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Educação: Teoria e Prática

versão impressa ISSN 1993-2010versão On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.32 no.65 Rio Claro  2022

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v32.n.65.s14389 

Artigos

Projeto marcas: uma abordagem pedagógica sob a perspectiva da metodologia da problematização

Marks project: a pedagogical approach from a problematization methodology perspective

Proyecto marcas: un abordajepedagógico bajo la perspectiva de la metodología de la problematización

Pâmela Vicari1 
http://orcid.org/0000-0002-3607-500X

Silvana Neumann Martins2 
http://orcid.org/0000-0003-1944-3760

Dayene Borges Guarienti3 
http://orcid.org/0000-0003-2896-7574

1Universidade do Vale do Taquari, Lajeado, Rio Grande do Sul – Brasil. E-mail: pamelavicari1@gmail.com.

2Universidade do Vale do Taquari, Lajeado, Rio Grande do Sul – Brasil. E-mail: smartins@univates.br.

3Universidade do Vale do Taquari, Lajeado, Rio Grande do Sul – Brasil. E-mail: dayene.guarienti@univates.br.


Resumo

Apresentamos neste texto as análises e reflexões que emergiram a partir do desenvolvimento do Projeto Marcas devido à sua aproximação com a utilização de metodologias ativas e, principalmente, da metodologia da problematização. Essas metodologias de ensino consistem em desenvolver no estudante o protagonismo durante o processo de aprendizagem, o que pode contribuir para o desenvolvimento de características fundamentais para a formação do sujeito, como autonomia, por exemplo. O Projeto Marcas tem como base a questão “Que marcas vou deixar quando sair da escola?”, que motivou os estudantes a realizarem ações diferenciadas dentro do ambiente escolar. Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados relatórios produzidos pelos alunos e uma entrevista semiestruturada com a professora que idealizou e executou o projeto na escola. A análise dos dados está embasada em aproximações com os pressupostos teóricos da análise textual discursiva. Nesta pesquisa está sendo possível observar a importância da utilização da metodologia da problematização, pois verificou-se o desenvolvimento da autonomia e da aprendizagem significativa nos alunos.

Palavras-chave Metodologia da Problematização; Metodologia Ativa; Ensino Fundamental

Abstract

We present in this text the analyzis and reflections that emerged from the development of the Marks Project due to its approximation with the use of active methodologies and, mainly, the problematization methodology. These teaching methodologies consist in developing the protagonism in the student during the learning process, which can contribute to the development of fundamental characteristics for the subject's formation, such as autonomy, for example. The Marks Project is based on the question “what mark do I want to leave when I leave school?”,which motivated students to take different actions within the school environment. Reports produced by the students and a semi-structured interview with the teacher who designed and executed the project at school were used as data collection instruments . Data analysis is based on approximations with the theoretical assumptions of Discursive Textual Analysis. In this research, it is being possible to observe the importance of using the problematization methodology, since it was verified the development of autonomy and meaningful learning in the students.

Keywords Problematization Methodology; Active Methodology; Elementary School

Resumen

Presentamos en este texto los análisis y reflexiones que surgieron desde el desarrollo del Proyecto Marcas por su proximidad al uso de metodologías activas y, especialmente, a la metodología de problematización. Esas metodologías de enseñanza consisten en desarrollar el protagonismo del alumno durante el proceso de aprendizaje, lo que puede contribuir al desarrollo de características fundamentales para la formación del sujeto, como la autonomía, por ejemplo. El Proyecto Marcas se basa en la pregunta “¿Qué marcas dejaré al salir de la escuela?”, que motivó a los alumnos a tomar diferentes medidas dentro del ambiente escolar. Como herramientas de recolección de datos han sido utilizados informes producidos por los estudiantes y una entrevista semiestructurada con la profesora que diseñó y ejecutó el proyecto en la escuela. El análisis de datos se basa en aproximaciones con los presupuestos teóricos del análisis textual del discurso. En esta investigación se puede observar la importancia del uso de la metodología de problematización, ya que se verificó el desarrollo de la autonomía y del aprendizaje significativo en los alumnos.

