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Educação: Teoria e Prática

versão impressa ISSN 1993-2010versão On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.33 no.66 Rio Claro  2023  Epub 31-Dez-2023

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v33.n.66.s15895 

Artigos

Humanidade, razão e educação prática

Humanity, reason and practical education

Humanidad, razón y educación práctica

Renata Cristina Lopes Andrade1 
http://orcid.org/0000-0002-9393-8932

1Universidade Federal do Acre, Rio Branco, Acre – Brasil


Resumo

Fundamentados no exame conceitual da filosofia prática de Immanuel Kant (1724-1804), almejamos com este artigo, de caráter teórico-filosófico, esclarecer, discutir e refletir sobre a formação da humanidade via educação. Pretendemos resgatar, em especial, dois conceitos de razão e de educação prática em Kant. Qual é a contribuição da educação prática de Kant à reflexão e ao alcance da formação humana na atualidade? Tendo em vista essa questão, abarcamos, neste artigo, a compreensão do projeto de razão e de educação prática com a sugestão de que a formação da humanidade do ser humano possa ser assegurada na complexa ação educacional. Oferecemos o estudo teórico para compreender, orientar e, quem sabe, promover a realidade, particularmente a educacional de formação e a de transformação humana, o que manifesta, ademais, a oportunidade do pensamento para compreender e transformar o real.

Palavras-chave: Humanidade; Razão Prática; Educação Prática; Kant

Abstract

Based on the conceptual examination of the practical philosophy of Immanuel Kant (1724-1804), we aim with this article, of a theoretical-philosophical character, to clarify, discuss and reflect on the formation of humanity through education. We intend to rescue, in particular, two concepts of reason and practical education in Kant. What is the contribution of Kant’s practical education to the reflection and scope of human formation today? In view of this issue, we cover, in this article, the understanding of the project of reason and practical education, with the suggestion that the formation of the humanity of the human being can be ensured in the complex educational action. We offer the theoretical study to understand, guide and, maybe, promote reality, particularly the educational realities of training and human transformation, what also manifests the opportunity for thought to understand and transform the real.

Keywords:  Humanity; Practical Reason; Practical Education; Kant

Resumen

Fundamentándonos em el examen conceptual de la filosofía práctica de Immanuel Kant (1724-1804), pretendemos con este artículo, de carácter teórico-filosófico, esclarecer, discutir y reflexionar sobre la formación de la humanidad a través de la educación. Pretendemos rescatar, en particular, dos conceptos de razón y educación práctica en Kant. ¿Cuál es la contribución de la educación práctica de Kant a la reflexión y al alcance de la formación humana hoy? Ante este tema, abordamos, en este artículo, la comprensión del proyecto de razón y educación práctica, con la sugerencia de que la formación de la humanidad del ser humano puede asegurarse en la compleja acción educativa. Ofrecemos el estudio teórico para comprender, orientar y, ¿quién sabrá?, promover la realidad, en particular la educativa de formación y la de transformación humana, lo que también manifiesta la oportunidad del pensamiento hacia comprender y transformar lo real.

Palabras clave:  Humanidad; Razón práctica; Educación práctica; Kant

1 Introdução

Para abordar os conceitos de razão e de educação prática em Kant, dedicaremos as nossas análises, discussões e reflexões, em especial, às preleções Sobre a Pedagogia, porém sem perder o vínculo, visto não ser possível, com o todo do pensamento de Kant – teórico, prático e estético.

As preleções Sobre a Pedagogia, publicadas pela primeira vez em 1803, mediante a autorização de Kant, por seu aluno e amigo Friedrich Theodor Rink, tratam-se do conjunto das aulas de Kant de quando o filósofo lecionou cursos de Pedagogia na Universidade de Königsberg no semestre do inverno de 1776/77, no semestre de verão de 1780 e nos semestres de inverno de 1783/84 e 1786/87 ( SANTOS, 2014, p. 163). Há informações de que Kant teria oferecido as preleções sobre a Pedagogia somente em três situações –1776/77, 1783/84 e 1786/87. Santos (2014) adverte, porém, que o registro da preleção de 1780 é confirmado por estudiosos da filosofia kantiana, como, por exemplo, Weisskopf (1970), Stark (2000) e Louden LOUDEN (2000), e que, além da preleção de 1780, Kant teria anunciado uma nova preleção no semestre do inverno de 1790/91, a qual não ocorreu devido a uma reestruturação interna da Universidade de Königsberg, mais conhecida como Universidade Albertina.

Os professores de Filosofia das universidades alemãs do século XVIII ocupavam-se, também, de cursos de Pedagogia, o que se justifica, além das exigências ministeriais (WEISSKOPF, 1970, p. 97), se considerarmos a íntima relação entre os filósofos e a educação, pois não são poucos os filósofos, inclusive da época de Kant, que tiveram e ainda têm por objeto de estudos, reflexões e indagações a educação e os seus elementos constitutivos.

