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Educação: Teoria e Prática

Print version ISSN 1993-2010On-line version ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.33 no.66 Rio Claro  2023  Epub Dec 31, 2023

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v33.n.66.s15878 

Artigos

O programa de Residência Pedagógica na formação inicial de licenciandos em Pedagogia

The Pedagogical Residence program in the initial formation of licensors in Pedagogy

El programa de Residencia Pedagógica en la formación inicial de licenciantes en Pedagogía

Waleska de Fátima Sousa1 
http://orcid.org/0000-0002-2316-0643

Ilsa do Carmo Vieira Goulart2 
http://orcid.org/0000-0002-9469-2962

Giovanna Rodrigues Cabral3 
http://orcid.org/0000-0002-4780-516X

1Universidade Federal de Lavras, Lavras, Minas Gerais, Brasil

2Universidade Federal de Lavras, Lavras, Minas Gerais, Brasil

3Universidade Federal de Lavras, Lavras, Minas Gerais, Brasil


Resumo

Pretende-se, neste artigo, apresentar os resultados de um estudo que analisou as repercussões e as possíveis contribuições do Programa de Residência Pedagógica no processo de formação inicial de estudantes do curso de Pedagogia de uma universidade federal do sul de Minas Gerais, no período de 2018 a 2020. Para alcançar esse objetivo, desenvolveu-se uma pesquisa de campo, de abordagem qualitativa, a partir da aplicação de questionário aos estudantes que participaram do programa, que buscou depreender suas percepções sobre as contribuições da Residência Pedagógica para a formação inicial na universidade. A análise das respostas possibilitou agrupá-las em três eixos argumentativos: (a) relação teoria e prática; (b) relação entre professor e aluno; e (c) reconhecimento de docência. Concluiu-se que o Programa de Residência Pedagógica favoreceu a trajetória formativa dos licenciandos, promoveu uma aproximação entre os residentes e a realidade das escolas de educação básica e articulou trocas de experiências com professores-preceptores, de modo a garantir qualidade do processo formativo docente.

Palavras-chave: Residência Pedagógica; Formação Inicial de Professores; Saberes docente

Abstract

The aim of this article is to present the results of a study that analyzed contributions of the Pedagogical Residency Program in the initial training process of students in the Pedagogy course, from a federal university in the south of Minas Gerais, in the period from 2018 to 2020. To achieve this objective, we developed a qualitative research, from the application of a questionnaire to the group of students who integrated the program at the university, seeking to understand their perceptions about the contributions of the Pedagogical Residence to their initial training. Based on the answers about the program, it was possible to group them into three argumentative axes: (a) theory and practice relationship; (b) relationship between teacher and student; (c) recognition the teaching. It is concluded that the Pedagogical Residency Program favored the formative trajectory of the undergraduate students, promoted the approximation between residents and the reality of basic education schools and articulated exchanges of experiences with teachers-preceptors, in order to guarantee the quality to the teaching formative process.

Keywords:  Pedagogical Residence; Initial Teacher Training; You Know a Teacher

Resumen

El objetivo de este artículo es presentar los resultados de un estudio que analizó las repercusiones y posibles aportes del programa de Residencia Pedagógica en el proceso de formación inicial de los estudiantes del curso de Pedagogía de una universidad federal del sur de Minas Gerais en el período de 2018 hasta 2020. Para lograr este objetivo, se desarrolló una investigación cualitativa a partir de la aplicación de un cuestionario al grupo de estudiantes que integraron el programa en la universidad, buscando comprender sus percepciones sobre los aportes de la Residencia Pedagógica a su formación inicial. A partir de las respuestas sobre el programa, ha sido posible agruparlas en tres ejes argumentativos: (a) relación entre teoría e práctica; (b) relación entre profesor e alunmo; (c) reconocimiento de la enseñanza. Se concluye que la Residencia Pedagógica favoreció la trayectoria formativa de los estudiantes de pregrado y promovió la aproximación entre los residentes y la realidad de las escuelas de educación básica e intercambios articulados de experiencias con profesores-preceptores, con el fin de garantizar la calidad al proceso formativo docente.

Palabras Clave:  Residencia Pedagógica; Formación Docente; Conocimiento del Professor

1 Introdução

Por muitos anos, a formação docente foi compreendida apenas como sendo um processo de formação inicial ( CANÁRIO, 1991). A formação inicial docente tem sua legitimidade amparada pelo dever de oferta de uma qualificação profissional que garanta a integralidade do exercício de sua função pelas Instituições de Ensino Superior (IES), tendo que estar em adequação às exigências didático-pedagógicas, de ensino e aprendizagem, dos alunos nos diversos níveis de ensino.

Além disso, não subentende somente uma formação de caráter acadêmico e disciplinar, também possuindo, do mesmo modo, uma formação que procura dar um retorno aos novos processos de atuação docente, como promotores sociais responsáveis pelas transformações. Dessa forma, Garíglio (2016) defende que o processo de desenvolvimento docente deve ser sistematizado, para que a formação continuada ou regular não seja uma divisão, mas uma continuação da formação inicial. Esta não separação no processo de formação docente possibilita uma mutualidade entre a teoria e a prática, numa perspectiva de associar experiências dos docentes formandos com a permanente atualização dos seus conhecimentos.

Neste trabalho, entende-se que a formação inicial docente tem sua legitimidade amparada pelo dever de oferecer uma qualificação profissional que garanta a integralidade do exercício de sua função, tendo que estar em adequação com as exigências didático-pedagógicas e de ensino e aprendizagem dos alunos em seus diversos níveis. Sendo assim, a formação inicial não subentende somente um preparo de caráter curricular e disciplinar, possui também uma formação teórico-prática que procura dar um retorno aos novos processos de atuação docente, como promotores sociais responsáveis pelas transformações e melhoria da educação no país.