Palabras clave Metodología de Problematización; Metodologías Activas; Enseñaza primaria

1 Introdução

Na etapa da escolarização dos anos finais do ensino fundamental, o estudante se encontra em um momento transitório entre a infância e a adolescência, caracterizando um período de vida marcado por diversas transformações sociais, biológicas, psicológicas e emocionais.

Diante de tais modificações, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – documento que norteia o planejamento docente por meio de competências e habilidades de aprendizagem – acredita que essas mudanças “implicam a compreensão do adolescente como sujeito em desenvolvimento, com singularidades e formações identitárias e culturais próprias, que demandam práticas escolares diferenciadas, capazes de contemplar suas necessidades e diferentes modos de inserção social” (BNCC, 2017, p. 58).

Esse contexto de ensino fez que o grupo de pesquisa Potencializar a compreensão leitora na sala de aula do Ensino Fundamental: possibilidades a partir do desenvolvimento de metodologias ativas de ensino e do uso de objetos virtuais de aprendizagem, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), voltasse o olhar para um estudo de caso em uma escola de ensino fundamental, da rede municipal de educação básica, de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Assim, emergiu nosso objeto de estudo, o Projeto Marcas, desenvolvido por uma professora de Língua Portuguesa para as turmas dos anos finais do ensino fundamental.

O Projeto Marcas tem como base teórica aproximações com os pressupostos da metodologia da problematização e da metodologia ativa. As autoras Berbel (2011) e Anastasiou (2014) acreditam que práticas de ensino e de aprendizagem norteadas por metodologias ativas e colaborativas, nas quais o aluno é o agente responsável pela produção de conhecimento, auxiliam o estudante a tomar decisões, ter iniciativas, discutir opiniões com os colegas e posicionar-se diante dos mais diferentes assuntos. A partir desses pressupostos, o projeto objetivou estimular os alunos de duas turmas de 9º ano para a criação de projetos sociais partindo do seguinte questionamento: “Que marcas vou deixar quando sair da escola?”.

Sendo assim, debruçamos nossos estudos a partir de uma análise das ações realizadas durante todo o desenvolvimento do projeto mencionado, caracterizando este texto como um estudo de caso, uma vez que o objeto de estudo é o projeto como um todo.

2 Pressupostos teóricos

As metodologias ativas de ensino surgiram como uma proposta para potencializar a construção de conhecimentos dos estudantes durante a vida escolar, visando não apenas à melhora da compreensão dos conteúdos trabalhados em aula, mas também ao desenvolvimento da autonomia desses estudantes. Autores como Bacich e Moran (2018) consideram as metodologias ativas uma forma de ensino que enfatiza o protagonismo do aluno durante o processo de aprendizagem, no qual o professor se apresenta como orientador. A respeito do comportamento autônomo que pode ser adquirido pelos estudantes durante as aulas com base em metodologias ativas, Diesel, Baldez e Martins (2017) reforçam que:

[...] é possível afirmar que as metodologias ativas, quando tomadas como base para o planejamento de situações de aprendizagem, poderão contribuir de forma significativa para o desenvolvimento da autonomia e motivação do estudante à medida que favorece o sentimento de pertença e de coparticipação, tendo em vista que a teorização deixa de ser o ponto de partida e passa a ser o ponto de chegada, dado os inúmeros caminhos e possibilidades que a realidade histórica e cultural dos sujeitos emana.

(DIESEL; BALDEZ; MARTINS, 2017)

Considerando a forma atual de como o ensino vem sendo trabalhado em sala de aula, pode-se perceber que o professor ocupa uma função central como transmissor de conteúdos e conhecimentos, no qual os alunos assumem o papel de ouvintes, apenas copiando e repetindo o que lhes é passado. Segundo Mota e Rosa (2018), as metodologias ativas se contrapõem a esse método de ensino baseado em transmissão, pois “defendem uma maior apropriação e divisão das responsabilidades no processo de ensino-aprendizagem, no relacionamento interpessoal e no desenvolvimento de capacidade para a autoaprendizagem” (MOTA; ROSA, 2018).

