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Educação: Teoria e Prática

Print version ISSN 1993-2010On-line version ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.33 no.66 Rio Claro  2023  Epub Dec 31, 2023

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v33.n.66.s17488 

Artigos

O livro didático de língua portuguesa: um estudo da Coleção Ápis, 1º ao 5º ano

The portuguese language textbook: a study of the Apis Collection, 1st to 5th year

El libro didáctico de la lengua portuguesa: un estudio de la Colección Ápis, 1º al 5º año

Maria de Fátima Xavier da Anunciação de Almeida1 
http://orcid.org/0000-0002-1348-2913

1Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, Mato Grosso do Sul – Brasil


Resumo

Neste texto apresentamos parte da pesquisa realizada em pós-doutorado sobre o livro didático do componente curricular de língua portuguesa dos anos iniciais do ensino fundamental do Programa Nacional do Livro Didático e do Material Didático (PNLD) 2019. São livros do 1º ao 5º ano, da Coleção Ápis (CALP), publicada desde 2011 pela editora Ática. No polo da produção ( DARTON, 1990), pretendemos analisar alguns aspectos da materialidade dos cinco volumes da CALP e, também, mostrar a alguns leitores pressupostos significados nas práticas e representações de leitura. O estudo, de cunho exploratório e interpretativo, pauta-se pelos referenciais do campo da História Cultural (HC), principalmente por meio dos pensamentos de Chartier (1990), Certeau (1990), Ferreira (2017) e de Bakhtin (1988; 2003). Tomamos a coleção como fonte e objeto de pesquisa, cuja materialidade se constitui em forma de linguagem, em suporte impresso, parte da cultura escrita na sociedade em que é veiculado. As análises apontam que os leitores pressupostos para a CALP não são necessariamente os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental. Encontramos, na morfologia da obra didática, as marcas de outros leitores previstos, que podem trazer prestígio à coleção em seu projeto editorial e pedagógico.

Palavras-chave: Leitura; Livro didático; Língua Portuguesa; PNLD 2019

Abstract

In this text we present part of a research accomplished in a Post-Doctoral degree on the texbook of the curricular component of the Portuguese language of the early years of elementary school of the Programa Nacional do Livro Didático e do Material Didático (PNLD) 2019. These are books from the 1 st to the 5 th year from the Coleção Ápis (CALP) published since 2011 by Ática Publisher. At the production pole ( DARTON, 1990), we intend to analyse some aspects of the materiality of the five volumes of the CALP and also show readers presupposed meanings in the practices and representations of reading. The explanatory and interpretive study is guided by the references of the field of Cultural History (HC), mainly through the thoughts of Chartier (1990), Certeau (1990), Ferreira (2017) and Bakhtin (1988; 2003). We take the collection as a source and object of research, whose materiality is constituted in the form of language, in printed media, part of the written culture in the society in which it published. The analysis point out that the presupposed readers for the CALP are not necessaryly students from the early years of elementary school. We find in the morphology of the didatic work the marks of other foreseen readers, who can bring prestige in its editorial and pedagogical project.

Keywords:  Reading; Textbook; Portuguese Language; PNLD 2019

Resumen

En este texto, presentamos parte de una investigación posdoctorado sobre el libro de texto del componente curricular de lengua portuguesa de los primeros años de la escuela primaria del Programa Nacional do Livro Didático e do Material Didático (PNLD) 2019. Son libros del 1° al 5° curso, de la Coleção Ápis (CALP), editada desde 2011 por Editora Ática. En el polo de producción ( DARTON, 1990), pretendemos analizar algunos aspectos de la materialidad de los cinco volúmenes de la CALP y también mostrar a algunos lectores los significados presupuestos en las prácticas y representaciones de la lectura. El estudio, que es exploratorio e interpretativo, se guía por las referencias del campo de la Historia Cultural (HC), principalmente a través del pensamiento de Chartier (1990), Certeau (1990), Ferreira (2017) y Bakhtin (1988; 2003). Tomamos la colección como fuente y objeto de investigación, cuya materialidad se constituye en forma de lenguaje, impreso, parte de la cultura escrita en la sociedad en la que se publica. Los análisis señalan que los lectores presupuestos de la CALP no son necesariamente estudiantes de los primeros años de la escuela primaria. Encontramos, en la morfología de la obra didáctica, las huellas de otros lectores previstos, que pueden dar prestigio a la colección en su proyecto editorial y pedagógico.

Palabras clave:  Lectura; Libro Didáctico; Lengua Portuguesa; PNLD 2019

1 A pesquisa da Coleção Ápis

O estudo em questão é resultado de segunda fase de investigação que vem sendo realizada sobre a Coleção Ápis de língua portuguesa dos anos iniciais do ensino fundamental 1 (CALP). Na sua primeira fase, consultando o site do Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), realizamos um mapeamento 2 nacional das produções acadêmicas dos programas de pós-graduação s tricto sensu nas áreas de Educação e Letras sobre a leitura do livro didático de língua portuguesa nos anos iniciais do ensino fundamental.

