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Educação: Teoria e Prática

versión impresa ISSN 1993-2010versión On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.32 no.65 Rio Claro  2022

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v32.n.65.s16536 

Dossiê

Acompanhamento de professores em início de carreira: uma proposta formativa

Soporte al profesorado en inicio de la carrera: una propuesta de formación

1Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, São Paulo – Brasil. E-mail: carlaandrea2250@gmail.com.

2Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Paraná – Brasil. E-mail: laura.chaluh@unesp.br.


Resumo

A literatura acerca do início da carreira docente no Brasil mostra que são poucas as políticas e programas de formação docente que buscam amenizar as situações vividas pelos professores no contexto escolar. Este artigo objetiva analisar as contribuições para a constituição dos docentes participantes de um curso de formação oferecido a professores em início de carreira, vinculados a uma Secretaria Municipal de Educação do interior do estado de São Paulo (Brasil). Aborda a organização e composição do trabalho desenvolvido junto com esses docentes que, a partir de uma formação sustentada no diálogo, instituiu um processo de acompanhamento que alavancou a constituição docente. A primeira autora deste trabalho considerou o curso de formação como objeto de estudo de uma pesquisa narrativa, ou seja, a própria experiência do vivido. Para compor este trabalho, foram compartilhados materiais produzidos pelos professores em período de inserção na carreira, derivados de propostas de escrita instituídas no curso. Considerando o paradigma indiciário, as escritas deixam em evidência: a urgência de acompanhamento para professores em início de carreira; as dificuldades vividas por professores em período de inserção na carreira; caminhos de formação para estes professores.

Palavras-chave Professores em início de carreira; Acompanhamento docente; Formação docente; Escola

Resumen

La literatura acerca del inicio de la carrera docente en Brasil muestra que son pocas las políticas y programas de formación docente que buscan amenizar las situaciones vividas por los profesores en el contexto escolar. Este artículo tiene como objetivo analizar las contribuciones para la constitución de los participantes de un curso de formación que ha sido ofrecido a profesores en inicio de la carrera vinculados a una Secretaria Municipal de Educación del interior del estado de São Paulo (Brasil). Aborda la organización y composición del trabajo desarrollado junto con eses docentes que, a partir de una formación sustentada en el diálogo, instituyó un proceso de apoyo que sustentó a la constitución docente. La primera autora de este trabajo consideró el curso de formación el objeto de estudio de una investigación narrativa, es decir, la propia experiencia vivida. Para componer este trabajo, fueron compartidos materiales producidos por los profesores en período de inserción en la carrera, derivados de las propuesta de escrita instituidas en el curso. Considerando el paradigma indiciario, las escritas ponen en relieve: la urgencia de soporte para profesores en inicio de la carrera; las dificultades vividas por los profesores en período de inserción en la carrera; caminos de formación para estos profesores.

Palabras clave Profesores en Inicio de Carrera; Soporte docente; Formación Docente; Escuela

Abstract

The literature on the beginning of the teaching career in Brazil shows that there are few policies and teacher training programs that seek to alleviate the situations experienced by teachers in the school context. This article aims to analyze the contributions to the constitution of teachers participating in a training course offered to teachers at the beginning of their careers, linked to a Municipal Department of Education in the interior of the state of São Paulo (Brazil). It addresses the organization and composition of the work developed together with these teachers who, based on training sustained in dialogue, instituted a follow-up process that leveraged the teaching constitution. The first author of this work considered the training course as an object of study of a narrative research, that is, the lived experience itself. To compose this work, materials produced by professors in the period of insertion in the career were shared, derived from writing proposals instituted in the course. Considering the evidential paradigm, the writings highlight: - the urgency of monitoring for teachers at the beginning of their careers; - the difficulties experienced by teachers in the period of insertion in the career; - training paths for these teachers.

Keywords Teachers at Beginning of the Career; Teacher Support; Teacher Taining; School

1 Introdução

Este trabalho tematiza professores em início de carreira. As questões aqui abordadas são iluminadas pela experiência vivida por nós, autoras, como professoras formadoras do curso “Professores iniciantes: partilha de dilemas e saberes”, na modalidade extensão. O referido curso foi oferecido no contexto de uma universidade pública localizada numa cidade do interior do estado de São Paulo e o público-alvo foram professores em início de carreira, com Licenciatura Plena em Pedagogia e vinculados à Secretaria Municipal de Educação da mesma cidade.

