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Educação: Teoria e Prática

versão impressa ISSN 1993-2010versão On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.33 no.66 Rio Claro  2023  Epub 31-Dez-2023

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v33.n.66.s16534 

Artigos

Experiências sociorrelacionais como mobilizadoras da subjetividade de estudantes com deficiência intelectual

Socio-relational experiences as mobilizers of the subjectivity of students with intellectual disabilities

Experiencias socio-relacionales como movilizadoras de la subjetividad de estudiantes con discapacidad intelectual

1Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal – Brasil

2Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal – Brasil


Resumo

As experiências sociorrelacionais promovidas no ambiente escolar e o modo como podem mobilizar a subjetividade de estudantes com deficiência intelectual, contribuindo para a aprendizagem escolar, instituíram o propósito deste artigo. A pesquisa teve aporte teórico na perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano, a partir das contribuições de Vygotsky em relação à defectologia, e na teoria da subjetividade, desenvolvida por González Rey. Por meio da metodologia construtivo-interpretativa realizou-se a pesquisa com duas participantes do terceiro ano do ensino fundamental em classe inclusiva de uma escola pública do Distrito Federal. A produção das informações ocorreu em um projeto de pesquisa-ação e contou com instrumentos favorecedores da expressão das participantes, como dinâmicas conversacionais, recursos imagéticos e caderno de memórias. Mediante o processo interpretativo das informações, reconhecemos que a qualidade das experiências sociorrelacionais no contexto escolar podem promover algum nível de emergência do sujeito em estudantes com deficiência intelectual como expressão do movimento da subjetividade, possibilitando a mobilização da aprendizagem escolar.

Palavras-chave: Subjetividade; Deficiência Intelectual; Experiências Sociorrelacionais

Abstract

The socio-relational experiences promoted in the school environment and how they can mobilize the subjectivity of students with intellectual disability, contributing to school learning, established the purpose of this article. The research had as theoretical support the historical-cultural perspective of human development from the contributions of Vygotsky, in relation to Defectology, and in the Theory of Subjectivity developed by González Rey. Using constructive-interpretative methodology, a research was conducted with two participants of the third year of elementary school in an inclusive class of a public school in the Federal District, Brazil. The production of information took place in an action-research project and instruments that contributes to the expression of the participants were included, as well as conversational dynamics, imagery resources, and memory notebooks. Through the interpretative process of information, we recognize that the quality of socio-relational experiences in the school context can promote some level of emergence of the subject in students with intellectual disability, as an expression of the movement of subjectivity, making possible the mobilization of school learning.

Keywords:  Subjectivity; Intellectual Disability; Socio-relational Experiences

Resumen

Las experiencias socio-relacionales promovidas en el ambiente escolar y en la manera cómo pueden movilizar la subjetividad de los estudiantes con discapacidad intelectual, contribuyendo al aprendizaje escolar, establecieron el propósito de este artículo. La investigación tuvo soporte teórico en la perspectiva histórico-cultural del desarrollo humano, desde los aportes de Vygotsky en relación con la defectología, y en la teoría de la subjetividade, desarrollada por González Rey. Por intermedio de la metodología constructivo-interpretativa la investigación fue realizada con dos niñas participantes de tercer año en una clase inclusiva de una escuela pública del Distrito Federal. La producción de las informaciones se realizó en un proyecto de investigación-acción y incluyó instrumentos que favorecieron la expresión de las participantes, como dinámicas de conversación, recursos de imágenes y cuadernos de recuerdos. A través del proceso interpretativo de las informaciones, reconocemos que la calidad de las experiencias socio-relacionales en el contexto escolar puede promover algún nivel de emergencia del sujeto en los estudiantes con discapacidad intelectual como expresión del movimiento de subjetividad, posibilitando la movilización del aprendizaje en la escuela.

