Sempre que me sento aqui, sinto que há muito para escrever. Às vezes penso “vou deixar algo para a próxima semana” e quando essa chega, já tenho muitas outras coisas para discorrer e o que ficou parece se perder na linha de prioridades.
Rozeli Lemos de Melo
Reflexões da própria autora acerca das tarefas cotidianas de escrita do Projeto “Lugar-escola e cinema: afetos e metamorfoses mútuas”.
Uma introdução musical e a primeira tomada nos mostra uma imensidão de areia. A câmera move-se para a direita e algo envolto pelo vento, que aparenta ser uma pérola, é evidenciado. A música se intensifica e uma coluna central, que tem a pérola em seu topo, começa a erguer-se, juntamente com as muralhas de um castelo. As estruturas vão se formando e a câmera vai acompanhando essa construção até que soldados saem dessas paredes de areia e vão se posicionar nas muralhas desse castelo. A câmera se distancia e mostra um suntuoso castelo quando, de repente, nuvens escuras começam a se formar. Os soldados olham apreensivos a nuvem de poeira se aproximar, a música dá um clima de suspense e patas de um ser não identificado surgem em cena. Os soldados se olham e começam a se movimentar. O interessante aqui é que esses soldados não têm rosto nem olhos para se olharem, mas seu gesto corporal nos faz entender que eles sabem que têm que se organizar e proteger o castelo. Novos obstáculos vão se formando e parecem querer reforçar a proteção do castelo. O clima é de expectativa. Enquanto os soldados veem a nuvem cobrir suas cabeças, algo ataca e estremece o castelo, fazendo com que os soldados sintam o impacto. Nós, os espectadores, também o sentimos, pois a câmera também se movimenta como se absorvesse esse impacto. O castelo continua sendo atacado e logo as patas transcendem o último obstáculo, fazendo com que os soldados fiquem em posição de defesa. A câmera é posicionada de baixo para cima e, enquanto partes do castelo caem sobre a câmera, nos dá a sensação de ser a visão do soldado que está sendo soterrado. Vemos aos poucos surgir um caranguejo que ataca um soldado que se desfaz no chão do castelo. O invasor ergue seu corpo e a câmera mostra a pérola no alto da torre, e naquele momento percebemos que é o que ele vê, pois seus olhos são a câmera naquele momento, e almeja. Mais soldados aparecem à frente desse tesouro e o caranguejo continua a destruir o castelo indo ao encontro da torre. Dois soldados voltam a se olhar e correm na direção do perigo. No meio dessa corrida, chocam seu corpo e unem suas mãos, e do chão de areia do castelo surge um cavaleiro com armadura e seu cavalo que, sem medo, ataca o invasor até ser derrubado por ele. Sem armas, o cavaleiro tem um dos seus braços preso pelo caranguejo, mas coloca a mão livre na sua barriga e um pouco de areia se solta, o que mostra ao expectador que o soldado está ferido. Mesmo assim, na iminência de ser devorado pelo grande monstro, ele estica o braço e consegue pegar uma de suas armas e o ataca, fazendo-o recuar. Ajoelhado, o guerreiro enfia suas mãos no chão e tira uma enorme espada e a empunha. Nesse momento, a nuvem que encobria o castelo começa a se desfazer. Simultaneamente a isto, o soldado, cansado e ferido, vai firme em direção do caranguejo e esse vem ao seu encontro. De repente, o caranguejo se retrai e olha para o alto, fazendo com que o valente guerreiro abaixe sua espada e se vire e também olhe para trás, vendo uma grande onda que se forma em direção deles. O soldado ainda abaixa seu tronco numa reação de proteção, mas a imagem e o som de água nos indicam que ele ficou submerso. A tela escurece, e quando abre novamente, vemos uma praia tranquila com um castelo de areia parcialmente destruído, com um baldinho e pá coloridos ao seu lado. De dentro das ruínas do castelo sai um pequeno caranguejo. A música é a mesma desde o início do filme, mas, se nas situações de conflito apresentava-se vigorosa, nos colocando no clima de conflito, nesse momento a melodia é calma e tranquila, quase como uma canção de ninar. A câmera se aproxima aos poucos até nos mostrar o topo da torre, e quando a luz solar a ilumina vemos a pérola se transformar em uma bolinha de gude. A música se intensifica um pouco mais e na tela escurecida o nome do filme se forma com grãos de areia, e após isso aparecem desenhos de cenas do filme, como a indicar partes do storyboard que fez parte do processo de produção cinematográfica desta animação.