Em relação ao filósofo Immanuel Kant, um dos grandes pensadores do Iluminismo e do Idealismo Alemão, é importante dizer que há, tanto no seu pensamento como na sua vida de Kant, uma profunda relação com a educação. Além da obra Sobre a Pedagogia, na qual nos deparamos, de modo sistemático, com as suas concepções acerca da educação, em outros momentos da sua filosofia, o tema da educação é recorrente. Por exemplo, nas três Críticas, consideradas o núcleo do pensamento kantiano, em particular na Doutrina do Método de cada uma de suas Críticas, na Metafísica dos Costumes, parte II – Princípios metafísicos da doutrina da virtude, bem como na Antropologia de um ponto de vista pragmático ou na Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?. Sobre o Kant professor,

Kant foi professor durante toda a sua vida e viveu do ensino que praticava, seja como tutor nas casas das famílias abastadas (1748-1754), seja como Privatdozent – título que se dava àqueles que ensinavam nas universidades, mas cujo ensino era pago diretamente pelos alunos que frequentavam os cursos e não pela Universidade – seja, finalmente, como Professor da Universidade de Königsberg, o que aconteceu a partir de 1770. Além de ter sido professor durante toda a sua vida, Kant ministrou quatro cursos sobre pedagogia, o que o levou a tratar explicitamente de temas ligados à educação.

( BUENO, 2012, p. 168)

Considerando a profunda afinidade entre Kant e a educação e a sua proposta de formação humana via educação, passemos, então, aos esclarecimentos e à compreensão da razão e da educação prática kantiana em termos de análise e de procura. Afinal, qual é o dever da educação segundo Kant?

2 Os fundamentos da educação e a razão prática

Localizamos o extenso desenvolvimento sobre Pedagogia, Educação ou Arte de Educar em Kant, singularmente, nas preleções Sobre a Pedagogia. Há, nessa obra, o desenvolvimento e a justificativa da “boa educação”: “ver de modo claro o que propriamente pertence a uma boa educação” ( KANT, 1999, p. 16).

Essa ambição é de extrema importância para Kant, pois, em sua visão, um dos caminhos para a formação e o desenvolvimento do ser humano em relação a tudo o que, de fato, pertence à sua humanidade é mediante a educação. Na educação, segundo o filósofo, está o segredo da perfeição do ser humano, bem como a boa educação “abre a perspectiva para uma futura felicidade da espécie humana” ( KANT, 1999, p. 17). Em Kant, portanto, para que o ser humano, enquanto espécie humana, seja desenvolvido de forma plena, alcance a sua humanidade e felicidade, é preciso que seja educado.

Ora, se tudo o que realmente pertence à humanidade do ser e da espécie humana, se a sua formação e seu desenvolvimento, a sua perfeição e futura felicidade dependem, também, de uma boa educação, é urgente pensar, com rigor e seriedade, sobre a educação, desenvolvendo, assim, um projeto, um conceito ou uma ideia de educação, senão, de outro modo, estamos continuamente sujeitos a erros e lacunas e a educação “não se tornará jamais um esforço coerente” ( KANT, 1999, p. 21). Nas palavras do filósofo:

O projeto de uma teoria da educação é um ideal muito nobre e não faz mal que não possamos realizá-lo. Não podemos considerar uma Idéia como quimérica e como um belo sonho só porque se interpõem obstáculos à sua realização. Uma idéia não é outra coisa senão o conceito de uma perfeição que ainda não se encontra na experiência [...] Se, por exemplo, todo mundo mentisse, o dizer a verdade seria por isso mesmo uma quimera?

( KANT, 1999, p. 17).

Essa é exatamente a proposta de Kant, conceber uma filosofia da educação que apresente um projeto sistemático, uma ideia ou conceito de educação que possa alcançar a humanidade do ser humano, desenvolver nele o que, de fato, convém ao seu ser, para que possa atingir o seu fim ou destinação, isto é, a sua humanidade.

Vale dizer que esse alcance, para a educação realizar o seu dever, é universal. Em Kant, “o estabelecimento de um projeto educativo deve ser executado de modo cosmopolita” ( KANT, 1999, p. 23), e isso significa, no âmbito do pensamento kantiano, que o alcance da humanidade do ser humano via educação deve ser assegurado para todos, sem qualquer exclusão.

Kant ( 1999, p. 18) sustenta que não é em vão oferecer um ideal de educação para que o ser humano o persiga em seu aperfeiçoamento e plenitude, mesmo que haja obstáculos na realização de um projeto educacional. Conforme posto por Santos ( 2004, p. 54), a pedagogia kantiana é uma ideia, porém não uma ilusão; a pedagogia kantiana se trata de um conceito que ainda não se encontrou na experiência, o qual servirá como fundamento para a ação. Desse modo, Kant busca oferecer o “[...] esboço de uma educação mais conveniente e deixar indicações aos pósteros, os quais poderão pô-las em prática pouco a pouco” ( KANT, 1999, p. 17-18).

A humanidade em Kant, própria de todo ser humano, diz respeito, em resumo, a: habilidades, aptidões, qualidades, civilidade, prudência, moralidade, virtude, autonomia, emancipação, liberdade, ética, caráter, bons fins e princípios práticos. Segundo Kant:

Há muitos germes na humanidade e toca a nós desenvolver em proporção adequada as disposições naturais e desenvolver a humanidade a partir dos seus germes e fazer com que o homem atinja a sua destinação.