O curso, planejado inicialmente para acontecer no ano de 2017, teve continuidade em 2018 e em 2019, em função da solicitação de alguns dos participantes. Nos três primeiros anos, o curso foi oferecido no período noturno. Porém, a partir de 2020, em acordo com a Secretaria de Educação do referido município, foi estabelecida a possibilidade de oferecer o curso em horário de trabalho. Foi realizado apenas um encontro no início de março de 2020 e, com o advento da pandemia, os encontros foram suspensos.

No ano de 2017, participaram oito professores, em 2018, seis professores e, em 2019, 12 professores. Do total de professores que participaram do curso, três deles tiveram continuidade ao longo dos três anos.

Definimos como objetivos do referido curso: potencializar processos coletivos de reflexão acerca de percursos vividos por professores em início de carreira docente, no contexto escolar; promover espaços de formação sustentados no diálogo, na busca pela construção coletiva de estratégias de superação das tensões e dos dilemas cotidianos vividos por esses professores e contribuir com elementos que possibilitem repensar a inserção e o acompanhamento dos professores em início de carreira docente na rede municipal de ensino, em parceria com a universidade.

Assim, tínhamos a intenção de instituir um espaço de acompanhamento, de estudos e de problematizações da constituição docente de professores em início de carreira, de forma a compartilhar a vida do cotidiano escolar, contradições, medos, alegrias, e, com isso, promover um contexto de formação coletiva, no qual os referidos docentes pudessem dialogar e melhor compreender o seu fazer e sua constituição docentes. Considerávamos, como Geraldi (2010, p. 82), que “Nós nos formamos como professores ao longo de alguns anos de estudos de certos conteúdos, que adquirimos, que encorpamos, e que nos remodelam, nos tornam a pessoa que não éramos” (grifo do autor). Porém, o autor afirma que os processos vividos nos cursos de formação apenas nos formam, mas não nos tornam professores.

Dessa forma, entendíamos com Geraldi (2010), a necessidade de olhar a constituição docente que se dava nesse movimento de se tornarem professores na escola, no grupo, com os colegas, pais e alunos.

Ao longo de todos os anos, o curso teve a mesma proposta, com encontros mensais, nos quais compartilhávamos acontecimentos vividos na escola. Promovíamos a leitura e discussão de textos científicos e literários, o trabalho com imagens, curtas e documentários (CHALUH, 2012a). Também, ao longo dos encontros, foram surgindo ideias para a socialização de práticas pedagógicas desenvolvidas junto com os respectivos alunos, sendo que, a partir destas, eram promovidos estudos teóricos que trouxessem elementos para ampliar a compreensão da concretude vivida. Destacamos a legitimação da prática de escrita como dimensão formativa, ao desafiar os participantes a sistematizar suas reflexões a respeito de questões surgidas a partir da interlocução, desencadeadas pelo encontro e diálogo, procurando ampliar a compreensão das problemáticas.

Por considerar que este curso de formação representou uma vivência significativa para estudo e análise, foi tomado como objeto de pesquisa para doutoramento da primeira autora deste trabalho, com orientação da segunda autora. Para a elaboração da pesquisa foram considerados os seguintes materiais: caderno da formadora/pesquisadora; gravação em áudio dos encontros; produções individuais dos participantes; materiais coletivos produzidos pelos professores e formadoras.

Os dados produzidos foram interpretados tendo como inspiração os princípios metodológicos do paradigma indiciário, proposto por Ginzburg (1989), para compreender a relevância de processos formativos vivenciados por professores em início de carreira. A pesquisa narrativa (LIMA; GERALDI; GERALDI, 2015) correspondeu à perspectiva metodológica utilizada, a qual se volta para o singular, o local, o imprevisível e o implicado. Organiza-se a partir da experiência particular dos sujeitos, no que é contextual e singular, apoiada no referencial teórico bakhtiniano, explorando os conceitos de exotopia, autor criador, ato responsável e pesquisa como criação.