1 A curadoria coletiva
O filme Castelo de areia, cujo título na língua original é Chateau de sable (CASTELO…, 2015), descrito de um só fôlego, foi uma das descobertas realizadas em uma das tarefas durante o ano de 2019 no Cineclube Regente/Cha e no Projeto “Lugar-escola e cinema: afetos e metamorfoses mútuas”1: assistir alguns filmes que estão nos acervos do Programa Cinema & Educação no site da Prefeitura Municipal de Campinas,2 para selecionar alguns deles para que os profissionais da escola pudessem assistir com suas turmas, sem a necessidade de serem acompanhados por um membro da equipe do Cineclube. Até então, todas as sessões do projeto tinham a presença de um integrante do Cineclube.
A princípio nos pareceu uma tarefa simples, mas ao começar percebemos que não seria tão fácil e rápido como pensamos. Isso porque teríamos que assistir mais de uma vez o mesmo filme, pois a primeira vez observamos o contexto geral, depois temos que atentar aos diferentes detalhes existentes em cada cena.
Nosso propósito era montar uma pasta que elencasse em cada página um filme com alguns dados, como sinopse, tempo de duração, local onde o filme foi realizado, direção etc. – dados que já estávamos acostumados a elencar para o convite das sessões para as crianças e famílias. Para além deles, criamos para essa pasta o item “Dicas da curadoria”, que são indicações do curador para as pessoas que não estão no projeto, com o intuito de incitar o olhar das crianças. Isso para nós foi bem difícil, pois tivemos que apurar nosso olhar e transformar essas informações em indicativos para que os demais educadores sejam instigados a ver e conversar com as crianças.
Foi neste contexto que nos prontificamos a fazer a curadoria do filme do mês de setembro de 2019. Dentre os filmes assistidos no site do Programa Cinema & Educação, o filme de animação francês Chateau de sable nos chamou a atenção, num primeiro momento, pela música, que dava ênfase à situação de conflito do filme, e pelo ângulo da câmera, que dava uma dimensão de grandiosidade para o espectador. Segundo Rodrigues (2010, p. 3), “frente às possibilidades do audiovisual, os recursos expressivos da linguagem da câmera (movimentos, tipos de planos, enquadramento e corte) são fundamentais para realçar a dramaticidade do que é encenado” e, segundo a mesma autora, a música e os efeitos sonoros também assumem função narrativa.
É procedimento da equipe do Cineclube Regente/Cha colocar o filme escolhido para discussão no grupo de WhatsApp que temos para que possamos indicar aspectos que podem ser elencados com as crianças durante a apresentação do filme. A conversa foi a que se segue na Figura 1.
Como é possível notar nas capturas de tela da Figura 1, a conversa foi boa e as apreciações do filme foram bastante distintas, levando a decisão para nossa reunião de planejamento semanal. Nela, realizamos uma rica discussão sobre o filme, em que os professores puderam colocar sua opinião sobre diversos aspectos que o envolvem. Expressou-se a dúvida sobre como seria a reação das crianças diante daquele filme. Levantamos a hipótese de que as crianças menores não ficariam com mais medo do que outras crianças pudessem ficar. Como um professor que trabalha com as crianças menores, entre 2 e 3 anos de idade, expressou tal opinião, isso foi reconfortante, porque, até então, não havíamos encontrado mais professores que pensavam o mesmo que nós. Para ver melhor o possível impacto que o filme causaria, o projetamos no telão. Apagamos as luzes e assistimos duas vezes, concluindo que também poderíamos assistir duas vezes com as crianças.
