1 Introdução
O estágio curricular supervisionado (ECS), que é parte integrante da formação de professores de Educação Física (EF), apresenta obrigatoriedade e legislação específica, devendo, portanto, ser previsto nos projetos pedagógicos dos cursos e desenvolvido em ambiente de trabalho de forma supervisionada (BRASIL, 2008; 2019). O ECS caracteriza-se como uma realidade complexa perpassada por múltiplas variáveis de que participam, no caso da docência, os estagiários, a universidade e as escolas, assim como seus respectivos profissionais e professores.
Assim, pode-se dizer que uma das intenções do ECS é possibilitar ao futuro professor a aproximação com a realidade do exercício docente. Se, num passado não muito distante, existiam modelos de estágio que se apoiavam mais numa dimensão teórica (LIMA; PIMENTA, 2006), nos últimos 20 anos tem sido debatida e preconizada a aproximação da universidade e das escolas, inclusive colocando a escola como lócus da formação de professores (SARTI, 2019; RUFINO; BENITES; SOUZA NETO, 2020).
Nesse sentido, as instituições de ensino superior têm recebido orientações que possibilitam a organização e a estruturação de seus currículos e modelos de estágio. Dentro desse contexto, no curso de licenciatura em Educação Física da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), os estágios estão distribuídos em cinco disciplinas, passando pelas diferentes etapas da educação básica e algumas modalidades.
Para este estudo, deu-se ênfase à disciplina Estágio Curricular Supervisionado IV: Ensino Médio, a qual contempla uma carga horária de 72 horas distribuídas da seguinte forma: 18 horas destinadas aos encontros entre o professor orientador e o estagiário na universidade e 54 horas destinadas à escola, com o desenvolvimento de atividades de observação, planejamento e intervenção nos campos de estágio, além da produção de documentos, como a pesquisa docente e o relatório final (BENITES et. al., 2020).
Vale destacar que esse estágio visa a aproximar o estagiário do curso de licenciatura em Educação Física do contexto do ensino médio (BRASIL, 2017; 2018) e, nele, os estagiários são convidados a produzir um plano de ensino (PE) com base nas observações realizadas na escola e nas conversas com seus professores: supervisor(a)1 e orientador(a).2
A construção e a estruturação do PE são consideradas estratégias de projeção das ações a serem realizadas, para as quais se tornam necessários momentos de pesquisa e de reflexão prévia, de desenvolvimento e, por fim, de avaliação e reconstrução dos aspectos que podem vir a ser reformulados (LIBÂNEO, 1992). Esse documento tem como propósito mostrar ao futuro professor um caminho acerca dos objetivos traçados, dando indícios de estratégias, ordenação dos passos a serem seguidos e/ou etapas a serem cumpridas, além de permitir reflexão sobre a prática (SACRISTÁN, 2007).
O relatório final (RF), por sua vez, é visto como um documento que descreve as experiências desenvolvidas durante o estágio, ou seja, é catalisador e acaba por se colocar como um dispositivo reflexivo na formação do futuro professor sobre as mais diferentes percepções (SILVA; MELO, 2008).
Nesse contexto, o presente estudo teve como intenção explorar o conteúdo dos PEs e dos RFs e, a partir deles, identificar aspectos que suscitam pensar sobre esse estágio e a formação de professores de EF.
2 Método
Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa e que se valeu da pesquisa documental caracterizada pela busca de informações em documentos que não receberam tratamento científico, sendo eles fontes primárias, contendo dados originais, que têm relação direta com os fatos a serem analisados (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009).
Nesse sentido, os documentos considerados primários foram os PEs e os RFs produzidos na disciplina de ECS IV: Ensino Médio do curso de licenciatura em Educação Física da Universidade do Estado de Santa Catarina. Esses documentos foram acessados por meio do contato com a professora responsável e a coordenação de estágio do curso.
Como o processo de arquivamento na instituição ainda é recente, o estudo selecionou como corpus todos os PEs e RFs disponibilizados pela instituição (alguns documentos físicos e outros digitalizados), num total de 10 PEs e 18 RFs (Quadro 1).
Quadro 1 PEs selecionados.