Neste trabalho apresentamos as escritas de algumas participantes do referido curso no contexto do primeiro e do último ano, apontando para os processos formativos e de acompanhamento destes professores. Procuramos explicitar as contribuições do referido curso para a constituição dos docentes que dele participaram.

2 Da relevância da temática: professores em início de carreira

Neste ponto, torna-se importante explicitar o conceito de inserção na carreira. Considera-se um professor em início de carreira aquele que vivencia a “etapa de inserção como o período obrigatório de transição entre a formação inicial do docente e sua incorporação ao mundo trabalhista como um profissional plenamente qualificado” (VAILLANT; MARCELO, 2012, p. 123).

Em publicação recente, Cruz; Farias e Hobold (2020, p. 3) sistematizaram o conceito de inserção profissional: “O conceito de inserção profissional refere-se justamente a entrada na vida profissional docente, ao ingressar na carreira, (...) um tempo de travessia caracterizado pela passagem de estudante a professor (LIMA et al., 2007) e que implica em aprendizados intensos (...)”.

Marcelo Garcia (2011, p. 9), ao se referir ao início na carreira, explicita, assim como inúmeros outros estudiosos do assunto, tratar-se de “um período de tensões e aprendizagens intensivas em contextos geralmente desconhecidos, durante o qual os professores iniciantes devem adquirir conhecimentos profissionais e manter um certo equilíbrio pessoal”.

Também Romanowski e Martins (2013, p. 13) apontam para as dificuldades que enfrentam os professores no início da carreira, além do fato de que, “[...] ao se depararem com a complexidade da prática pedagógica, muitas vezes desistem do exercício profissional e abandonam o magistério já nas primeiras semanas”.

André (2012) argumenta que são muitas as tarefas que enfrentam os professores em início de carreira, demandando inúmeras aprendizagens, e que, por esse motivo, a autora aponta como fundamental a implementação de programas (e especialmente políticas públicas) de iniciação à docência. A importância de tais programas recai tanto sobre o acompanhamento como sobre a formação, de forma a ajudar esses docentes a mitigar as dificuldades que enfrentam, buscando, coletivamente, superá-las.

Interessada em investigar em que medida, no Brasil, existiam políticas e programas voltados aos professores que se iniciavam na carreira docente, André (2012) realizou pesquisa na literatura da área de formação de professores, analisando textos apresentados em Reuniões Anuais da Associação Nacional de Pesquisas e Pós-Graduação em Educação – ANPEd – e nos Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino – Endipe –, no período de 1995 a 2004. Segundo André (2012), esse estudo:

[...] mostrou que, de um total de 6.978 textos, apenas 24 tinham como foco o professor iniciante (MARIANO, 2006, p. 12). Essa constatação foi reafirmada por Papi e Martins (2009), ao atualizar em anos mais recentes o mapeamento dos textos apresentados na Anped (2005-2007), acrescentando um exame das teses e dissertações defendidas no período de 2000 a 2007. As autoras concluíram que “a temática corresponde a 0,5% dos estudos realizados na área da Educação, em sentido amplo” (PAPI, MARTINS, 2009, p. 256), o que revela a escassa atenção que a iniciação profissional vem recebendo por parte dos pesquisadores brasileiros

(ANDRÉ, 2012, p. 117).

Recente levantamento bibliográfico realizado por Brande (2021) reforça essa condição ao apontar que, de 699 teses e dissertações analisadas, apenas 4 (quatro) tratavam sobre propostas de acompanhamento para professores no início de carreira. Considerando o baixo número de pesquisas que tratam sobre o acompanhamento de professores em período de inserção na carreira, reiteramos a importância de propostas de formação e acompanhamento destes professores.

3 Sobre o conceito de acompanhamento docente

Ao desenvolver essa proposta formativa para professores em período de inserção na carreira, fomos alinhavando um processo de acompanhamento destes professores, nos anos iniciais da docência, resultando numa fusão entre os conhecimentos aprendidos na formação inicial, conhecimentos que surgem da experiência da própria prática, a reflexão sobre a prática docente e a conscientização sobre a intencionalidade das ações.

