1 Introdução
A ludicidade, compreendida enquanto uma ação humana, quando realizada pela criança de forma construtiva e autônoma, revela uma linguagem que possibilita atribuir sentido ao mundo ao mesmo tempo em que expressa a sua criatividade. Assim, a criança, quando em situação lúdica, posiciona-se com autora diante da vida e do objeto de conhecimento, criando e recriando sentidos por meio do brincar. Numa brincadeira ou num jogo, por exemplo, os participantes são convocados continuamente a agir criando situações imaginárias ou planejando ações para resolver problemas, por isso a ludicidade pode ser considerada uma estratégia de ensino e aprendizagem útil para promover a apropriação do conhecimento pelo indivíduo.
Devido à sua importância na vida do ser humano, a ludicidade é um tema pesquisado por vários autores (ROSSETTI-FERREIRA et al., 2007; BIANCHINI, ARRUDA, GOMES, 2015) e estudos a indicam com a função de promover aprendizagem e desenvolvimento, visto que a criança faz suas experimentações enquanto brinca.
A experiência enquanto contexto para a aprendizagem e o desenvolvimento na infância é enfatizada por Abramowicz, Levcovitz e Rodrigues (2009), que explicam que, enquanto brinca, a criança faz diversas experimentações numa temporalidade diferente, ou seja, mais estendida, uma vez que o tempo está relacionado com criação na qual a criança está envolvida. A defesa dos autores em relação à necessidade da brincadeira para a criança deve-se ao fato de que ela possui potenciais diversos que precisam ser desenvolvidos desde que sejam colocados em prática no período da infância, por isso é importante a construção de espaços que permitam às crianças brincarem (ABRAMOWICZ, 2016).
Há vários aspectos a se considerar sobre a ludicidade, entre eles quando esta se relaciona com a escola, pois se faz necessário conhecer os espaços e o tempo destinado a tal atividade, bem como refletir sobre isso, uma vez que, em muitos contextos, apresentam precariedade de objetos, espaços físicos e até em como deve ser a ação mediadora do educador (KRAMER, 2009).
Sabe-se que, em 20 de dezembro de 1996, decretou-se, no art. 29 na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) nº 9.394/1996, a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica. A partir daquele momento, o atendimento à criança pequena deixou de ser caracterizado como política assistencialista, passando, assim, a integrar-se à política nacional de educação no Brasil. Complementam Craidy e Kaercher (2001, p. 26) que a referida lei fez exigências de “um plano pedagógico e a formação adequada para os profissionais dessa etapa de ensino, com vistas a uma educação de qualidade para as crianças”, na qual as práticas de cuidados integram-se às educativas.
Para Rosseti-Ferreira et al. (2017), o atendimento à criança pequena, quando integrado ao sistema de ensino, significou considerar a criança dentro de um rol de direitos, entre eles o de ser criança e de brincar enquanto aprende e se desenvolve na escola.
Ferronato, Bianchini e Proscêncio (2017) ponderam que a atividade de brincar, se considerada juridicamente, implica reconhecer a necessidade de garantir espaços com atividades para que a criança se desenvolva de forma plena e saudável. Isso só é possível se a brincadeira for incluída em suas atividades a fim de manifestar-se como criança. Ainda cabe considerar que o direito à brincadeira necessita de “apoio, respeito e estímulo do adulto” (FERRONATO, BIANCHINI, PROSCÊNCIO, 2017, p. 455).
Os documentos (RCNEI, 1998; DCNEI, 2010; BNCC, 2017) que foram sendo construídos para orientar as práticas pedagógicas na Educação Infantil passaram a defender a ideia de integração da ludicidade como proposta de ensino e aprendizagem nas diversas interações que ocorrem com a criança a fim de promover seu desenvolvimento integral.
Abramowicz (2016) complementa essa ideia ao considerar que as práticas educativas devem organizar-se de modo a possibilitar expressões próprias da criança, o que se constitui no “jeito que as crianças têm de viver inventando o mundo, produzindo acontecimentos” (2016, p. 19).