Discutimos o que vimos nas cenas e observamos, pela primeira vez – depois de assistir esse filme muitas vezes –, no pós-crédito, que o valente cavaleiro que enfrenta o caranguejo é a criança que brinca com a areia. O engraçado é que um dos presentes viu este detalhe e, ao comentar sobre isto, outro dos presentes disse que também tinha visto, no pós-crédito, a imagem do “poderoso cavaleiro” brincando com o baldinho e a pazinha, sentado na areia. Isso nos fez crer que a criança, ao construir o castelo, se imaginou sendo o herói dele; muito mais do que imaginar algo dentro do castelo, ele se imaginou nele. Hoje, escrevendo sobre isso, ponderamos que ver um filme é como ler um livro, sempre algo novo pode sobressair daquilo que já vimos.
Nesse mesmo dia, nossa tarefa era organizar as sessões para todas as turmas, e isso incluía absorver algumas das dicas dos integrantes do projeto no WhatsApp. Uma das ideias era mostrar às crianças uma câmera para que elas tivessem a experiência de fazer tomadas de longe e de perto de um mesmo objeto a ser filmado. Conversamos e achamos que isso causaria tumulto nos momentos das sessões, pois são salas com quase 30 alunos e não teríamos câmeras e pessoas para realizar esta experiência individualmente ou em pequenos grupos.
Nossa proposta, então, foi fazer fotos de alguns brinquedos vistos de longe e de perto para mostrarmos antes das sessões. Tendo em vista os personagens do filme, optamos por um castelo e uma aranha com um pequeno homem sobre ela (Figura 2). Nos dois casos fotografamos os brinquedos de longe e de perto, para mostrarmos no telão e questionarmos as crianças quanto ao tamanho deles na tela, lidando com conceitos de distância e proximidade no cinema. Somente depois de ver estas imagens apresentaríamos o brinquedo às crianças (Figura 3)3.
2. As sessões do cineclube e suas reverberações no parque da escola
As primeiras sessões do filme Chateau de sable foram feitas por nossa colega que atende as crianças que assistiriam as sessões da manhã. Ela nos mandou um pequeno filme das crianças do Ag 2, crianças de 2 a 3 anos de idade, pedindo para colocar o filme de novo, depois de já terem assistido duas vezes. Mais tarde, ela nos mandou fotos de crianças atentas ao filme, literalmente de bocas abertas.

Crédito: Professora Sandra Amaral. Fonte: Acervo da fotógrafa.
Figura 4 Crianças do Ag 2 assistindo ao filme Chateau de sable.
Trocamos áudios animadíssimos falando das sessões. Nossa primeira pergunta foi: os pequenos choraram? Ela nos disse que não, que não teve nenhum choro, que eles ficaram muito emocionados, que mexeu bastante com eles. Confirmou que as reações ao filme ocorreram dentro do que eu tinha falado e que os adultos que assistiram também gostaram bastante do filme.
Isso nos fez tão bem! Primeiro porque foi a primeira vez que havíamos curado um filme para as sessões e depois porque estamos sempre brigando com essa história da preocupação exacerbada no cuidado com os pequenos. Estes fatos mostraram que eles merecem atenção, sim, mas não restrições, e que o cinema é mais um espaço a ser ocupada pelas crianças de 0 a 3 anos.
Essa mesma professora fez sessões para crianças do Ag 3, crianças de 3 anos e meio a 5 anos de idade, e fez a seguinte observação:
Após convidar algumas crianças que estavam brincando pelo parque para uma roda de conversa no gramado, perguntei a eles quem gostaria de realizar filmagens dentro do que havíamos conversado após a sessão do filme. A roda foi crescendo e mais crianças foram chegando ao verem o grupo reunido; algumas delas saíam da roda para irem convidar outros amigos e, aos poucos, eles foram chegando e já iam falando “eu também quero filmar”.