A experiência do processo formativo vivenciado no curso de formação possibilitou a sistematização do conceito de acompanhamento de professores em período de inserção na carreira. Estudo desenvolvido por Brande (2021), a partir dessa experiência vivida, apontou para um processo de acompanhamento de professores em período de inserção na carreira que

[...] se define nas práticas construídas para apoiar os professores em período de inserção na carreira, no avanço de seu processo de constituição docente, práticas essas que se constituíram pelo olhar e escuta atentos das formadoras, que propiciaram a escolha de textos, para viabilizar o interrogar-se sobre as relações educativas, a colocação de contrapalavras, para desencadear o diálogo, que possibilite a análise das práticas pedagógicas, a elaboração de experiências estéticas, que desencadearam um clima propício ao estabelecimento da confiança entre os pares, de lugar seguro, que nos cuida, no qual nos entendemos e onde é possível dizer o que nos passa, o que nos acontece, a proposição de documentários, que desencadearam a reflexão do movimento para “enxergar-se além” e a promoção da interlocução, propiciando a partilha de problemas e a elaboração de um conhecimento novo – partilhado

(BRANDE, 2021, p. 192).

Nessa perspectiva de entendimento de formação e acompanhamento docente em período de inserção na carreira, é imprescindível considerar esse processo como uma proposta específica para uma etapa distinta, tanto da formação inicial quanto da formação em serviço. O processo de acompanhamento da inserção na carreira docente deve caracterizar-se por um período de indagação, crescimento, inovação e reflexão, como bem explica Marcelo (2009):

El proceso de inserción no debe sólo integrar al nuevo profesorado en la cultura escolar vigente. De ser así, lo único que estaríamos consiguiendo es cerrar el círculo de la socialización perfecta: alumnos que a lo largo de miles de horas han observado a profesores enseñando, vuelven a la escuela a enseñar como les enseñaron sus viejos profesores. Para romper ese círculo, para nada virtuoso, necesitamos que el periodo de inserción sea un periodo de indagación, crecimiento, innovación y reflexión. Y para ello resulta fundamental la necesaria participación de las personas e instituciones que pueden ayudar a tener una mirada más compleja hacia la realidad de la escuela y del aula

(MARCELO, 2009, p. 21).

A partir do que foi discutido até aqui, é possível dizer que a proposição de políticas públicas voltadas para a formação de professores em processo de inserção profissional não pode se caracterizar por propostas de cursos que privilegiem a transmissão de informações ou modelos de ações pedagógicas. Tais políticas públicas devem se pautar pela proposição de processos formativos que possibilitem o engajamento dos professores em seu próprio processo formativo e, para isso, não podemos deixar de valorizar os princípios de coletividade, linguagem/interlocução e empoderamento (CHALUH, 2012b), representando o caminho mais acertado para se alcançar esse objetivo.

4 A contribuição do curso pelo olhar das participantes

Procurando explorar nosso objetivo de enfatizar a importância do processo de formação e acompanhamento de professores em período de inserção profissional para a constituição destes docentes, trazemos, agora, o olhar de três professores participantes do curso de formação, cujas escritas revelam indícios das implicações do processo de acompanhamento para a sua constituição docente.

Ao longo dos anos de realização do curso, havia constantes proposições de escrita. Reforçamos que estas proposições surgiram sempre a partir das discussões e problemáticas postas pelas participantes naquele dia. Uma destas propostas, realizada no ano de 2017, foi a solicitação de escrita de uma carta para o secretário da educação do município, ou para a coordenação da escola, ou para uma professora, colega de trabalho, falando sobre as necessidades, desafios, dilemas de professores em período de inserção profissional e propondo uma sugestão de “melhoria” ou ajuda nas dificuldades. Nestas escritas, fica explícita a urgência de acompanhamento para professores em início de carreira:

Mas se fôssemos falar desse pouco a mais, eu diria ser necessário: a) um acompanhamento (e acompanhamento não é o mesmo que regulação e controle) próximo de um professor mais experiente; b) espaços formativos direcionados a esse iniciante e suas necessidades e dificuldades (dentro da escola e também dentro da própria rede; c) uma cultura de acolhimento dentro das escolas (que só pode ser criada a partir de uma cultura de coletividade) (Trecho de carta escrita para o Secretário Municipal da Educação pela professora Nanci1).