A busca por cumprir a legislação a respeito dos direitos da criança para o desenvolvimento de suas capacidades infantis depara-se com espaços que podem ser propícios a novas propostas, como é o caso das brinquedotecas presentes nas instituições de Educação Infantil. A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), por exemplo, reconhece a criança como centro do processo educativo e apresenta seis direitos de aprendizagem infantil, entre eles o brincar de diversas formas, espaços, tempos e parceiros, “ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais” (BRASIL, 2017, p. 34).
Observa-se que em muitas escolas podem-se encontrar espaços fora ou dentro da sala destinados à brincadeira. Esses espaços podem ser mais estruturados, como é o caso da brinquedoteca, representados por caixas em que se guardam os brinquedos, ou, ainda, por “cantinhos diversificados da brincadeira”. No caso da brinquedoteca, Kishimoto (1994) define-a como um ambiente equipado de brinquedos e brincadeiras com o fim de desenvolver o exercício lúdico infantil espontâneo. Isso implica ir além da descrição, pois a brinquedoteca evidencia um caminho de lutas pelas políticas públicas e a história de uma conquista, para a criança, do direito de brincar. Além disso, Cunha (1996) apresenta que entre os desafios encontra-se o de promover incentivo para a construção de brinquedotecas nas escolas infantis. Talvez muitos não invistam em brinquedotecas por vários motivos, entre os quais se destacam dois: legalmente, a obrigatoriedade da existência de brinquedotecas está prevista apenas para os hospitais; e falta de conhecimento sobre os resultados positivos no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças que interagem em brinquedotecas escolares.
Cunha (1996, p. 40) caracteriza a brinquedoteca como um “espaço preparado para estimular a criança a brincar, possibilitando o acesso a uma grande variedade de brinquedos, dentro de um ambiente especialmente lúdico. É um lugar onde tudo convida a explorar, a sentir, a experimentar”. A brinquedoteca deve apresentar um ambiente criativo para estimular “as brincadeiras de ‘faz de conta’, dramatização, a construção, a solução de problemas, a socialização e a vontade de inventar” (p. 41).
É de responsabilidade da instituição de Educação Infantil propiciar às crianças brincadeiras, brinquedos e jogos que respeitem a concepção do patrimônio lúdico. Abramowicz (2016) pontua que espaços, materiais e pessoas possibilitam criar novas produções e desenvolver o devir de criança. Assim, o jogo, o brinquedo e a brincadeira são atribuídos não apenas ao sujeito que brinca, mas às gerações e aos povos que constituem a história.
Campos (2011) considera que o trabalho nesse ambiente deve estar alinhado às práticas pedagógicas dos professores, apresentando a dimensão lúdica como mais um segmento a ser contemplado no processo de desenvolvimento da criança na educação infantil. Para a autora, é necessário dar sentido à ação docente. O espaço da brinquedoteca precisa ser explorado com intenções lúdicas que desenvolvam na criança o senso de autonomia, sem estar vinculada aos conteúdos de ensino, desde que desenvolva criatividade, fantasia, a magia que os brinquedos, jogos e brincadeiras proporcionam para a criança brincante.
Nesse sentido, Brougère (2004) escreve que os profissionais que atuam nas brinquedotecas precisam ter um conhecimento além dos brinquedos. O autor enfatiza que se faz necessário apresentar para as crianças o que elas não conhecem. Em face de tais constatações, é imprescindível o papel dos indivíduos implicados com a infância, como pais, professores e comunidade. Salienta-se, ainda, que “a brincadeira tem um papel especial e significativo na interação criança – adultos e criança – criança. Por meio da brincadeira as formas de comportamento são experimentadas e socializadas” (FRIEDMANN, 1996, p. 30).
Outro aspecto para que a ação docente possa ser concretizada de modo efetivo na educação infantil deve-se à visão que o professor tem da criança para definir suas práticas. Se o professor pensar a criança/infância como um ser ativo no processo de ensino e aprendizagem, observando suas características próprias, e que a infância é a fase inicial na construção de um ser humano, buscará práticas que valorizem essas características, contribuindo, assim, para o desenvolvimento de suas potencialidades.