Documentos | |||
---|---|---|---|
Plano de ensino | 10 | ||
Relatórios finais | 18 | ||
Total | 28 |
Fonte: Dados da pesquisa
Os PEs analisados eram compostos das seguintes partes: (1) introdução, (2) objetivos (geral e específicos), (3) estratégia, (4) recursos materiais e espaço físico, (5) avaliação e (6) referências, enquanto os RF eram constituídos de partes que incluíssem toda a produção realizada durante o estágio (PE, planos de aula, feedbacks recebidos e pesquisa docente), assim como por partes que provocavam a reflexão sobre as ações, como considerações sobre a etapa de observação e apontamentos sobre o estágio desenvolvido.
Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo (FRANCO, 2007) e, para tal, seguiram-se as três etapas: (a) pré-análise, na qual organizaram-se os dados , realizou-se a leitura flutuante e aprofundada e se criou uma planilha Excel a partir dos tópicos apresentados nos PEs e RFs; (b) exploração do material, em que se objetivou compreender o significado das informações dos dados e notaram-se as frequências e ausências; (c) tratamento dos dados, momento em que foi realizada a aproximação dos tópicos dos documentos com o intuito de interpretar os dados.
Dessa forma, para a apresentação dos dados, consideraram-se duas grandes categorias: (1) os aspectos gerais, nos quais se faz uma descrição global dos PEs analisados e se adentra nas possibilidades de melhor compreensão do contexto do ECS, da aproximação entre as instituições e da visão sobre se tornar professor; e (2) o planejamento realizado pelos estagiários com ênfase na dimensão da prática pedagógica, nas escolhas realizadas e nas percepções advindas dos RFs.
3 Resultados e discussão
3.1 Aspectos gerais
Os PEs representam um documento que, no contexto deste estudo, é produzido pelos estagiários depois de sua entrada na instituição de estágio, onde estabelecem contato com os professores supervisores e fazem as observações da escola e das turmas nas quais irão desenvolver a intervenção. Já os RFs são produzidos depois do processo de intervenção, ao final do ECS, e buscam revisitar, a partir de um olhar crítico, os elementos que foram percebidos durante o tempo em que permaneceram em contato com a escola.
Sendo assim, um dos primeiros apontamentos trazidos pelos PEs se dá justamente na maneira como os estagiários se reportam ao espaço escolar e suas possibilidades (recursos humanos, materiais e espaciais, proposta pedagógica, conteúdos e objetivos para as aulas de EF etc.).
Cabe mencionar que as escolas são distintas: públicas (federal e estadual) e privadas. Ao adentrar o espaço escolar, foi possível notar as impressões, as expectativas e as considerações sobre o que estava por vir:
Este pátio coberto me chamou a atenção por suas características de frases escritas por todas as partes em favor ao socialismo, feminismo, sexismo, fazendo parte deste cenário alunos com críticas e liberdade de expressão. A escola com esta realidade me despertou um certo receio por eu ter uma linha de ensino diferente voltada para o tecnicismo
(Estagiária 2 – RF).
Mesmo disponibilizando diversos materiais e possuindo um amplo espaço, a quadra que a escola possui não é coberta, o que dificultando algumas atividades em dias de chuva
(Estagiário 4 – PE).
Devido ao grande número de educandos, alguns horários esses espaços ficam sobrecarregados, levando em conta a falta de manutenção em alguns locais, fazendo com que os professores optem por áreas em comum
(Estagiário 6 – PE).
Em todos os PEs notou-se que a sala de aula era utilizada como um espaço da prática pedagógica na mesma proporção que a quadra (Quadro 2), e essa informação permitiu uma dupla inferência: de um lado, pensar que a opção pela sala de aula serve de contraponto à ideia da EF como uma disciplina meramente prática, em que professores e estagiários entendem que teoria e prática andam juntas, sendo essencial o conhecimento de ambas as partes (DARIDO, 1999). De outro lado, que a necessidade do uso da sala de aula reside, justamente, na carência de infraestrutura adequada nas escolas, como quadras e outros espaços próprios para a prática dos elementos da cultura corporal (BRACHT, 2003).
Quadro 2 Espaços.