Diante disso, algumas iniciativas de políticas públicas foram implementadas com a finalidade de aprimorar a formação inicial dos licenciando, como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), fundado em 2007. Ao longo de suas edições, as ações do PIBID repercutiram na formação inicial dos licenciandos, ao promover uma proximidade com a realidade educacional. Frente às demandas de aprimoramento das ações formativas dos licenciandos, o Ministério da Educação (MEC) lançou a Política Nacional de Formação de Professores, em outubro de 2017, com a finalidade de qualificar o ensino e da aprendizagem das crianças e dos jovens nas escolas de educação básica do Brasil.

Com isso, o MEC, em 2018, implementou o Programa Residência Pedagógica, de forma a intensificar as relações dos estudantes de licenciatura com a educação básica. O programa teve como premissa central estabelecer parcerias com instituições formadoras e convênios com redes públicas de ensino. Ainda, o Programa de Residência Pedagógica trouxe como objetivo melhorar a qualidade da formação dos futuros professores, mediante o aperfeiçoamento da prática nos cursos de licenciatura, e promoveu a imersão do licenciando na escola de educação básica, a partir da segunda metade de seu curso. Inicialmente, o programa buscou induzir a reformulação do estágio supervisionado nos cursos de licenciatura, tendo por base a experiência da residência pedagógica ( BRASIL, 2018). Da mesma forma, vislumbra o ajustamento dos currículos e propostas pedagógicas dos cursos de formação inicial de professores da educação básica às orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ( BRASIL, 2018).

Pesam as críticas recebidas pelas entidades acadêmicas e científicas aos novos formatos dos programas, que se articulam à atual política de formação docente do MEC – empenhada em submeter os cursos de Licenciaturas do país à nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) –, uma vez que isso caracteriza um estreitamento curricular, tomando por base que, além de referencial curricular da educação básica, a BNCC passa também a ditar as ações e articulações institucionais das IES no âmbito da formação docente, reforçadas de igual forma pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial e continuada (2019 e 2020, respectivamente).

Na prática, isso representa a transferência do controle das ações de formação docente das IES diretamente para o MEC/Capes, a substituição das Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Licenciatura por um programa de distribuição de bolsas controlado externamente às IES.

( ANPED, 2018, s/p) 1

Ainda assim, ressalvadas as críticas tecidas – com as quais concorda-se –, que foram objeto de reflexões e ensejaram o planejamento de ações formativas no âmbito do projeto institucional para ultrapassar essas limitações verificadas, de forma geral, entende-se que o Programa de Residência Pedagógica ofereceu oportunidades dos licenciandos refletirem sobre as relações entre teoria e prática, a partir de vivências no cotidiano escolar, de convivência com as crianças e de aproximação com o campo profissional. Entretanto, pesquisas são necessárias junto aos sujeitos integrantes do programa, para conhecer a sua efetividade e seu impacto na formação dos licenciandos, sobretudo por se tratar de uma iniciativa recente no cenário nacional.

Desse modo, a proposta desse texto consiste em apresentar os resultados de uma pesquisa que buscou analisar quais as repercussões e as possíveis contribuições do programa no processo de formação inicial dos estudantes do curso de Pedagogia, de uma universidade federal do sul de Minas Gerais, que integraram o programa no período de 2018 a 2020.

Para isso, foi desenvolvida uma pesquisa de cunho qualitativo, ancorada nos estudos dos documentos relacionados ao programa e na aplicação de questionários junto aos vinte e quatro residentes, estudantes do curso de Pedagogia, para levantamento de suas percepções sobre o programa. A partir de análise reflexiva das respostas sobre as repercussões e as contribuições do programa na formação dos estudantes, foi possível agrupá-las em três eixos argumentativos referentes aos saberes adquiridos sobre: (a) a relação teoria e prática, (b) a relação entre professor e aluno, e (c) o reconhecimento da docência.

Para melhor organizar essa escrita, dividiu-se o artigo em seções, além desta introdução: a primeira seção, apresentou-se o Programa de Residência Pedagógica, que discutiu suas implicações para a formação inicial de licenciandos; na segunda, abordou-se as relações entre o estágio supervisionado e a formação inicial docente, dando destaque aos saberes docentes e sua importância para os licenciandos em formação; na sequência, expõe-se os caminhos metodológicos e os resultados encontrados, a partir das respostas dos estudantes sobre o programa.

2 Programa de Residência Pedagógica

O Programa de Residência Pedagógica trata-se de uma iniciativa recente do governo federal, que em 2022 inicia sua 3ª edição e integra a Política Nacional de Formação de Professores, com o objetivo de induzir o aperfeiçoamento da formação prática nos cursos de licenciatura, promovendo a imersão do licenciando na escola de educação básica, a partir da segunda metade de seu curso ( BRASIL, 2018). Essa imersão contempla, entre outras atividades, a regência de sala de aula, com propostas de intervenção pedagógica acompanhadas por um professor da escola com experiência na área de ensino do licenciando e orientadas por um docente da sua Instituição Formadora ( BRASIL, 2018).

Articulado aos demais programas da CAPES, o Programa de Residência Pedagógica (PRP) teve como premissa básica o entendimento de que a formação de professores nos cursos de licenciatura deve assegurar aos seus egressos habilidades e competências que lhes permitam realizar um ensino de qualidade nas escolas de educação básica. Ao vincular o Programa de Residência Pedagógica à BNCC, muitas críticas recaíram sobre o esvaziamento da autonomia das IES que, para terem sua adesão ao programa aprovada pelo MEC, precisaram ajustar os projetos institucionais de formação aos preceitos federais que não condizem com as concepções presentes nos projetos pedagógicos de seus cursos. Além disso, nas orientações do programa, a percepção de que a formação se reduz ao “que fazer” se fez presente, trazendo uma visão reducionista sobre a formação para a docência, que deveria estar alicerçada nos processos de ação-reflexão-ação, na construção da práxis pedagógica e na unicidade entre teoria e prática.