Possibilitar esse conhecimento garante um ambiente com brinquedos diferente do que é proposto na escola. A escolha dos jogos e brinquedos deve suprir preconceitos e considerar o tempo histórico das crianças. Em relação ao acesso aos brinquedos e à condução desse trabalho com a criança, Atkinson (2011) define que:
O objetivo de prover a brinquedoteca com brinquedos e jogos é favorecer o brincar, que pode se dar em uma brinquedoteca ou em qualquer outro lugar. Uma brinquedoteca pode fornecer brinquedos e jogos também para outros fins, como para promover a aprendizagem ou habilidades, para manter as tradições culturais, para ajudar os pais na criação dos filhos ou para promover um comportamento responsável nas crianças, por exemplo, mas o brincar é um sujeito essencial.
(ATKINSON, 2011, p. 36.)
Nessa perspectiva, sustenta-se a ideia de que as crianças são seres ativos, em processo de desenvolvimento, e cabe ao docente proporcionar atividades didático-pedagógicas que potencializem esse processo.
À vista das ideias expostas anteriormente sobre a importância da atividade lúdica na educação infantil e a brinquedoteca como um espaço de promoção de ações lúdicas infantis, o presente estudo analisou brinquedotecas presentes nos Centros Municipais de Educação Infantil brasileiros, com a finalidade de identificar e conhecer sua organização, as práticas dos profissionais que ali atuam e os materiais disponíveis para as crianças.
2 Metodologia
O presente estudo caracteriza-se como pesquisa quantitativa e qualitativa descritiva realizada em ambiente virtual com 246 acadêmicos do curso de Pedagogia EaD, participantes do projeto “Estudo do perfil das Brinquedotecas em Centros Municipais de Educação Infantil Brasileiros – PIC EaD”.
Os participantes dirigiram-se a um (ou mais) Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) de sua respectiva cidade e, a partir da observação realizada naquele contexto, responderam a dois questionários disponibilizados na forma on-line. No primeiro questionário, 12 questões contemplavam o perfil dos CMEIs e, no segundo, 24 questões tratavam da caracterização das brinquedotecas ou dos espaços lúdicos ali presentes. Todos os procedimentos éticos foram seguidos, com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR), a qual foi concedida sob o Parecer nº 3.017.450.
Para aplicação dos questionários, os participantes passaram por um processo formativo divido em duas etapas. Na primeira etapa assistiram a cinco vídeos que tratavam do tema: o que são iniciação científica, comitê de ética em pesquisa e como se faz pesquisa seguindo os padrões éticos em pesquisa com seres humanos. Após assistirem aos vídeos, os participantes deveriam responder a uma avaliação para, então, avançar para o próximo nível.
A seguir passavam para a segunda etapa relativa à formação sobre brinquedoteca. Os participantes assistiram a quatro vídeos e fizeram a leitura de quatro artigos científicos sobre os temas brinquedoteca, brinquedo, classificação de brinquedoteca, educação infantil e criança. Contempladas as duas primeiras etapas, os participantes eram convidados a buscar pelo CMEI para realizar a atividade de pesquisa sobre brinquedotecas brasileiras. Eles poderiam responder ao questionário on-line com base em sua experiência de estágio ou dirigir-se a um CMEI para aplicá-lo a partir de sua observação na escola, e, quando necessário, fazer as perguntas do questionário ao responsável pela instituição.
3 Resultados e discussão
A presente pesquisa investigou 246 CMEIs distribuídos pelo território nacional a fim de caracterizar esse contexto e conhecer percepções e ações da prática pedagógica docente em relação à atividade lúdica. Para melhor organização, os dados foram divididos nos seguintes eixos temáticos: a) caracterização dos CMEIs; b) espaços lúdicos, brinquedotecas e prática pedagógica nos CMEIs.
3.1 Caracterização dos Centros Municipais de Educação Infantil
A presente pesquisa caracterizou os 246 CMEIs quanto à localização, tempo de existência, demandas de atendimento e níveis de escolarização atendidos. Notou-se que 90,65% das brinquedotecas estão localizadas em zonas urbanas e 8,94%, nas zonas rurais; e um questionário omitiu a localização.
Ao observar o tempo de existência dos CMEIs, percebe-se que 88 possuem mais de 20 anos de existência; 51, de 6 a 10 anos; 37 têm de 15 a 20 anos; 26, de 11 a 15 anos; 20 estão com 1 a 3; 16, de 4 a 5 anos; e 8 funcionam há menos de 1 ano. Já em relação ao número de crianças atendidas pelos CMEIs, a Figura 1 expressa essa quantidade.