Ainda de acordo com apontamentos de Mota e Rosa (2018), outra mudança significativa que ocorre quando são adotadas as metodologias ativas em sala de aula é a do papel do professor, que passa de transmissor do conhecimento a mediador/orientador, diversificando os ambientes de aprendizagem e partilhando com os estudantes o encargo de ensinar e aprender. Reforçando esse pensamento de transformação na atuação do docente, Moran (2018) o situa como tutor, assumindo a incumbência não apenas de auxiliar os alunos na busca do conhecimento, mas também de motivá-los a irem além em seus estudos, promovendo questionamentos e orientando-os de forma individual ou grupal.

Ademais de proporcionar ao aluno um papel central na construção de conhecimentos, as metodologias ativas também viabilizam maior interação entre alunos e professores, pois possibilitam a elaboração de aulas participativas, nas quais os alunos podem expor suas opiniões e compartilhar conhecimentos. Sobre essa interação, Diesel, Baldez e Martins (2017) salientam a importância do desenvolvimento de discussões em sala de aula, visto, que nesses momentos, o aluno tem a possibilidade de “praticar o exercício de formular uma opinião sobre determinado assunto, ouvir outras opiniões, refletir sobre elas e argumentar de forma cortês” (DIESEL; BALDEZ; MARTINS, 2017, p. 283).

Entre as diversas possibilidades de desenvolvimento do método ativo de ensino que podem ser reutilizadas, reinventadas ou, ainda, elaboradas pelo professor, destaca-se a metodologia da problematização, que consiste em proporcionar aos estudantes um contato direto com a realidade social na qual estão inseridos.

Para a aplicação da metodologia da problematização utiliza-se como base o arco de Maguerez, que, formulado na década de 70 do século XX, tornou-se público por volta de 1977 a partir de publicações de Bordenave e Pereira (1989) (COLOMBO; BERBEL, 2007, p. 123). O arco caracteriza-se como uma representação que sugere possibilitar aos alunos uma interação real com a sociedade, estreitando os laços entre a teoria e a prática e tornando esse contato uma experiência favorável para o desenvolvimento de sua autonomia.

O arco de Maguerez, como pode ser observado na Figura 1, sugere que abordagens a partir da metodologia da problematização partam de uma situação-problema real existente na sociedade, observada pelos próprios alunos, seguida pela identificação de pontos-chave desse problema para que seja possível teorizar sobre eles e, então, buscar hipóteses de soluções aplicáveis à realidade, visando a solucionar ou, ao menos, reduzir o problema.

Fonte: Bordenave e Pereira (1982) apudBerbel (1995, p. 11).

Figura 1 Arco de Maguerez. 

A partir da utilização da metodologia da problematização, por meio do Arco de Maguerez o professor possibilita ao aluno a compreensão dos problemas sociais reais e o auxilia a pensar de forma autônoma na busca por soluções. Para Berbel (1995),

O interesse nosso ao trabalhar com a metodologia da problematização incide sobre o ensino. No entanto, utilizada como forma de estudar, de aprender, tal metodologia se desenvolve através da Investigação. Não a Investigação científica clássica, que tem sido praticada por pesquisadores propriamente ditos, mas uma investigação necessária para aprender, que vai além da identificação daquilo que já está disponível na literatura. O confronto entre as percepções primeiras dos aprendizes com o• conhecimento já elaborado, permite uma análise e compreensão mais profunda, lógica e porque não dizer científica do que acontece na realidade, para se chegar à transformação dos sujeitos e consequentemente da própria realidade.

(BERBEL, 1995, p. 12)

As metodologias apresentadas têm como propósito envolver o estudante no processo de aprendizagem, colocando-o em contato com situações reais que, posteriormente, atuam como suporte para a compreensão de conteúdos teóricos. Diesel, Baldez e Martins (2017) frisam a importância dessas aulas práticas, apontando sua utilidade para a vida em sociedade, sendo que, a partir delas, o estudante desenvolve o pensamento crítico necessário para chegar a conclusões próprias a respeito de determinados assuntos presentes em seu cotidiano.