Apesar das críticas, temos pontos importantes que merecem destaque, como a integração entre escolas, universidades e secretarias de educação. A intenção de inserir e aproximar o licenciado do seu campo de trabalho, de forma a estimular a elaboração de um plano conjunto entre as IES e as escolas públicas estaduais e municipais, com o objetivo de aproximar a formação acadêmica das reais demandas do ensino público, fazendo, assim, com que os licenciandos tenha uma formação inicial de professores de qualidade, são fatores que precisam ser considerados como favoráveis a implantação do programa.

Para a implantação do programa, as IES enviaram para a CAPES os seus projetos institucionais de Residência Pedagógica, em articulação com a proposta pedagógica das redes de ensino que receberão os seus licenciandos, que foram selecionados por meio de edital público nacional. A partir disso, estados e municípios efetivaram o regime de colaboração junto ao Governo Federal, firmando acordo de cooperação e de adesão para cumprimento dos objetivos do programa ( BRASIL, Capes, 2018).

Outro ponto importante foi o caráter de imersão proposto pelo Programa de Residência Pedagógica. Ao todo, os licenciandos devem cumprir uma carga de 400 horas em instituições do ensino básico, carga horária igual à mínima prevista para os Estágios Supervisionados nos cursos de licenciatura, segundo as Diretrizes Nacionais de formação de professores (BRASIL, 2019).

Sobre a execução do programa, essa carga horária foi dividida entre aclimatação à escola, experiência em sala de aula, regência e atividades de avaliação, sendo os estudantes acompanhados por um professor da escola, que tinha experiência na mesma área de ensino do licenciando e de um docente da faculdade ( BRASIL, 2018). Cada núcleo do programa foi composto por até dez estudantes, sendo oito bolsistas, e um professor preceptor. O MEC destinou 45 mil vagas ao RP, com bolsas entre R$ 400 e R$ 1,5 mil para estudantes, professores e coordenadores de projetos ( BRASIL, 2018).

Apesar de ter sido encampada recentemente pelo Governo Federal, a RP já existe há mais tempo no Brasil. As iniciativas vêm sendo aplicadas por escolas de diversos estados e serviram como inspiração para o modelo adotado pelo MEC ( BRASIL, 2018).

A sua primeira versão, em caráter restrito, foi lançada a partir da Portaria da CAPES n. 206, de 21 de outubro de 2011, no Rio de Janeiro, nas áreas de matemática, física, química e biologia; português, inglês e espanhol; história e geografia; sociologia; e educação física. Em 2012, oito campi de institutos federais participaram do projeto piloto: São Cristóvão III, Humaitá II, Tijuca II, Engenho Novo II, Realengo II, Niterói, Centro e Duque de Caxias ( LEAL, 2016).

Para a Capes, a proposta de Residência Docente era inovadora e assertiva, uma vez que, por não haver um programa como esse na área da Educação, certamente daria resultados positivos. A Residência Docente realizada no Colégio Pedro II foi, portanto, o “padrão ouro” da formação continuada, modelo a ser seguido pelas demais inciativas e o molde para o, então, Programa de Residência Pedagógica lançado, em 2017, em âmbito nacional ( LEAL, 2016).

3 As relações entre a formação inicial e os saberes da docência

A formação docente não pode ser entendida como algo acabado e desassociado do contexto em que ocorre ( GARÍGLIO, 2016). Se antes a formação docente era vista como uma atividade que estava associada somente com a aprendizagem de competências especificas direcionadas ao mundo do trabalho, a formação hoje é considerada, antes de tudo, um processo teórico-prático, cujas questões importantes se integram para formar uma totalidade em que os “[...] futuros professores necessitam vivenciar, ao longo de todo o currículo, uma interação dialógica com seus docentes e com seus colegas. Isso sugere que sejam valorizadas, durante todo o currículo, as atividades que envolvem o discurso dos estudantes” ( VILLANI, 1997, p. 8).

Diante disso, percebe-se a relevância das discussões nas disciplinas dos cursos de licenciatura, durante o processo de formação inicial, de forma a aproximar a temática curricular do contexto educacional de forma reflexiva, para que, assim, possam adquirir embasamentos pautados em exemplos concretos, com a finalidade de consolidar ainda mais o processo de aprendizagem.

Por ser um processo contínuo, a formação requer um exercício de reflexão sobre a prática pedagógica, sobre as dúvidas e sobre as dificuldades, de modo a estabelecer uma relação entre os dois princípios fundamentais desse processo: o formador e a pessoa em formação, cuja relação se mostra heterogênea pelo fato de que ambos possuírem experiências e conhecimentos distintos da realidade educacional, pela subsistência de princípios que estabelece o modelo e o método de relacionamento entre as diretrizes.

Com isso, destaca-se a necessidade de os professores de licenciatura adentrarem no contexto das salas de aula da educação básica, apresentando um conhecimento mais amplo em relação às dimensões formativas dos educandos, tendo em vista que a cada período surgem novas exigências sociais, como o embasamento para lidar com a nova perspectiva tecnológica, novas formas de ensinar e aprender. A aproximação com o campo profissional, antes do término da graduação, pode oportunizar aos estudantes um olhar sobre a prática educativa e um entendimento de toda a complexidade do fazer pedagógico. Esse movimento, geralmente, é feito no âmbito dos estágios supervisionados dos cursos de licenciaturas em programas de ensino como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e o Programa de Residência Pedagógica (PRP) ou projetos de extensão e de iniciação científica.