Sei que deve estar se perguntando o que eu quero com estas palavras. Na verdade, venho lhe pedir que não ajude apenas a mim, mas a todos os professores iniciantes e, para isso, gostaria de lhe propor algumas ideias que me surgiram recentemente em um curso oferecido pela UNESP para professores iniciantes. Esse curso foi muito importante para minha formação nestes meses, onde junto com outros professores iguais a mim, pudemos refletir e nos ajudar.

Bem, uma de minhas ideias é justamente que a Secretaria ofereça cursos como este, onde mais professores iniciantes possam se integrar e se ajudar, para tornar nosso ingresso na rede algo mais tranquilo. Sugiro, também, que sejam oferecidos para os professores iniciantes palestras e seminários com profissionais da educação com ampla experiência. Orientar a equipe gestora para acolher e integrar os novos professores também é algo que muito nos ajudaria (Trecho de carta escrita para o Secretário Municipal da Educação pela professora Denise).

Querida coordenadora,

Sou professora iniciante nessa rede e chego muito empolgada para trabalhar e fazer a minha parte pela educação. Sei que me formei em boa universidade, mas isso não quer dizer que eu já sei tudo. Aliás, tudo aqui é novo para mim e eu me sinto insegura. Eu me sinto, muitas vezes, perdida por não saber tudo o que eu preciso e as pessoas falam comigo como se eu já soubesse. Mas a verdade é que eu nunca preenchi um diário de classe, não sei exatamente por onde começar com meu diário de bordo, nunca montei um portfólio e nem escrevi um parecer descritivo.

A verdade é que, no meio de tudo isso, eu tenho me frustrado e questionado a minha prática docente. Sempre acho que estou fazendo tudo errado e que não sou boa o suficiente. Mas o fato é que eu preciso de ajuda. Preciso de alguém que sente do meu lado e fale: “Olha, é assim que faz isso”.

Então, o que peço a vocês, que são coordenadoras, é que nos ajudem, nos ensinem, pois precisamos dessa segurança para não perdermos o ânimo quando nos depararmos com os desafios (Carta escrita para a professora coordenadora pela professora Noemi).

A potência da escrita dessas professoras para nossa compreensão a respeito da relevância de processos formativos vivenciados por professores em início de carreira está em nos revelar como tais processos se deram e quais as contribuições que desencadearam em sua constituição docente. Apontamos, aqui, algumas questões resgatadas dessas escritas, reveladoras de um processo de acompanhamento de professores em período de inserção na carreira:

  • Acompanhar não é controlar. Como aponta a professora Nanci, acompanhamento não deve ser e não é “o mesmo que regulação e controle”. Para que os processos de acompanhamento se efetivem, verdadeiramente, torna-se necessário que se constituam espaços de formação específicos para professores em início da carreira, buscando parcerias e apoio, de forma que se naturalize a ajuda e reflexão mútuas, tornando o ingresso na carreira tranquilo e menos problemático.

  • Cultura de acolhimento dentro das escolas. A escrita destas professoras grita por acolhimento, expressa nas palavras de professora Noemi: “Preciso de alguém que sente do meu lado e fale: ‘Olha, é assim que faz isso’”. As professoras são unânimes em apontar a necessidade que sentem da orientação das equipes gestoras para acolher e integrar, ou para oferecer cursos/palestras específicos para suas dificuldades. Também apontam para o relevante papel da professora coordenadora como alguém que, por estar mais perto, no dia a dia, tem condições de explicitar questões do cotidiano ainda desconhecidas por aquelas que se iniciam na carreira (especificamente o que se refere à documentação escolar).

  • Necessidade de ajuda. A escrita destas professoras mostra explicitamente essa necessidade de ajuda, como registrou professora Denise: “Venho lhe pedir que não ajude apenas a mim, mas a todos os professores iniciantes”. Buscam por ajuda para aprender como se dá o fazer docente. Tal ajuda precisa estar apoiada em alguém que ofereça confiança, alguém que dialogue e ofereça a mão, de forma a afiançar um fazer docente em construção, compartilhando com o outro um caminho que se inicia.