Observa-se que todas as escolas atendem a todas as etapas de ensino como determina a legislação no país. A Figura 1 registra o número expressivo de alunos matriculados, em que 91 CMEIs atendem a mais de 200 crianças e 70 CMEIs a 100 ou menos crianças. Com o levantamento da pesquisa, observa-se que a maioria dos CMEIs pesquisados atende principalmente crianças que se encontram na Educação Infantil. Os dados revelam que 58 CMEIs atendem Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º e 5º anos); 21 CMEIs englobam Educação Infantil, Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental (1º ao 9º ano); 24 CMEIs informaram abranger Educação Infantil e outros; e 143 CMEIs atendem exclusivamente Educação Infantil.
Ao avaliar as propostas pedagógicas indicadas pelos participantes, pode-se observar que nos CMEIs predomina a perspectiva construtivista (Piaget), com 143 indicações; 61 CMEIs utilizam a proposta histórico-cultural (Vygotsky); e a proposta de Maria Montessori é usada em 13. Além desses, 29 informaram adotar outras perspectivas teóricas. Compreende-se que, para oferecer um ensino adequado às necessidades de seus alunos, a escola precisa possuir diretriz envolvendo os docentes e a comunidade. A proposta pedagógica de uma escola é orientadora das práticas docentes. Também é importante ter clareza do referencial teórico que embasa tal proposta, visto que traz como princípios o processo de ensino e aprendizagem e o reconhecimento ou não da importância da atividade lúdica para o desenvolvimento infantil. Nesse contexto, as creches e pré-escolas, ao acolherem as vivências e os conhecimentos construídos pelas crianças no ambiente da família e no contexto de sua comunidade, e ao articulá-los em suas propostas pedagógicas, têm o objetivo de ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas aprendizagens por meio do brincar (BRASIL, 2017).
A Educação Infantil é direito de todas as crianças, independente de classe social ou contextos sociais. Tebet e Abramowicz (2010) descrevem que o direito da criança está posto, contudo é necessário ser implementado de modo a promover seu desenvolvimento integral.
Nessa perspectiva, lê-se implicitamente, nas observações dos participantes, a aplicabilidade das leis que regem a Educação Infantil na atualidade, considerando-se o indicador do tempo de existência da escola e das demandas de atendimento, o que está atrelado ao processo educacional direcionado à formação das crianças e à concepção de infância nos ambientes culturais e influenciadores que vivem.
3.2 Espaços lúdicos, brinquedotecas e prática pedagógica nos Centros Municipais de Educação Infantil
A brincadeira é uma linguagem infantil e, portanto, precisa de tempo e espaço para expressão. A brinquedoteca pode ser um desses espaços e favorecer a prática lúdica infantil, posto que apresenta variedade de brinquedos e situações para brincar. Com o intuito obter informações sobre a existência ou não de brinquedotecas nos CMEIs e, em caso de ausência desse espaço, foram pesquisados dados sobre o nome destinado ao contexto lúdico para a criança, bem como foi perguntado sobre como é denominado o espaço lúdico presente no CMEI.
Os espaços lúdicos informados foram denominados, em sua maioria, de Brinquedotecas, com 80 respostas. Observou-se que 54 participantes responderam que as atividades acontecem no Canto da Brincadeira; 25 nomearam como Espaço Lúdico; 26 indicaram outras nomeações; e 61 não responderam. O que causa preocupação, nesse resultado, está relacionado com esses 61 participantes que não responderam, visto que, para o pesquisador, permanece uma lacuna e dá margem a uma nova questão-problema: será que os professores participantes não conhecem esse espaço, não o utilizam ou a instituição não possui um espaço lúdico?
Sobre as respostas relativas ao item “outro”, os participantes não indicaram um nome para o espaço lúdico, apenas mencionaram o local onde ocorrem atividades relacionadas com esse espaço na escola, como demonstra a Tabela 1.
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).