Palabras clave:  Subjetividad; Discapacidad Intelectual; Experiencias Socio-relacionales

1 Introdução

A abordagem psicológica dos processos de desenvolvimento, na perspectiva histórico-cultural, tem buscado compreender a relação do indivíduo com o mundo pelas experiências socioculturais do estudante que se articulam com aquelas oriundas do próprio espaço escolar ( GONZÁLEZ REY, 2005; MITJÁNS MARTÍNEZ, GONZÁLEZ REY, 2017) e que são compartilhadas e construídas historicamente ( ALVES, PEDROZA, 2016). Por meio das contribuições epistemológicas, ontológicas e teóricas sobre a subjetividade desenvolvidas por González Rey (1997), ampliamos nosso olhar em relação à aprendizagem, compreendendo-a também como um processo de produção subjetiva que se configura no percurso do aprender. Reconhecemos nessa construção do autor um caminho profícuo para se refletir sobre a aprendizagem das pessoas com deficiência intelectual – produtores de subjetividade – e mobilizar compreensões que podem orientar a organização do trabalho pedagógico.

Defendemos que uma educação se constitui inclusiva ao mobilizar tanto a aprendizagem quanto o desenvolvimento de todos os estudantes, de modo especial os que possuem alguma deficiência como a intelectual. O objetivo deste artigo é compreender como as experiências sociorrelacionais promovidas no ambiente educativo podem mobilizar a subjetividade de estudantes com deficiência intelectual, contribuindo para a aprendizagem escolar.

Para significar a compreensão de deficiência, referenciamos as contribuições de Vygotsky (1997) nos Fundamentos da Defectologia, que foram fruto de sua dedicação ao estudo das pessoas com “defeito” – termo utilizado no período entre 1924 e 1931 para designar indivíduos com deficiência e fazer referência à educação especial. O conjunto de textos reunidos nessa obra tem aberto caminhos para um redimensionamento do determinismo e da mediação quantitativa do modelo biomédico, evidenciando o valor do modelo social e a concepção da possibilidade de aprendizagem e desenvolvimento da criança com deficiência.

Rossato e Mitjáns Martínez (2013, 2015), Mitjáns Martínez e González Rey (2017) evidenciam que o aprender pode-se constituir em um processo de desenvolvimento do aluno, quando há a implicação do aprendiz nela, processo no qual vão emergir outros recursos e formações subjetivas. Os autores destacam que romper com o naturalismo biológico e legitimar o caráter gerador da pessoa em seu próprio desenvolvimento ( ROSSATO, RAMOS, 2020) pode ser um caminho importante de redimensionamento do foco da função social da escola da aprendizagem para o desenvolvimento do estudante.

A aprendizagem institucionalizada induz, com grande frequência, à omissão da integralidade do estudante com deficiência intelectual em relação ao que aprende, pois nem sempre é visto como protagonista do seu processo de aprender e com possibilidades de emergir como sujeito de sua aprendizagem. Reconhecer o protagonismo do estudante implica compreender o caráter singular da aprendizagem por meio da efetivação de práticas pedagógicas que tanto permitam aos estudantes posições ativas, criativas e implicadas socialmente, quanto fazem que sejam reconhecidos em sua condição de aprendizes em desenvolvimento no contexto educativo (GONZÁLEZ REY, 2011; ROSSATO, 2021).

Ademais, nos espaços relacionais da criança com deficiência, é frequente a presença de experiências emocionais como tristeza, pessimismo, desconforto, rejeição, entre outras, que podem expressar sentidos subjetivos associados à forma como a deficiência tem sido subjetivada pelo indivíduo ( MITJÁNS MARTINEZ, 2017). Para a autora, o delineamento de estratégias e ações educativas promotoras de espaços sociorrelacionais é essencial para a produção de novas produções subjetivas favorecedoras da aprendizagem com o foco na sala de aula como espaço de relações sociais.

2 As experiências sociorrelacionais na aprendizagem escolar

A aprendizagem escolar concebida em nossos estudos é a forma compreensiva que favorece uma postura ativa do aprendiz em relação ao conhecimento, bem como a forma criativa, que se caracteriza essencialmente pela geração de ideias próprias sobre o que foi estudado e que transcende a apropriação compreensiva da informação, pois há geração de ideias novas como foco. Ambas as formas de aprendizagem são desejáveis, pois podem contribuir para o processo de desenvolvimento da subjetividade do aprendiz ao evidenciar uma nova maneira de expressão da relação aprendizagem-desenvolvimento na perspectiva cultural-histórica (MITJÁNS MARTINEZ, 2012a, 2012b; MITJÁNS MARTINEZ; GONZÁLEZ REY, 2017).

