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Educação: Teoria e Prática

versão impressa ISSN 1993-2010versão On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.33 no.66 Rio Claro  2023  Epub 31-Dez-2023

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v33.n.66.s17027 

Artigos

Propostas de leitura na sala de aula por professores do Fundamental I

Reading proposals in classroom by Elementary School teachers

Propuestas de lectura en el aula por profesores de la Educación Primaria

1Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, São Paulo – Brasil.

2Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, São Paulo – Brasil.


Resumo

A leitura é relevante para a formação da pessoa, pois o significado construído por meio dela traz sentido à sua própria existência. Esta pesquisa procurou investigar como duas professoras do 3º ano do Ensino Fundamental I propõem atividades de leitura em sala de aula em relação aos seus conteúdos: estabelecer relações entre textos, inferir sobre o significado de palavras e expressões, apreciar textos literários, perceber a relação causa-consequência, compreender o tema, perceber diálogos, identificar situação de produção, função social, características do gênero e as marcas linguísticas que o constituem. A pesquisa, de natureza qualitativa, baseou-se nos resultados das avaliações em larga escala aplicadas aos estudantes brasileiros, como a Prova Brasil e a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), que revelaram o discrepante desfecho sobre a proficiência leitora nas duas escolas aqui investigadas. Uma das escolas apresentou nível adequado de leitura, tendo 88% dos discentes com maior desempenho, enquanto a outra teve 47% de seus alunos com menor desempenho. As avaliações externas foram usadas como indicativo para a análise que evidenciou as dificuldades dos estudantes no processo de proficiência leitora, bem como indicou o crescimento no desempenho de um grupo de estudantes em decorrência de práticas pedagógicas diferenciadas assumidas pela professora. Os resultados revelaram a relevância de um trabalho de leitura significativo para os estudantes em que o docente promova envolvimento dos discentes em aula planejada, envolvente e com textos articulados com os interesses e realidades dos alunos.

Palavras-chave: Leitura; Avaliação; Ensino Fundamental

Abstract

Reading is relevant to the formation of the person, due to the meaning constructed through it, bringing significance to that person’s own existence. This research sought to investigate how two teachers of 3 rd grade of Elementary School propose reading activities in the classroom with regard to their content: establishing relation between texts, inferring the meaning of words and expressions, appreciating literary texts, realizing the cause-consequence relationship, understanding the theme, perceiving dialogues, identifying production situations, social function, genre characteristics and the linguistic marks that compose it. The research, of a qualitative nature, was based on the results of the large-scale assessments applied to Brazilian students such as Prova Brasil and ANA (Avaliação Nacional de Alfabetização – National Literacy Assessment), which revealed the discrepant result on reading proficiency in the two investigated schools. One of the schools had an adequate reading level, with 88% of the students showing a better performance while the other had 47% of its students showing a lower performance. External evaluations were used as an indicator for analysis that showed the students' difficulties in the reading proficiency process as well as indicated the growth in the performance of a group of students due to the different pedagogical practices assumed by the teacher. The results revealed the relevance of a meaningful reading project for students in which the teacher promotes the involvement of learners in a planned, engaging class, with texts articulated with the interests and the realities of the students.

Abstract: Reading; Evaluation; Elementary School

Resumen

La lectura es relevante para la formación de la persona, puesto que el significado construido a través de ella trae sentido a su propia existencia. Esta investigación buscó averiguar cómo dos maestras del 3° año de la Educación Primaria proponen actividades de lectura en el aula en cuanto a sus contenidos: establecer relaciones entre textos, inferir el significado de palabras y expresiones, apreciar textos literarios, darse cuenta de la relación de causa-consecuencia, comprensión del tema, percepción de diálogos, identificación de la situación de producción, función social, características de género y las marcas lingüísticas que lo constituyen. La investigación, de carácter cualitativo, se basó en los resultados de las evaluaciones a gran escala aplicadas a los estudiantes brasileños, como la Prova Brasil y la Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), que revelaron el efecto divergente en la aptitud de la lectura en las dos escuelas investigadas aquí. Una de las escuelas presentó un nivel de lectura adecuado, con 88% de los estudiantes con un mejor rendimiento, mientras la otra tuvo 47% de los estudiantes con un rendimiento inferior. Las evaluaciones externas fueron utilizadas como un indicador para el análisis que mostró las dificultades de los estudiantes en el proceso de dominio de la lectura, así como también indicó el crecimiento en el desempeño de un grupo de estudiantes debido a las diferentes prácticas pedagógicas asumidas por las maestras. Los resultados revelaron la relevancia de un trabajo de lectura significativo para los estudiantes en el que el maestro promueve la participación de los estudiantes en una clase planeada, atractiva y con textos articulados con los intereses y realidades de los estudiantes.

Palabras clave: Lectura; Evaluación; Educación Primaria

1 Introdução

A leitura é importante para significar a existência de cada indivíduo e garantir seu direito enquanto cidadão. Ao vivenciar uma experiência leitora, a pessoa constrói novos sentidos e dá vida a textos escritos em um caminhar da existência humana como ser mutável. A leitura, que é uma relação entre o leitor e o autor por meio do texto, permite construir sentidos considerando-se os saberes, as vivências e os conhecimentos do leitor, por isso não tem um sentido único, nem entre os leitores nem mesmo do próprio leitor, em momentos distintos. Diante disso faz-se necessário instrumentalizar os estudantes com recursos para a compreensão por meio de práticas cujo texto é conectado com a realidade social.