O resultado expresso na Tabela 1 permite constatar que aquilo que por muitas vezes é considerado “espaço lúdico” se remete ao ambiente fora da sala de aula. Segundo Barbosa (2010), é indiscutível que a ludicidade está presente em diferentes contextos, na escola, em casa, em qualquer lugar em que as crianças possam estar. O espaço lúdico está no cotidiano da criança e torna a aprendizagem algo natural.
Buscou-se saber o tempo de existência desse espaço lúdico na escola. Entre os respondentes, 95 indicaram que o espaço lúdico na escola existe há mais de 5 anos; 22 responderam 3 anos; 20 indicaram 4 anos; 16 participantes responderam 5 anos; 15 marcaram 1 ano; 11 responderam 2 anos; e, por fim, 67 não responderam ao questionamento. Pode-se inferir, com base nos dados da pesquisa, que o reconhecimento da importância em investir em espaços lúdicos nos CMEIs pesquisados aumentou a partir de 2013. Se for considerada a existência dos documentos legais relacionados com a Educação Infantil, é possível considerar que houve influência do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) (BRASIL, 1998) e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL, 2010).
O espaço é entendido como algo conjugado ao ambiente e vice-versa. Para Hank (2006), o espaço físico é um elemento indispensável para se observarem o desenvolvimento e a aprendizagem do educando no contexto da educação infantil. Abramowicz (2016) pontua que a escola, como instituição, tem por função promover espaços que possibilitem condições para que as crianças possam inventar, criar, interagir e produzir conhecimento.
Horn (2004) argumenta que é no espaço físico que a criança consegue estabelecer relações entre o mundo e as pessoas, transformando-o em um pano de fundo no qual se inserem emoções. Vale lembrar a ideia de infância como experiência, momento no qual a criança cria e, no espaço-tempo, faz acontecer, experimenta. A infância é um processo transformacional e, para isso, os espaços lúdicos permitem ir além do conhecimento, para a exploração e descoberta (ABRAMOWICZ; LEVCOVITZ; RODRIGUES, 2009).
Outro ponto a ser considerado é que o espaço lúdico permite à criança expressar-se de forma mais complexa, uma vez que, para Oliveira (2000), brincar não é apenas uma atividade recreativa, mas um campo de expressão e trocas recíprocas da criança com o mundo. Enquanto brinca, “a criança pode desenvolver capacidades importantes como a atenção, a memória, a imitação, a imaginação, ainda propiciando à criança o desenvolvimento de áreas da personalidade como afetividade, motricidade, inteligência, sociabilidade e criatividade” (OLIVEIRA, 2000, p. 67.)
Para aprofundar nossa visão, torna-se necessário saber quem faz a mediação entre esses espaços, por isso buscaram-se informações sobre quem acompanha a criança na brinquedoteca escolar. Percebe-se que a principal pessoa responsável para atender às crianças na brinquedoteca é o professor, indicado por 204 participantes. Os estagiários foram indicados por 14 respondentes; o brinquedista teve 12 citações; o assistente de educação infantil foi marcado por 4 participantes; 4 participantes indicaram outras pessoas; 3 marcaram os monitores; 2 educadores sociais e 1 indicou a secretária da escola. Vale destacar que, se for excluída a indicação dos professores, haveria ainda 40 respostas, indicando que, nas brinquedotecas, existem diversas pessoas atendendo às crianças.
Outros dados relevantes são as ações promovidas dentro de uma brinquedoteca, as quais precisam elucidar a promoção e o desenvolvimento de competências, fazendo sentido na construção do conhecimento e na identidade da criança como sujeito do seu desenvolvimento. Para Abramowicz et al. (2009), “a infância em suas experimentações efetua-se, acontece em um tempo mais generoso, por ser mais estendido, mais largo, já que é um tempo vinculado ao acontecimento, à criação” (p. 17). Nessa perspectiva, o responsável por uma brinquedoteca precisa estar com olhar atento ao contexto socializador, bem como à apropriação de brincadeiras que estabeleçam significados efetivos na proposta pedagógica. Além disso, é importante compreender as relações de criação, experimentação e invenção que a criança faz nesse espaço, possibilitando que emerjam novas relações de afeto e agenciamento. A utilização plena desses espaços requer um planejamento pedagógico, logo o próximo questionamento aborda o planejamento dos professores.