( KANT, 1999, p. 18)

Para o desenvolvimento da humanidade do ser humano via educação, conforme Kant, é pressuposta a necessidade do desenvolvimento pleno da razão humana. Para o filósofo, a razão é a faculdade dos princípios, dos princípios teóricos ou do conhecimento especulativo e dos princípios práticos ou morais ( KANT, 2003, p. 427). Sendo assim, a partir do desenvolvimento pleno da razão humana, da faculdade dos princípios teóricos e práticos, forma-se o ser humano de modo integral, ou seja, o ser humano que conhece e que age segundo valores e princípios morais e humanos. Isso significa, em última instância, eliminar os perigos dos “desvios da razão” ( ADORNO, 2006), pois, com a atenção formativa, além do interesse teórico, no desenvolvimento da razão prática, a razão teórica, os conhecimentos especulativos, as técnicas e as ciências não se instrumentalizarão, porque é a razão prática que sustenta as ações e as relações humanas. Ela é voltada para o sentido da vida e para os fins últimos da existência humana, é uma razão emancipatória que nos responde com segurança, independentemente de qualquer exterioridade imposta (social, religiosa ou tradicional), à questão: o que devo fazer?, de modo a fazer com e por valor legítimo.

A razão teórica nos habilita a perseguir todos e quaisquer fins que almejamos, porém somente a razão prática possibilita a reflexão e a decisão pelos bons fins, aqueles que são meus, mas que podem, necessariamente, ser os de cada um, sem exceções. Os bons fins, nas palavras de Kant, são “aqueles fins aprovados necessariamente por todos e que podem ser, ao mesmo tempo, os fins de cada um”. ( KANT, 1999, p. 26).

Em Kant, a razão prática é a razão que tem a ver com os fundamentos determinantes da vontade humana ( KANT, 2003, p. 67). Chama-se prático tudo o que se refere à liberdade ( KANT, 1999, p. 35). A filosofia teórica diz respeito ao ser e às leis da natureza, e a filosofia prática ao dever ser e às leis da liberdade ( KANT, 1980, p. 103). Ou, ainda,

[...] consideramos alguma coisa teoricamente, na medida em que atendemos apenas àquilo que diz respeito ao ser; consideramos, porém, praticamente, se examinamos aquilo que nela deveria encontrar-se mediante a liberdade.

( KANT, 1985, p. 48)

Diferentemente da concepção cotidiana em que o termo “prático” se refere a algo de utilidade rápida, concreta e, em muitos casos, somente particular, no pensamento de Kant, o que quer que esteja relacionado com a escolha, a decisão, a deliberação segundo as leis da liberdade será um pensamento moralmente prático. O mundo prático, nessa concepção, é o mundo da ação moral, que é autônoma e livre, diversamente do prescrito na ordem da natureza ou das necessidades naturais, do prescrito ou imposto pelas tradições nacionais ou, ainda, apenas pela vontade de Deus. Essas ordens, prescrições e imposições, por exemplo, naturais, tradicionais, nacionais ou religiosas, como o que move a vontade e, consequentemente, o agir humano, consistem em heteronomias, fundam-se, portanto, em algo externo ao ser humano.

O princípio da heteronomia da vontade ocorre quando consideramos que a vontade humana não pode (ou não deve) ser determinada senão por algo exterior a ela; contra as ilusões da heteronomia, o interesse prático da razão humana em Kant justifica-se como necessário.

Quando analisamos a extensa ação educacional, buscando reconhecer um projeto de educação do qual fazemos parte, podemos apontar que, atualmente, a proposta se caracteriza, principalmente, pela instrumentalização e pela (de)formação dos sujeitos da educação, o que, nesse contexto, significa a primazia das informações e das técnicas que o educando deve receber e armazenar, formando, nesses sujeitos, apenas os conhecimentos técnicos, porém sem a capacidade de apreender, interpretar, analisar, problematizar as realidades e as ações do e no mundo.

Vivemos na era das informações e, evidentemente, não podemos deixar de formar o educando para a convivência com esses elementos; contudo não podemos deixar de humanizá-los, ou seja, de formar o ser humano para o convívio consigo e com os outros, de formar e desenvolver os diversos aspectos e dimensões que são intrínsecos ao ser humano, outros aspectos e dimensões da natureza, da existência e da condição humana que podem (e devem) ser contemplados mediante a ação educativa, como, por exemplo: o conhecimento, a ciência, a emoção, as paixões, a cidadania, a cultura e, conforme estamos assinalando com Kant, os valores e os princípios práticos/morais e éticos.

Se a humanidade é algo significativo e definitivo nas relações, situações, experiências e vivências tipicamente humanas, podemos recusá-la ou ignorá-la como objetivo da ampla ação educacional?