Segundo González Rey (2011), a compreensão conceitual do sujeito que aprende expressa um estudante que produz sentidos subjetivos no aprender, abrindo novas vias de subjetivação sobre o próprio aprender, mobilizando a forma como a aprendizagem está configurada subjetivamente e expressando-se, também, em outras áreas da vida. A aprendizagem é um processo que se dá em contextos relacionais e essa relação não é apenas com um “outro”, mas com muitos, de forma simultânea, com um contexto social dinâmico e participativo, em que se promovem dinâmicas múltiplas e simultâneas com grande capacidade de reorganização no próprio contexto em que a aprendizagem acontece. As experiências sociorrelacionais na aprendizagem escolar consistem na criação de espaços comunicativos/relacionais a fim de favorecer a expressão do estudante, permitindo o desenvolvimento da aprendizagem criativa, da capacidade reflexiva e da tomada de decisões que possibilitem a emergência de novos sentidos subjetivos na experiência do indivíduo ( MITJÁNS MARTINEZ; GONZÁLEZ REY, 2017).

Por conseguinte, a aprendizagem escolar, assim considerada, põe em evidência o papel da imaginação, da criatividade, da autoria e da autonomia como processos subjetivos e aponta para possibilidades de desenvolvimento do indivíduo no contexto educativo, diferenciando a aprendizagem como concebida pelo enfoque cognitivista. Nas estratégias pedagógicas com crianças que tenham diagnóstico de deficiência intelectual, essas habilidades se tornam recursos eficientes, podendo ser trabalhadas por meio de várias atividades que visem à aproximação do estudante de elementos da cultura da qual faz parte.

A concepção da imaginação como um processo subjetivo foi salientada por González Rey (2012), que a definiu como uma produção simbólica apoiada em imagens, ideias e representações que implicam significados de uma forma mais livre e indireta e que é inseparável do pensamento e das emoções. Nessa produção, o estudante tem a oportunidade de emergir como sujeito, pois a aprendizagem escolar, centrada nas formas criativa e compreensiva, abre espaço para posicionamentos questionadores, críticos e geradores de novas ideias; assim, essa forma de aprendizagem se distancia das concepções tradicionais, que privilegiam somente o aspecto cognitivo envolvido no aprender.

O tema da criatividade associada à deficiência tem sido pouco discutido na literatura científica, como afirmam Mitjáns Martinez e González Rey (2017), que advertem, ainda, quanto à tendência de se colocar o foco da análise na deficiência e em suas expressões, desconsiderando-se a pessoa em sua integralidade e possibilidades. Esses autores se referem aos estudos de Vygotsky e às suas importantes contribuições para a compreensão do funcionamento psicológico da criança com deficiência intelectual, de onde surgiram as primeiras contribuições que possibilitam compreender a emergência do estudante com deficiência como sujeito na aprendizagem escolar.

Ademais, a imaginação e a criatividade são possibilidades de desenvolvimento da autonomia do estudante, estimulando sua autoria e evidenciando habilidades essenciais para o processo de ensino e aprendizagem. Logo, na compreensão da subjetividade na perspectiva cultural-histórica, toda representação é sempre uma produção subjetiva, e não um reflexo da realidade exterior ao processo subjetivo, no qual o estudante é protagonista do seu processo, reconhecido em sua capacidade geradora, ativa e produtora de realidades ( GONZÁLEZ REY, 2014).

3 A metodologia

Esse estudo foi desenvolvido por meio de uma pesquisa de natureza qualitativa na qual a pesquisadora e as participantes foram protagonistas no planejamento e na execução das ações do processo de investigação, orientadas pelos pressupostos da metodologia construtiva-interpretativa. O projeto de ação, inspirado pelos fundamentos teóricos sobre o valor das experiências sociorrelacionais à aprendizagem e ao desenvolvimento dos estudantes, foi protagonizado pelas estudantes Gegê e Rosa – nomes fictícios –, selecionadas mediante a indicação da professora do atendimento educacional especializado. A seleção obedeceu a critérios pragmáticos: a) ter sido indicado pela equipe escolar e apreciado pela pesquisadora; b) ter recebido autorização dos pais ou responsáveis para a participação na pesquisa; c) ter consentido e aceitado participar da pesquisa; e d) estar experimentando situações peculiares na aprendizagem escolar. A seguir, apresentamos uma breve descrição das participantes para, depois, explicitarmos o que foi planejado e executado colaborativamente.