A formação não pode ser entendida como algo acabado, nem ser desassociada do contexto em que ocorre. Se antes a formação docente era vista como uma atividade que estava associada somente com a aprendizagem de competências especificas direcionadas ao mundo do trabalho, a formação hoje é, antes de tudo, um processo teórico-prático em que as questões importantes se integram para formar uma totalidade; ou seja:

Os futuros professores necessitam vivenciar, ao longo de todo o currículo, uma interação dialógica com seus docentes e com seus colegas. Isso sugere que sejam valorizadas, durante todo o currículo, as atividades que envolvem o discurso dos estudantes: debates durante a resolução de problemas, defesa de trabalhos desenvolvidos, produção por parte do estudante de um diário, endereçado ao professor, contendo suas reflexões e dúvidas, a elaboração de relatórios sobre atividades práticas desenvolvidas, a serem utilizados por colegas para melhorar sua eficiência

( VILLANI, 1997, p. 8).

Diante do que foi colocado pelo autor, percebe-se tamanha importância das discussões dentro da sala de aula durante o processo de formação, assim como também estudos coletivos de textos, memoriais, debates e seminários, isto é, quaisquer estudos que sejam feitos de forma a unir os alunos e seus estudos de forma reflexiva, para que assim possam adquirir embasamentos de outros exemplos, trazendo para si como forma de consolidar ainda mais sua aprendizagem.

Coimbra (2020) vai na mesma direção quando discute que:

A formação inicial, entendida em uma perspectiva institucional, forma, atribui a certificação e modifica ou reproduz as relações do sistema educativo, cultural e econômico de determinada realidade. Assim, é possível e necessário admitir o grau de importância que a formação inicial desempenha na práxis social. A formação inicial não se responsabiliza sozinha pelos percalços na formação profissional, mas é necessário assumir a sua responsabilidade neste desenvolvimento profissional. Por isso, nosso percurso é histórico, legal, mas também evidencia as contradições das relações humanas e sociais presentes nos marcos regulatórios.

Por ser um processo contínuo, a formação requer um exercício de reflexão sobre as dúvidas e dificuldades, de modo a estabelecer uma relação entre os dois princípios fundamentais desse processo: o formador e a pessoa em formação, cuja relação se mostra heterogenia, pelo fato de que ambos possuem experiências e conhecimentos distintos da realidade educacional, pela subsistência de princípios que estabelecem o modelo e o método de relacionamento entre as diretrizes. Nessa direção, Marcelo Garcia ( 1999, p. 19) descreve que:

Formação como uma função social: transmissão de saberes, de saber fazer ou ser exercido em benefício do sistema econômico, ou da cultura dominante; como um processo de desenvolvimento e de estruturação da pessoa: realizada a partir do efeito da maturação interna e de possibilidade de aprendizagem, de experiências dos sujeitos; formação como instituição: referente à estrutura organizacional que planifica e desenvolve atividades de formação.

Nesse sentido, à formação atribui-se um processo por meio do qual o docente compreende e aprimora competências específicas à sua práxis. A formação docente precisa ser vista não só como uma aptidão para qualificá-lo como um profissional, mas como o aprimoramento de práticas que assegurem, simultaneamente, uma frequente retomada dos conhecimentos específicos com os quais trabalha, propiciando uma visão reflexiva em torno da sua prática, de forma a rever as imposições e permitindo a atualização constante dos conhecimentos cognitivos.

Seguindo essa premissa, Freire (1997) salienta que a prática docente deve aparecer no sentido de criar e recriar, baseando-se numa metodologia de ensino-aprendizagem, crítico-transformadora na educação superior. Esse trabalho deve construir e reconstruir, nesse espaço acadêmico, na perspectiva de não dicotomizar ensino e pesquisa, teoria e prática. De acordo com Freire (1997), o processo educativo precisa envolver o aluno e instigar a curiosidade:

[...] conceber a prática de ensino como um processo de permanente investigação significa assumir o posicionamento epistemológico em que o educando é o sujeito de seu conhecimento, estando sua aprendizagem associada a um processo constante de pesquisa sobre sua realidade. Em outras palavras, significa não distanciar a prática educativa do exercício da curiosidade epistemológica dos educandos (FREIRE, 1997).

Em outras palavras, na visão freiriana, a formação inicial docente, numa perspectiva histórico-crítica, exige a criação e a organização de situações que contestem a realidade, levando em consideração os dados de posicionamento e diversidade dos sujeitos e seus porquês. A proposição descrita por Freire (1997) não se restringe a ensinamentos de conteúdos disciplinares, embora saiba da sua importância e da sua necessidade, ela não termina na aprendizagem de métodos de ensinar e de aprender, ainda que não as ignore, ela também não se limita a compreensão de um saber fazer pedagógico, mesmo que não o desconsidere.

Nesse sentido, a formação docente se constitui em uma ação contínua e dinâmica, a qual mobiliza um desenvolvimento em diversas conjunturas articuladas, que parte de uma postura crítica e reflexiva no que tange aos estudos e às vivências, antes mesmo da inserção na prática profissional da docência, ou seja, remete ao processo formativo inicial e às experiências adquiridas em atividades ou projetos de extensão que aproximam o licenciando do contexto escolar, contribuindo para a formação de saberes docentes.

Os saberes são apontados por Tardif ( 2014, p. 35), como “[...] processo de aprendizagem e de formação”, que pode ocorrer de forma sistematizada e formalizada, gerenciado por agências formativas, como também saberes advindo das vivências decorrentes da prática profissional, que “[...] incorporam à experiência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer e saber ser” ( TARDIF, 2014, p. 39).