Em relação ao planejamento de atividades lúdicas na brinquedoteca, notou-se que 88,61% (218) dos responsáveis responderam que sim, que usufruem desses locais lúdicos com planejamento; e somente 9,34% (23) informaram que “não” utilizam esses espaços com atividades previstas em planejamento. Entre as respostas obtidas, 2% dos professores deixaram em branco. Os documentos legais (DCNEI, RCNEI e Base Nacional Comum Curricular [BNCC]) orientam sobre a importância da articulação da atividade lúdica na organização do trabalho pedagógico, e a brinquedoteca pode ser um desses espaços. O planejamento deve contemplar atividades a serem realizadas por meio do lúdico. Quando tais atividades não estão previstas no planejamento, pode ser que aconteçam de modo não intencional e, muitas vezes, até sem articulação com os objetivos pedagógicos das atividades aplicadas no dia, bem como sem articulação com os conteúdos escolares.
O professor que está com a criança necessita de conhecimento, a fim de reconhecerque, por meio da brincadeira, “as crianças recriam e estabilizam aquilo que sabem sobre as mais diversas esferas do conhecimento, em uma atividade espontânea e imaginativa” (BRASIL, 1998, p. 29).Ao serem questionados sobre as orientações dadas às crianças que estão na brinquedoteca, 91,46% responderam que sim, ou seja, que recebem a orientação de utilização dos brinquedos, e 8,53% informaram que não sãooferecidas orientações para sua utilização.
A respeito dos objetivos pedagógicos para o uso do brinquedo, 86,17% dos professores afirmam ter objetivos e 13,82% declaram que não se atentam ou não estabelecem objetivos pedagógicos. Em contextos de escolarização como é o espaço da educação infantil, os brinquedos não representam apenas objetos para se manusear, mas se faz necessário estabelecer um significado pedagógico para suas ações a fim de que se cumpra o papel da educação. Por intermédio do lúdico é possível estabelecer propostas às crianças da educação infantil a fim de desenvolver-se em diferentes áreas: cognitiva, motora, social e afetiva.
Outro dado coletado foi a existência de regras para brincar: 214 CMEIs afirmaram que existem regras e 32 responderam não as haver. Friedmann (1996) considera que o lúdico permite uma situação educativa cooperativa e interacional, ou seja, quando alguém está jogando ou mesmo brincando, está executando regras e, ao mesmo tempo, desenvolvendo ações de cooperação e interação que estimulam a convivência em grupo.
Ainda sobre o momento de brincadeira e à frequência de intervenções nesses momentos, notou-se que 39,83% (98) indicaram que as intervenções acontecem somente quando identificam uma situação de conflito ou risco; 30,48% (75), “às vezes”; e 29,67% (73) afirmaram que as intervenções sempre ocorrem. Bomtempo (1997) considera que a intervenção do professor é importante, mas ela deve revitalizar, clarificar e explicar o brincar, e não dirigir a atividade de modo que ela obstaculize as criações da criança. Spodek e Saracho (1998) distinguem dois tipos de intervenção: o participativo e o dirigido. No modo participativo, a interação do professor visa à aprendizagem incidental durante a brincadeira; as crianças encontram um problema e o professor, como um membro do jogo, direciona a busca da solução, estimulando as crianças a utilizarem a imaginação e a criatividade. No modo dirigido, o professor aproveita o momento da brincadeira para inserir a aprendizagem de conteúdos escolares.
Realizou-se o levantamento sobre se as escolas utilizavam a brinquedoteca para fins não pedagógicos. Sobre os dados coletados, verificou-se que as escolas se utilizam do espaço lúdico ou da brinquedoteca para cobrir as lacunas nas atividades escolares, com 49,18% (121) de respostas positivas e 34,95% (86) negativas; 15,85% (39) não souberam responder.