O presente artigo é parte de uma pesquisa maior, que analisou os resultados de avaliações externas e constatou as dificuldades em diversos aspectos da leitura entre estudantes do ensino fundamental de uma cidade do interior de São Paulo. A partir dessa verificação, analisou-se como as professoras propõem atividades de leitura na sala de aula em relação a conteúdos como: estabelecer relações entre textos, inferir sobre o significado de palavras e expressões, apreciar textos literários, perceber a relação causa-consequência, compreender o tema, perceber diálogos, identificar situação de produção, função social, características de gênero e as marcas linguísticas que o constituem, entre outros, em escolas públicas a partir das ações pedagógicas dos professores.

Na rede em que a pesquisa foi realizada, verificou-se que, nas avaliações externas propostas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) referentes à Prova Brasil e à Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), demonstra-se que o país apresenta significativas defasagens. Na avaliação ANA/2016, envolvendo os estudantes do 3º ano do Ensino Fundamental, os resultados indicaram dificuldades nos conteúdos de leitura. No Brasil, tem-se um pequeno avanço apresentado nos dois últimos resultados da avaliação ANA. Em 2014, 43% dos estudantes do terceiro ano tiveram resultado considerado suficiente em leitura e, em 2016, 45%. Nesse contexto, pode-se afirmar que a maior parte dos estudantes de 3º ano do país não se apropria de conhecimentos de leitura necessários à continuidade do processo escolar e que a defasagem já é detectada nos anos iniciais, perpetuando-se nos anos posteriores.

No estado de São Paulo, 58% dos discentes são enquadrados no nível suficiente (proficiente e avançado). No município onde foi desenvolvida a pesquisa, os números têm aumentado. Em 2013, houve 53% dos estudantes nos níveis 3 e 4, o que o INEP considera suficiente; em 2014, 63% com um avanço para 70% em 2016. A Secretaria Municipal de Educação tem investido em encontros formativos sobre o tema leitura, entre outros. Apesar disso, ao se analisarem os resultados por unidade escolar, é possível constatar diferenças nos resultados entre elas. A escola com melhor desempenho indica 88% dos discentes no nível adequado, o que representa 66 discentes em nível suficiente e oito em defasagem. A escola com maior número de defasagem tem apenas 47% dos discentes em nível suficiente, o que corresponde a 48 discentes adequados, para 54 em nível de leitura ainda rudimentar ou não alfabetizados.

Ao considerar o Currículo da Secretaria Municipal de Educação de Língua Portuguesa, observa-se que o mesmo foi estruturado sobre uma concepção de leitura dialógica. Acredita-se que o ensino de leitura precisa contemplar as práticas sociais. Cada gênero deve ser compreendido em suas finalidades sociais dentro das esferas em que circula. Propõe-se um trabalho de linguística que envolva leitura, oralidade, análise linguística e produção de textos orais e escritos.

A pesquisa fundamenta-se em uma concepção dialógica baseada nos escritos de Bakhtin (2003). Segundo ele, a língua se concretiza na forma de enunciados. Os tipos de enunciados são denominados gêneros do discurso e determinados pela relação entre os falantes e seus participantes, envolvendo o aspecto emocional, a expressão e a entonação. O enunciado, de acordo com Bakhtin, é a unidade real da comunicação, formada por conteúdos, composição e estilo. Ele é determinado pela alternância entre os sujeitos falantes, ou seja, na interação do eu com o outro. Assim, comunica-se por meio de gêneros do discurso, que se formam nas relações sociais. Sua escolha ocorre em função da especificidade de uma dada esfera comunicativa, pois, em cada esfera da comunicação, surgem gêneros específicos, próprios daquele lugar.

O contexto da produção de textos fornece uma série de elementos na interpretação do discurso, por isso o destinatário deve ser reconhecido, sendo ele fundamental nesse processo. A linguagem ocorre na alternância dos sujeitos, e não na estrutura ou capacidades biológicas. Desse modo, a linguagem é algo a ser desenvolvido, construído socialmente, apropriado, pois o enunciado deve ser analisado considerando-se a situação que determina sua produção, as atitudes responsivas e as ressonâncias dialógicas ( BAKHTIN, 2003).

Geraldi (2012), tendo como base a teoria de Bakhtin, afirma que a leitura é um contato com o autor por meio da escrita, estando ele ausente. Um processo em que o leitor é ativo e busca significações, seu sentido está nas situações dialógicas de forma ilimitada dentro do que é possível ao sujeito leitor. Também para Koch e Elias (2010) a leitura é um movimento de processar, criticar, contradizer e avaliar a informação, dando sentido e significado ao que se lê. Para elas, o leitor mobiliza diferentes conhecimentos durante a leitura sobre o mundo, a língua e o gênero. Assim, a leitura solicita uma intensa participação do leitor.

Adotando essa concepção dialógica, Rojo (2004) considera que as ações realizadas nas escolas desenvolvem apenas algumas capacidades de letramento exigidas pela sociedade, em especial as de repetir e memorizar falas de autores. A autora enfatiza que as leituras feitas nas escolas são lineares e literais, feitas para responder a questionários, cópias e localização de informação no texto. Para a autora, a “leitura é como um ato de se colocar em relação ao discurso (texto) com outros discursos anteriores a ele, emaranhados nele e posteriores a ele, como possibilidades infinitas de réplica, gerando novos discursos/textos” (p. 3-4).