Retomei com eles qual era o exercício ao filmarem: primeiro observar e pensar em dupla o que iam filmar, se um objeto, uma planta, um inseto, parte do corpo do amigo… de perto e de longe. Falei da filmagem mais aberta, ampla, que conseguimos filmar uma dimensão maior, e de perto, câmera mais fechada, podendo filmar os detalhes de um objeto. Entre eles começava a negociação para decidir quem iria filmar primeiro; quem ficou por último acompanhava o amigo meio contrariado. Fiquei de longe observando. Em certos grupos havia aquele que não queria passar o celular conforme combinado e tentava se esquivar do amigo para continuar filmando. Houve um grupo em que os amigos insistiam com quem estava filmando que a câmera do celular estava desligada porque os números não estavam aparecendo na tela, mas ele era resistente com relação aos argumentos dos demais, fazendo com que suas ações com o celular não fossem registradas. Tinha aquelas e aqueles que queriam ensinar como fazer, e eu ouvia “não é assim, você tem que fazer assim, ó”. O tempo passou rápido e as professoras começaram a chamar as turmas para subirem, e havia 4 crianças que não tinham conseguido pegar o celular. Elas ficam chateadas e diziam contrariadas: “mas eu ainda não fui”. Pedi às professoras se eles poderiam ficar alguns minutos a mais comigo no parque e assim consegui com que todos realizassem a experiência de filmar.

Crédito: Professora Sandra Amaral. Fonte: Acervo da fotógrafa.
Figura 5 Crianças do Ag 3 assistindo ao filme Chateau de sable.
Em uma de nossas reuniões, outra educadora disse que os pequenos com os quais ela trabalha ficaram com um pouco de medo. Olhamos para a colega que havia feito a sessão e esperamos que ela rebatesse isso, mas ela não o fez. Isso nos incomodou muito e nos fez perguntar para a professora que trabalha nessa mesma sala se ela achou que houve medo na sua turma. Ela foi categórica e disse que não, que houve o impacto pela grandiosidade do que viam, mas não houve medo e que, se tivesse havido, ela acolheria. Ela quis nos dizer que não haveria problema nisso.
Esta mesma professora, na semana anterior – em que apresentávamos uma pasta de filmes que elaboramos para que os professores fizessem sessões sem a presença da equipe do projeto – nos havia perguntado se ali existiam filmes que passaríamos para as crianças. Respondemos que a maioria já havia sido exibida, mas que tinha alguns inéditos que ainda não sabíamos se iríamos ou não exibir nas sessões do cineclube. Ela nos disse que o trabalho que fazíamos com as crianças era essencial. Entendemos que ela quis nos dizer que mesmo indicando nos filmes as dicas da curadoria, o que fazíamos com as crianças era muito importante, talvez porque, uma vez que colocávamos a pasta com as dicas de filmes à disposição de todos, nós, do Cineclube Regente/Cha, não mais estaríamos fazendo e mediando as sessões com as crianças. Explicamos a ela que não era bem assim, que as sessões seguiriam acontecendo e que a pasta se voltava justamente a dar maior liberdade aos demais profissionais da escola para fazerem suas próprias sessões com suas turmas, talvez em suas próprias salas de aula.
Nesse mesmo da conversa com essa professora fizemos uma sessão do Chateau de sable para as turmas da tarde e foi bem interessante. As duas turmas interagiram bastante, olhando as imagens que fizemos dos brinquedos e, posteriormente, os brinquedos ao vivo. Durante a sessão, ficaram bem atentos e todos queriam falar bastante das impressões sobre o filme, ficando até difícil atender todo mundo.4
Alguns concluíram que foi a onda do mar que destruiu o castelo e que um menino o havia construído, porque viram a imagem do cavaleiro sentado na areia construindo o castelo. Aquilo que demoramos muito a ver, as crianças notaram logo.