Com o desenvolvimento educacional apenas da razão teórica, os conhecimentos podem ser facilmente tecnicizados e, em consequência, instrumentalizados, resultando na razão instrumental, que orienta o ser humano para “o que saber” e “como fazer”. É a razão da técnica e da eficácia, um tipo de razão que facilmente traz a aposta de que conhecer é dominar e controlar a natureza humana e não humana, uma razão totalitária, controladora, manipuladora e instrumento dinâmico para a submissão dos seres; é a razão que produz as consciências coisificadas, a coisificação da realidade, que consiste na idolatria das coisas em si mesmas ( ADORNO, 2006) e que nada diz, tem ou traz da dimensão prática da razão posta no século XVIII por Kant.

A dimensão prática da razão humana é a faculdade dos valores e dos princípios, de longe, os mais altos e sem qualquer comparação. Segundo Kant, os valores morais ( KANT, 1980, p. 113) se referem às razões da ação, ao porquê, aos motivos, às escolhas e deliberações dos seres humanos. Distinto das orientações externas imediatas enquanto “receitas de ação com base em modelos para serem mimetizados sem a mediação do pensamento, numa condição heterônoma e regredida” ( MAIA, 2012, p. 76). A razão prática é que possibilita o pensamento, a compreensão e a decisão em relação às questões práticas: o que nos leva a agir? Quais as razões da nossa ação? O que devo ou devemos fazer? O que é completamente diferente das receitas prontas de ação, ou seja, da mera moralização.

Por isso a necessidade de projetos educacionais contrários à regulação, imposição e moralização, em Kant, essa possibilidade diz respeito à formação plena do ser humano, à formação da humanidade do ser; em suma, à formação plena da sua razão teórica e prática. Isso significa a formação e o desenvolvimento dos saberes do “como fazer” e da consciência do “por que fazer”.

Temos aqui a distinção entre ajustar, regular, adestrar, formar, desenvolver e realizar a partir do desenvolvimento, também, de uma razão prática, a qual nos possibilita ir em direção ao saber prático. Segundo Kant, essa é a base da eticidade, o fazer prático, de modo a fazer com e por valor último. De acordo com Kant: “[...] é preciso, por fim, orientá-los sobre a necessidade de, todo dia, examinar a sua conduta, para que possam fazer uma apreciação do valor da vida” ( KANT, 1999, p. 107, grifo nosso).

Ora, será esse o verdadeiro e intrínseco significado de ser esclarecido? O sentido prático do Aufklärung?

Nesse sentido, o olhar, o cuidado, a atenção e a formação da razão prática na educação kantiana dizem respeito a uma formação para além do alcance cognitivo e epistemológico. Trata-se do reconhecimento de que a presença da dimensão epistemológica na educação precisa estar acompanhada de outras dimensões; em Kant, particularmente, da dimensão ética. A possibilidade dessa formação ética centra-se na faculdade prática da razão humana, o que implica dizer que se expressa, diretamente, em suas escolhas, em suas condutas, em seu agir e ações, e o pensamento sobre isso se chama moral.

Enquanto questões vitais ao ser humano, para cuidar da liberdade, da autonomia, da moralidade, Kant desenvolveu a sua filosofia prática, pura e empírica, em cujo interior estão a pedagogia, a educação prática e a preocupação com a formação e o desenvolvimento da faculdade prática da razão humana. A consciência do que funda uma ação, os seus motivos e razões, possível pelo desenvolvimento da razão prática, não permitirá uma realidade totalitária, coisificada e instrumentalizada.

Há, em Kant, a ampla aposta no ser humano e na sua humanidade, considerando, via educação, o pleno desenvolvimento da sua razão: teórica e prática. A formação e o desenvolvimento da razão teórica e da razão prática, segundo Kant, são possíveis por meio da educação, em particular da educação prática e suas subdivisões, o que veremos em seguida.

Importa que compreendamos, neste momento, a relevância do projeto de educação kantiana, isto é, a concepção de uma filosofia da educação que é capaz, desenvolvendo a razão prática e nos chamando a atenção para a necessidade moral do agir, de combater toda a arrogância e o egoísmo humano, de afastar as morais estéticas e narcisistas a partir da formação da razão especulativa e da razão prática (moral, vital).

3 Os fundamentos da educação e a educação prática

A educação, conforme concebida por Kant em sua pedagogia, é entendida sob duas perspectivas, física e prática. A educação física, também chamada por Kant ( 1999, p. 42) de primeira educação, é a educação corpórea e tem em vista propriamente o cuidado, o que significa as precauções, a conservação, o trato, para que, por exemplo, o infante não faça um uso nocivo e prejudicial de suas próprias forças, causando danos a si próprio. A educação prática com a disciplina representa a educação das inclinações, posteriormente com uma variedade de processos mais específicos chamados de, por exemplo, instrução, ensino, direcionamento ou orientação, que são os momentos de formação e de desenvolvimento do ser humano em direção à sua humanidade.

Desse modo, a educação, segundo a concepção kantiana, “[...] abrange os cuidados e a formação” ( KANT, 1999, p. 29). A partir de suas perspectivas e de seus respectivos momentos, a educação poderá desenvolver, pouco a pouco, a humanidade própria de todo ser humano.