Alguns resultados desta investigação apontam que, nos últimos nove anos, a escolha dos pesquisadores recaiu, prioritariamente, em estudar os livros didáticos ligados ao momento da alfabetização e letramento na escola, como podemos observar nas pesquisas de Kikuchi (2010), André (2011), Silva T. (2012), Nascimento (2012), Campos (2014), Godinho (2014), Silva A. (2016) e Araújo (2017), Teixeira (2014) e Rodrigues (2018); privilegiar abordar a “leitura” em sua relação indissociável com a escrita, como podemos localizar também nos estudos de André (2011), Nascimento (2012), Godinho (2014), Araújo (2017), Meneses (2010), Silva C. (2012) e Teixeira (2014), e dedicar-se ao estudo da “leitura” dissociada da “escrita” ou do “ensino da literatura”, como apontado nas investigações de Kikuchi ( ibid.), Campos ( ibid.), Albuquerque (2014), Luz (2015), Silva A. (2016) e Rodrigues (2018) (ALMEIDA, 2021).

No grupo das temáticas que delimitamos para analisar aquelas produções acadêmicas – “leitura e escrita na fase inicial da escolarização” ou “leitura como objeto de estudo dissociado da escrita” –, não foi localizada alguma pesquisa que aborde a leitura como prática e o livro como objeto, culturalmente ressignificados em suas comunidades de leitores e passíveis de serem investigados pelos estudos trazidos pela História Cultural (ALMEIDA, 2021).

Nesse sentido, estudar o livro didático de língua portuguesa do ensino fundamental I no campo da História Cultural por meio principalmente do pensamento de Chartier (2004), Certeau (1990), dos estudos de Ferreira (2017) e de Bakhtin (1988; 2003), significa olhar para o livro didático como objeto e fonte de pesquisa que pode ser interrogada discursiva e materialmente quanto ao gênero, ao suporte que o sustenta ( FERREIRA, 2017) e às práticas que o movimentam, dando-lhe sentidos ( CHARTIER, 1990).

Segundo Chartier (1990; 2003), “não há produção cultural que não empregue materiais impostos pela tradição, pela autoridade ou pelo mercado e que não esteja submetida às vigilâncias e às censuras de quem tem poder sobre as palavras ou gestos. Por outro lado, são incontroláveis as apropriações e os usos sempre inusitados dos leitores de carne e osso, em diferentes condições concretas de leitura” ( CHARTIER, 2004, p. 16-17).

Por conseguinte, ao estudar a Coleção Ápis e privilegiar o polo da produção ( DARTON, 1990) nessa análise, temos a intenção de analisar alguns aspectos da materialidade dos seus cinco volumes e, também, mostrar que os seus leitores pressupostos não são necessariamente os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental. É preciso considerar que, além de seu destinatário explícito (o aluno), pressupõe muitas outras figuras no momento de sua produção, o que pode implicar a escolha do conteúdo, das estratégias de ensino e de aprendizagem, inclusive, do projeto editorial que os acolhe e os apresenta. Assim, recorremos à morfologia da obra didática por meio de alguns de seus paratextos ( GENETTE, 2009), que se constituem também em protocolos de leitura ( CHARTIER, 1990; 2011), para podermos localizar as marcas de outros leitores previstos, que podem trazer prestígio à coleção seriada em seu projeto editorial e pedagógico, representando algumas vozes e lhe dando legitimidade no mercado livreiro.

2 Edições anteriores e a edição em estudo

A CALP é produzida pela Editora Ática e escrita pelas autoras Ana Maria Trinconi Borgatto, Terezinha Costa Hashimoto Bertin e Vera Lúcia de Carvalho Marchesi, ambas licenciadas em Letras, mestras pela Universidade de São Paulo (USP), professoras de português dos ensinos fundamental, médio e superior. Sua circulação no país ocorre desde 2011, quando foi publicada a sua primeira edição, direcionada ao Programa Nacional do Livro Didático 3 2013. A partir de 2013 permaneceu no rol de obras didáticas avaliadas e recomentadas pelo Ministério da Educação até os dias atuais. A cada lançamento, passa por adaptações e prescrições das políticas públicas educacionais e curriculares do PNLD/MEC.

A 2ª edição, de 2014, foi referendada no Guia de Livros Didáticos: PNLD 2016: Alfabetização e Letramento e Língua Portuguesa: ensino fundamental anos iniciais. A 3ª edição surgiu em 2017, momento em que a nova diretriz curricular (BNCC) estava sendo construída no país. Naquele ano, a Editora Ática submeteu a CALP ao Edital 01/2017, de 27/7/17, da Coordenação-Geral dos Programas do Livro (CGPLI) 4, que convocou para o processo de inscrição e avaliação de obras didáticas para o PNLD 2019. No mesmo edital, havia a exigência de que os livros didáticos estivessem adequados às diretrizes da BNCC de 2017, todavia esse documento curricular ainda não havia sido aprovado pelo Conselho Nacional de Educação e homologado pelo MEC, conforme podemos ler nos critérios de avaliação do referido edital.

3. CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

A avaliação das obras didáticas submetidas à inscrição no PNLD 2019 busca garantir a qualidade do material a ser encaminhado à escola, incentivando a produção de materiais cada vez mais adequados às necessidades da educação pública brasileira, em conformidade com os objetivos da legislação da Educação Básica. A avaliação objetiva sobretudo garantir que os materiais contribuam para o alcance dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento da educação infantil e para o desenvolvimento das competências e habilidades envolvidas no processo de aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental, conforme definidas no Anexo III-A, que corresponde à versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) enviada ao Conselho Nacional de Educação pelo MEC em abril de 2017. Este edital irá utilizar esta versão como critério, mesmo entendendo que a versão final da BNCC depende da discussão e aprovação do Conselho Nacional de Educação e posterior homologação pelo Ministro da Educação.

( BRASIL, EDITAL 01/2017 – CGPLI, p. 27, 2017 – Grifos dos autores do edital).

É de se estranhar a publicação de uma edição da CALP, dentro dos parâmetros curriculares (BNCC), que ainda não havia sido aprovada pelo Conselho Nacional de Educação, portanto o documento não passou pelo processo democrático para validação ao sistema educacional brasileiro por aquele órgão colegiado.

Posteriormente ao edital 01/2017, foi publicada a Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017, que instituiu e orientou a implantação da BNCC na educação básica. Desde então, e para atender às novas diretrizes curriculares, novamente foi lançado edital de processo seletivo de convocação nº 01/2019 – CGPLI, cujo objetivo foi atualizar as obras didáticas do PNLD 2019, o que garantiu à Editora Ática atualizar a CALP conforme os parâmetros solicitados e continuar no rol das obras didáticas direcionados às escolas públicas.

Surgiu desse contexto a Coleção Ápis, a qual se encontra na sua 3ª edição de 2017, 3ª reimpressão em 2019, vinculada ao PNLD 2019, para ser usada de 2019 a 2022 pelos alunos do 1º ao 5º ano de todas as escolas – 79 instituições escolares – da Rede Municipal de Ensino de Campo Grande – MS. Por esse motivo nos enveredamos pela pesquisa para compreendê-la, já que a sua proposta pedagógica parece ser o norte para o ensino de língua portuguesa nos anos iniciais do ensino fundamental de toda a rede municipal.

Fonte: Foto produzida pela autora.

Figura 1 - Coleção Ápis – Língua Portuguesa PNLD 2019. 

O sentido de qualquer texto, segundo Chartier ( 2010, p. 8), “[...] depende das formas que o oferecem à leitura, dos dispositivos próprios da materialidade do escrito”. No caso da CALP, sendo um objeto impresso e parte da cultura escrita, o formato de cada volume, a construção de suas páginas, as divisões de suas unidades textuais, a presença ou não de imagens e as convenções tipográficas (CHARTIER, 2010) indiciam significados que foram construídos para ela, em suas estratégias de produção, que, sob a orientação de diretrizes governamentais e educacionais e pelas mãos de seu editor, direcionam a sua morfologia, incluindo o seu projeto pedagógico.

Nessa direção, a coleção em análise, composta por cinco volumes, traz em seus paratextos protocolos de leitura que visam a direcionar a leitura de seus leitores explícitos e pressupostos, além de trazer marcas de prestígio por meio das vozes de seus fabricadores, que é o que vamos mostrar mais adiante neste texto. Olhando para a sua composição material, vamos localizar inicialmente o predomínio das cores verde e roxo em todos os volumes, demarcando, assim, o reconhecimento pelo leitor de que eles pertencem a uma mesma coleção, a CALP.

Detendo o nosso olhar em alguns de seus paratextos (capa, verso da capa, contracapa, apresentação e bibliografia), destacamos primeiramente a composição de suas capas e seus aspectos comuns. Essa composição se dá em dois planos. Num primeiro plano, localizamos o nome da Coleção Ápis, o ano escolar de cada livro, o nome do componente curricular Língua Portuguesa, o selo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)/Ministério da Educação (MEC) com a indicação de que a obra pertence ao PNLD de 2019 e pode ser encontrada no Guia do Livro Didático do PNLD 2019, o nome das autoras dos livros e a logomarca da Editora Ática. Todas essas informações sempre estão posicionadas no mesmo lugar de todos os volumes, trazendo a referência de uma identidade visual para a obra didática. Assim, podem ser vistas como estratégias para que o leitor identifique cada livro como pertencente a uma mesma coleção.

Sob um segundo plano, são comuns a todos os volumes imagens que trazem uma história, um discurso narrativo em que crianças 5, estilizadas em situações descontraídas, assumindo diversidade de raças, de diferentes idades, são personagens principais e únicas em situações lúdicas de aprendizagem. Elas figuram diversos gestos em também distintos cenários: salas de aula de escola, palcos, na rua a caminho da escola, em um sofá de suas casas. Essas estratégias editoriais são comuns a todos os livros e buscam produzir efeitos de sentidos nos leitores pressupostos que (se) identificam com essas personagens crianças envolvidas com o mundo da leitura e da escrita, quer na posição de aluno, quer na de professor.