Após essa sessão, fomos ao parque para encontrar as turmas do Ag 2 que haviam assistido o filme de manhã. Ao encontrarmos algumas crianças destas turmas, perguntamos se eles assistiram algum filme de manhã e elas começaram a nos contar sobre ele. Principalmente um menino falava muito; ele me falou do castelo de areia e do caranguejo e várias crianças se aproximaram. Perguntamos, então, se era possível fazer um castelo ali, e ele me disse que sim, mas que precisaria de gravetos. Aí ele e outros colegas começaram a fazer um montinho de areia com gravetos em cima enquanto deixávamos a câmera para alguns filmarem e íamos acompanhando. O que vimos e ouvimos foram crianças pequenas que lembraram de algo que viram de manhã e nos contaram com muitos detalhes e empolgação. Elas não lembraram de câmera perto ou longe, mas lembraram do filme e da areia, componente principal desse filme.
Quando as turmas que assistiram o filme à tarde desceram para o parque, levamos para elas dois celulares para usarem. Observamos que o interesse maior foi de uma das turmas que não teve nenhuma experiência anterior com a câmera. Nem tudo eles conseguiam registrar, porque algumas vezes o celular desligava e eles não percebiam. Assistimos alguns filmes depois e ouvi crianças muito felizes, dizendo aos amigos que iriam filmar, que tinham conseguido pegar o celular. Pensamos que seria muito legal propiciarmos isso para eles outras vezes e também fazê-los ver o que filmaram.

Fonte: Acervo do Projeto “Lugar-escola e cinema”
Figura 6 Captura de tela de cena da filmagem em que conversávamos com as crianças do Ag 2 sobre o filme.

Fonte: Acervo do Projeto “Lugar-escola e cinema”
Figura 7 Capturas de tela de filmagens realizadas por crianças do Ag 2 enquanto outros amigos da mesma idade faziam suas construções de areia no parque.
Nesta mesma tarde, uma professora havia levado água para a caixa de areia e algumas crianças começaram a cavar um buraco para tirar areia. Pedimos, então, para um menino que havia assistido ao Chateau de sable para filmar, pois tínhamos proposto para as crianças do Ag 3 que experienciassem filmar no parque, para que pudessem ver ângulos de longe e de perto. Foi bem interessante, pois ora ele filmava, ora ele queria ir buscar água para participar da brincadeira, ora queria filmar outra coisa.

Fonte: Acervo do Projeto “Lugar-escola e cinema”
Figura 8 Capturas de tela das filmagens realizadas pelas crianças do Ag 3 experimentando enquadramentos de perto e longe.

Créditos: Professora Rozeli Lemos de Melo. Fonte: Acervo do Projeto “Lugar-escola e cinema”.
Figura 9 Crianças do Ag 3 brincando com água e areia.
A exibição do filme Chateau de sable para os bebês do CEI Cha Il Sun, que atende crianças de 0 a 2 anos, ocorreu 15 dias após a primeira sessão.
Dessa vez, ajudamos a professora na conversa com as equipes. Explicamos como foi a curadoria e pedimos para os educadores não mediarem o filme para os bebês, porque isso foi uma coisa que me incomodou muito na outra sessão. Nela, alguns educadores haviam ficado falando e mostrando coisas que apareciam na tela e, desta vez, pedimos para que eles deixassem que os bebês interagissem sozinhos com as imagens. Optamos por não discutir com eles sobre imagens de longe e de perto por ser algo muito abstrato ainda para os bebês.
A atenção foi total na primeira exibição. Tivemos só um bebê que chorou e procurou o colo do seu educador. Notamos que isso aconteceu quando o som aumentou a intensidade. Posteriormente, pude observar que esse bebê sempre reagia assim quando começavam as sessões de cinema ou outros eventos na escola.
Ao término do filme, todos demonstraram alegria. Nossa colega de Cineclube fez algo bem legal: começando a conversar com eles, voltou o filme e foi mostrando algumas imagens da sequência. Muitos bebês se levantaram e foram falando o que viam. Depois o filme foi exibido de novo e, novamente, como da primeira vez, tivemos total atenção dos bebês.
Os educadores cumpriram com o combinado, não intervindo com falas durante a projeção, e ao final disseram terem gostado bastante do filme. Quanto aos bebês, o que vimos é que eles gostaram bastante. Assistiram duas vezes e não houve nenhuma reação de medo relacionado ao filme e suas imagens; alguns, inclusive, riam muito, apontavam para as imagens e mostravam para os amigos que estavam ao lado.