Se preparado para realizar uma leitura crítica da realidade, o aluno irá entender que aquilo que é visto, noticiado, ou apresentado como uma verdade única pode ser apenas uma forma particular de olhar para determinado aspecto. Contudo, o sujeito que não tiver sido preparado para tal, passa a receber a informação como verdade absoluta, conformando-se naturalmente.

(DIESEL; BALDEZ; MARTINS, 2017, p. 284)

Considerando os pressupostos teóricos apresentados aqui, torna-se possível inferir que abordagens pedagógicas apoiadas pela metodologia da problematização, quando expõem o aluno a situações-problema, nas quais a solução a ser encontrada depende do próprio estudante e de seus colegas, proporcionam ao aluno não apenas maior interação com a sociedade, mas também um pensar autônomo e crítico.

3 Procedimentos metodológicos

O Projeto Marcas teve como objetivo estimular os alunos de 9º ano para a criação de projetos sociais partindo do seguinte questionamento: ““Que marcas vou deixar quando sair da escola?”. A partir dessa pergunta-problema, as turmas, divididas em pequenos grupos, tiveram como tarefa propor ações sociais que pudessem, de alguma forma, impactar a comunidade escolar deixando uma marca positiva para a escola.

Os sujeitos envolvidos no projeto, além da professora de Língua Portuguesa, foram, aproximadamente, 40 alunos de duas turmas de 9º ano do ensino fundamental divididos em grupos de trabalho. O projeto aconteceu no segundo semestre do ano de 2018 durante o período de dois meses. Cabe salientar que o Marcas foi desenvolvido em uma escola municipal localizada na cidade de Lajeado-RS. A escola tem como uma de suas características a inovação em suas práticas pedagógicas, por isso a instituição está sempre aberta para o novo e estimula seus professores a desenvolverem, em sala de aula, práticas norteadas por metodologias ativas de ensino e de aprendizagem, como podemos verificar neste artigo.

Com o objetivo de verificar o impacto das ações desenvolvidas pelo Projeto Marcas, adotamos a abordagem qualitativa de pesquisa. Logo, como forma de coleta de dados, utilizamos uma entrevista de questões abertas realizada com a professora da escola, que também disponibilizou os relatórios escritos pelos alunos das duas turmas de 9º ano e outras produções, como fotos e vídeos.

Para a análise dos dados coletados nos aproximamos da análise textual discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2006), na qual “o pesquisador, ao envolver-se em uma análise textual discursiva, assume de modo mais consciente esta reconstrução constante de seus mundos, sempre por intermédio da linguagem” (MORAES; GALIAZZI, 2006, p. 123).

4 Análise e discussões

Apresentamos adiante as discussões suscitadas sobre o desenvolvimento do Projeto Marcas em relação aos pressupostos teóricos da metodologia ativa e da problematização.

4.1 Caracterização teórica do projeto

A metodologia da problematização, segundo as autoras Colombo e Berbel (2007), “estimula, aos participantes que a utilizam, o despertar da consciência crítica, política, bem como o comprometimento com a sociedade, no sentido de vir a transformá-la em algum grau, sendo, por isso, um caminho primordial para o exercício da cidadania”. Por esse viés, caracteriza-se o percurso de desenvolvimento do Projeto Marcas, uma prática de trabalho ativo que prioriza a aprendizagem significativa dos estudantes, convergindo, de forma positiva, com os pressupostos da metodologia da problematização, na qual

Partir de uma prática social existente, passar por um amplo processo de reflexão sobre um dos problemas ali detectados e depois retornar para a parcela da realidade da qual o problema foi extraído, com alguma prática, desta vez mais informada, de modo consciente e intencionalmente transformadora, é realmente uma proposta de trabalho ativo, que envolve uma boa dose de reflexão – sendo por isso também crítico – e se complementa com algum grau de transformação da realidade.