Vejamos agora alguns esclarecimentos acerca da educação prática. Lembrando que “chama-se prático tudo o que se refere à liberdade” ( KANT, 1999, p. 29), a formação ou educação prática é, segundo Kant, a perspectiva específica da educação que terá como meta o desenvolvimento do ser humano para que ele possa viver e ser moral e livre. Para compreendermos essa posição, é preciso dizer que, de acordo com a filosofia prática de Kant, há a compatibilidade entre moralidade e liberdade; o ser humano, ao elevar a sua razão até os conceitos de dever e de lei moral, é, desse modo, livre das determinações externas e capaz de autolegislação.

A educação prática é subdivida por Kant em negativa, que se refere à disciplina, e positiva, para a instrução e o direcionamento, que são os momentos de desenvolvimento e de formação do educando. Comecemos pela parte negativa da educação prática, a disciplina.

A disciplina, o segundo momento da educação e o primeiro momento da educação prática em Kant, é o que transformará “[...] a animalidade em humanidade [...] é puramente negativa, porque é o tratamento através do qual se tira do homem a sua selvageria” ( KANT, 1999, p. 12).

Kant ( 1999, p. 13) chama de selvageria, estado bruto, brutalidade, puro instinto ou animalidade a independência de toda e qualquer lei; a disciplina, por sua vez, será o início do processo de obediência do ser humano às leis da sua humanidade. As leis da humanidade, não se perdendo de vista o conjunto da filosofia prática de Kant, nada mais são senão as leis da liberdade ou morais, isto é, uma legislação que o ser humano, mediante a faculdade prática da sua razão, é capaz de oferecer a si mesmo. Assim, com a disciplina, há o início do processo para que a criança, quando atingir a idade juvenil e adulta, seja capaz de dar a si mesma, e seguir por querer, o princípio supremo da ação, isto é, a lei moral da sua razão prática.

A fórmula universal da lei moral é apresentada, no primeiro momento, na Fundamentação da metafísica dos costumes, como um mandamento da razão, um imperativo que, por sua vez, se exprime pelo verbo dever ( Sollen) ( KANT, 1980, p. 124), e, posteriormente, como a lei fundamental da razão prática, na Crítica da razão prática. No parágrafo 7 da Crítica da razão prática, Kant apresenta a lei fundamental da razão prática, dizendo: “Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal” ( KANT, 2003, p. 103). Tal lei exprime uma ação moralmente válida a todos os seres racionais sem permitir exceções e ordena pensar a máxima da ação enquanto princípio de uma possível legislação universal.

A razão, ao oferecer as leis práticas (morais), é chamada por Kant de razão prática pura, a faculdade humana capaz de fornecer uma incondicional condição para a ação voluntária. A razão é prática, ou pode ser prática, no sentido de que é uma faculdade legislativa capaz de oferecer leis ao agir moral. De acordo com Kant, “A lei, considerada em nós, se chama consciência. A consciência é de fato a referência das nossas ações a essa lei” ( KANT, 1999, p. 99).

Então, para que a criança, ao atingir a idade juvenil e adulta, possa manifestar e fazer uso da faculdade prática da sua razão, ou seja, dar-se às leis que guiarão as suas ações, o primeiro passo toca à disciplina, e não à formação. Na explicação La Taille:

Uma educação que não disciplina fracassa em arrancar o homem de seu estado inicial de selvageria; uma educação que não instrui apenas adestra e fracassa em ensinar o homem a pensar, tornar-se cidadão e [...] fracassa em tornar a criança em ser moral.

( LA TAILLE, 1996, p. 141)

A disciplina como o primeiro momento da educação prática kantiana é o que impedirá o ser humano desde cedo de se tornar refém dos instintos mais primitivos, eis “o que Kant denomina como domar a selvageria” ( SANTOS, 2007, p. 5). Isso não significa destruir ou erradicar com todo e qualquer instinto, não significa ter que abolir ou suprimir todas e quaisquer inclinações, desejos, paixões, apetites. Disciplinar, segundo Kant ( 1999, p. 13), significa, especificamente, procurar evitar que a animalidade cause danos à humanidade, evitar que a selvageria, o estado de ausência de toda e qualquer lei causem prejuízos ao processo de formação e de desenvolvimento da humanidade .

O próprio filósofo alerta: é preciso atentar-se para que o disciplinar não trate a criança como escrava; antes, que a faça começar a sentir a sua liberdade que se manifesta pela faculdade prática de sua razão ( KANT, 1999, p. 50).

Isso se justifica, pois, de acordo com Kant ( 2003, p. 419), o instinto, o impulso, a inclinação podem até apresentar uma tendência ao bem ou ao correto moral (distinto do valor moral), à benevolência, mas são cegos e servis, podendo muitas vezes causar danos ao ser humano e à sua humanidade. Quando investigadas as razões do agir, na ação motivada por uma inclinação, instinto ou impulso, há a ausência de um princípio e a posição do filósofo é: na ausência do princípio prático, os costumes estariam facilmente sujeitos a perversões, corrupções e desvios do ponto de vista ético. O ser humano, motivado por um impulso, pode se deixar seduzir ou desviar facilmente de suas ações com e por valor moral, ou seja, desviar-se com facilidade daquilo que deve necessariamente acontecer, o que devemos fazer do ponto de vista da moralidade. A ação por impulso ora pode mover e determinar o ser humano em suas ações, ora não se mover, e deixamos de realizar o que, do ponto de vista moral ou do caráter, é necessário.