Entre outros autores que embasam essa concepção, Silva (1987) ressalta a leitura como possibilidade de acesso ao patrimônio histórico, cultural e científico da humanidade. Ele entende que ler é compreender e compreender é um processo de construção de sentidos. Silva (1993) destaca a importância de objetivos para as aulas de leitura, necessitando o educador expressar um posicionamento político frente à realidade social, pois a escola está dentro dessa realidade e deve educar para a libertação e a transformação. A leitura é “um poderoso meio para a compreensão e transformação da realidade” ( SILVA, 1993, p. 83).

Este artigo procurou elaborar uma reflexão útil para a formação de professores, pois refletiu sobre o trabalho com a leitura como objeto de ensino. Investigou-se como têm sido as ações pedagógicas para o desenvolvimento do estudante como leitor proficiente. Foi realizada a revisão de literatura analisando teses, dissertações e artigos relacionados com o tema consultados em bancos de dados considerando o recorte temporal dos últimos cinco anos de publicações. Analisaram-se, ainda, pesquisas relacionadas com a leitura na escola como prática social envolvendo diversos gêneros, o eixo leitura nos livros didáticos, o eixo leitura nos textos literários, avaliações externas e a proficiência leitora dos estudantes no Brasil, além da leitura na perspectiva do trabalho intitulado “Estado da Arte da Leitura: 2010 a 2015”.

2 Metodologia

A pesquisa se caracteriza como uma investigação qualitativa descritiva, conforme destaca Bogdan e Biklen (1994). Os dados recolhidos envolveram a transcrição de entrevistas com as professoras, de observações das aulas sobre o eixo leitura e análise linguística, verificação dos registros dos planos de aula e leitura do currículo de Língua Portuguesa e do Projeto Político Pedagógico (PPP) das escolas.

Participaram da pesquisa duas professoras do 3º ano do Ensino Fundamental I de duas escolas públicas, sendo uma com maior e outra com menor desempenho em leitura segundo os resultados da avaliação ANA/2016. A escola com menor desempenho foi tratada na pesquisa como Escola A e a respectiva docente, Professora A1. A escola com maior desempenho designada Escola B e a docente, Professora B1.

A pesquisa tem aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), sob número de processo 2.971.129. Inicialmente realizou-se a análise do currículo municipal para compreender as especificidades propostas para as escolas, na busca por evidências sobre o direcionamento aos fazeres docentes dentro dos conteúdos do eixo leitura e análise linguística na disciplina de Língua Portuguesa. Em seguida, foi feita a análise dos planos de aula e realizadas as observações das aulas durante três semanas em cada uma das salas.

As observações foram registradas em um roteiro dirigido de observação e um diário. As aulas foram gravadas e transcritas. Após esses levantamentos, a entrevista com as docentes foi realizada, registrada em áudio e, depois, transcrita. Com as entrevistas pretendeu-se ampliar o olhar para concepção e trabalho de cada docente. Por último, a pesquisadora realizou a análise dos resultados da avaliação de leitura elaborada pela Secretaria Municipal de Educação.

3 Contexto da pesquisa

As escolas possuem localizações bem distintas: enquanto a Escola A está localizada na região periférica, a Escola B está próxima ao Centro da cidade. O número de estudantes é maior na Escola A, com 484 em tempo integral; a Escola B, com 345 estudantes, têm uma média de 172 crianças por período. As análises das condições socioeconômicas realizadas pelo INEP usando os mesmos critérios entre as duas unidades escolares apresentaram certo distanciamento entre as escolas quanto aos indicadores contextuais, sendo Escola A caracterizada no Grupo 3 e Escola B, no Grupo 5. Isso mostra as condições diferenciadas quanto a espaço e conforto nas casas, diferenças relevantes da renda familiar (Grupo 3 com renda familiar mensal entre 1 e 1,5 salário e Grupo 5 entre 2,5 a 7 salários mínimos).

A Escola A atende a todos os estudantes em período integral, “oferecendo, além dos componentes curriculares, oficinas intelectuais, culturais e esportivas, amparada pelo Decreto nº 18 de 25 de janeiro de 2016” (PPP, p. 6). De acordo com os dados obtidos junto à SME, “O bairro surgiu de um conjunto de embriões para pessoas que não tinham moradia própria” ( LIMEIRA, 2019 p.4), sendo considerado “comunidade de extrema vulnerabilidade social”. A escola pertence ao território do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), onde se encontram 5.547 famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do Governo Federal, contabilizando 60,9% famílias de baixa renda (que recebem até ½ salário mínimo per capita). Nesse território, o analfabetismo atinge 468 pessoas com mais de 15 anos de idade. Devido à realidade socioeconômica, há 206 discentes beneficiários do bolsa família, o que representa 41% dos estudantes.