Gegê é uma criança que, na época, estava com 9 anos e tinha o diagnóstico de deficiência intelectual emitido pela Equipe Especializada de Apoio à Aprendizagem (EEAA) da Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal. Estava cursando o 3º ano do ensino fundamental pela segunda vez, encontrava-se em processo de alfabetização e frequentava a mesma escola há quatro anos. Gegê se expressava com facilidade e demonstrava boa receptividade, evidenciada pelos sorrisos e pelas brincadeiras ocorridas em seus encontros com a pesquisadora.

Rosa – nome fictício sugerido pela participante por gostar de ajudar a família a cuidar do jardim de sua casa –, momento da pesquisa, estava com 8 anos, era tímida e falava somente o que lhe era solicitado. Expressava-se muito com o olhar, entretanto, e era observadora, percebia todos os detalhes. Demonstrou boa receptividade e colaboração nas atividades propostas. Sua expressão oral se dava por meio de frases incompletas, em tom baixo, apresentando algumas trocas de fonemas, porém compreensíveis. Rosa encontrava-se em processo de alfabetização, reconhecendo as letras do alfabeto e apresentando leitura de palavras simples. Seu diagnóstico de deficiência intelectual foi baseado em testes de inteligência e em questões fisiológicas inerentes à síndrome da deleção 1, tendo prevalecido a dimensão biológica da deficiência intelectual. No contexto escolar, passou a ser considerada uma aluna com necessidades educativas especiais, que deveria frequentar o atendimento educacional especializado e ter adaptação curricular.

No decorrer da realização do projeto de ação, o diálogo com as crianças pautou-se no estímulo à produção própria de ideias e à imaginação, buscando-se favorecer expressões singulares e evitando levar a criança à reprodução do real ( MITJÁNS MARTINEZ; GONZALEZ REY, 2017). As atividades foram realizadas em uma escola pública do DF que disponibilizou dois espaços: o primeiro foi chamado de sala de apoio, onde eram realizados os encontros entre a pesquisadora e as participantes; e o segundo, a sala de aula das estudantes.

O projeto de ação foi sendo tecido gradativamente, a princípio incentivado pela contação da história Nicolau tinha uma ideia, de Ruth Rocha (2013). A escolha dessa narrativa deveu-se ao fato de que, ao ouvir uma história, a criança pode ser estimulada a questionar, pensar alternativas, trazer fatos da própria vida para o momento da interação, adquirindo especial significado os que compartilham o momento ( MOZZER, 2012). Após uma reflexão sobre a história, Gegê e Rosa foram incentivadas a fazer uma produção artística e elaborar ideias sobre o que poderia mudar no ambiente escolar.

Com as ideias desenvolvidas, foi organizado um cartaz, que passou a ser o roteiro das ações a serem desenvolvidas nos encontros seguintes. As ideias apresentadas pelas estudantes giravam em torno de: 1) diálogo com os colegas e entrevista; 2) fotografia e exposição do projeto de ação; 3) confecção de painel; 4) recreio; 5) plantio de flores; e 6) confecção de vídeos. Em todos os encontros, o propósito foi promover experiências com vistas à mobilização da imaginação, criatividade, autonomia e autoria das estudantes. Gegê e Rosa foram estimuladas a pensar sobre as atividades, criando e tomando decisões em todos os momentos nos dias dos encontros, no intuito de proporcionar o protagonismo das participantes, dando-lhes o lugar de autoras e executoras das atividades.

Como ocorre com toda pesquisa que envolve seres humanos, este projeto também foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Brasília e cumpriu todos os procedimentos exigidos, tendo sido aprovado conforme CAEE 80896317.7.0000.5540. As duas crianças participantes foram consultadas previamente por meio do Termo de Assentimento (TA). Os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os Termos de Autorização para Utilização de Imagem e Som de Voz para fins de Pesquisa foram explicados e assinados pelos responsáveis das participantes da pesquisa em local e horário agendados. Os professores regentes das participantes e do atendimento educacional especializado foram esclarecidos sobre a pesquisa e manifestaram o consentimento também por meio do TCLE.

