAD, no ERE pode não surtir efeitos positivos. Como já dito, para aprender, a criança precisa da troca entre pares, o que é totalmente perdido sem aulas com recursos síncronos. Nesses casos, a criança aprende de forma isolada e pode não desenvolver as competências e habilidades de seu ano/série da maneira almejada. Entrementes, o uso de recursos assíncronos permite àquela mãe e professora, dividida entre afazeres domésticos e laborais, cumprir o currículo de suas aulas quando não está ocupada com as demandas do lar (por exemplo, quando o filho estiver dormindo).

Em contrapartida, observa-se que boa parte das escolas adotou plataformas de ensino como o Google Classroom e outros AVA. No caso do primeiro, a explicação é óbvia: como a multinacional de serviços on-line permite o uso de seus aplicativos sem custo, bastando ter uma conta de e-mail Gmail, esta foi uma solução simples e de baixo custo para inúmeras instituições. Ademais, algumas secretarias estaduais, a exemplo do Rio de Janeiro e Paraná, adquiriram uma conta corporativa G Suite3. A plataforma do Google Classroom possui muitas funcionalidades que, junto com outros aplicativos da Google, podem impulsionar as aulas remotas. Ainda assim, suas funcionalidades não se comparam às múltiplas possibilidades das plataformas do tipo Moodle, que conseguem conjugar recursos síncronos, assíncronos e interativos.

Seja como for, não podemos deixar de assinalar que em um ambiente virtual de aprendizagem não basta ter recursos disponíveis, pois isso hoje se tem independentemente dos AVA – há nas redes informações sem limite. O objetivo de um ambiente virtual de aprendizagem é proporcionar a troca e a reflexão sobre o conteúdo abordado. Desta forma, o papel do professor, tal qual mediador de ensino, torna-se de suma importância, ao passo que propõe estratégias e administra o ambiente virtual e a troca entre pares, na qual o diálogo proporciona a construção de conhecimento. Por mais que se incentive a autonomia do aluno em ambiente virtual de aprendizagem, o conhecimento se renova e se concretiza a partir deste diálogo.

Mas um dado que de fato nos assusta é saber que 18,8% dos filhos das entrevistadas tenham recebido conteúdos escolares pelo aplicativo de mensagens WhatsApp. Como é possível estabelecer uma relação de ensino-aprendizagem através do envio de mensagens instantâneas para um grupo de alunos ou mesmo para um aluno individualmente? Provavelmente, o aplicativo tem sido usado para envio e recebimento de atividades e pequenos vídeos, como uma maneira de as famílias não terem de se deslocar até a unidade escolar, como é o caso dos 5% que relataram retirar as atividades impressas na escola. Diferentemente desses, no entanto, o uso do WhatsApp possibilita que o aluno, detentor do número de celular de seu professor, envie mensagens com suas dúvidas durante a realização das atividades.

Surge daí um paradoxo. Se por um lado o aluno pode se comunicar com o seu(sua) professor(a) para tirar suas dúvidas individualmente, por outro, a prática invade o privado do(a) docente. O mesmo ocorre com os aplicativos da Google, Classroom e Hangouts, em que o aluno pode chamar por vídeo ou mensagem escrita seu professor a qualquer momento. Observemos, portanto, que dúvidas e explanações, antes tiradas junto ao grupo, agora são sanadas individualmente, aumentando consideravelmente o trabalho do profissional de educação.

É certo que na metodologia EAD há a previsão de o medidor sanar dúvidas particulares dos alunos, mas, como é sabido, nessa metodologia há diversos atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem além de professor e aluno, a saber, professor formador, professor mediador, tutor, articulador, designer instrucional etc. Sendo assim, não há sobrecarga sobre um único sujeito.