(Berbel; Gamboa, 2011, p. 283)

Sob essa ótica, o Projeto Marcas objetivou levar os alunos a refletir sobre as relações com a escola e as pessoas envolvidas na comunidade escolar, além de estimulá-los à criação de projetos sociais motivados pela pergunta-problema ““Que marcas vou deixar quando sair da escola?”. Esse questionamento foi o ponto inicial do processo reflexivo dos alunos sobre sua formação enquanto sujeitos dentro de uma sociedade.

Diante do mencionado, podemos ratificar que a elaboração do projeto percorre os caminhos teóricos de um trabalho ativo com aproximações da metodologia da problematização, apresentando foco no desenvolvimento da aprendizagem significativa para a formação do aluno. Esse percurso de trabalho conduziu os sujeitos a um pensar autônomo de tomadas de decisão e à reflexão sobre o pertencimento a um grupo social.

No que diz respeito a esse processo de desenvolvimento da autonomia dos estudantes, o projeto apresenta fortemente as características ressaltadas por Diesel, Baldez e Martins (2017), Berbel e Gamboa (2011) e Moran (2018), uma vez que propõe uma situação de aprendizagem que emerge da realidade, conduzindo os estudantes a uma tomada de consciência dela enquanto a problematizam. Nessa perspectiva de ensino e aprendizagem, podemos reafirmar os pressupostos que fundamentam a metodologia da problematização por meio de métodos ativos nos quais o estudante é o agente responsável pela produção de conhecimento.

A tomada de consciência é outro ponto de destaque no desenvolvimento do projeto. Essa característica auxilia na desautomatização do processo de aprendizagem, isto é, leva o estudante a refletir sobre sua própria aprendizagem. Mediante a elaboração de relatórios sobre as suas ações, os sujeitos foram capazes de ponderar suas práticas, uma vez que tiveram que relatar os objetivos das suas propostas, o desenvolvimento delas, bem como suas considerações finais sobre suas práticas, resultando em uma avaliação da própria ação.

Em vista disso, tal observação converge com os pressupostos de Mota e Rosa (2018), sob os quais as autoras defendem que o desenvolvimento de práticas pedagógicas a partir da metodologia ativa auxilia no desenvolvimento dos processos metacognitivos dos sujeitos envolvidos. Conforme a autora, “a metacognição emerge com estratégia capaz de responsabilizar o estudante pela análise, regulação e avaliação dos mecanismos promotores da sua aprendizagem” (MOTA; ROSA, 2018, p. 265).

Diante de tais considerações, assumimos que essa abordagem pedagógica – o Projeto Marcas – caracteriza-se de fato como uma metodologia da problematização e trabalho ativo, visto que propôs uma situação problema real, conduzindo os participantes a uma tomada de consciência do problema, fazendo-os pensar e concretizar decisões e ações voltadas à realidade social do seu meio.

4.2 O olhar docente: reflexões sobre a prática

A partir da concessão de uma entrevista semiestruturada, a professora relatou quais as atividades que foram realizadas pelos alunos e, ao mesmo tempo, falou um pouco sobre sua percepção com relação à elaboração do projeto.

A respeito de uma atividade específica – a revitalização de alguns espaços da escola –, a docente chama a atenção para a organização de um grupo maior. Como a ação foi realizada em turno inverso, a professora não a estava acompanhando, sendo tal tarefa delegada a professores colegas. Ainda que sem a sua supervisão, o grupo de alunos manteve-se organizado e determinado a cumprir a tarefa, como podemos perceber pelo relato a seguir:

E aí eles resolveram que aquele grupo grande ia se reunir e ia refazer, repintar todas as sapatas, muros, flores que tinha no chão, então eles passaram a manhã nisso. E assim ó, foi muito legal. Eu tava com medo da bagunça que ia ter, e eu não ia estar com eles de manhã, eram as outras profes, aí tu já tem que conversar com as profes né pra elas cuidar, ajudar. Mas foi assim ó, o professor de educação física disse assim “eu nunca vi uma bagunça tão organizada nessa escola” porque tava todo mundo no pátio, mas todo mundo tava trabalhando porque eles queriam realmente deixar a marca boa deles na escola, sabe?!. Então foi maravilhoso. E isso foi um grupo grande.