4 Construção interpretativa sobre o projeto de ação

Na construção e análise dos casos, procurou-se promover e evidenciar a posição ativa das participantes, e os desafios propostos ao longo dos encontros tiveram o intuito de proporcionar uma produção simbólico-emocional que evidenciasse as potencialidades das estudantes ao se posicionarem na sala de aula, conforme as ações descritas. Importa registrar que o professor da turma compartilhou com a pesquisadora reflexões sobre a avaliação das estudantes. Tal fato corrobora a emergência de novos sentidos subjetivos estabelecidos na relação de confiança entre o professor e a pesquisadora. O diálogo entre ambos sinalizou sugestões de atividades desafiadoras e a elaboração do pensamento e de estratégias que pudessem contribuir para a prática pedagógica, em consonância com os estudos de Vygotsky sobre as funções psíquicas superiores e os caminhos indiretos do desenvolvimento.

A realização das atividades foi distribuída em dois tempos: o primeiro entre a pesquisadora, Gegê e Rosa, para a sensibilização e o planejamento das atividades, e o segundo, para a execução do plano de ação na sala de aula junto com os colegas da turma. É importante ressaltar que não houve uma sequência predeterminada de atividades; Gegê e Rosa foram estimuladas a pensar sobre as atividades, criando e tomando decisões em todos os momentos nos dias dos encontros . Ao final de todos os momentos coletivos, as participantes retornavam para a sala de apoio e dialogavam entre si, assistiam aos vídeos gravados e registravam, no caderno de memórias, o que estavam sentindo após a realização da atividade.

Nesses encontros, as participantes se sentiam à vontade para falar; inclusive Rosa, que era mais tímida, mostrou-se mais extrovertida, sorrindo alto algumas vezes, como no momento desse diálogo:

Pesquisadora: Vocês gostaram da história?

Gegê: Gostei muito.

Rosa: (Segurou as mãos da pesquisadora.)

Pesquisadora: Por que é bom falar as nossas ideias e ouvir as dos outros?

Rosa: A minha ideia era assim óh, se eu ler uma coisa, eu fico com essa ideia.

Pesquisadora: Por que a gente precisa ter ideias?

Gegê: para aprender e na hora que não saber as coisas pedir para o amiguinho ou a professora.

A conversa indicou que, no ambiente da sala de aula, havia a oportunidade de proporcionar experiências relacionais que poderiam favorecer o posicionamento das participantes. Assim, no decorrer das atividades realizadas na sala de apoio, foram tomadas decisões e definidos a atuação e os espaços escolares nos quais seria executado o projeto de ação. Então, a pesquisadora disponibilizou um tablet para a realização dessa proposta, que provocou surpresa e empolgação e estimulou a autonomia de cada uma das participantes ao utilizarem as lentes do tablet para registrar de forma singular a situação proposta e, ao final, foram descritas como se segue.

Diálogo com os colegas e entrevista

Esse momento ocorreu na sala de aula com a presença de todos os alunos. A pesquisadora explicou à turma qual era o propósito do projeto, que Gegê e Rosa teriam um papel relevante na elaboração e execução das atividades e que os alunos também participariam delas com opiniões e colaboração na apresentação das participantes. Posteriormente, as participantes entrevistaram alguns colegas, perguntando do que gostavam e do que não gostavam na escola e quais as sugestões de soluções que eles tinham a respeito do que não gostavam. Na sala de apoio, as participantes elaboraram as perguntas e aprenderam a filmar e manusear um tablet disponibilizado pela pesquisadora para a execução da entrevista com os colegas da classe.

Fotografia e exposição do projeto de ação

Em todos os encontros, no trajeto entre a sala de aula e a sala de apoio, a pesquisadora dialogava com Gegê e Rosa e promovia uma observação dos espaços escolares: pinturas nas paredes, murais, corredores, salas de leitura, espaços abertos. O propósito era ampliar a percepção do espaço escolar e refletir sobre os lugares que mais apreciavam. Neste encontro, as participantes escolheram fotografar e filmar a escola utilizando o tablet para registrar os lugares preferidos. As fotos foram reveladas e apreciadas no encontro seguinte. Durante essa produção, a pesquisadora incentivava as participantes a observarem a escola com tranquilidade, prestando atenção nos detalhes, transformando o passeio em um momento agradável de diálogos e risos. Na filmagem do recreio, as participantes expressaram as seguintes reflexões:

Gegê: Gente, é porque eu gosto muito do recreio e eu tô gravando as crianças. Ali é onde a gente fica (atrás da escada).