Atentando-nos a cada volume, encontramos, no primeiro, 328 páginas e 22 unidades, sendo o mais denso de todos em quantidade de páginas e na apresentação de unidades temáticas. Em comparação com os outros livros da coleção, é o que possui o maior número de unidades e de páginas. Provavelmente isso ocorre porque, por um lado, há um volume mais denso de conteúdos relacionados com o 1º ano do ensino fundamental, considerando o ensino inicial de leitura e escrita nessa etapa; de outro, as letras de imprensa utilizadas para a sua composição estão, em sua maioria, em caixa alta, letras bastão, trazendo a imagem de um leitor infantil que será alfabetizado. Além disso, as suas páginas são recheadas de imagens de formas e tamanhos variados em que figuram crianças brincando de escrever, no parque, de roda e navegando em oceano de letras (p. 11, por exemplo), sonhando que estão voando sobre as nuvens em um avião de papel. Crianças e suas famílias, animais diversos, festas populares, instrumentos musicais, jogos de futebol, figurinhas de times, espaço escolar e seus diferentes frequentadores, crianças cadeirantes, negras e brancas (p. 110). São todas imagens que remetem à alegria de viver em meio a letras, à escrita, a livros, textos orais e escritos em diversos gêneros (fábulas, cantigas, poema, legendas, conversa em jogo, parlenda, história em quadrinhos etc.), e não verbais, bichos, brinquedos, amigos, família e leitura. Imagens e palavras que podem seduzir a criança e o adulto (pai, professor, coordenador pedagógico), principalmente, a adquirir a obra por sua inovação, já que uma das intenções de seu editor parece ser rememorar uma infância feliz e representar a diversidade humana na infância, o que pode ser uma estratégia para seduzir os leitores pela emoção.

Fonte: Foto produzida pela autora.

Figura 2 - Ápis Língua Portuguesa – volume 1. 

Na composição da capa do volume 1, os tons alaranjado, verde-escuro, roxo, azul, vermelho, amarelo, rosa e branco sugerem um cenário de ludicidade e alegria combinado com a imagem de um menino de traços afrodescendentes também feliz em meio a duas bolas coloridas, um aviãozinho, um dado e uma significativa pilha de livros também coloridos. O livro é um brinquedo entre outros tantos que pode divertir. De boné em posição contrária e sentado em um tapete, parece à vontade para ler num espaço descontraído, o que nos lembra, talvez, um “cantinho de leitura” preparados para tal finalidade, principalmente nas salas de aula da pré-escola. Ler é um prazer. Ler é se divertir. A figura da criança estilizada de boneco se destaca pelo tamanho em relação aos outros objetos e pela centralidade que ela ocupa na capa. A leitura é o encontro de um leitor com um livro. O livro impresso e aberto também ganha centralidade e destaque pelo tamanho em relação à criança, que o apoia nas pernas abertas. De suas páginas irradia uma luz clara que envolve o pequeno leitor com um leve sorriso de espanto. A leitura ilumina as mentes, tira-as da escuridão e da ignorância de não saber a palavra escrita 6; alia conhecimento e contentamento já na infância. E os livros fechados, na pilha, aguardam outros momentos de leitura e indiciam que uma formação de leito não se faz com um único livro. A reprodução da capa do livro Ápis, ao fundo, não é apenas um lugar de registro das informações sobre a obra; ela acolhe o próprio cenário da aprendizagem pela leitura. Como estratégia de espelhamento, o livro aparece reproduzido na própria capa do próprio livro, enquanto a presença da reprodução da capa do PNLD indicia a busca de outros interlocutores e “reais” consumidores do produto: os professores, além de legitimar a adoção desse material por instâncias avaliadoras e oficiais.

O volume 2 da coleção contém 295 páginas e 12 unidades, sendo o segundo livro em número de páginas e unidades. Novamente, o volume e a quantidade de páginas podem ser explicados pela continuidade do uso de letras bastão e caixa alta nas seis primeiras unidades, apontando para uma concepção de ensino da leitura e da escrita que, nos últimos anos, orienta a impressão com esse modelo tipográfico das letras como facilitador da aprendizagem no momento inicial de aquisição da língua escrita pela criança. A partir da unidade 7 até a 12, diferentemente, as letras são impressas com inicial maiúscula e minúscula, conforme o modelo tipográfico comumente encontrado nos livros. Tal mudança sinaliza a pressuposição pedagógica de que em um ano e meio a criança já é capaz de ler esse tipo de letra e pode ingressar no mundo da leitura como qualquer outro leitor de impresso. Numa visão ampla da obra, localizamos o mesmo padrão editorial que vimos no volume 1 da coleção e nos demais exemplares. A cada início de suas unidades, a leitura de gêneros textuais (cantiga popular, conto, fábula, história em quadrinhos, poema, relato pessoal, letra de canção, gráfico etc.) se apresenta primeiramente por figuras tematizadas e relacionadas com o texto a ser lido, multicoloridas, predominantemente com figuras de crianças sempre sorridentes, em grupo no coreto de uma praça, brincando de montar e escrever palavras, dentro de casa se fantasiando de cantoras. Vivendo no mundo da imaginação, as crianças se aventuram com a ajuda dos “objetos mágicos”: vassouras, colher de pau e peteca. São meninos e meninas que representam a diversidade (cadeirantes, usando óculos, negros, brancos, asiáticos) e leem livros com o olhar atento, que lembram crianças felizes e curiosas quando a leitura é representada como ingresso a um mundo mágico, prazeroso e lúdico.

Fonte: Foto produzida pela autora.

Figura 3 - Ápis Língua Portuguesa –volume 2. 