Espaços | Quantidade* |
---|---|
Quadra | 8 |
Sala de aula | 8 |
Pista de atletismo | 2 |
Não especifica | 2 |
Fonte: Dados da pesquisa.
*Número de vezes citado nos documentos analisados. Foi seguida a mesma lógica para todo os quadros referentes a quantidade.
Outros espaços também apareceram, como a pista de atletismo, o que demonstra um diferencial na estrutura das escolas, que, usualmente, não dispõem de tais instalações, o que acaba se constituindo em um fator limitador no desenvolvimento desses conteúdos na maioria das instituições. Esse fator impacta também o processo de aprendizado dos estagiários, impedindo que certas ações possam ser desenvolvidas ou objetivadas.
Essa é uma constatação pertinente, pois alguns estudos na área da EF registram a influência da ausência de espaços e materiais no desenvolvimento das aulas (ROSA; IVO; MARIN, 2016, DAMAZIO; SILVA, 2008, GASPARI et al., 2006), bem como no próprio processo dos ECS, que podem ser influenciados por esses dois aspectos.
Nesse sentido, após a observação dos espaços, os estagiários também se reportam aos materiais e recursos habitualmente utilizados nas aulas de EF, como bolas, cordas e bambolê/arco (Quadro 3).
Quadro 3 Recursos materiais.
Material | Quantidade |
---|---|
Bolas diversas | 4 |
Cordas | 3 |
Audiovisual | 3 |
Cones | 2 |
Bambolê/arco | 2 |
Caixa de som | 2 |
Material de escritório | 1 |
Reciclados | 1 |
Fonte: Dados da pesquisa.
O Quadro 3 oferece indícios para se pensar sobre aquilo que se tinha em termos de recursos materiais e que, de certa forma, vinha sendo utilizado pelas escolas e pelos professores para o desenvolvimento das aulas de EF. Para Bracht (2003), essa disposição de recursos pedagógicos aponta para alguns encaminhamentos que podem influenciar a conduta do professor, pois, por um lado, existe o limite a determinados conteúdos e formas e, por outro, a noção de que alguns desses materiais são ‘pertenças’ da área e que trazem participação e reconhecimento por parte dos alunos que realizarão as aulas, sendo, portanto, considerados indispensáveis para o desenvolvimento da prática docente nessa disciplina.
Para além dos espaços e materiais, alguns PEs evidenciam a escolha daquilo que seria objeto de trabalho dos estagiários:
O professor tinha um conteúdo programado para o trabalho desse trimestre e pediu para que fosse seguindo essa linha de conteúdo, que será educação para saúde
(Estagiário 7 - PE).
Após diálogos, os professores (supervisor e estagiário), decidiram manter a proposta de desenvolver objetivos semelhantes aos já planejados pelo professor, visando desenvolvimentos de habilidades para empoderamento e engajamento dos alunos, iniciando as intervenções seguindo seus objetivos, aprimorando fundamentos técnicos e evoluindo para os táticos do futsal
(Estagiário 15 - RF).
Na maioria das vezes trabalha com aulas livres deixando a critério do aluno a escolha do conteúdo de sua preferência, a aula não possuía tema definido e a escolha de qual atividade desenvolver também era de escolha do aluno
(Estagiário 8 - RF).
Percebe-se que os alunos da escola são quem determinam os conteúdos e as estratégias das aulas, o que dificulta muito a intervenção do estagiário
(Estagiário 10 - PE).
Assim, notaram-se situações em que o planejamento do supervisor e seu detalhamento orientaram a conduta dos estagiários, dando indícios de estratégias e ordenação dos passos a serem seguidos ou etapas a serem cumpridas (SACRISTÁN, 2007). Também existiram, contudo, situações em que o processo de escolha foi deixado em aberto e a cargo dos próprios estagiários e outros momentos que foram condicionados pelas escolhas dos alunos da escola.
Isso chama a atenção quando se pensa no processo de supervisão/orientação do ECS e acaba por configurar formatos de planejamento que são diversos e que podem possibilitar maior ou menor feedback. Enfim, situações que exigem manejo pedagógico distinto (LIMA, 2008, BRACHT; ALMEIDA, 2019).