Rosa: Nós estamos aqui filmando (demora para falar).

Pesquisadora: Filmando qual lugar?

Rosa: O recreio (amarelinha).

Pesquisadora: Este é o lugar que você mais...

Rosa: brinca.

Pesquisadora: Que desenho é esse no chão?

Rosa: Amarelinha.

Pesquisadora: Isso!

Confecção de painel

A pesquisadora levou as fotos reveladas para Gegê e Rosa apreciarem, comentarem e selecionarem as que cada uma tirou. A ideia culminou na elaboração de um painel. Cada participante criou o seu trabalho, utilizando-se dos recursos materiais disponíveis. Em seguida, o painel foi compartilhado com a turma, ressaltando-se os espaços escolares e a valorização da escola como ambiente promotor de relações e aprendizagens.

Ao compartilhar, com os colegas da turma a produção artística realizada, a pesquisadora solicitou que as participantes contassem como foi o processo de produção das fotografias. Elas ficaram próximas uma da outra, demonstrando timidez, mas sorriam; então a pesquisadora esclareceu para a turma a importância do trabalho e solicitou atenção na apresentação das participantes. Gegê foi a primeira a falar e mostrar o seu cartaz; relatou para os colegas como tinha acontecido a produção das fotos e contou com o apoio de Rosa. Quando Gegê havia terminado de mostrar o cartaz para todos, o professor sinalizou que ela não tinha mostrado para ele; imediatamente Gegê se dirigiu à sua carteira e olhava para o professor atentamente. Ele perguntou à participante se tinha sido ela quem havia tirado as fotos e ela balançou a cabeça confirmando. Nesse momento, o professor a elogiou, reconhecendo a sua capacidade, e ela, sorrindo, posicionou-se à frente da turma para auxiliar Rosa.

Por sua vez, Rosa, não quis falar nada para os colegas, apenas mostrar o trabalho, passando pelas carteiras e, quando ouvia comentários, surgia um sorriso em seu rosto. Ao final, a pesquisadora solicitou aos colegas da turma que comentassem o trabalho das participantes e, nesse momento, elas ouviram mais elogios e expressaram alegria por meio de sorrisos e olhares atentos aos colegas que se manifestavam. É relevante notar como Rosa reagiu ao mostrar o seu trabalho para o professor, que havia precisado se ausentar por um instante. Quando ele retornou, ela imediatamente se dirigiu a ele para mostrar-lhe a sua produção. O professor também a elogiou, e ela, em troca, expressou um sorriso espontâneo.

Recreio

No início desse encontro, ao analisar o planejamento das ações, as participantes decidiram dialogar sobre o recreio. Antes das produções, entretanto, a pesquisadora ofereceu uma caixa de brinquedos para as participantes utilizarem e se inspirarem para a reflexão sobre brincadeiras. A pesquisadora levou as sugestões dos alunos impressas, bem como as imagens de emojis expressando várias emoções por meio das ilustrações das carinhas. As participantes criaram o cartaz e o apresentaram para a turma, fixando-o na parede da sala de aula.

Nos encontros seguintes, prosseguiam com a escolha das atividades a serem executadas. No terceiro encontro, as participantes refletiram sobre o recreio e as brincadeiras e, para inspirá-las, foi propiciado um momento de brincadeira no qual elas escolheram brincar de escolinha. Foram improvisados, então, os materiais necessários, como uma cartolina para ser utilizada como quadro, cadernos, livros, pincéis e apagador. Elas demonstraram comportamentos e falas vivenciadas no cotidiano escolar e evidenciaram o uso do quadro e do caderno na prática pedagógica, as atitudes docentes e a forma de lidarem com o erro. Gegê demonstrou mais liderança, e não aceitava as regras que lhe eram impostas enquanto estava no papel de aluna. Rosa mostrou-se mais introspectiva, receptiva aos comandos. Após a inversão de papéis, a pesquisadora pediu-lhes que refletissem sobre a brincadeira, como demonstra o diálogo a seguir:

Pesquisadora: Gegê e Rosa, vocês gostaram da brincadeira?