Vemos na capa do volume 2 a figura de uma criança sorridente, de ascendência oriental, apresentando uma história, com ajuda de um fantoche, em um cenário com árvores artificiais e outro pequeno bicho. Seria a fábula do coelho e da tartaruga? O sorriso e os olhos da menina protagonista sugerem que ela está feliz porque narra para um público ou é a história que é feliz? No meio de um palco que encena uma história de bichos que se passa na “floresta”, objetos estranhos a ela foram incluídos: o livro dirigido aos professores (PNLD), o livro Ápis que fecha o fundo, um pequeno e fechado livro (minidicionário) e uma escrita de imprensa se espalha pela capa.

O terceiro volume ocupa a terceira posição em número de páginas, com 288, e as unidades coincidem em número com o volume 2 da obra didática. Nesse caso, o volume 3 (assim como o 4) é praticamente impresso com letras de imprensa iniciais maiúsculas e minúsculas. Uma fórmula editorial calcada em preceitos pedagógicos que preveem que os alunos dos anos iniciais já dominariam as habilidades da leitura e da escrita no 3º ano do ensino fundamental, conforme as prescrições das diretrizes da Política Nacional de Alfabetização da época em que foi produzida a coleção. As páginas desse volume apresentam um projeto editorial que persiste multicolorido, com imagens de crianças, um pouco mais crescidas, de várias raças e características físicas (cadeirante, não cadeirante, usando óculos de grau e aparelhos nos dentes), viajando em tapete voador, em livros abertos que irradiam de dentro uma luz azul (p. 31). A leitura é uma viagem pelo mundo. A leitura é magia e diversão. A leitura ilumina.

Fonte: Foto produzida pela autora.

Figura 4 - Ápis Língua Portuguesa – volume 3 

A capa do volume 3, além dos aspectos que remetem esse exemplar como pertencente à mesma coleção e que já apontamos nos livros 1 e 2, traz a figura de um menino louro de óculos que caminha sorridente, de mochila nas costas e que deduzimos estar indo à escola. Leva, em cada uma das mãos, cartazes que provavelmente poderão ser afixados ao lado de outros três que estão estampados na capa: um que pode ser associado a um convite para a apresentação de uma peça de teatro, porque nele vemos as duas máscaras que, juntas, remetem a esse tipo de espetáculo; um outro que apresenta uma criança sendo medicada pela boca pela mão de um adulto (dentista); e um terceiro cartaz que parece uma pintura. Configura-se, assim, um cenário escolar em que diferentes linguagens (da arte) estão presentes de forma lúdica ao lado dos cuidados com a saúde (da arte), que cabe aos educadores zelar e promover.

O quarto volume, de 288 páginas, tem a mesma quantidade do volume 3, mantendo, assim, um padrão editorial quanto ao número de páginas supostamente adequado para atender a todo o currículo previsto e ao seu leitor, e sendo viável quanto aos custos de sua impressão. As suas páginas continuam estampando figuras multicoloridas de crianças de diversas etnias, alegres, sozinhas ou em companhia de outras crianças, de livros, animais, adultos, idosos etc., equipamentos de tecnologias contemporâneas (computadores, smartphones, tablets), dentro de bibliotecas, nos correios, na praça etc., mostrando a que época social e histórica se refere a produção da coleção: século XXI. Aqui a leitura é viagem sob um livro aberto no espaço sideral e que emite fumaça de letras (p. 15), ou navegação em um barco (p. 14), em que as personagens vivem em meio a letras, palavras, livros, pessoas, animais, enfim, no mundo físico e no mundo da leitura e da escrita. O designer gráfico do livro constrói a cada figura, ou no conjunto delas, várias práticas leitoras que permitem o acesso ao conhecimento pela imaginação e com alegria: uma representação da infância feliz com que o pequeno leitor pode se identificar, espelhar-se e se transportar. Como ficam outras representações de infância(s) não aqui estampadas?

Fonte: Foto produzida pela autora.

Figura 5 - Ápis Língua Portuguesa – volume 4 

Olhando para a capa do volume 4, enxergamos a imagem de uma menina negra, também sorridente, de cabelos compridos ondulados, que ocupa o lugar da professora e encena uma aula ou apresenta um “seminário” aos colegas. De qualquer forma, seu olhar se dirige a um público a quem ela fala. O cenário traz objetos próprios de um espaço escolar: lousa, apagador e gizes sob o quadro, uma varinha para apontar e chamar a atenção para o conteúdo da apresentação, dois baldes de tamanho e cores distintas que guardam cartazes, provavelmente para outros assuntos curriculares. O conteúdo da apresentação é “Alimentos”, que vem representado na linguagem dos gráficos. A postura ereta, em pé, à frente de uma plateia e os gestos professorais da protagonista se harmonizam com um ambiente feliz e de muita aprendizagem e ensino, uma visão tão ingênua da atuação profissional quanto a que encontramos da infância estampada nos outros exemplares da coleção.