Por isso, Tardif (2014) aponta que, no exercício da sua função, os docentes mobilizam inúmeros saberes provenientes de sua trajetória pessoal, das formações inicial e continuada, ancoradas nas instituições de formação de professores e dos saberes da prática profissional, construídos dentro da sala de aula e da escola. É indiscutível que os docentes adquirem o conhecimento de inúmeras maneiras, ao mesmo tempo que alguns o obtém pelo estudo da teoria, outros o adquirem com a prática e as vivências. Para o autor, é inútil tentar classificar os saberes docentes seguindo critérios isolados de sua origem, seu emprego ou ainda as suas circunstâncias de adequação e elaboração. Seguindo essa lógica, deve-se ponderar e problematizar os critérios em comum, bem como as relações efetivas entre eles, para dessa forma elaborar um modelo apropriado de entendimento e reconhecimento dos saberes docentes.

A relação exteriorizada que os professores mantêm em relação aos saberes curriculares, disciplinares e da formação pedagógica faz com que se reconheça ainda mais os seus saberes experienciais, visto que é sobre eles que se mantêm o controle, tanto no que diz respeito a sua produção quanto ao seu reconhecimento ( TARDIF, 2014).

É indiscutível que os docentes adquirem o conhecimento de inúmeras maneiras. Ao mesmo tempo que alguns o obtém pelo estudo da teoria, outros o adquirem com a prática e as vivências. Esse processo envolve emoções, sentimentos, afetos e compreensão, consequentemente, isso acarreta a necessidade do outro tipo de saber fundamental à ação docente, ou seja, saberes da Experiência.

Na concepção de Tardif (2004), o saber proveniente do trabalho docente corresponde a uma combinação de inúmeros conhecimentos, vindos de diversas fontes, que são desenvolvidos, associados e estimulados pelos docentes, de acordo com as determinações da sua profissão. Para o autor, os saberes são plurais e múltiplos, por isso é inútil tentar classificá-los seguindo critérios isolados de sua origem, seu emprego ou ainda as suas circunstâncias de adequação e elaboração. Seguindo essa lógica, deve-se ponderar e problematizar os critérios em comum, bem como as relações efetivas entre eles, a fim de elaborar um modelo apropriado de entendimento e reconhecimento dos saberes docentes.

4 Caminhos metodológicos, apresentação e análise dos dados

Com vistas à compreensão de quais as repercussões, além de possíveis contribuições, do Programa de Residência Pedagógica no processo de formação inicial dos estudantes do curso de Pedagogia de uma universidade federal do sul de Minas Gerais, que integraram o programa no período de 2018 a 2020, optou-se pela realização de uma pesquisa de abordagem qualitativa, por estar direcionada “[...] à compreensão em profundidade de fenômenos educativos e sociais, à transformação de práticas e cenários socioeducativos, à tomada de decisões e ao descobrimento e desenvolvimento de um corpo organizado de conhecimentos” ( ESTEBAN, 2010, p. 127).

A pesquisa sob abordagem qualitativa permite aos pesquisadores compreender e interpretar comportamentos e tendências, identificar hipóteses para um problema e descobrir as percepções e expectativas dos sujeitos. Com isso, o foco de atenção dos pesquisadores qualitativos centraliza-se nas descrições detalhadas de situações, eventos, pessoas, interações e comportamentos que são observáveis ( PÉREZ SERRANO, 1994apudESTEBAN, 2010).

Sob a vertente qualitativa, buscou-se como instrumentos de coleta de dados os documentos relacionados ao programa e a aplicação de questionários junto aos vinte e quatro residentes estudantes do curso de Pedagogia e aos três professores preceptores, que acolheram esses estudantes em suas salas de aula para levantamento de suas percepções sobre o programa.

Para este estudo, apresentamos como sujeitos da pesquisa apenas os bolsistas residentes 2, selecionados por edital da CAPES para participarem do programa no período de 2018-2020 3.

O questionário compunha-se de cinco questões abertas, envolvendo avaliação das atividades de observação e de regência desenvolvidas ao longo da duração do programa. Para apresentação dos dados e preservação do anonimato dos sujeitos participantes da pesquisa, as transcrições das respostas foram identificadas com a palavra Residente e a numeração de 1 a 24, número máximo de licenciandos do programa.

Tomamos como procedimento de análise a perspectiva da “análise de conteúdo” segundo Bardin (2010), que descreve a caracterização das ações de tratamento dos dados em fases, como a organização da análise; a codificação; a categorização; o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação dos resultados.

Nessa perspectiva, assegurou-se o tratamento dos dados a partir da organização das respostas, por meio da codificação em proximidades temáticas, de modo a estabelecer categorias com inferência e interpretação das descrições sobre as repercussões e as contribuições do programa na formação dos estudantes. Diante disso, organizou-se três eixos argumentativos referentes aos saberes adquiridos, quanto: (a) à prática pedagógica; (b) às relações entre professor e aluno; e (c) ao reconhecimento da docência. Na sequência, será apresentado cada eixo argumentativo.

4.1 Saberes referentes à prática pedagógica

Durante a vigência do programa, de agosto de 2018 a janeiro de 2020, os licenciandos auxiliaram os professores-preceptores em sala de aula, alternando o momento de regência de turma; o planejamento de atividades e atendimento individual de alunos com dificuldades de aprendizagem; bem como realizando estudos orientados sobre temas relacionados à alfabetização e ao letramento na universidade, para subsidiar as suas ações no contexto escolar.

Diante disso, esse eixo apontou algumas contribuições do Programa de Residência Pedagógica, como: a oportunidade de vivenciar a prática no campo de trabalho; a possibilidade de junção com o que foi estudado na teoria dentro da IES; a vivência com cotidiano escolar para a construção das identidades profissionais; bem como repensar a prática docente.