Essas escritas expressam as dificuldades vividas por professores em período de inserção na carreira e apontam caminhos de formação para estes professores. Além disso, reforçam a necessidade de se realizar, tanto pelos sistemas de ensino como pelas políticas públicas, a criação de programas para a promoção do acompanhamento profissional desses professores (ROMANOWSKI; MARTINS, 2013).

Outro aspecto importante abordado nestas escritas é o fato de que os professores participantes do curso de formação expressam a necessidade de um acompanhamento da inserção na carreira docente que privilegie a reflexão sobre o que é vivido. Isto ficou claro na última produção escrita solicitada no final do curso do ano de 2019.

A seguir, apresentamos as escritas das três professoras que participaram dos três anos em que o curso foi oferecido. Essas professoras foram: Noemi, Giovana e Luana. A ideia da escrita era explicitar quais as contribuições que o curso promoveu na constituição dessas professoras em início de carreira.

O ano 2019. Mês de março, primeiro encontro do curso das professoras iniciantes, no qual estou pela terceira vez. Algumas professoras ali estavam conosco pela primeira vez, iniciando também o primeiro ano na carreira docente.

Ouvir as angústias e anseios dessas professoras me levou de volta a 2017, me fazendo lembrar como eu me sentia insegura e aflita com as situações do cotidiano docente. Fez-me sentir uma paz enorme no coração saber o quanto as angústias diminuíram de lá pra cá. Como, a cada dia, vou me sentindo mais forte.

E foi exatamente isto que este curso das professoras iniciantes me proporcionou durantes estes três anos: força. Saber que não estava sozinha. Saber que minhas colegas passavam pelos mesmos problemas que eu. A cada encontro, poder expor as agonias e ansiedades vividas. A cada texto, poder refletir um pouco mais sobre o meu trabalho.

E este é outro ponto que vale a pena destacar: como este curso me faz refletir sobre a minha prática. Sendo nova, professora iniciante, em escolas onde professoras já estão há muito tempo e acostumadas com seu próprio tipo de trabalho, encontramos a dificuldade de trabalhar da maneira como acreditamos. Seria mais fácil nos acomodarmos e seguirmos o padrão de todo mundo, quietas. Mas no curso das iniciantes, somos o tempo todo colocadas a refletir, questionar, pensar... E estas reflexões são o que me fazem manter o movimento. Não me acomodo, quero buscar mais, quero fazer mais.

E esta vontade de fazer mais só aumenta quando estou no meio de outras professoras incríveis, onde o nosso objetivo comum é buscar conforto e confortar o outro. Diferente de muitas situações vividas dentro da escola, dentro do grupo nós estamos em lugar seguro para desabafar e para compartilhar. Podemos compartilhar nossos sucessos também, sem ter alguém pensando “essa aí está querendo aparecer”, pelo contrário: quando uma compartilha, as outras se interessam em aprender.

Sou grata por ter feito parte deste grupo das iniciantes, [...].

(Noemi).

O ano de 2019 foi bem cansativo para mim, em meio a problemas pessoais, novas aventuras, novas buscas por formações, eu tentei “dar conta” de tudo e fazer o meu melhor! E posso dizer que valeu a pena cada minuto... [...]

O grupo continua com seu caráter acolhedor, amigo, compreensivo... e neste ano me vi ocupando um outro lugar nele, mesmo ainda com questões a serem resolvidas dentro de mim, precisando também de apoio, desta vez eu senti que também estava ali para apoiar, pois já tinha alguma bagagem de algumas situações de opressões, tristes, dilemas, mágoas e dúvidas relatadas pelas colegas. E poderia ser “afago” agora... Novamente fomos um grupo em busca do melhor para a educação, e principalmente um espaço de acompanhamento de nossa prática, trocas, dúvidas e terapia... FALAR, desabafar, desafogar/desengasgar...

Com o passar do ano nossas “mentoras”, nos direcionaram e foram nos ensinando a como tomarmos o nosso lugar na escola, e cada vez mais nos empoderarmos no nosso espaço de trabalho.