O último volume da CALP apresenta uma pequena variedade na quantidade de páginas (304) e mantém oito unidades, aproximando-se do projeto editorial dos volumes 3 e 4. A quantidade de páginas remete a maior número de textos escritos e menor quantidade de figuras em relação aos demais volumes. Continua o predomínio de imagens multicoloridas e de crianças, agora frequentando bancas de jornais (p. 147) ou sobre um palco (p. 248-249) em que apresentam um texto teatral a um auditório atento. Mais do que a ambientação em torno da imaginação e da fantasia infantis, localizamos situações ligadas a diferentes gêneros e suportes de textos (jornais, peças de teatro) e às práticas culturais mais alargadas, formas de acessar o conhecimento e de se formar leitor e escritor, além dos livros impressos.

Fonte: Foto produzida pela autora.

Figura 6 - Ápis Língua Portuguesa – volume 5 

A imagem da capa do volume 5 dá destaque a um personagem único que é protagonista da história ali figurada. Sentado em um sofá vermelho, uma cor alegre, parece estar em sua casa e bem à vontade, pois cruza os seus pés e os coloca sobre o móvel. Representa um leitor criança, de pele branca, cabelos curtos e ruivos, espantado e maravilhado (olhos arregalados e a boca aberta) com a leitura de um texto em seu tablet. Sobre um mesmo suporte (a tela), a leitura e a escrita são movimentadas pelo dedo indicador e pelo olhar atento a um texto vertical. Um momento de estudo ou de aula remota em casa? Na cena vemos, ainda, uma mesa localizada ao lado esquerdo do sofá e sobre ela encontram-se um livro, uma caneta e uma caixa multicolorida (vermelho, verde e azul). Pousados na mesa, os livros e os objetos da escrita manuscrita perdem a cena para o tablet, objeto cultural que parece penetrar na escola e ocupar cada vez mais o espaço dentro dela 7. A exposição do livro, das cenas de leitura e de leitores do impresso praticamente estão ausentes nas capas dos volumes 2, 3 e 4. O ensino e a aprendizagem passam por outros espaços, outros objetos, suportes e gestos. A leitura digital prevalece.

3 Leitores e vozes inscritos nos paratextos

Na “configuração composicional” 8 da CALP e em seus paratextos (capas, versos das capas, contracapas, apresentações e bibliografia), podemos inferir sobre os leitores previstos e vozes que podem trazer e agregar valor à obra didática no mercado editorial brasileiro.

Esses leitores não são apenas os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental I, mas também professores, avaliadores do FNDE, famílias, diretores das escolas, livreiros etc. As vozes ali inscritas são produzidas por sujeitos instituídos de autoridade, que não são somente as de suas autoras, mas as do Estado e as da editora, apontando as representações de leitores pressupostos por seus fabricadores, que orientam, também, os projetos editorial e pedagógico daquela coleção.

Uma das marcas que inscreve a voz do Estado e pretende atingir os seus leitores implícitos, que não são os estudantes, aparece redundantemente na parte inferior esquerda das capas da CALP, em forma de um selo, indicando que a obra didática pertence ao PNLD (2019 a 2022), conforme tentamos mostrar até agora. Essa indicação do PNLD, sempre no mesmo lugar da capa, à frente dos distintos cenários de cada livro da coleção, remete à criteriosa avaliação do FNDE/MEC, submetida a análise de especialistas das áreas dos estudos da linguagem e da pedagogia, que são os avaliadores selecionados para referendar os seus pressupostos teórico-metodológicos, tendo como amparo as políticas educacionais (Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa e Base Nacional Comum Curricular), que são prescrições governamentais para o ensino de língua materna no país e previstas para o PNLD 2019 em edital do FNDE/MEC. Assim, essa estratégia chancela, com o selo da instituição, outros leitores que não apenas os estudantes do 1º ao 5º anos: pais, professores e diretores de escola etc., o rendoso cliente para as editoras. A presença do selo parece representar uma assinatura que atesta a qualidade aferida pelo Governo Federal à obra didática, o que pode lhe trazer legitimidade no meio editorial e garantir, à editora, o lucro.

Em outros paratextos, como, por exemplo, uma carta ao estudante como destinatário e com remetente assinado pelo FNDE/MEC que se encontra no verso da capa de todos os volumes, localizamos, também, a voz do Estado. Usando o vocativo “Estudante”, a mensagem é direcionada a todos os leitores do ensino fundamental I, independente das singularidades e especificidades dos anos de escolaridade que frequentam, da realidade da escola pública em que estudam ou da região desse imenso país em que a escola se situa. É um modelo de estudante bastante genérico e homogêneo quanto a suas capacidades, interesses, habilidades ou necessidades.

Nessa mesma apresentação/carta, ainda que o leitor explícito seja o estudante, é possível inferir outros leitores ali previstos.

Fonte: Foto produzida pela autora.

Figura 7 - Apresentação FNDE/MEC ao estudante. 

Na mensagem, o seu locutor – o FNDE – ( Figura 7) apresenta a um leitor estudante o livro como parte integrante do PNLD. Destaca a finalidade da obra e o zelo, o cuidado que o estudante deve ter com esse material. A comunicação busca, ainda, valorizar a obra e mostrar a seu leitor que ela passou por uma rigorosa avaliação, por isso é um bom livro e tem qualidade. Ao mesmo tempo em que valoriza o produto para que o jovem leitor cuide dele, chamando a atenção para os custos que ele envolve ao Estado, a mensagem divulga e reforça a presença das políticas públicas escolares. A complexidade da linguagem, o assunto tratado e o tamanho do texto parecem indicar que o pequeno leitor não terá autonomia nem interesse para lê-lo. Pressupõe, então, que tal mensagem é dirigida também aos professores e gestores da escola e aos pais, que poderão lê-la em voz alta para os alunos. A carta dirigida ao estudante ganha, assim, o formato de uma “propaganda governamental” em que os tipos das letras impressas, o teor do texto e a linguagem mais elaborada remetem a outros leitores implícitos.