Desse modo, buscar novos filmes que instiguem o imaginário e estimulem as crianças a cada vez mais interagirem com a linguagem do cinema se torna algo necessário. É importante muitas vezes transpor nossos pré-conceitos e apresentar diferentes formas de filmes, pois o cinema por si só se encarrega de nos ensinar o quanto ele fala diretamente com cada um, independentemente da sua idade.
3 Conclusões… ou o enfrentamento do medo através do cinema
A exibição do curta-metragem Chateau de sable para as crianças de 0 a 5 anos e meio foi interessante e demonstrou mais uma vez o potencial do cineclube na escola. Marginalizado em relação aos circuitos comerciais, esta animação, que conta uma história sobre soldados de areia em um castelo também de areia, enfrentando um enorme caranguejo, ao final revela o que pode ser um pouco da imaginação de uma criança.
Estas apresentações foram um sucesso, pois evidenciou-se, pela aclamação das crianças e pelas conversas estabelecidas, que elas gostaram bastante do filme. Corporalmente, as crianças se manifestavam conforme o movimento do clima, mexendo o corpo, braços, pernas, com certos impulsos, principalmente em cenas mais impactantes, o que foi interessante observar.
De modo geral as crianças interagiram bastante tanto com o filme quanto com as imagens fotográficas que fizemos, olhando estas imagens – em que objetos apareciam ora de longe, ora de perto – e os próprios brinquedos fotografados. As passagens entre filme, fotos e brinquedos se fizeram de múltiplas maneiras, ao sabor da própria imaginação das crianças.
Na conversa, as crianças expuseram muitas opiniões, respondendo a questionamentos, ora concordando nas respostas, ora manifestando divergências.
Em relação às reações, o público infantil manifestou em poucas oportunidades o sentimento de medo. Não notamos nenhuma manifestação que demonstrasse uma maior inquietação que oferecesse a ideia de insuperável temor provocado pelo conteúdo da película, valendo relembrar que o filme conta com cenas de enfrentamento entre soldados de areia e, à primeira vista, um enorme caranguejo.
Ficamos pensando em tantos outros momentos em que medos e receios quase impediram que filmes fossem exibidos: primeiro foi o beijo do filme Leonel pé-de-vento (2006), em que uma estagiária que estava na escola questionou o fato de os personagens se beijarem no final. A nós do Cineclube Regente/Cha e do Projeto “Lugar-escola e cinema: afetos e metamorfoses mútuas” isso nunca incomodou, pois o beijo existe na vida real das crianças, em suas famílias e em muitos filmes infantis.
Depois o choro do filme Fogueira (2018), quando as crianças revezavam para olhar a câmera que estava no fundo de uma pilha de pneus e duas delas se empurraram com as cabeças, fazendo com que uma delas chorasse. Houve uma discussão se aquele choro incomodaria as famílias e chegamos à conclusão de que esses conflitos são comuns na escola e que, apesar de não aparecer na imagem, a voz da professora era constante e mediava toda a brincadeira, e portanto as crianças não estavam sozinhas.
Mais adiante foram as crianças de calcinhas e cuecas do filme Se lambuzar (2018). Este filme foi provavelmente barrado pelos algorítmicos do YouTube relativos à nudez de crianças e não conseguimos inseri-lo no nosso canal. Optamos por apresentar aos pais e pedir para que eles nos dissessem se tinha algo errado com esse filme e todos concordaram que era um filme sem nenhuma conotação sexual. No entanto, todos concordamos que o canal do YouTube do Cineclube5 tem que resguardar a integridade das crianças e que não é possível vermos e avaliarmos com os pais filme por filme produzido por nós.
Por último, o medo que o filme Chateau de sable provocaria e que novamente provamos, ao insistir em assisti-lo com as crianças, que não haveria motivos para que esta incrível história imaginada como que por uma criança não fosse apresentada em uma escola de educação infantil.