Isso se agrava a partir da percepção da Agência Senado (CHAGAS, 2020), que denunciou que 19,5 milhões de alunos das redes básica e superior no país tiveram as aulas suspensas, sendo que a maioria dessa parcela pertence ao ensino público. Assim, torna-se transparente a questão sobre como a desigualdade se agrava em condições pandêmicas, desassistindo 35% dos estudantes brasileiros em 2020 e deixando-os sem qualquer tipo de acesso ao ensino, o que, evidentemente, fere as concepções do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996) e de outras que a seguem, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017). Além disso, o mesmo relatório de que fala a Agência Senado (CHAGAS, 2020) aponta uma percepção de queda da qualidade de ensino quando se passou a usar a modalidade remota. Em outras palavras, a pandemia nos colocou em uma situação de despreparo, falta de oportunidade e queda de qualidade quando se trata de ensino, especialmente no que tange à educação básica.

A partir da pergunta que investiga a quantidade de horas diárias voltadas para o ensino remoto (Gráfico 9), este estudo se aprofunda e desnuda mais algumas camadas referentes à realidade desse processo. Embora a maioria das participantes afirme que seus filhos passam até duas horas em atividades oriundas do ensino remoto, observamos também que há um grande contingente de estudantes que se dedicam aos estudos, diariamente, por três, quatro e cinco horas. Consideramos que essas horas voltadas à execução de atividades variam conforme a série à qual o estudante pertence, podendo se referir também à natureza da atividade, ao seu grau de dificuldade e à dinâmica de interação, pois boa parte dessas atividades requer o uso da internet em pesquisas, o que, naturalmente, demanda mais tempo dedicado a uma única tarefa.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 9 Respostas obtidas da questão Q10, “se seu filho(a) está em ensino remoto, quantas horas por dia gasta com essa atividade?” 

Entrementes, é preocupante que boa parte dos filhos das entrevistadas (64,6%) esteja recebendo menos do que o mínimo de 4h diárias de ensino para compor as 800h anuais previstas em lei (CNE…, 2020). Até o momento em que a opinião dessas mulheres foi consultada, o Conselho Nacional de Educação (CNE), apesar de haver flexibilizado os dias letivos, não havia flexibilizado a carga horária anual. Foi somente em outubro de 2020 que o referido Conselho aventou a possibilidade de fundir os anos letivos de 2020 e 2021 (CNE…, 2020).4 Sendo assim, é fato que algumas competências e habilidades destinadas aos respectivos anos e séries não conseguirão ser plenamente abordadas e desenvolvidas, ocasionando um déficit a ser levado ao próximo ano letivo. Talvez, pela ciência deste fato, o CNE tenha se manifestado em prol de um continuum entre os anos de 2020 e 2021.

Por outro lado, as horas voltadas às atividades pressupõem, também, tempo de acompanhamento por parte dessas mães, que idealmente deveriam estar participando desse processo tais quais mediadoras. Sua participação, contudo, é comprometida pelas atividades de trabalho externo e interno (no ambiente doméstico). Por essa razão, não podemos afirmar que as horas dedicadas ao ensino remoto pelos estudantes reflete as horas de acompanhamento por parte dessas mães, a quem, indiretamente, foi acumulado o papel de preceptor dos filhos.

Esse fator é demonstrado, também, nas respostas da pergunta subsequente (Gráfico 10), que visou medir como essas mães se sentem em relação ao processo de ensino remoto que transcorreu na maior parte de 2020. A partir desse ponto, observamos que a maioria das respondentes se julga insuficiente para acompanhar tal processo de ensino junto a seus filhos. Essa percepção é seguida, ainda, pelas sensações de insuficiência (20,6%) e de angústia (5%) e cansaço (5%), atribuídas a essa conjugação de papéis que impossibilita à mulher voltar-se para o papel de seu essencialismo biológico.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 10 Respostas obtidas da questão Q11, “se seu filho(a) está em ensino remoto, como você se sente em relação a esse modelo de ensino?” 