A partir desse relato podemos inferir que o aluno, quando recebe a confiança do seu professor, principalmente na realização de tarefas que fogem das tradicionais atividades em sala de aula, sente-se confortável com o desafio que lhe é proposto, executando a tarefa de forma que não a torne aborrecida; ao contrário, demonstra sentir prazer no cumprimento da atividade. Nessa mesma perspectiva, Berbel (2011, p. 2 8) argumenta que, “quando acatadas e analisadas as contribuições dos alunos, valorizando-as, são estimulados os sentimentos de engajamento, percepção de competência e de pertencimento, além da persistência nos estudos, entre outras” (grifo nosso). Dessa forma, acreditamos que o docente, quando dá voz ao aluno, estreita a relação entre professor, aluno e conteúdo, tornando o processo de ensino e aprendizagem uma experiência agradável e significativa.

A partir do relato da professora, é possível perceber a importância do papel docente como orientador, mediador e responsável por práticas que levem o aluno ao protagonismo da própria aprendizagem. Para Berbel (2011, p. 37), em práticas norteadas pelas metodologias ativas e da problematização, “o papel do professor, nessa perspectiva, ganha um status de relevância, ao mesmo tempo em que se lhe acrescentam responsabilidades quando comparadas a estilos de trabalho convencionais”.

Nesse cenário de ensino, o professor é capaz de conduzir práticas que possibilitem o compartilhamento de responsabilidades do processo de ensino e aprendizagem. Observemos o seguinte relato:

[...] não tinha professor, não tinha direção, ninguém reclamando que tinha aluno fora da aula, sabe, essas coisas que às vezes acontecem, porque eles viam que eles estavam realmente trabalhando. [...] A escola toda sabia que tava acontecendo alguma coisa.

A fala da professora retoma a relação entre o trabalho ativo e o desenvolvimento de um processo metacognitivo, o qual, segundo Mota e Rosa (2018), “exige reflexão, autonomia, motivação, paciência para aprender e confiança em si mesmo e nos outros, com os quais serão compartilhadas as situações de aprendizagem” (MOTA, 2018, p. 264, grifo nosso). Inferimos, aqui, que essa confiança investida pela escola e pelos demais professores nas ações desenvolvidas pelo grupo é resultado do crédito conferido pela docente aos alunos, assumindo confiança no trabalho realizado e atribuindo responsabilidade pelas ações.

Diante do exposto, concordamos com Favero, Tonieto e Roman (2013, p. 284) no que diz respeito a olhar para a prática docente como objeto de estudo. Sendo assim, nesse cenário, a reflexão docente implica a própria docência como objeto de investigação, superando a perturbadora dicotomia entre teoria e prática (FAVERO; TONIETO; ROMAN, 2013, p. 284), além de o desafio de refletir sobre a própria ação.

4.3 Da sala de aula para a comunidade escolar: ações desenvolvidas

A pergunta problema “Que marcas vou deixar quando sair da escola?” levou os alunos a um pensar autônomo na busca pelo desenvolvimento de ações sociais que pudessem, de alguma forma, impactar o ambiente escolar no qual estavam inseridos, ou seja, avaliar quais as possíveis contribuições que responderiam de forma positiva ao questionamento.

Nesse sentido de conduzir os alunos a um pensar que os leve a refletir, discutir e tomar decisões, a BNCC sugere que estimulá-los a pensar de forma crítica, lógica e criativa mediante o desenvolvimento de questionamentos que necessitam de respostas “possibilita aos alunos ampliar sua compreensão de si mesmos, do mundo natural e social, das relações dos seres humanos entre si e com a natureza” (BNCC, 2017, p. 58).