Em uma das questões, os bolsistas deveriam apresentar reflexões sobre o que o programa viabilizara em relação à educação, ao processo de ensino e de aprendizagem e às relações estabelecidas entre professor-aluno. Com isso, 32% dos residentes responderam que o programa possibilitou uma reflexão sobre o quanto a teoria se difere da prática, sobre o quanto aproximar-se da práxis pedagógica, em sala de aula, foi um fator relevante para se enxergar as distinções entre os conceitos teóricos e a vivência do contexto escolar, visto que na dimensão teórica não existe uma fórmula exata que ensine a lidar com os diversos imprevistos encontrados no cotidiano de sala de aula. O Residente-07 destacou que: “Ao auxiliar a professora percebemos de que forma a prática docente acontece e que o planejamento pode ser afetado de diversas formas, favorecendo a união de teoria e prática; ainda ajuda a refletir sobre a teoria no âmbito da prática, percebendo que o meio, muitas vezes, exige para além de conhecimentos estudados”. Para o Residente-17: “A reflexão proporcionada foi a de que teoria e prática são coisas que deveriam andar juntas, porém isso não aconteceu da forma como se esperava. A forma como se dá a relação professor e aluno vai ter total influência na prática do docente como também na aprendizagem do aluno”. Já a resposta do Residente-14 apontou que o programa proporcionou “uma aproximação do campo de trabalho, vivenciando na prática o que aprendemos na teoria, nos proporcionando situações e nos fazendo pensar a prática através das situações encontradas no dia a dia dentro da sala de aula”.

Um aspecto apontado pelos estudantes diz respeito à relação entre teoria e prática, que aparece como processos dicotômicos, o que Tardif (2014) sinaliza como uma concepção tradicional, em que o saber estaria de um lado diferente da prática. Para Tardif (2014), aquilo que se denomina “teoria”, que está relacionado a um saber a um conhecimento, só adquire sua existência a partir de uma prática. Frente a isso, pode-se questionar o que move a compreensão da relação dicotômica entre teoria e prática acerca do contexto educativo?

Pode-se observar que os residentes destacaram a proximidade da realidade educacional como um aspecto determinante no processo formativo, o que permite uma reflexão sobre o saber teórico e o vivencial. Diante disso, Freire (1996) salienta que a teoria não determina a prática, ao contrário disso, a teoria sustenta a prática com o objetivo de formar, mediar e compreender criticamente a prática necessária para ponderar as necessidades específicas do universo da sala de aula e de seus alunos.

Trata-se aqui de saberes experienciais, conforme assinala Tardif (2014), isso porque essa experiência provoca uma retomada crítica de saberes adquiridos sobre a prática pedagógica vivenciada. Com isso, os bolsistas passaram a refletir sobre o fazer docente, quando filtraram e selecionaram outros tantos saberes, quando ponderaram, compararam e aprimoraram ações necessárias para viabilizar ou garantir que o processo de ensino e aprendizagem acontecesse. Tal reflexão demonstra “objetivar um saber formado de todos os saberes retraduzidos e submetidos ao processo de validação constituído pela prática cotidiana” ( TARDIF, 2014, p. 53).

Para Tardif ( 2014, p. 210), os saberes experienciais perpassam a dimensão empírica, entretanto, para autor, o saber ensinar “remete a uma pluralidade de saberes”. E tais saberes vão se acumulando e passam a servir como referência aos docentes que buscam pautar suas próprias ações.

Sendo assim, a atuação transformadora que se renova na prática em articulação com a dimensão teórica exige desenvolvimento dessa consciência crítica. Ou seja, para o exercício da ação docente é necessário preparação e reflexão com a realidade educativa e também sobre ela.

Nessa perspectiva, o Programa Residência de Pedagógica ofereceu situações vivenciais em que foi possível enriquecer e promover uma formação inicial de qualidade, desenvolvendo ações que integram a Política Nacional de Formação docente. Uma ação formativa que visa desenvolver o aperfeiçoamento do saber docente, por meio da elaboração de propostas que fortaleçam o campo da prática; orientem o licenciando a executar, de forma efetiva, a relação entre teoria e prática profissional docente; bem como incentivem a reestruturação da formação prática nos cursos de licenciatura, sustentando-se a partir das experiências e vivências que tão somente a teoria sem a prática seria capaz de promover ( BRASIL, 2018).

4.2 Saberes sobre a relação entre professor e aluno

Aproximadamente 23% dos residentes concordaram que a afetividade foi o ponto mais importante para consolidar a relação entre o professor e o aluno e que essa consolidação teve total influência no processo de ensino e de aprendizagem. Corroborando com isso, o Residente-19 destacou que a afetividade se mostrou relevante para as relações em sala de aula e para o desenvolvimento do aluno: “compreendi que a afetividade é um aspecto importante e que o vínculo que os alunos criam favorecem o processo de ensino e aprendizagem, tornando o mais prazeroso” (RESIDENTE-19).

Outro aspecto observado foi que 45% dos residentes demonstraram uma opinião acerca das ponderações referentes às relações interpessoais, por serem complicadas. Segundo o Residente-14, o programa “[...] aproximou da realidade da convivência aluno x professor, podemos ver na prática como funcionam essas relações e o quanto elas podem ser difíceis. O processo de ensino-aprendizagem demanda muito empenho e um olhar generoso para com os alunos, esse processo nem sempre é fácil”.

Essa reflexão dos bolsistas se mostra atrelada à dimensão do saber relacionado à profissionalização temporal docente apresentada por Tardif ( 2014, p. 181), ou seja, refere-se ao saber agir em relação às necessidades ou interesses que o outro apresenta, saber relacionar-se, saber ouvir e se posicionar nas interações construídas entre os sujeitos da aprendizagem: aluno e professor. Essa dimensão das interações entre sujeitos abarca diversas realidades sociais, por isso “o ensino ocorre num contexto constituído de múltiplas interações, as quais exercem sobre os professores condicionamentos diversos”.

Sendo assim, os saberes da prática educativa apresentam-se na relação de afetividade, visto que os fenômenos afetivos estão intimamente ligados com a qualidade das interações entre sujeitos e suas vivências, o que confere aos objetos culturais um sentido afetivo. Dessa forma, as conquistas do campo afetivo são utilizadas no campo cognitivo e o contrário também ocorre, como em um entrelaçamento.