Ao serem perguntadas sobre o futuro e os possíveis impactos na vida escolar de seus filhos, notamos que a maioria (38%) acredita que haverá uma repercussão negativa na evolução acadêmica dos estudantes incluídos no ensino remoto em 2020 (Gráfico 11). Segue-se a essa visão a insegurança de 33% de outras mães, que não souberam se posicionar a respeito. Por fim, a menor parte das participantes crê que a adoção do ensino remoto não trará impactos na sequência da vida acadêmica de seus filhos, ou seja, acreditam que não haverá prejuízos causados pelo modelo de que agora dispomos.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 11 Respostas obtidas da questão Q12, “você acha que a vida acadêmica/escolar de seu filho será afetada negativamente, num futuro breve, por causa do ensino remoto?” 

Em relação ao impacto psicológico do processo de ensino remoto, mais da metade das mães que se submeteram ao questionário afirmaram não ter havido mudanças no relacionamento com seus filhos (Gráfico 12). Contudo, 30% das respondentes afirmaram ter havido diferenças significativas na relação mãe-filho durante as atividades oriundas do ensino remoto. Aprofundando-nos nessa proporção, notamos que a diferença nesse relacionamento se divide igualmente entre um aumento de conflitos na dinâmica entre mãe e filho (44,2%) e o aumento da proximidade entre eles (44,2%) (Gráfico 13).

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 12 Respostas obtidas da questão Q13, “o ensino remoto mudou/afetou o seu relacionamento com o(a) seu(sua) filho(a)?” 

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 13 Respostas obtidas da questão Q14, “se você respondeu ‘sim’ à pergunta anterior, explique, em poucas palavras, como o relacionamento com seu(sua) filho(a) foi afetado” 

Outras percepções incluem desmotivação, falta de paciência e insegurança, entre outros fatores. Destacamos, todavia, que o reconhecimento de maior proximidade entre os pares inclui, também, as relações afetivas citadas, que só podem ser percebidas a partir do momento em que essa mãe reconhece seu apoio ou a ausência dele em relação às aulas remotas. Desta maneira, entendemos que o vínculo entre mãe e filho aumentou durante o ensino remoto, mas não do modo culturalmente convencional. Em outras palavras, não houve uma proximidade entre pares voltada para o estreitamento de laços afetivos, mas sim para uma relação pautada no desequilíbrio, pois foi forçada por uma necessidade de presença que a mãe pode não ter disponível. Além disso, mesmo para as mães presentes, observamos dificuldades de outras naturezas que podem justificar os conflitos informados no questionário. Assim, temos que uma das implicações do ensino remoto foi o reconhecimento de maior proximidade entre mãe e filhos, mas, ao mesmo tempo, e paradoxalmente, também um aumento dos conflitos entre essas personagens, o que também pode dificultar o processo de aprendizagem, uma vez que esse deve se estabelecer através de um vínculo afetivo positivo.

Como consequência dos fatores indicados, observamos que a maior parte desses estudantes se sente cansada (8,4%), apresenta dificuldades em aprender (3,4%) e/ou sente saudades da escola (9,3%) (Gráfico 14). Tais condições derivam tanto das dificuldades naturais do ensino remoto quanto dos possíveis conflitos levantados na questão anterior. Apesar disso, notamos também que uma parcela dos alunos (14,6%) gosta desse formato de ensino e o recebem bem, apesar de não podermos medir sua produtividade escolar dentro de tais critérios.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 14 Respostas obtidas da questão Q15, “como seu(sua) filho(a) tem se sentido em relação ao ensino remoto?” 

Se, de um lado, temos esses pontos de vista a partir da posição da mulher enquanto mãe, por outro, o mesmo formulário buscou verificar os pontos de vista dessas mulheres a partir de sua visão profissional. Assim, algumas perguntas foram dirigidas para as mulheres que se identificaram como docentes nas respostas.

Dentre as participantes que lecionam e estão inseridas no ensino remoto também como professoras, apuramos que 86% delas afirmam não ter sido preparadas para essa modalidade, uma vez que as unidades de ensino na qual atuam não as capacitaram para essa nova realidade (Gráfico 15). Além disso, 89% delas também afirmaram que essas instituições não lhes forneceram nenhum equipamento ou meio necessário para que elas continuassem lecionando de maneira remota (Gráfico 16).