No que diz respeito aos temas desenvolvidos nos PEs, alguns se repetiram e acabaram por apontar para a relação com a faixa etária e aquilo que tem sido preconizado, como também para a possibilidade de o estagiário desenvolver mais de um tema durante o período do ECS (Quadro 4).
Quadro 4 Tema.
Tema | Quantidade |
---|---|
Total | 11 |
Educação para saúde | 4 |
Futebol | 2 |
Voleibol | 1 |
Futebol americano | 1 |
Atividades recreativas | 1 |
Esporte paralímpico | 1 |
Dança | 1 |
Fonte: Dados da pesquisa.
A educação para saúde se mostrou o tema mais recorrente, fazendo frente ao que se tem anunciado como objetivo da EF para o ensino médio (EM) a fim de que os alunos possam ter condições de discutir e incidir sobre essa temática na realidade em que vivem (TEIXEIRA; COLOMBO, 2020). Em alguns momentos, porém, esse tema já estava em andamento e, a pedido do professor supervisor, deveria haver uma continuidade, como apontado pelo estagiário 7 anteriormente citado. Sobre isso, cabe lembrar que o trabalho do professor da escola não cessa quando ele recebe estagiários, pois ainda é o responsável pela turma, e dar continuidade a certo conteúdo faz parte de uma organização muitas vezes estipulada anteriormente ao recebimento dos estagiários.
Na sequência, apareceram os esportes, que são considerados conteúdos símbolo da EF no que se refere ao tratado nas aulas pelos professores (BRACHT; GONZÁLEZ, 2005). Os esportes são compreendidos como importante manifestação cultural da EF no EM (SANTOS, NISTA-PICCOLO, 2011), ao mesmo tempo em que condicionam o próprio formato das aulas. Muitas vezes, a organização da EF no EM se dá pela oferta de uma modalidade esportiva.
O sistema de seleção de modalidades da disciplina de Educação Física no colégio, faz com que três tipos de alunos cheguem ao futebol: os já praticantes e amantes daquela prática, os que ficaram sem opções e os que vem para acompanhar um determinado grupo de amigos
(Estagiário 15 - PE).
Irei ministrar aulas para uma turma de primeiro ano que acabaram de entrar na rotina da Educação Física separada por modalidades. O que me chamou atenção na forma da Educação Física dividida em modalidades, oferecendo aos alunos livre escolha sobre a modalidade preferida, acredito que estes aspectos possuam pontos negativos e positivos
(Estagiário 11 - RF).
Nesse cenário, em que cada contexto se mostrou singular, os estagiários, de forma geral, apresentaram aspectos positivos e negativos sobre os formatos de organização e, por meio do diálogo com os professores (orientadores e supervisores), puderam promover um avançar sobre os conteúdos, assim como refletir sobre as condições da escola, da EF e daquilo que se espera enquanto futuro professor.
Dessa forma, para além da dimensão da descrição do espaço, dos materiais e do conteúdo, os estagiários puderam se aproximar da escola como instituição em que se aprende a profissão, assim como se deram conta de aspectos mais burocráticos e administrativos, como a forma de contratação dos professores e o tempo/horário das aulas.
Além da crítica das estruturas das aulas, devemos tentar enxergar com os olhos dos professores. Estes possuem uma carga horária que quase não contempla hora-atividade, onde ficam das 7h da manhã até 18h dando aula sem estrutura básica, com turmas além da capacidade de alunos. Faltam materiais para atividades básicas e a estrutura física não contempla todas as aulas de Educação Física de cada período
(Estagiário 16 - RF).
A aproximação das escolas e dos professores possibilitou a percepção da complexidade da docência, das diferentes relações na comunidade escolar, das demandas, entre outros elementos que sugerem o fomentar da constituição do ser-professor, destacando as oportunidades de transformação pessoal (BARROS; PACHECO; BATISTA, 2018), mas que também implicam um movimento de refletir como e o que ensinar (PIMENTA, 2005), fazendo que o estagiário se desenvolva e construa sua identidade profissional (TARDIF; LESSARD, 2005), criando oportunidades de pensar em como pretendem agir em sua futura atuação profissional.