[...] a presença contínua da afetividade nas interações sociais, além da sua influência também contínua nos processos de desenvolvimento cognitivo. Nesse sentido, pode-se se pressupor que a interação que ocorre no contexto escolar também é marcada pela afetividade em todos os seus aspectos. Pode-se supor, também, que a afetividade se constrói como um fator de grande importância na determinação da natureza das relações que se estabelecem entre os sujeitos (alunos) e os diversos objetos do conhecimento (áreas e conteúdos escolares), bem como na disposição dos alunos diante das atividades propostas e desenvolvidas ( LEITE; TASSONI, 2000, p. 9-10).

Para tanto, as aquisições intelectuais são englobadas em afetividade, dando-lhe um caráter acima de tudo cognitivo. Quando são relacionadas, afetividade e inteligência levam a criança a um grau de desenvolvimento muito elevado como afirmam Leite e Tassoni (2000).

Para Tardif ( 2014, p. 132), o trabalho docente respeita tanto o cumprimento de objetivos referentes à prática educativa, como também da atuação docente sobre um objeto de trabalho que, no caso, refere-se a seres humanos, por isso, envolve três grandes aspectos, como a individualidade, a sociabilidade e a afetividade, compreendendo que “ensinar é, portanto, fazer escolhas constantemente em plena interação com os alunos”.

4.3 Saberes que remetem ao reconhecimento da docência

Ao serem convidados a descrever sobre as contribuições (ou não) do programa para sua formação como docente, os bolsistas evidenciam que até mesmo as dificuldades e experiências negativas contribuíram para a sua formação: “Acredito que todo aprendizado é valido, seja ele com olhar positivo ou negativo. Dessa forma, o programa sempre contribuiu para minha evolução dentro da instituição de ensino superior como na formação docente” (RESIDENTE-1); “Em nenhum momento o Programa de Residência Pedagógica deixou de contribuir para minha formação, pois até mesmo as frustrações encontradas no percurso deste programa contribuíram para isso” (RESIDENTE-14). O Residente-5 enfatizou que “O Programa Residência de Pedagógica em nenhum momento deixou de ser uma ferramenta de contribuição para a minha formação, todas as vivências e experiências vividas através do programa foram de grande importância mesmo quando em momentos difíceis, ainda assim era momento de construção e contribuição”.

Falar sobre a formação docente é falar sobre um fenômeno complexo e multifacetado que possibilita múltiplos olhares. Compreendo o conceito de formação como o conjunto de experiências vividas no trabalho de professor que permitem que sua identidade seja (re)construída dentro do cotidiano. Não vejo a formação construída apenas por acumulação de cursos, de conhecimentos ou de técnicas, mas, também, através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal, acreditando que o processo educacional vivido pelos professores e as aprendizagens que realizam em suas práticas cotidianas são importantes referencias para a sua formação

( GARCÍA, 1999, p. 19).

As respostas dos residentes 11 e 16 retrataram que: “O PRP contribuiu para a minha formação como docente de diferentes formas, com as experiencias adquiridas durante o PRP aguçou meu olhar durante o período que estive na escola” (RESIDENTE-11); “O PRP pode contribuir para a relação teoria-prática que vivenciamos, poder estar em sala de aula atuando diretamente com os alunos, trouxe uma aprendizagem que apenas com o curso de pedagogia não conseguiríamos ter” (RESIDENTE-16).

As respostas dos bolsistas sinalizam um aprendizado direcionado para o que se compreende por docência, para ao saber ser docente, ou seja, para a dimensão das ações que dizem respeito ou estão associadas a tudo o que corresponde à identidade docente ( TARDIF, 2014). Mais do que um saber professional, o que se observa nas respostas é a percepção do que ser um profissional docente foi possibilitado pelas relações construídas com professores e com a prática educativa.

A relação construída entre os residentes e os professores-preceptores proporcionou um diálogo entre os saberes curriculares e os vivenciais, que impactou na formação pedagógica e permitiu o reconhecimento de saberes experienciais, haja vista que os professores atuam diretamente sobre o contexto da prática educativa, tanto na produção quanto no reconhecimento de ações e atuações ( TARDIF, 2014).

Para Tardif ( 2014, p. 301), a concepção do saber profissional tem uma relação direta com a identidade docente, visto que “a questão do saber profissional dos professores está no centro das reformas atuais e suscita muitos problemas que estão longe de serem resolvidos”.

Contudo, é fato que o exercício da docência, enquanto ação transformadora que se renova tanto na teoria quanto na prática, requer necessariamente o desenvolvimento de uma consciência crítica. E, nesse sentido, podemos dizer que o exercício da ação docente requer preparo, uma vez que, segundo Freire (1996), a formação docente percorre a compreensão de que para ensinar é preciso aprender a aprender.

Por fim, na questão em que os residentes puderam pontar sugestões ou fazer comentários que considerassem relevantes para a continuidade do programa, destacaram-se três respostas que apresentaram coerência com o que o programa propôs, consideradas pontos relevantes para uma reflexão.

O Residente-10 sugeriu “que tivesse mais rodadas de conversa na universidade, para podermos solucionar dúvidas e discutir problemas enfrentados na sala de aula. Considero importante irmos o ano todo, desde o início até o final do ano letivo. Pois assim acompanhamos todo o processo e evolução dos alunos”. O Residente-20 sugeriu que houvesse “mais formação para estarmos ali atuando. Mais preparação para orientadores, preceptores e outros professores das escolas participantes”. O Residente-22 indicou “que outros estudantes de graduação possam ter essa experiência, com ampliação das vagas”.