Percebem-se muitos desafios sociais, contudo há iniciativa da unidade escolar em buscar soluções. Durante a entrevista com a docente, ela relata que a gestão escolar promove formações com os docentes nos HTPCs e acompanha nos planejamentos quinzenais participando ativamente do pedagógico. De acordo com os dados do QEdu, no resultado geral do IDEB, que envolve tanto Língua Portuguesa quanto Matemática, juntamente com o fluxo de estudantes, a Escola A atingiu 3,4 em 2007 e, em 2017, 6,6, o que representa um crescimento de 3,2 em 10 anos. Analisando os últimos anos, observa-se que, em 2015, a escola alcançou o resultado de 5,6. No ano de 2017, o IDEB atingiu 6,6, um avanço de 1,0 no IDEB em 2 anos.

A Escola B, segundo o IDEB, atingiu 5,8 em 2007 e, em 2017, chegou a 7,6, tendo havido um crescimento de 1,8% em 10 anos. Em 2015, o resultado do IDEB foi 6,8, alcançando 7,6 em 2017, ou seja, um aumento de 0,8 em dois anos. Observando-se os resultados do QEdu, pode-se considerar uma situação mais estável, tendo em vista que os números já estavam altos desde 2013. O desempenho em proficiência na Língua Portuguesa, somando-se o número de estudantes avançados com proficientes, mostra um resultado de 81% em 2013, 83% em 2015 (2% a mais) e 92% em 2017. De 2015 a 2017 o avanço foi de 9%, proporcionalmente menor que o crescimento do município em que a escola está inserida, que atingiu 10% a mais em Língua Portuguesa.

4 Resultados e discussões

De acordo com Geraldi (1997), “A leitura deveria ser trabalhada na escola analisando quais as pistas do texto o fizeram acionar outros conhecimentos na produção de sentidos. A partir disso, analisar quais destas pistas são adequadas ou não para esse gênero” (p. 189). Recorre-se aos textos mediante finalidades específicas, isto é, diante das funções para as quais os textos surgem nas práticas sociais. Assim, pode-se ler com diferentes finalidades para as quais os textos servem. Geraldi (1997) destaca as seguintes: busca de informações – o leitor pode ir ao texto em busca de resposta da pergunta que tem; essa busca é por querer saber mais para fazer uso dessa compreensão; leitura para estudar – a finalidade de leitura pode estar na intenção de escutá-lo, na busca do que ele tem para me oferecer; leitura como referência para a produção – de onde se produzem novos textos; leitura por fruição – pela gratuidade de estar com os outros em um diálogo que o constitui.

Durante as entrevistas as professoras relataram um pouco sobre seu trabalho na sala de aula, tal como descrito em seus depoimentos:

Professora A1: – Por isso que às vezes o que eu faço? Vou fazer uma leitura, tipo “Os três porquinhos e o lobo guará”, antes de ler eu dou todo o entorno para que na hora que eles estão escutando a história, né? [...] Por isso que eu dei primeiro Os três porquinhos para depois chegar ao lobo guará. Na história do lobo guará tem uma parte que fala que o lobo foi pra Europa... Por que ele foi embora pra Europa? Então eu tive que explicar a origem dos três porquinhos, então tem toda uma explicação. Você viu que eu mostrei no celular e mostro pra eles onde mora o lobo guará... tudo isso pra ir aguçando a vontade deles pra ler a história. Vou instigando eles, quando chega ao meio da história pergunto: O que será que aconteceu? Vou instigando eles.

Professora B1: – Olha! Eu percebo que eu sempre uso o texto sempre como um meio, né? Eu percebo que a gente faz isso pelas coisas que a gente tem de trabalhar. As questões a partir de um texto. Então ele acaba sendo um meio pra mim. Eu não acho isso ruim, mas ao mesmo tempo falta aula de leitura por prazer estética simplesmente, pra eles apreciarem uma boa leitura. Eles têm esse tempo na aula, mas é uma vez na semana... não é sempre. Quando eles finalizam a atividade eu os deixo pegarem livros na caixa, mas não é uma coisa que acontece sempre porque às vezes nem dá tempo.

A pesquisadora, ao realizar observações em sala de aula, constatou que a Professora A1 apresenta uma metodologia diferenciada, visto que fazia a leitura do texto de forma envolvente e com entusiasmo, o que influenciava os estudantes, além do fato de trazer outros conhecimentos proporcionados por diferentes gêneros textuais, o que enriquecia as aulas de leitura. Nas aulas da Professora A1, constatou-se que os estudantes eram envolvidos de forma dinâmica e motivadora. As aulas realizadas às terças-feiras sempre tinham sequência às quintas-feiras, pois esses eram os dias em que ela trabalhava leitura e análise linguística durante a semana. Mesmo dando aos estudantes o texto impresso, ela o copiava na lousa, ou a parte que previamente selecionava, para fazer o movimento de análise linguística. Sua escrita na lousa era sempre com letra cursiva.

Durante as aulas observadas a docente fazia a leitura do texto, discutia questões e destacava recursos linguísticos que auxiliam na compreensão do texto. Ela escrevia o texto ou parte dele na lousa antes do início da aula para destacar os recursos planejados. Entre os recursos destacam-se nome e biografia do autor relacionando, em alguns momentos, aspectos da biografia com aspectos apresentados no texto, nome do livro, local da editora e editora, retomada de questões históricas e contextuais, marcadores de tempo e lugar (advérbios); elementos de coesão referencial e sequencial, pontuação (medial e final) e seus sentidos, características e finalidade do gênero, significado de palavras desconhecidas. Cada um desses conteúdos foi retomado e destacado com veemência pela professora na oralidade e, depois, os estudantes realizaram atividades de escrita individualmente, porém sem diferenciação entre os distintos níveis de aprendizagem existentes na turma, conforme relatado pela docente durante a entrevista.