Gegê e Rosa: sim.

Pesquisadora: Vocês gostaram mais de ser aluna ou professora?

Gegê e Rosa: professora.

Pesquisadora: Gegê, por que você gostou mais de ser a professora?

Gegê: Porque eu imitei as professoras que eu já tive.

Pesquisadora: Ótimo! Você gostou mais de ser aluna ou professora, Rosa?

Rosa: Professora.

Pesquisadora: Por quê?

Rosa: Porque eu imitei a tia do ano passado.

A brincadeira contribuiu para compreender a produção subjetiva das participantes em relação à aprendizagem escolar, uma vez que, ao se expressarem de maneira espontânea, puderam demonstrar as emoções envolvidas no cotidiano da sala de aula. Em seguida, a pesquisadora e as participantes refletiram sobre as atitudes dos alunos no recreio, as brincadeiras preferidas, tendo-se destacado os aspectos positivos percebidos pelas participantes. Ao observarem o material disponível, elas decidiram elaborar um painel contendo figuras e frases explicando o que podia e o que não podia ser feito na hora do recreio. Depois, na apresentação em sala de aula, foram compartilhadas as sugestões analisadas por elas e acrescidas as sugestões dos colegas da turma.

Plantio de flores e produção de vídeos

No último encontro, a pesquisadora observou que no planejamento das ações faltava uma atividade: utilizar flores no ambiente escolar. Como já tinha percebido que Rosa adorava flores, a pesquisadora levou materiais de jardinagem. No trajeto para a sala de apoio, a pesquisadora aproveitava para destacar algo que estava diferente na escola, uma mudança expressa em um mural, a pintura de uma parede, enfim, para observar com mais atenção o ambiente escolar no dia dos encontros. Ao chegar à sala de apoio, em primeiro lugar a pesquisadora mostrou a ela o cartaz com o planejamento das ações, e Rosa, que gostava de marcar as ações realizadas, percebeu que faltava utilizar flores no ambiente escolar. Daí, a pesquisadora mostrou-lhe os materiais que havia trazido e ela ficou empolgada para plantar as flores. Rosa dizia que ajudava a sua avó a cuidar de um jardim na casa dela e que adorava flores.

A pesquisadora orientou Rosa a organizar os materiais e pensar sobre os passos para realizar a atividade. Ela adorou utilizar a pá de jardinagem. Em muitos momentos, Rosa pulava de animação e demonstrava iniciativa e conhecimento sobre o que estava fazendo, inclusive ao colocar a água na planta e limpar o ambiente. Durante conversa com Rosa, surgiu a ideia de presentear a turma com o vaso de flores, que também iria enfeitar a sala de aula.

Assim, Rosa realizou o momento coletivo com a turma. A pesquisadora auxiliou a participante a contar para a turma como ela tinha plantado as flores e conversou-se sobre o presente para a turma e o significado do carinho quando se oferece uma flor para outra pessoa. Rosa expressou um posicionamento ativo diante dos seus colegas, e a reação deles também foi positiva, uma vez que a pesquisadora esclareceu a importância da participação de todos nos cuidados com a planta. A facilidade de expressão oral de Gegê foi aproveitada para a realização de pequenos vídeos nos espaços escolares escolhidos pela participante. Seu propósito foi enviar recadinhos aos colegas da turma sobre as atitudes na sala de aula e no recreio, tendo sido a protagonista das filmagens.

Caderno de memórias

Foi utilizado no decorrer da elaboração e execução do projeto de ação. Em um caderno individual, cada participante registrava as suas impressões sobre os encontros, podendo optar por desenho, escrita ou colagem de figuras. Dessa forma, foi possível perceber a manifestação espontânea da criança diante do seu protagonismo.

A importância desses momentos com o grupo ratifica o que afirma González Rey (2011) sobre o desenvolvimento dos alunos com necessidades especiais – importância que é dada pela relevância do diálogo com todos os processos que ele pressupõe de contradição, confrontação, reflexão e complementação que acontecem com a presença ativa de um outro real ou imaginário e que estimulam o aluno a se posicionar perante esse outro.