Fonte: Foto produzida pela autora.

Figura 8 - Contracapa volume 1 

Na contracapa ( Figura 8), outras informações constroem uma credibilidade do material, como nomes das autoras da obra didática, e, ainda, sua formação acadêmica e suas experiências profissionais. Elas são escritoras licenciadas e pós-graduadas por universidades públicas de São Paulo, instituições reconhecidas pela qualidade científica e acadêmica. Além disso, são graduadas em Letras e possuem experiência na docência da educação básica e universitária na área do componente curricular de língua portuguesa sobre o qual escreveram. Nesse sentido, a qualificação acadêmica e profissional das escritoras colabora para a produção de prestígio da coleção, agregando-lhe valor. Novamente, vemos aqui, em um livro didático destinado ao uso dos alunos, informações que pressupõem outros leitores, como os pais ou responsáveis, professores, avaliadores do FNDE/MEC, diretores de escola, coordenadores pedagógicos etc.

Fonte: Foto produzida pela autora.

Figura 9 - Apresentação das autoras para os alunos – volumes 1, 2, 3, 4 e 5. 

Na Figura 9 trouxemos, de forma sequencial, outra carta/apresentação dirigida ao “Caro aluno” e assinada pelas autoras. O conteúdo da mensagem é o mesmo em todos os volumes da CALP, o que explica o tratamento “caro” para alguém com quem não se tem intimidade e que não tem rosto. A apresentação dos volumes 1 e 2 traz letras de imprensa em caixa alta (letras bastão), o que parece ser uma intenção das autoras para que os leitores iniciantes – alunos do e 2º anos da educação básica – possam, em algum momento, ler essa mensagem a eles dirigidas. Nos volumes 3, 4 e 5, com as letras impressas em maiúsculas e minúsculas, as autoras parecem entender que seus leitores possivelmente já têm a competência de ler de modo fluente e com autonomia. De qualquer modo, a tipografia das letras corresponde àquela também presente nos respectivos volumes de cada ano escolar, como já comentamos.

O texto bem mais curto que a apresentação da FNDE convida a criança para “um encontro” prazeroso na aprendizagem da leitura e da escrita, tendo como suporte o livro didático apresentado. Sua disposição em uma das páginas iniciais do livro vem ilustrada de forma colorida e ambientada pela representação do universo infantil. Crianças de diferentes etnias (volumes 1, 2 e 3) brincam juntas, enquanto animais figuram na apresentação dos volumes 4 e 5. Em comum, um objeto geométrico remete ao padrão da coleção e está em vários lugares de suas páginas ( Figura 2 a Figura 6 e Figura 8). Interessante notar que, nos três primeiros anos escolares, são imagens de crianças que se divertem e estão felizes em uma pequena turma de colegas. Nos dois últimos volumes, a imagem de crianças é substituída pela de animais, provavelmente aqueles que também ilustram os textos no interior dos livros. Difícil levantar hipóteses para essa mudança entre uma representação da infância, que é diversa em sua etnia, na escola e na sociedade, que a de animais que habitam o mundo da imaginação e das histórias presentes nos livros dessas autoras.

Fonte: Foto produzida pela autora.

Figura 10 - Partes 1 e 2 da bibliografia – volume 2. 

Outro indício de que o livro didático, exemplar do aluno, vem carregado de outros interlocutores está na bibliografia, que é idêntica nos 5 volumes. Nela podemos ler os referenciais teóricos que amparam a composição da obra pelas escritoras e que têm como função apresentar-se aos profissionais da escola como um objeto de qualidade e rigorosamente em diálogo com o campo acadêmico. Tal presença tem a intenção de agregar valor ao projeto pedagógico da CALP e mostrar sua atualidade em relação aos conhecimentos científicos. A bibliografia, como gênero textual obrigatório em trabalhos acadêmicos, tem sido, nos últimos anos, um dos critérios dos avaliadores do PNLD para dar credibilidade científica ao produto. Assim, a listagem composta de pesquisadores, professores e autores já consagrados nas diversas ciências (Ciências da Educação, Ciências da Linguagem, entre outras) torna-se referência e dá legitimidade à obra didática que a exibe.

Os paratextos vão ampliando os seus interlocutores à medida que se presentificam em diversos lugares do livro didático e conforme se repetem para enfatizar ou divulgar o produto. O logotipo, por exemplo, da Editora Ática, espalha-se em diversos paratextos da CALP: capa, contracapa, lombada e verso da contracapa, entre outros. Agrega valor à instituição no mercado editorial porque ela se mostra como responsável pela publicação de uma obra didática que foi aprovada pelo FNDE/MEC. Imprime no mercado editorial a sua marca associada a uma vendagem para o governo brasileiro, que, segundo França, Bilro e Costa-Maciel (2018), é a primeira colocada na etapa da alfabetização.