Na semana, ela usava o mesmo texto para dar sequência às aulas, fazendo uso de outros textos com intertextualidade ao texto principal. Ao trabalhar os gêneros, ela adequava os modos de ler, valorizando a leitura. Ao ler o poema, explorou entonação de voz para salientar os recursos de aliteração (recurso linguístico marcado pela repetição de sons consonantais em um enunciado) e rimas. Conversou sobre os efeitos que lembram o som das aliterações e as características do gênero, como estrofes e versos.

No conto, realizou oralmente algumas atividades com perguntas feitas coletivamente sobre os aspectos: característica do conto apresentada logo no comecinho do texto, que, sendo percebida pelos estudantes, prontamente, responderam que se tratava da expressão “Era uma vez”. A docente conversou com os estudantes sobre a finalidade do gênero textual; se a história era real ou fictícia; sobre palavras desconhecidas, personagens da história e suas características, tempo em que os verbos apareciam no texto (passado, presente ou futuro); estrutura do narrar, destacando em um momento o conflito gerador e, em outros momentos, os demais aspectos da estrutura do narrar (situação inicial, conflito, desenvolvimento, clímax e desfecho). Cada um desses aspectos foi destacado no texto escrito na lousa e, em algumas aulas, no papel impresso, de forma interativa entre a professora e estudantes. Os destaques no texto impresso eram realizados (ora pintavam ora circulavam), porém, em outros momentos, esse movimento ficava apenas no coletivo na lousa, sem atuação dos estudantes.

O uso do livro didático ocorreu apenas em um dos textos trabalhados, na primeira semana de observação. O livro foi usado apenas como um dos recursos, realizando-se diversas ações pedagógicas antes de fazer as atividades do livro didático. Os textos eram entregues impressos para os estudantes, exceto um deles, por ser um conto muito extenso, do qual foram oferecidos aos estudantes fragmentos, nos quais realizou-se a análise linguística.

A Professora B1 revela que tem consciência de que a leitura não deve ser realizada apenas para fazer atividades, mas também para o usufruto de momentos prazerosos e estéticos, porém evidencia que as leituras que ela considera por prazer e estética são mais ligeiras e superficiais. Na Escola B, a Professora B1 realizou as aulas de leitura e análise linguística às quartas e quintas-feiras, conforme sua grade de horário. A professora escrevia o cabeçalho com letra cursiva e as demais atividades com letra bastão, sendo marcadas de azul as letras que deveriam ser copiadas em maiúsculo pelos estudantes que escreviam em cursiva. Segundo ela declarou na entrevista, fazia isso para não prejudicar qualquer dos alunos.

Observou-se, nas duas primeiras aulas, o trabalho com carta pessoal retirada do conto Felpo Filva. A primeira foi de Felpo para Charlô e a segunda, de Charlô para Felpo. A docente fez a leitura colaborativa para a turma de uma parte do livro, focando na carta, e destacou que o texto discorreu sobre o relacionamento dos dois personagens. Em ambos os dias a educadora entregou cópia das cartas para os discentes conforme foi trabalhando cada texto. Em todos ela trabalhou a estrutura do gênero, mandando pintar destinatário, emissor, data, assunto, assinatura, despedida e corpo da carta. Quantificaram o número de parágrafos focando o espaço (alínea). Alguns comentários sobre o texto foram realizados pela professora sobre a opinião e os sentimentos dos personagens expressos na mensagem da carta, mas não se discutiram os conflitos apresentados na história, tendo sido feita apenas a exposição.

A literatura desempenha o papel de humanizar as pessoas, apresentando diferentes situações. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (2018) define, entre um conjunto de aprendizagens consideradas essenciais, um trabalho que amplie também o socioemocional, e não apenas o cognitivo dos estudantes, pois isso os auxilia a desenvolver empatia pelo próximo, construindo “atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (p. 8). Essa afirmativa é aqui exposta por se considerar, ao observar a forma como a professora responde aos estudantes, que questões éticas sobre relacionamento humano, como diferenças e conceito de normal, poderiam ser discutidas com a classe, sendo uma oportunidade para abordar questões socioemocionais.

Algumas questões foram colocadas na lousa. A professora deu um tempo que não foi suficiente para as crianças responderem individualmente. EM seguida, ela respondeu às atividades na lousa perguntando para os estudantes da classe. As questões eram respondidas coletivamente, em alguns momentos, por dois ou três estudantes, em outros, por cerca de metade da sala ou mais; depois ela escrevia na lousa, de acordo com as respostas deles ou copiava das suas anotações.