A compreensão do estudante em suas possibilidades de se constituir como sujeito na e da aprendizagem se apoia na ideia de um aluno que participa do aprender e em configurações subjetivas que o comprometem nesse processo, mobilizado pela qualidade das relações. Assim, criando-se situações desafiadoras ao aprendiz e estimulando-se o desenvolvimento de caminhos próprios na aprendizagem é que pode emergir o estudante como sujeito desse processo, no qual aprendizado e desenvolvimento avançam conjuntamente (GONZÁLEZ REY, 2011).

Tendo-se encontrado, no caso de Rosa, uma participante que pouco se expressava e concordava com tudo, percebeu-se a mudança em seu posicionamento no curso do projeto de ação, que, aos poucos, proporcionou um espaço para que ela pudesse se expressar. Os tensionamentos realizados pela pesquisadora contribuíram para que Rosa saísse do lugar de passividade para um caminho que se encontra próximo ao sujeito ativo, consciente, capaz de posições próprias. E, no caso da Gegê, à medida que passou a ter protagonismo no projeto, foi modificando a sua postura como estudante e se colocou em condições de aprender, inclusive afirmando que estava em situação de aprendizagem e que até colaborava com os colegas da turma nesse processo.

5 Considerações Finais

Os espaços sociorrelacionais foram favorecedores de produção de novos sentidos subjetivos que puderam contribuir de forma mais marcante para a mobilização da subjetividade, uma vez que as experiências propostas evidenciaram as potencialidades das participantes e do reconhecimento no contexto escolar. A relação com as amigas havia sido construída na proteção e no cuidado, o que as colocava numa posição inferior. As experiências sociorrelacionais proporcionaram o reconhecimento de suas possibilidades. Uma das situações marcantes e favorecedoras da emergência do sujeito foi fazer algo de que gostassem muito, como plantar flores e presentear os seus colegas da turma. Foi perceptível o quanto elas se sentiram capazes com a atividade, pois, quando terminaram esses encontros, queriam continuar falando aos colegas e demonstrando o seu potencial.

Uma das contribuições relevantes deste estudo com o aporte teórico da teoria da subjetividade, numa concepção cultural-histórica, foi reconhecer que o estudante com deficiência pode emergir o sujeito da sua aprendizagem no contexto escolar desde que lhe sejam proporcionadas experiências que o promovam e potencializem as suas ações e o reconheçam também como sujeito no contexto social, considerando-o uma pessoa com direitos e deveres, ressaltando-se as singularidades e limitações de cada um.

Desconstroem-se, assim, atitudes paternalistas e assistencialistas, inclusive dos atores escolares e demais estudantes, esclarecendo-se que ele não está apenas incluído numa turma regular, mas pertence àquele contexto, fazendo parte dele como qualquer outro aluno. A sala de aula deve se constituir em um espaço aberto que promova a reflexão e a produção, desafiando o estudante e provocando o seu posicionamento, pois é no desenvolvimento de caminhos próprios que emerge o aluno como sujeito.

Outra contribuição se refere ao espaço dialógico proporcionado pela pesquisa. Crianças com deficiência intelectual dificilmente conseguem se expressar no espaço do adulto, que pensa ser necessário tomar decisões por elas, sem escutá-las. Os encontros durante a pesquisa permitiram um momento imprescindível de escuta, de observação das reações das participantes, dos gestos, dos olhares e das expressões corporais, que também mostram o que a criança quer comunicar, legitimando a sua importância no processo da pesquisa. Nesse sentido, o olhar sensível e o afeto são primordiais para se compreender a criança e sua singularidade. Ademais, a deficiência precisa ser analisada em cada caso, pois, em si, não representa uma configuração subjetiva, mas, sim, no que é originado no tensionamento entre os processos da vida social das pessoas e suas produções subjetivas.

Referências

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1A síndrome de deleção tem fenótipo clínico variado, geralmente composto por agravo cognitivo, hipotonia muscular, epilepsia, má formação cerebral, oftalmopatia e anomalias menores.

Recebido: 15 de Fevereiro de 2022; Aceito: 23 de Maio de 2022

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