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 15 Respostas obtidas da questão Q16, “se você é professora e está trabalhando com ensino remoto, você foi capacitada pela sua unidade de ensino para este tipo de trabalho?”. 

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 16 Respostas obtidas da questão Q17, “Se você é professora e está trabalhando com ensino remoto, a unidade de ensino lhe forneceu os equipamentos e meios necessários para a prática do ensino remoto?” 

Mediante esses fatores e condições, observamos no Gráfico 17 que 13,3% das respondentes destacam que a situação é desafiadora, mas existem mais sentimentos negativos (89,9%) em relação ao exercício do ensino remoto do que sentimentos positivos (10,1%), entre eles: falta de capacitação (3,2%), cansaço (4,4%), impotência (3,2%). Outras percepções que acompanham essas mães professoras são as de que sua atuação atende apenas a uma pequena parcela de estudantes (2,5%), a de que estão sobrecarregadas (8,2%) e a de que esta modalidade de ensino não é eficaz (8,2%).

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 17 Respostas obtidas da questão Q18, “se você é professora e está trabalhando com ensino remoto, como você se sente em relação a essa modalidade de ensino?” 

4 Conclusões

Apontou-se neste estudo as principais dificuldades enfrentadas por mães e mães-professoras nesse período de pandemia da covid-19 em decorrência do ERE, além dos problemas também enfrentados por seus filhos. Ademais, este estudo almejou contribuir para a compreensão do processo de construção e manutenção dessa nova modalidade de ensino na educação básica.

Nessa perspectiva, a análise da realidade de 395 mulheres mães brasileiras com filhos em idade escolar demonstrou inicialmente o perfil característico de mulheres-mães adultas na casa dos 30 anos, com uma média de dois filhos, em que quase a metade delas exerce o magistério. O estudo apontou para a sobrecarrega de atividades infligida a essas mulheres durante o período pandêmico e o ERE, devido à soma das tarefas domésticas, laborais e maternas ao acompanhamento educacional dos filhos em ensino remoto, ocasionando consequências não tanto positivas no relacionamento afetivo com seus filhos.

Além disso, as crianças em anos iniciais da escolaridade, maioria neste estudo, necessitam de estímulos entre pares e vínculos interativos que o ERE não pode proporcionar da mesma maneira que o ensino presencial. Ademais, o despreparo das instituições de ensino e a insegurança das mães entrevistadas revela algumas das dificuldades do ensino remoto aplicado nesse momento de pandemia. Some-se a isso o fato de grande parte das instituições de ensino não terem solicitado sequer a opinião dos pais ou professores sobre as possíveis formas de aplicação deste tipo de modalidade de ensino, revelando a ausência de ações de ordem democrática para o funcionamento das atividades escolares em conjunto com a sociedade, como prescreve a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional vigente (BRASIL, 1996).

O estudo ainda apontou o número expressivo de alunos que recebem conteúdo curricular e materiais de apoio ao estudo via aplicativo WhatsApp, uma forma de ERE que anula completamente a interação entre pares tão necessária ao processo de ensino-aprendizagem e ainda sobrecarrega o professor.

Sendo assim, verificamos que a pandemia da covid-19, juntamente com o ensino remoto emergencial, descortinou algo que há muitos anos já era claro para a realidade educacional brasileira, a saber, a desigualdade, a falta de oportunidade e a vertiginosa queda de qualidade da educação.

1Convém mencionar que a pesquisa esteve aberta para participantes de todas as regiões. As contribuições percebidas, no entanto, referem-se a habitantes apenas dessas regiões.

2Não foram entrevistadas mulheres cujos filhos cursavam o ensino superior.

3Informação coletada através de relatos de experiência das professoras autoras deste estudo.

Referências

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Recebido: 29 de Janeiro de 2021; Revisado: 18 de Outubro de 2021; Aceito: 26 de Outubro de 2021

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