Aprendi a aperfeiçoar o meu olhar, enxergar para que escolhi essa profissão e focar no que importa e no que me faz feliz... as crianças e a transformação na realidade vivida por elas, dando-lhes novas visões, esperança e criando sonhos! [...]

Aprendi mais um pouquinho a me relacionar com meus parceiros de trabalho, dar voz a eles, escutá-los, considerar o que falam, ter paciência, compreendê-los, e às vezes não concordar, porém mostrar a importância de trabalharmos juntos ... [...]

Aprendi que bons professores ajudam os outros a encontrar o bom professor em si mesmos e desmistificar esse sentimento de trabalho solitário, e foi isso que fizemos no grupo!

(Giovana)

Nunca é fácil fazer uma análise de si mesmo. Hoje sento para escrever e vários momentos vão passando em minha mente.

2019 foi um ano pesado, [...]

Estava tudo um verdadeiro caos. As crianças eram combustíveis para continuar, a elas devo meu primeiro sentimento de gratidão. Em segundo lugar, sem ser exagerada, pois foi realmente o que me “salvou” – nossos encontros.

Os desabafos, os conselhos das professoras com outras experiências, as palavras de confiança transferidas a mim em momentos críticos foram fundamentais para que eu conseguisse me reerguer, para que eu conseguisse enxergar saídas.

Sempre que estava difícil, logo pensava que o encontro estava próximo e resgatava um pouco de força, saindo da sala no departamento da educação aquela sensação de alívio e um reabastecimento de energia para prosseguir.

Juntas estudamos uma outra educação possível, analisamos nossa própria prática, avaliamos a infância sobre várias perspectivas, discutimos relações interpessoais na escola e sua importância, pudemos expor registros e reviver momentos e situações positivas, fatos que analiso como muito encorajadores e positivos!

Nos sensibilizamos com as estórias de nossas colegas, discutimos as nossas próprias formações, revimos estratégias, trocamos olhares e sentimentos. Vimos que trabalhar diferente não é trabalhar errado, encorajamos umas às outras, nos fortalecemos diante da teoria para realizarmos uma prática mais eficiente. [...] Sempre que havia uma pessoa realizando uma exposição, existiam outras transformando aquele relato em aprendizado.

[..] Sei que não deve ter sido fácil, mas as responsáveis pelo grupo sempre tentavam encontrar autores que nos trouxessem alguma luz! E sim, a teoria foi muito importante para iluminar nossos caminhos e aprimorar a nossa prática. E o melhor de tudo? Com nossas próprias necessidades.

Foi interessante ver que nós que já fazíamos parte do grupo em anos anteriores nos vimos em muitas das falas das que iniciaram naquele ano e que pudemos até colocar nossas experiências como um certo “conforto” para elas. Fatos que não conheciam, porque quase ninguém ajuda ou aconselha, nós pudemos ajudá-las orientando com o que já havíamos aprendido. Achei muito gratificante poder realizar esta troca...

O afeto esteve muito presente e acredito que tenha sido crucial neste percurso. A mim ajudou muito, e sinto que a outras colegas também! Ter pares que não julgam você, mas que pelo contrário, te auxiliam, foi muito fortalecedor nesse período. Estamos em escolas em que muitas vezes existe competição, rivalidade, humilhação. Ter liberdade para trocar com tantas parceiras de luta pela educação fez com que eu sentisse que não estava só, que nosso grupo tinha muita força e companheirismo e que isso me faria uma profissional mais segura nas minhas atitudes e mais confiante no meu próprio potencial! [...]

(Luana)

O nosso particular interesse por estas escritas finais de Noemi, Giovana e Luana está relacionado ao fato de que elas participaram do curso ao longo dos três anos. Nesse sentido, o olhar destas professoras pode capturar sinais acerca da importância da constituição docente compartilhada no curso ao longo destes anos.

Uma questão que nos chama especialmente a atenção é perceber os sentimentos expressados por elas ao se contatarem com as novas professoras iniciantes que participavam do grupo, em 2019. Perceberam que o curso foi como uma alavanca na superação dos conflitos. O sentimento delas no terceiro ano do curso era que, naquele momento, podiam cuidar de outras professoras, aconselhá-las, e perceber o quanto as angústias vividas no início da carreira foram afagadas naquele período de formação.