Na aula subsequente, a professora iniciou a leitura retomando o livro Feltro Filva (Eva Furnari). Leu o conto criado por Felpo Filva, o personagem da história. Comentou que o texto “traz uma versão bem desanimada, bem pessimista da Rapunzel”. Na aula seguinte, fez uma intertextualidade com outro conto da Rapunzel, uma versão adaptada do conto dos Irmãos Grimm. Em ambos os textos, realizou a leitura colaborativa com entonação de voz, mas sem demonstrar muito entusiasmo; fez o mesmo movimento de contagem dos parágrafos e solicitou a escrita das inicias de cada parágrafo. Escreveu na lousa perguntas para serem respondidas no caderno, envolvendo os nomes dos personagens e expressões típicas de contos de fada. Relacionado ao segundo conto, ofereceu atividades impressas de múltipla escolha com questões sobre pontuação, sentido de palavra, coesão referencial, finalidade do texto e características dos personagens. Essa última questão envolvia os dois textos sobre a Rapunzel.

O livro didático foi trabalhado em uma das aulas observadas. A professora entregou o livro didático Buriti mais Português, da Editora Moderna, para os estudantes e solicitou que o abrissem na página 136. Os alunos realizaram a leitura silenciosa e, em seguida, a professora fez a leitura colaborativa, explicando as questões que estavam no livro e, paulatinamente, os estudantes responderam e fizeram coletivamente as questões no livro didático. Em alguns momentos, ela aguardava para os estudantes responderem e, depois, escrevia na lousa.

Na última aula observada, a professora comunicou aos estudantes que estudariam o gênero biografia de Maurício de Souza. Então, escreveu na lousa o texto e algumas questões. Os estudantes copiaram silenciosamente, algumas vezes se dirigindo à professora para saberem se deveriam deixar espaço para o parágrafo. Durante os questionamentos a educadora se mostrou impaciente, solicitando que os estudantes se assentassem.

Após o levantamento dos dados apresentados, analisou-se como as professoras propõem uma atividade de leitura na sala de aula em relação aos seus conteúdos. Logo, destaca-se que as ações pedagógicas observadas se pautaram pelos conteúdos propostos no currículo de Língua Portuguesa do município, porém a forma e o método em que esses conteúdos foram trabalhados diferiram, o que, como observado, tem implicações para o envolvimento (ou não) dos estudantes em relação ao componente leitura.

Considerando as condições socioeconômicas e os resultados das avaliações externas, evidencia-se que a Escola A tem maiores desafios como ponto de partida das crianças, representando maior desafio para os educadores, que precisam dar mais para quem tem menos. As entrevistas e observações revelaram que as docentes não apresentam a mesma postura didática. Ambas possuem dados para diagnosticar os problemas utilizando instrumentos direcionados pelo sistema, como resultados obtidos nas avaliações externas (nacionais e municipais), levantamento realizado no PPP, classificação do INEP sobre a realidade socioeconômica, além das avaliações formativas realizadas nas classes por seus professores.

Diante disso apresenta-se, por um lado, a Escola A, que, mediante os desafios de baixos resultados nas avaliações externas e a realidade socioeconômica precária que a cerca, assume alguns posicionamentos. Constata-se o movimento por meio de estratégias para que a situação mude, com formação de professores, monitoramento das aulas e auxílio da gestão no planejamento. A Professora A1 deixa claro que é responsabilidade da escola desenvolver um repertório de leitura e ampliar o vocabulário dos estudantes, pois, além de eles passarem boa parte do tempo na escola, muitas famílias não têm condições culturais para realizarem essa tarefa. Além disso, esse trabalho é função da escola. Ademais, a docente relata o envolvimento de toda escola para alcançar suas metas, entre elas a formação de bons leitores.

Por outro lado, a Escola B usufruía de uma situação mais cômoda: alunos com resultados melhores nas avaliações. Durante as aulas e entrevista a docente assumiu uma postura de se justificar quanto às dificuldades dos estudantes pela falta de compromisso e envolvimento dos pais. De acordo com Silva (2013), é comum professores justificarem a defasagem da aprendizagem de leitura atribuindo ao próprio aluno, à família ou até à televisão pela não aprendizagem. Essas justificativas desconsideram a relação “entre a escola e o todo social e a política dominante do país” (p. 41).

A aprendizagem dos estudantes precisa ser um compromisso da escola, pois, conforme Saviani (1999), para que haja democracia a população precisa ter acesso à educação, aos conhecimentos culturalmente acumulados e transmitidos a outras gerações. Essa é a natureza específica do ensino. Mediante leis atuais de garantia de educação para todos, faz-se necessário que a escola assuma seu papel a fim de obter o êxito esperado. As ações de todos os envolvidos, que vão desde o corpo técnico aos docentes, refletem a visão educativa da instituição. Por esse motivo a pesquisa considera relevantes as concepções filosóficas que respaldam as atuações dos profissionais na escola, pois certamente essa visão se reflete nas ações pedagógicas do docente. Mediante os baixos resultados encontrados no início da pesquisa na Escola A e o grande crescimento recente, percebe-se que a concepção filosófica adotada vai ao encontro da busca pela luta contra a perpetuação das desigualdades.

As avaliações foram apenas um indicativo para a análise desta pesquisa do trabalho com o eixo leitura. Os resultados revelam que, no ponto de partida, tinha-se, no nível adequado à Escola A, um desempenho de apenas 47% dos discentes, e, na Escola B, 88%. Esses dados são da avaliação ANA/2016, entretanto o governo federal não realizou mais avaliações desse tipo, utilizando-se, então, nesta pesquisa, os resultados da avaliação municipal elaborada pela equipe técnica da SME, servindo-se dos descritores da ANA. Constatou-se, no resultado, que a Escola A teve 64% de aproveitamento e 67% a Escola B. Isso revela um crescimento na Escola A (17% a mais) e um declínio na escola B (21% a menos). De acordo com Santos (2014) e Carvalho (2014), os descritores são norteadores de aspectos relevantes para os conteúdos de leitura como objeto de ensino. Por conseguinte, os dados nos remetem novamente à reflexão: como têm sido as ações pedagógicas dos professores nas aulas de leitura?