Ainda acerca das inclinações, tendências, impulsos, paixões, para Kant ( 1999, p. 106), “convém também orientar o jovem para a alegria e o bom humor”, e, nesse sentido, é reforçada a posição de Kant da não necessidade de erradicar toda e qualquer inclinação, 1 mas tudo o que em geral nos inclina, sentimentos, paixões, impulsos, é contingente e, para o filósofo, tendo em vista a vida moral humana, não devemos deixá-la à sorte de qualquer contingência. Na ausência de leis, que não são as sociais, religiosas, nacionais ou de tradições, mas as leis da própria humanidade, intrínsecas a todo ser humano e possíveis mediante a faculdade prática da sua razão, a ação por desejos em face das inclinações, além de não poder conferir o autêntico valor moral à ação do ser humano, pode, em muitos casos, prejudicar a natureza humana no processo do desenvolvimento de sua humanidade e, ademais, no processo do desenvolvimento da humanidade moral e livre, 2

A disciplina é o primeiro passo de uma educação prática, ou seja, para a formação e o futuro desenvolvimento da capacidade prática da razão humana. Com a disciplina, em Kant, há “a formação geral da humanidade para além da animalidade da raça humana” ( OLIVEIRA, 2006, p. 74). A disciplina, no entanto, é somente o primeiro momento da ideia de educação prática de Kant, pois a moralidade e a liberdade humana fundam-se em máximas da ação, e não sob a disciplina – a disciplina impede os vícios, mas só a máxima forma o modo de pensar ( KANT, 1999, p. 75).

É preciso continuar o processo educacional e “proceder de tal modo que a criança se acostume a agir segundo máximas” ( KANT, 1999, p. 75). Desse modo, é indispensável a disciplina, mas a educação prática, segundo a concepção kantiana, exige, no momento seguinte, o olhar para a máxima da ação, “a educação prática não pode permanecer baseada unicamente sobre a disciplina, mas deve assentar sobre máximas” ( SANTOS, 2011, p. 211). A máxima da ação é o princípio ou fundamento subjetivo do querer ( KANT, 1980, p. 115), isto é, as razões, a intenção ou o porquê que o sujeito da ação tem ou se dá para agir. Para o caso do ser humano, e considerando-se a perspectiva prática da educação kantiana, em primeiro lugar essas máximas são as da escola, depois, as da humanidade, isto é, da própria humanidade presente em todo ser humano, o que consiste na autolegislação; portanto, “no primeiro período, o constrangimento é mecânico; no segundo, é moral” ( KANT, 1999, p. 30).

Avançando com a subdivisão da educação prática kantiana em negativa (disciplina) e positiva (formação), observemos o que envolve a parte positiva do sentido prático da educação em Kant, que se refere à educação: escolástica, pragmática e moral.

A educação escolástica diz respeito ao desenvolvimento das habilidades e aptidões dos seres humanos, é a educação para a formação da razão teórica e envolve a faculdade do conhecer teórico ou especulativo. A educação escolástica assegura o desenvolvimento dos conteúdos cognitivos. De acordo com Kant, abrange a instrução e vários conhecimentos,

[...] é a criação da habilidade e esta é a posse de uma capacidade condizente com todos os fins que almejamos [...] Algumas formas de habilidade são úteis em todos os casos, por exemplo, o ler e o escrever; outras só são boas em relação a certos fins [...]. A habilidade é de certo modo infinita, graças aos muitos fins.

( KANT, 1999, p. 25-26)

A educação pragmática prática diz respeito à prudência, que, segundo Kant, é como uma espécie de civilidade. Um ser humano prudente e, portanto, segundo a concepção kantiana, civilizado, tem certas noções que a pessoa que possui somente conhecimentos especulativos, ou seja, a pessoa meramente hábil, não possui. Trata-se de uma espécie de educação política, “a civilização visa formar o cidadão para que ele tome parte ativa na vida da sociedade em que está inserido” ( SANTOS, 2011, p. 211). Ainda que não aborde designadamente as ações morais, a educação pragmática forma o cidadão com bons modos, cortesia e gentiliza, como, por exemplo, a prudência ou civilidade de não se servir de outros seres humanos para a realização dos seus próprios interesses. Segundo Kant:

[...] por um prazer universalmente comunicável e pelas boas maneiras e refinamento na sociedade, ainda que não façam o homem moralmente melhor, tornam-no porém civilizados, sobrepõem-se em muito à tirania da dependência dos sentidos.

( KANT, 1993, p. 274)

Finalmente, a educação moral, que se refere à ética e ao intrínseco valor das ações humanas, a saber, o valor moral. “Por último vem a formação moral, enquanto é fundada sobre princípios que o homem deve reconhecer” ( KANT, 1999, p. 35-36). Com o desígnio de formar moralmente, a educação deve:

[...] cuidar da moralidade. Na verdade, não basta que o homem seja capaz de toda sorte de fins; convém também que ele consiga a disposição de escolher apenas os bons fins. Bons são aqueles fins aprovados necessariamente por todos e que podem ser, ao mesmo tempo, os fins de cada um.