Uma segunda questão que queremos destacar é a relevância que essas participantes deram para o curso: lugar de ajuda, lugar de estudo, lugar de compartilhamento, lugar de aprendizagem.

Um terceiro aspecto que colocamos em destaque é a valorização do curso por ter promovido a constituição de um grupo, considerado desta forma, quando as professoras participantes falam do todo. Essa possibilidade implicou no estabelecimento do companheirismo, em não se sentirem sozinhas na luta pela educação, promovendo maior segurança e confiança no fazer docente.

Uma quarta questão que destacamos é a valorização das próprias coordenadoras/formadoras do curso, com o papel de encorajar as professoras a assumirem o lugar na escola, incentivando. Mas, para além de todos esses sentimentos, foi considerada a relevância da teoria.

Uma quinta questão a considerar é o fato de o curso ter promovido um olhar atento para os outros da escola, sejam crianças ou parceiros de trabalho, construindo outras formas de se relacionar.

Essas últimas escritas de 2019, produzidas por Noemi, Giovana e Luana, que aqui trazemos em destaque, também revelam indícios relevantes para pensarmos o processo de acompanhamento destes docentes. O olhar destas professoras nos indica que, ao longo deste processo formativo, elas foram tendo condições de reconhecer os sucessos diante dos dilemas enfrentados, refletir sobre o porquê de suas ações, identificar as dificuldades, buscando superá-las, movimentos estes potencializados pela coletividade, pela circulação da palavra, pelo diálogo, interlocução e confiança constituídos no curso de formação.

Tendo em vista o fato de que existem poucas pesquisas que tratam do acompanhamento de professores em período de inserção na carreira, este artigo aponta para o olhar de professores participantes de um curso de formação voltado para esse público sobre a proposta bem-sucedida de formação que vivenciaram e que pode representar uma inspiração para futuras propostas de formação voltadas para docentes em período de inserção profissional.

5 Considerações finais

Entendemos o professor como aquele sujeito atento ao outro e, por isso, assumindo uma atitude e postura investigativas que se fazem na interlocução com seus colegas. Isso significa propor uma formação na qual os professores se sintam parte do processo de construção coletiva do conhecimento, no exercício constante do diálogo e da escuta, valorizando a autoria desses professores. Assim, o curso contemplou o exercício da reflexão sobre o fazer docente, a constituição docente, a vida na escola considerando a dimensão da coletividade, a discussão e legitimação de saberes produzidos no contexto escolar, a problematização das ações e a construção de processos de aprendizagem coletivos.

Destacamos que o movimento formativo promovido no curso foi se constituindo ao longo do tempo, dos encontros, das experiências compartilhadas, dos diálogos estabelecidos, e foi ganhando vida a partir da própria vida. As escritas elaboradas pelas professoras deixaram em evidência a relevância curso para a constituição dessas professoras em período de inserção na carreira.

Consideramos que, tanto para nós, formadoras de um grupo de professoras em período de inserção profissional, como para as professoras participantes, a vida precisa ser concebida como um ato ético; não comporta acabamento e, assim, devemos renunciar a soluções e imutabilidade, porque a completude humana é sempre inconclusa, como nos propõe os ensinamentos de Bakhtin (2011):

Não posso viver do meu próprio acabamento e do acabamento do acontecimento, nem agir; para viver preciso ser inacabado, aberto para mim – ao menos em todos os momentos essenciais –, preciso ainda me antepor axiologicamente a mim mesmo, não coincidir com a minha existência presente

(BAKHTIN, 2011, p. 11).

Para encerrar, reiteramos nossa posição de luta pela formação de professores em processo de inserção profissional e, para isso, buscamos apoio em Bakhtin (2012). Entendemos a formação como ato responsável, na busca por minimizar uma necessidade urgente de elaboração e estabelecimento de políticas públicas, sejam federais, estaduais ou municipais, para a proposição de projetos de formação para professores em processo de inserção profissional.

1O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética, sob o Parecer n. 2.479.581. Os nomes dos participantes são fictícios.

Referências

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Recebido: 15 de Fevereiro de 2022; Aceito: 27 de Julho de 2022

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