Diante dos dados alcançados na pesquisa tornam-se visíveis algumas questões sobre leitura: as duas docentes destacaram características dos gêneros trabalhando aspectos da análise linguística para aprofundar o conhecimento, porém, ao observar de forma mais atenta, identifica-se que a Professora A1 fez escolhas resultantes de articulações mais propositivas. Os textos se articulam entre si. A biografia, o texto informativo e a ficha técnica usadas em duas aulas estão relacionados com o conto Os Três Porquinhos e o Lobo-guará, que também está relacionado com o conto anterior, Os Três Porquinhos. Os textos dão repertório para o conhecimento de mundo e saber enciclopédico necessários à compreensão do conto.

Nessa observação, os resultados da pesquisa de Almeida (2015) são corroborados o autor afirma que um trabalho que articula um texto ao outro reverbera em melhores resultados quanto à compreensão e ao desenvolvimento do tema, conforme conclui em sua pesquisa com grupo de estudantes em que foi feito um trabalho com textos bem selecionados, aulas previamente planejadas, usando também o laboratório de informática. Assim, os estudantes foram construindo sentido ao serem desafiados em uma proposta de intertextualidades.

A Professora A1 conseguia amarrar os conteúdos e valorizar os momentos de leitura com apreciação do texto. A postura e a entonação de voz da professora leitora, o suspense nas pausas, a emoção na voz causaram suspiro nos alunos ouvintes. Ao se ouvir a leitura do poema pela docente na primeira aula observada, foram perceptíveis as sonoridades como rimas e aliterações. A leitura de fruição envolveu os alunos e estreitou a relação leitor-autor-texto. Esse é um momento de partilhar repertório e ampliar referências culturais, por isso não deve se concentrar apenas nos anos iniciais de escolarização, mas também em alunos maiores e até nos adultos. O docente deve criar momentos especiais e envolventes para a leitura. Cada gênero tem suas modalidades de leitura e sua função social. Durante as duas últimas aulas da Professora A1, mais especificamente, foi perceptível o interesse das crianças pela leitura. Cabe aos gêneros literários a apreciação estética, pois faz parte de sua finalidade, mas o literário, além do prazer, também pode contribuir para compreender a própria existência, os conflitos humanos e, a partir disso, transformá-los.

Diversas pesquisas destacam a importância da literatura na escola como gênero importante para a formação de leitores. No artigo de Costa e Botelho (2015) fica claro que o literário deve abordar questões para além do prazer estético e é um exercício de cidadania. Nesse sentido, a literatura precisa fomentar as discussões, integrando a vida das crianças em um papel humanizador, visão que retrata o estudante como ser social.

Para que essas discussões de confronto de ideias sejam uma realidade para as aulas de leitura é preciso que o educador seja um leitor bem desenvolvido para formar leitores. Do ponto de vista da Pedagogia histórico-crítica (PHC), o professor deve ser o par mais experiente na relação com o estudante, portanto espera-se que os professores sejam leitores. Segundo Silva ( 2013, p. 42), os professores “transformaram-se em não-leitores, apresentando um baixíssimo repertório literário. Como, então, ensinar leitura com um professor sem entusiasmo e sem repertório de leitura?”

Diante do exposto, fica evidente que a metodologia usada foi um diferencial nas aulas. A Professora B1 precisou interromper a leitura em vários momentos para pedir silêncio ou solicitar que acompanhassem o texto na cópia. Tal atitude parece revelar que ainda não construiu uma relação de entusiasmo com o literário, criando um movimento de envolvimento dos estudantes com a leitura. Fazem-se necessários a paixão do professor pela leitura e o uso de estratégias para conduzir as leituras e vivenciar as funções sociais de cada texto. É preciso ler com encantamento um texto literário, transmitir o prazer estético com a finalidade de ensinar essa função social para os leitores ouvintes. A biografia levada para os alunos pela Professora B1 não estava relacionada com os textos lidos, foi um texto desarticulado, o que dificulta a construção de sentidos. Havia, entretanto, uma tentativa de relacionar os textos, como no trabalho com os contos Rapunzel e Uma história um pouco esquisita, cujas semelhanças poderiam ter sido mais exploradas.

Destaca-se, nas ações pedagógicas, o trabalho de forma dialética. Nota-se um movimento dialógico da linguagem no trabalho da Professora A1 ao relacionar aspectos do lobo europeu com os do lobo brasileiro, articulando a biografia do autor biólogo que faz considerações mais específicas das características dos animais no conto relacionando com a ficha técnica do lobo. Isso reafirma as posições teóricas de Bakhtin (2010), pois considera que as palavras usadas pelo sujeito acionam outras vozes, a voz do outro, pois é nessa relação que as palavras criam sentido, assim constituindo um universo de valores por meio de discursos que ouvimos e que vieram de outros discursos historicamente constituídos. Percebeu-se, todavia, a ausência dessa relação dialógica nas aulas da Professora B1 em resgatar construções históricas e realizar movimentos de intertextualidade nos textos trabalhados.