( KANT, 1999, p. 26)

A educação moral, terceiro e incontestável momento da educação prática de Kant, tem em vista os componentes de uma razão prática – a moralidade, a virtude, o caráter, a pessoa, a autonomia e a liberdade –, portanto cuidará do desenvolvimento da dimensão prática da razão humana. Como exposto, a razão é, para Kant, enquanto prática, a faculdade dos princípios práticos. A educação prática kantiana terá em vista a formação de um ser humano que será capaz de querer agir e viver segundo valores e princípios morais, o que, para Kant, representa o máximo do valor da natureza humana, o valor intrínseco e absoluto (não relativo) de todo ser humano. Como explica o filósofo, a formação prática oferece ao ser humano um valor que diz respeito à inteira espécie humana ( KANT, 1999, p. 35).

Apontamos que é na obra Metafísica dos costumesPrincípios metafísicos da doutrina da virtude, na primeira seção, Doutrina ética do método, que Kant apresenta o método educativo, técnicas e meio experimental que podem atingir os objetivos da educação prática no seu momento final e decisivo, ou seja, a formação moral do educando. O método educativo, as técnicas e o meio experimental da formação moral ou ensino da ética apresentados na Metafísica dos costumes, de acordo com Kant, são instruções da teoria, o que significa que são meios que os professores podem empregar para a formação moral do educando; mas a contrapartida prática, ou seja, a realização ou efetivação desses exercícios da teoria encerra-se no cultivo moral. Com o método e a técnica é desenvolvida a ideia de dever prático, é formado o juízo moral mediante o desenvolvimento da razão prática, mas o como efetivar a moralidade, a ação propriamente dita com conteúdo moral, na vida e vivências, requer o cultivo da capacidade para a virtude moral, que pode ocorrer, segundo Kant, pelo exercício ou ginastica ética ( KANT, 2004, p. 135).

A parte positiva da educação prática, junto da educação escolástica, pragmática e moral, tem propriamente o objetivo de desenvolver as habilidades, a prudência e, por fim, a moralidade. Desse modo, a educação, no sentido de formação e desenvolvimento dos seres humanos, somente será plena se enxergar o ser humano em sua totalidade, que, em Kant, envolve o conhecer e o agir político e moral de toda a espécie humana ( DELBOS, 1969, p. 591). Enxergamos a educação prática kantiana, com os seus momentos de disciplina e de formação, representando a possibilidade da plena formação e desenvolvimento do ser humano em suas diferentes dimensões: cognitiva, afetiva, política, ética. Isso significa, conforme Kant, o desenvolvimento da humanidade do ser humano: habilidades, aptidões, qualidades, civilidade, prudência, moralidade, virtude, autonomia, emancipação, liberdade, ética, caráter e escolha pelos bons fins.

Considerando as análises da pedagogia de Kant, em especial acerca da educação prática, afirmamos que há, no pensamento do filósofo, preocupações de perspectivas educacionais consequentes, que revelam a necessidade e a possibilidade de uma formação integral do ser humano, isto é, o ser que possui conhecimentos e que age segundo valores e princípios humanos, valores que condicionam a nossa ação, mas não são condicionados por qualquer outra exterioridade – social, política, religiosa ou por interesses meramente particulares. Isso porque o grau máximo da formação humana em Kant envolve a formação em valores e, consequentemente, a formação para a realização de ações éticas. Há, na educação prática de Kant, a possibilidade da educação, pensada e apresentada, com um importante desígnio fundamentalmente moral e ético, o que nos permite, hoje, pensar na urgente recuperação de uma dignidade última possível na esfera do vir a ser humano.

Desse ponto de vista, ressaltamos a necessidade de pensar com seriedade e efetivar, via educação, tudo o que o ser humano pode e deve ser, o que, na filosofia da educação kantiana, significa atentar-se, fundamentalmente, para uma faculdade própria do ser humano, ou seja, a faculdade prática da razão humana. Uma capacidade da razão capaz de mover a nossa vontade, uma faculdade de determinação do nosso querer fazer, do querer agir, das escolhas pelos bons fins, das decisões genuinamente morais, uma capacidade racional prática que pode ser desenvolvida pela educação para a sociedade, o que se contrapõe às interpretações da moralidade kantiana baseadas no entendimento de uma razão individual e isolada.

Tal é o caso da Crítica da razão pura no que diz respeito ao conhecimento especulativo e à investigação acerca das condições de sua possibilidade. No caso da filosofia prática com a educação, verificamos o filósofo se comprometendo com a investigação quanto à possibilidade de uma boa educação que contemple a humanidade do ser humano e o que é necessário à educação para que ela alcance a humanidade, a qual, segundo Kant ( 1999, p. 15), pertence a todos, sem exceção, e, se pertence a todos, deve, portanto, ser formada e desenvolvida para todos, sem que seja permitida qualquer exclusão.