Os paratextos, ao lado de mensagens dirigidas aos estudantes para uso do seu livro didático, compõem um cenário de valorização da obra para disputar, no mercado editorial, o seu lugar como aquela de maior circulação na escola pública, aquela referendada pelo Ministério da Educação, aquela elaborada por escritoras de significativo nível acadêmico etc.

4 À guisa de palavras finais

Ao iniciarmos a segunda fase de pesquisa sobre a CALP, pudemos construir e compreender alguns sentidos construídos nas estratégias editorial e pedagógica para esse objeto cultural, cuja materialidade localizamos nos paratextos e textos que constituem os seus cinco volumes. De modo particular, buscamos compreender os leitores pressupostos inscritos na 3ª edição de 2017, reformulada em 2019, do PNLD 2019, para atender às diretrizes da BNCC.

Nesse sentido, percebemos que a obra didática adota um discurso para agradar não só o aluno, mas também, e principalmente, as orientações das políticas públicas. Afinal, ela precisa manter-se como uma coleção bastante aceita no mercado escolar e manter o seu lucro. Ademais, ao pertencer à lista das obras didáticas do PNLD 2019, a CALP ganha visibilidade, valor e prestígio também no mercado editorial brasileiro, podendo manter-se como marca comercial de referência. Desse modo, a Editora Ática poderá fabricar coleções didáticas usando o mesmo nome da coleção, mas, agora, com uma morfologia distinta da escola pública, voltada para o leitor da escola privada, o que pretendemos analisar em outra investigação que estamos desenvolvendo sobre essa coleção. Desse modo, tem a sua circulação garantida no país.

Por fim, vale ressaltarmos que a CALP é uma coleção didática que passa pelo crivo e financiamento de instâncias institucionais públicas, ganhando legitimidade, também, pelo próprio nome da coleção e de quem tem o poder para produzi-la.

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1A coleção foi aprovada no Programa Nacional do Livro Didático e do Material Didático (PNLD) 2019, cuja 3ª edição, de 2017, foi revisada e reimpressa em 2019 para atender às diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Desde 2019 está sendo utilizada pelos alunos do 1º ao 5º ano de todas as escolas – 79 instituições escolares – da Rede Municipal de Ensino de Campo Grande – MS.

2Para conhecer o estudo, sugerimos ler Almeida (2021).

3O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é uma iniciativa do Ministério da Educação (MEC). Seus objetivos básicos são a aquisição e a distribuição, universal e gratuita, de livros didáticos para os alunos das escolas públicas do ensino fundamental brasileiro. Realiza-se por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) “(...) A fim de assegurar a qualidade dos livros a serem adquiridos, o Programa desenvolve, a partir de 1996, um processo de avaliação pedagógica das obras nele inscritas, coordenado pela COMdipe (Coordenação geral de Avaliação de Materiais Didáticos e Pedagógicos) da Secretaria da Educação Fundamental do Ministério da Educação” ( BATISTA, 2003, p. 25).

4As obras didáticas aprovadas neste edital deveriam circular nas escolas públicas no período de 4 anos, do mesmo modo que especifica o Guia Didático do PNLD 2016. Diferentemente do PNLD 2013, que previa o período de 3 anos de seus usos.

5É importante destacar que as capas não trazem reproduções fotográficas de crianças “reais” nem ilustrações mais próximas dos modelos infantis. As crianças ganham contornos de bonecos que podem ser de jogos eletrônicos ou de desenhos animados, que podem fazer parte da ficção (imaginação), mas também da realidade (escola). Um cenário em que se busca quebrar as fronteiras entre realidade e imaginação, entre escola e vida, entre aprender e brincar.

6A representação da leitura como aquela que irradia conhecimento e razão retirando os homens da escuridão e iluminando seus caminhos pode ser associada ao Iluminismo, movimento filosófico, literário, artístico e político que ocorreu no séc. XVIII, principalmente na França, Alemanha e Inglaterra, o qual foi conhecido como o período do “Esclarecimento”, da “ilustração” ou “Século das Luzes”, pautando-se na defesa da ciência, da racionalidade crítica e contra a fé, a superstição e o dogma religioso ( JAPIASSÚ, MARCONDES, 1996).

7Tudo indica que os profissionais envolvidos na produção dessa capa jamais poderiam antecipar a força da leitura digital que iria dominar o espaço escolar em plena pandemia da Covid-19 a que estamos submetidos atualmente. Embora soubéssemos que a tecnologia estava prevista e incentivada para adentrar os muros da escola, conforme vemos antecipado nesta capa, não previmos que, de um ano para o outro, as escolas estariam fechadas e o ensino remoto tornar-se-ia refém dela.

8A “figuração composicional” é constituída pelos aspectos discursivos (o quê, como, onde, quando, por quê, para quê, quem e para quem) propostos por Ferreira (2017) e pelo suporte que os sustentam ( CHARTIER, 1990), articuladamente organizados e mutuamente dependentes em um determinado objeto cultural: um livro ( FERREIRA, 2018, p. 7).

Recebido: 11 de Junho de 2021; Aceito: 24 de Fevereiro de 2022; Revisado: 21 de Fevereiro de 2022

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