No que diz respeito à acessibilidade e à inclusão das pessoas com necessidades especiais, 122 professores responderam que há acessibilidade na brinquedoteca; 83 destacaram que as brinquedotecas não estão aptas e 41 não souberam responder. As políticas de educação inclusiva compreendem a construção de uma escola aberta e universal, um sistema educativo que respeita e valoriza a diversidade humana nas perspectivas micro e macro. Sabe-se que as pessoas com necessidades especiais precisam de um espaço mais apropriado para seu aprendizado, o que é amparado legalmente. Nesse sentido, na qualidade de pesquisadores, consideramos preocupantes os 83 espaços educativos que ainda não possuem acessibilidade. Entende-se, então, a importância de adentrar ainda mais esse campo e discutir sobre quais são esses espaços adaptados. Outra questão a ser pensada seria que, com a inclusão das crianças, a responsabilidade e o comprometimento do profissional que atende às brinquedotecas devem estar ligados à promoção de um espaço igualitário e inclusivo, respeitando as diferenças e contribuindo para a formação lúdica da criança com necessidade especial.
Em relação à existência de brinquedos pedagógicos nos CMEIs, percebe-se que apenas sete dos pesquisados não os possuem, informação que demonstra a relevância da brinquedoteca como ferramenta de apoio na prática pedagógica na Educação Infantil.
4 Considerações finais
Esta pesquisa analisou os espaços lúdicos presentes em Centros Municipais de Educação Infantil brasileiros com o intuito de identificar a existência de brinquedotecas, conhecer sua estrutura, bem como a atuação da prática pedagógica dos responsáveis pela criança na Educação Infantil.
Com base no referencial teórico e nos diferentes diálogos apresentados entre os autores, destaca-se a importância do espaço lúdico como um estimulador para a aprendizagem e o desenvolvimento integral da criança que se encontra em processo construtivo de diversas áreas. A infância, por isso, é o momento de experimentação, invenção e criação, pelo que se faz necessário proporcionar espaços que possibilitem contextos que promovam propostas que enriqueçam suas ações.
Com o levantamento realizado pelos acadêmicos de Pedagogia, constatou-se que as instituições atendem a uma proposta pedagógica sob a ótica de várias perspectivas, de acordo com sua realidade regional. Em relação à denominação dos espaços para a ludicidade, as brinquedotecas prevalecem, seguidas pelos espaços denominados de lúdicos ou canto de brincadeiras.
No caso de brinquedotecas, os atendimentos realizados ficam preferencialmente sob a responsabilidade do professor, sendo o brinquedista e os estagiários participantes em menor escala. Os professores que utilizam a brinquedoteca afirmam que inserem em seus planejamentos atividades com o fim de contemplar a formação integral da criança. Compreende-se, portanto, a partir de suas respostas, que os professores cumprem o planejamento previsto e estabelecem seus objetivos pedagógicos.
Esta pesquisa também verificou que os espaços das brinquedotecas ou os denominados de lúdicos são utilizados para cobrir lacunas de atividades escolares, suscitando reflexões sobre como isso acontece na prática do dia a dia nos Centros Municipais de Educação Infantil. Ou seja, se de um lado há o reconhecimento da importância da brinquedoteca enquanto espaço rico para experimentações diversas da criança e se os professores dizem incluir propostas pedagógicas quando se utilizam desse contexto, por que a sua utilização em termos de temporalidade do cotidiano escolar ocorre em momentos em que há lacunas na rotina diária da criança?
Tal fato suscita algumas indagações que podem ser respondidas com futuras pesquisas, sendo elas: Qual a intencionalidade do professor em levar as crianças para as brinquedotecas ou espaços lúdicos? Como acontecem as atividades nas brinquedotecas conjugadas em outros espaços da escola? Como isso se administra? Além disso, ainda há questionamentos quanto à atuação da docência, como: O que os professores sabem sobre as brinquedotecas, brinquedos, brincadeiras? Como conduzem essa prática dentro do espaço lúdico, ou seja, o que sabem sobre o desenvolvimento infantil e as brinquedotecas?
A intervenção do professor é importante para que o momento lúdico seja enriquecido, por isso, conclui-se que, embora as brinquedotecas sejam importantes para as crianças, não basta instalá-las sem que o professor ou o mediador daquele contexto tenha conhecimento sobre a importância da ludicidade para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil e, a partir disso, saiba planejar e articular as ações ali realizadas com o projeto político-pedagógico da escola. A presente pesquisa torna-se relevante não só pelo cenário que apresenta, mas também pelas reflexões que possibilita em busca da melhoria da Educação Infantil para todas as crianças.