4 Considerações finais

Trouxemos, neste artigo, os esclarecimentos e elucidações conceituais do pensamento prático educacional de Kant, particularmente no que se refere à razão prática e à educação prática. Se o presente, educacional e humano, incomoda-nos, então podemos, com o auxílio dos fundamentos, dos projetos e das ideias, vislumbrar um futuro em que essas realidades possam ser melhores e propícias ao humano e à sua humanidade. Para avistar um futuro como um modo de resposta ao presente, precisamos da reflexão, pois a crise humana “obriga todos, em especial aos pensadores, a uma profunda reflexão” (GRACIA, 2012, p. 89).

Por isso incluirmos aqui a dimensão ética do educando como uma possibilidade de debate e de compreensão em uma ocasião de afirmação da humanidade, justamente em um momento, o ano de 2020, em que ela, a humanidade, clama, novamente, por essa afirmação. Enfatizamos que é preciso orientar os educandos “[...] sobre a necessidade de, todo dia, examinar a sua conduta, para que possam fazer uma apreciação do valor da vida” ( KANT, 1999, p. 107).

Ou será que iremos declarar os valores humanos como algo irrelevante e vamos apenas nos preparar para uma existência em que as relações entre os externos e as pessoas são frágeis, precárias e transitórias? Afinal, quais são os valores que atualmente sustentam, e quais poderiam ou deveriam sustentar as ações dos seres humanos em suas vidas e vivências?

Pensamos que não assegurar a formação dos outros aspectos e dimensões dos seres humanos, por exemplo, a formação de uma razão prática que garanta a formação da humanidade implica a tecnização dos conhecimentos e, no campo das ações humanas, apenas a informação ou o conhecimento técnico não são suficientes. Somente a instrução para os conhecimentos que, sem a atenção com a formação humana, podem se tornar técnicos, além de não bastar ao pleno desenvolvimento do ser humano, pode ser muito prejudicial, pois, quando se considera tão só a instrução para os conhecimentos técnicos, e nada além, corre-se o risco das mais diferentes e amplas espécies de barbárie. Logo, é preciso extinguir a “formação” educacional que assegura e oferece somente a mera tecnização e eliminar as banais receitas de moralização do “faça” ou “não faça”, a qual desconsidera a consciência moral, a autonomia, a emancipação e a humanidade em relação ao ser humano total e plural.

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1Kant, particularmente em dois momentos, oferece-nos a definição do que ele chama de inclinação. Na Fundamentação da metafísica dos costumes: “Chama-se inclinação a dependência em que a faculdade de desejar está em face das sensações” (KANT, 1980, p. 124). Na Antropologia de um ponto de vista pragmático (KANT, 2006, pp. 149, 163), diz que o apetite sensível habitual ou o desejo sensível que serve de regra/hábito ao sujeito chama-se inclinação. Por apetite entende-se a autodeterminação de um sujeito mediante a representação de algo futuro, enquanto seu efeito, uma determinação segundo uma representação, trata-se de uma futura ação voluntária de que se espera algo enquanto efeito. Desse modo, compreendemos que o apetite sensível habitual ou a faculdade de desejar ante as sensações, mediante a representação de algo futuro enquanto efeito de uma ação segundo ou por vontade, é uma inclinação. Na Antropologia, a faculdade de desejar, quando dependente de alguma sensação, há o que podemos chamar de inclinação. Uma determinada inclinação que a razão do indivíduo dificilmente pode dominar, ou não pode dominar de modo algum, é uma paixão. A inclinação sustentada por algum sentimento de, por exemplo, prazer ou desprazer, satisfação ou dor, agradável ou desagradável, alegria ou tristeza, amor, ira, no estado presente (no agora) que não permite a reflexão racional aflorar no indivíduo, se se deve entregar ou resistir ao sentimento, é a afecção (KANT, 2006, p. 149).

2Exemplificando: “Ser caritativo quando se pode sê-lo é um dever, e há, além disso, muitas almas de disposição tão compassiva que, mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou interesse, acham íntimo prazer em espalhar alegria à sua volta e se podem alegrar com o contentamento dos outros, enquanto este é uma obra sua. Eu afirmo porém que neste caso uma tal ação, por conforme ao dever, por amável que ela seja, não tem contudo nenhum verdadeiro valor moral, mas vai emparelhar com outras inclinações, por exemplo, o amor das honras que, quando por feliz acaso topa aquilo que efetivamente é de interesse geral e conforme ao dever, é consequentemente honroso e merece louvor e estímulo, mas não estima; pois à sua máxima falta o conteúdo moral que manda que tais ações se pratiquem, não por inclinação, mas por dever. [...] se a natureza não tivesse feito de um tal homem (que em boa verdade não seria seu pior produto) propriamente um filantropo, – não poderia ele encontrar dentro de si um manancial que lhe pudesse dar um valor muito mais elevado do que um temperamento bondoso? Sem dúvida! – e exatamente aí é que começa o valor do caráter, que é moralmente sem qualquer comparação o mais alto, e que consiste em fazer o bem, não por inclinação, mas por dever” (KANT, 1980, p. 113).

Recebido: 29 de Abril de 2021; Aceito: 17 de Maio de 2022

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