Diante dos apontamentos, observou-se aspectos que os residentes consideram relevantes e que poderiam melhorar o processo formativo e a qualidade da sua ação pedagógica, tanto nas instituições de ensino superior enquanto estudantes, como nas instituições de ensino básico enquanto professores. Percebeu-se a importância de promover discussões nas quais os residentes pudessem dar uma devolutiva das suas ações, enquanto professores no exercício da prática, podendo também promover uma postura reflexiva entorno de suas ações e do outro, uma vez que a troca de experiências entre os estudantes, professores e preceptores reforçam o papel formador da instituição de ensino superior em articulação com as escolas de educação básica. Ao viabilizar essa troca com professores experientes, houve acréscimo de qualidade no processo formativo docente, pois, por meio da experiência pessoal e das experiências do outro, foi possível ter mais segurança quanto às tomadas de decisões.

Com este modelo formativo, o Programa de Residência Pedagógica, mesmo sendo uma iniciativa recente, ofereceu aos futuros professores o privilégio de atuar no contexto educativo, articulando conhecimentos da formação inicial com as vivências dos preceptores, uma vez que o processo formativo é capaz de mobilizar os saberes relacionados à dimensão teórica e aos saberes experienciais, possibilitando aos docentes a compreensão e o desenvolvimento das competências e habilidades necessárias para a investigação da sua própria prática. Nesse sentido, as descrições também demonstraram reflexões sobre o processo formativo como elemento de construção da identidade e do desenvolvimento profissional docente.

5 Considerações finais

A reflexão a partir das experiências construídas no Programa de Residência Pedagógica (2018-2020) demonstrou que, além de ser um instrumento de impacto no processo de formação inicial de professores, a residência inseriu os licenciandos no campo de trabalho, o que possibilitou aos futuros profissionais uma vivência de situações da realidade da sua área de atuação, em diálogo com os professores-preceptores como tutores do processo formativo. Para muitos estudantes, o programa ofereceu a oportunidade de colocar em prática o que foi aprendido dentro da instituição de ensino superior, promovendo posturas críticas e reflexivas acerca de sua trajetória de formação e mobilizando saberes que serão incorporados na própria prática docente.

Tal reflexão aponta a relação com o “saber agir”, que oferece elementos que fundamentam sua prática educativa, visto que exige do professor saber tomar decisões e fazer escolhas de modo que “se baseia em sua ‘experiencia vivida’ como fonte viva de sentido a partir da qual o passado lhe permite esclarecer o presente e antecipar o futuro” ( TARDIF, 2014, p. 211).

Algumas respostas dos estudantes evidenciaram aspectos positivos e negativos, mas que favoreceram a percepção de que o programa ainda precisa passar por algumas reformulações importantes, que podem qualificar ainda mais suas contribuições na formação inicial de licenciandos, tais como: envolver os gestores das escolas nas discussão teóricas e práticas, ampliando os atores que integram o programa; melhorar os detalhamento das atribuições de cada ator e suas funções no âmbito do programa; facilitar os momentos de regência de sala de aulas, visto que os coordenadores se sentiram receosos em autorizar essa intervenção, mesmo fazendo parte dos objetivos do programa; oferecer maior autonomia aos licenciandos para construírem com o planejamento da sala, ao invés de terem que cumprir um cronograma previamente definido pela gestão escolar; entre outros.

Quanto às contribuições do programa para a formação dos estudantes de Pedagogia, ressaltou-se a articulação entre teoria e prática nas ações desenvolvidas; o repensar sobre o fazer docente como ação necessária para a compreensão formativa e a inserção de práticas educativas na formação inicial, evitando a ilusão dicotômica entre teoria e prática, mas como processos que se correlacionam, ou mesmo de que a atuação docente se restringe à aplicação de receitas aprendidas em cursos de graduação. A dimensão da prática pedagógica remete ao “saber fazer” ( TARDIF, 2014), em que o professor explora habilidades da ação e da atuação nas práticas educativas, na condução e construção das relações interpessoais como ação intermediadora dos processos de ensino e de aprendizagem, o que demonstra a necessidade de se estabelecer uma relação de respeito com os alunos e de confiança no seu potencial de aprendizagem. Outra dimensão refere-se ao reconhecimento da docência, ou seja, do “saber ser” ( TARDIF, 2014), que remete à compreensão da formação enquanto mobilizadora de saberes e impulsionadora do desenvolvimento profissional docente, bem como ação disparadora da reflexão sobre a responsabilidade e o compromisso ético e social de ser professor.

Nessa direção, Freire (1996) salienta que a prática docente deve ser no sentido de criar e recriar, baseando-se numa metodologia de ensino e aprendizagem dialógica, crítico-transformadora na educação superior. Por fim, pode-se apontar que o Programa de Residência Pedagógica (2018-2020) construiu e reconstruiu as percepções sobre o saber acadêmico e o saber da prática educativa, na perspectiva de se não dicotomizar ensino e pesquisa, teoria e prática, o que favoreceu a formação inicial dos licenciandos de Pedagogia na universidade estudada, de modo a promover a aproximação com as escolas de educação básica do município e a formação continuada dos professores-preceptores que integraram o programa.

Referências

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2Conforme o compromisso ético assumido no Termo de Compromisso aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos COEP-UFLA, do parecer de nº 2.227.921, não será mencionado o nome das instituições, nem dos participantes da pesquisa, estes serão identificados com R (residentes) seguidos de um algarismo arábico.

3As 24 vagas destinadas para o curso de Pedagogia foram preenchidas por estudantes matriculados a partir do 5º período do curso. Os três preceptores, professores que supervisionaram as ações dos residentes, também foram selecionados por edital e eram docentes da rede municipal de ensino local.

Recebido: 26 de Abril de 2021; Aceito: 19 de Setembro de 2022; Revisado: 14 de Setembro de 2022

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