Esta pesquisa constatou que as duas docentes realizaram ações pedagógicas com conteúdos de análise linguística, como: características dos gêneros, coesão referencial, coesão sequencial, pontuação, paragrafação, concordância etc. Os dois eixos foram trabalhados, leitura e análise linguística, otimizando o tempo e dando enfoques a cada um em momentos distintos. Geraldi (2012) confirma a relevância desse enfoque, pois faz parte dos diversos conhecimentos necessários à construção dos sentidos. Por essa razão o ensino da Língua Portuguesa precisa contemplar, de forma integrada, a leitura de textos, a produção escrita e a análise linguística. Estudar Análise Linguística (AL) amplia os recursos linguísticos, os modos de dizer e de compreender o que foi dito.

O fato de ter sido mencionado não significa, entretanto, que os conteúdos foram apropriados. Em todas as aulas da Professora B1 observadas para esta pesquisa, os discentes contavam os parágrafos e anotavam o início deles no caderno, o que provocava comentários negativos, demonstrando seu repúdio pela prática contínua. Em nenhum momento foi realizada análise dos parágrafos ou a promoção de reflexão sobre o conteúdo da leitura e seus significados. Segundo Garcia (2006), o parágrafo determina uma ideia central, um “tópico frasal” (p. 222), é um bloco de sentido que precisa ser percebido pelos estudantes a fim de compreendê-lo. A pesquisadora observou que não foi trabalhada essa compreensão conceitual do parágrafo nas práticas pedagógicas. Destaca-se a importância da valorização de práticas significativas e não mecânicas na escola.

5 Considerações finais

Esta pesquisa mostra parte do caminho traçado na busca pela compreensão de como ocorre a leitura na escola. Durante esse percurso buscou-se compreender quais fatores poderiam ser atribuídos à defasagem em leitura considerando-se as diferenças entre os desempenhos em leitura dos discentes de uma mesma rede de ensino. Para isso analisou-se o trabalho com leitura realizado por duas escolas públicas a partir das ações pedagógicas de duas professoras do 3º ano do Ensino Fundamental. Entre as ações destacam-se as atividades de leitura na sala de aula em relação aos seus conteúdos. Buscou-se explicitar e caracterizar os fatores que geram diferenças positivas e ou negativas no ensino de leitura em uma mesma rede de ensino, ainda que em contextos sociais diferentes. Este trabalho, portanto, traz reflexões pertinentes para todos os profissionais que trabalham no Ensino Fundamental, como professores, coordenadores, gestores e supervisores de ensino. Constatou-se que o principal fator para a superação das defasagens em leitura é o trabalho realizado pelo professor em sala de aula, o que inclui seu preparo, concepção de leitura, metodologias, entusiasmo, motivação, entre outros aspectos.

Considera-se a importância do trabalho realizado pelo professor com a leitura na escola, que implica a seleção de textos derivados de diversos conhecimentos de mundo; conhecimentos específicos do currículo escolar da rede em que atua; conhecimentos sobre a avaliação; conhecimentos sobre os estudantes com os quais trabalha. Considera-se que é a partir do conhecimento desses fatores que as aulas devem ser planejadas, contemplando textos articulados com a realidade e visando ao envolvimento dos alunos, à necessidade de aprofundamentos e vivências a serem refletidos em sala de aula. Desse modo, o professor pode buscar atividades específicas que envolvam o conhecimento sistematizado, dando sentido, dentro da vida social, à função de ser referência de leitor em situações reais de comunicação. Cada momento de leitura precisa ser proposto como especial para vivenciar suas funções sociais, seja no campo literário, com as discussões sobre os conflitos da existência humana e possibilidades de mudança, seja no campo científico, com suas características mais formais, a fim de transmitir conhecimento ou qualquer outro gênero de diferentes esferas sociais. Cada gênero tem que ser vivenciado de maneira a se abrir para discussões e produzir significados.

A atuação do professor é essencial para que as aulas de leitura sejam dinâmicas, com discussões e análises, considerando que o leitor é um ser ativo. Deste se exige esforço e como conhecimentos linguísticos que possibilitem ampliar a produção de sentidos. Esses recursos devem que ser ensinados em um processo de análise linguística do texto, uma sistematização das características dos gêneros textuais, dos recursos linguísticos e do contexto de produção. Para compreender isso o professor de leitura deve ser um leitor e considerar a leitura um recurso de transformação social.

Assim, destaca-se a importância de explorar os textos em suas funções sociais e seus suportes reais – a notícia no jornal, nos sites; a história em quadrinhos nos gibis e jornais; a propaganda nos seus diversos veículos de comunicação; a carta de leitor na revista etc. Por fim, o professor poderia usar caderno ou o próprio livro didático para sistematizar algumas normatizações sobre o gênero, mas que ele seja, primeiramente, vinculado à função que executa na sociedade e ao contexto histórico. O texto precisa ser vivenciado pelo leitor dentro de suas reais finalidades, direcionando novos caminhos, novas leituras e novas posturas diante de cada gênero.

Referências

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Recebido: 09 de Setembro de 2022; Aceito: 21 de Novembro de 2022

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