Berbel (2011) também sugere que

O engajamento do aluno em relação a novas aprendizagens, pela compreensão, pela escolha e pelo interesse, é condição essencial para ampliar suas possibilidades de exercitar a liberdade e a autonomia na tomada de decisões em diferentes momentos do processo que vivencia, preparando-se para o exercício profissional futuro.

(BERBEL, 2011, p. 29)

Por esse viés de ensino e pelo cenário motivador proposto pelo projeto – as marcas que seriam deixadas na escola –, os alunos, que encerraram a etapa dos anos finais do ensino fundamental, foram capazes de pensar, discutir e relacionar, de forma autônoma, ações sociais para atender ao objetivo do projeto.

Engajados na tarefa, propuseram e realizaram ações não somente na escola, como também ampliaram o olhar e ultrapassaram os muros da instituição, de forma a impactar toda a comunidade escolar. As atividades desenvolvidas pelos estudantes foram:

  • recolhimento de roupas para doações;

  • peça teatral (para alunos dos anos iniciais) sobre a importância do cuidado com a natureza e do plantio de flores;

  • contação de histórias para alunos dos anos iniciais como incentivo à leitura;

  • doação de livros e brinquedos para uma instituição carente do município;

  • pintura de espaços recreativos (como jogos de amarelinha) e muros da escola;

  • limpeza da horta e plantio de novas hortaliças; e promoção de debate a partir de filmes.

Essas práticas revelam o engajamento dos alunos à proposta do projeto, reforçando, novamente, a importância do trabalho ativo e voltado para a realidade. A partir da pergunta-problema, os estudantes conseguiram refletir sobre suas próprias formações enquanto sujeitos em desenvolvimento. Esse parecer converge com os pressupostos epistemológicos da BNCC no que diz respeito a essa formação para a inserção social do aluno.

Nessa perspectiva reflexiva, vale ressaltar também a importância de repensar práticas escolares, uma vez que métodos tradicionais nem sempre promovem um comportamento ativo do aluno, dificultando a construção autônoma da aprendizagem significativa. Por outro lado, Diesel, Baldez e Martins (2017, p. 285) afirmam que “(re)significação da sala de aula, enquanto espaço de interações entre os sujeitos históricos, e o conhecimento, o debate, a curiosidade, o questionamento, a dúvida, a proposição e a assunção de posição resultam, sem dúvida, em protagonismo e em desenvolvimento da autonomia”.

Por meio da realização das ações, podemos perceber, nesses alunos, o desenvolvimento das características resultantes de um trabalho ativo, uma vez que foram capazes de refletir sobre a pergunta-problema motivadora, debater ideias, propor e realizar atividades voltadas à realidade de forma autônoma, consciente e responsável.

5 Considerações finais

Diante do estudo apresentado, podemos (re)afirmar que o docente, ao desenvolver práticas pedagógicas norteadas por metodologias ativas de ensino e pela metodologia da problematização, auxilia e conduz o estudante a pensar de maneira autônoma, construindo seu próprio conhecimento e atribuindo sentido à sua aprendizagem. Nessa perspectiva de abordagem, o estudante é capaz de observar situações-problema ao seu redor, discuti-las com seus colegas, propor e executar, na prática, ações que as solucionem.

O Projeto Marcas, aproximando-se da metodologia da problematização, assumiu esse percurso de trabalho ativo voltado a práticas sociais imersas na realidade, fazendo que os sujeitos envolvidos, tanto os alunos como a docente, pudessem fazer reflexões sobre seus próprios comportamentos em relação à problemática apresentada, ter consciência da situação e, de forma colaborativa, tomar decisões e proceder a medidas corretivas.

Posto isso, torna-se necessário que o professor permita-se refletir sobre as suas próprias práticas e métodos de trabalho, sempre levando em consideração os objetivos de aprendizagem dos alunos. Além do mais, é o professor o responsável por conduzir um ensino transformador e inovador, proporcionando ao estudante as mais diferentes e significativas experiências e situações para a sua formação como sujeito dentro de uma sociedade.

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Recebido: 03 de Setembro de 2019; Revisado: 16 de Maio de 2022; Aceito: 18 de Maio de 2022

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