3.2 Planejamento dos estagiários
Na categoria que se refere ao planejamento, foi possível apresentar considerações sobre as tomadas de decisão, dificuldades, desafios e incertezas enfrentados pelos estagiários durante a produção dos PEs e que tiveram respaldo nos RFs.
Assim, em relação ao item “objetivos”, numa análise a respeito dos verbos utilizados, notou-se (Figura 1) que, no objetivo geral, os verbos utilizados trouxeram a ideia de que o aluno teria um primeiro contanto com o conteúdo, demonstrando uma tentativa, por parte dos estagiários, de evidenciar elementos considerados novos para o contexto em que estavam inseridos (FAGGION, 2011, MOLETTA et al., 2013).
Ao se adentrar na proposta dos objetivos específicos, notou-se que a sua escrita dava ensejo para a perspectiva conceitual (BARROSO; DARIDO, 2009, DARIDO, 2005), indicando que os alunos do EM já dispunham de conhecimentos e vivências acerca dos elementos da cultura corporal, revelando uma intenção pedagógica por parte dos estagiários para além do conteúdo pragmático, potencializando uma melhor compreensão do potencial educativo da EF (GRAÇA, 2014), ao mesmo tempo em que buscam uma prática que se torne reflexiva, crítica e participativa.
Uma reflexão a ser realizada sobre a Figura 1 se refere à maneira como foram utilizados os verbos na construção dos objetivos, pois se percebe que ora os verbos focam no trabalho do professor, ora no aluno, o que possibilita pensar sobre a forma que os estagiários adotaram para aquilo que vislumbraram desenvolver durante o ECS. Nesse sentido, a distinção do que cabe a cada um dos objetivos, seja geral ou específico, fica a critério do estagiário, mas sob influência da orientação na delimitação interna do PE, e isso pode trazer algumas prerrogativas de interpretação sobre como os próprios professores orientadores entendem essa caracterização dos objetivos.
Assim, notou-se que essas distinções se aproximaram da ideia de Garcia (1984) ao mencionar a importância em se distinguir o que cabe ao próprio professor, visto nos objetivos gerais, e aquilo que cabe de forma mais direta ao aluno, nos objetivos específicos. Ainda sobre isso, Libâneo (2013) acrescenta que os objetivos específicos são um desdobramento do objetivo geral e devem ser pensados a partir do que os alunos devem alcançar ao longo do tempo.
Ademais, é importante registrar que, embora os PEs não explicitem as dimensões do conteúdo, notou-se uma ênfase de objetivos que valorizam a dimensão conceitual do conteúdo, indo além da ideia da EF como uma disciplina voltada unicamente para a prática, ou seja, com destaque para o “saber fazer”.
A dimensão atitudinal apareceu com certo destaque nos objetivos, fazendo-se presente com verbos que trazem a interação social como um dos momentos proporcionados pela EF, reportando-se, por sua vez, aos documentos da área (BRASIL, 1996; 2006; 2018). E não podemos deixar de notar que, na escrita de alguns estagiários, nos objetivos específicos, houve a presença da dimensão procedimental como um lugar onde se daria a possibilidade do aprendizado em conjunto com as outras dimensões.
Do ponto de vista do planejamento e da ideia de gestão daquilo que seria ensinado, os objetivos acabam por apontar o sentindo norteador da prática pedagógica e noções de “para que”, “o que” e “como” ensinar (FARIAS et al., 2011, DARIDO, 2005). Seguindo essa lógica, no item “estratégia” os estagiários apresentaram ações e estratégias visando a atender aos objetivos propostos no PE, indicando, de modo geral, três formatos de aula que se destacaram na EF no EM. Além disso, propostas de roda de conversa ou menção a abordagens de ensino (construtivismo) revelam a maneira de conduzir as aulas na sua relação com o conteúdo proposto.
Quadro 5 Estratégia.
Estratégia | Quantidade |
---|---|
Total | 24 |
Teórico-prática | 5 |
Expositiva | 5 |
Jogos e brincadeiras | 5 |
Roda de conversa | 4 |
Dialogada | 1 |
Pesquisas em casa | 1 |
Construtivismo | 1 |
Não se aplica | 2 |
Fonte: Dados da pesquisa.
Com base nos dados do Quadro 5 é possível inferir que algumas estratégias descritas apresentaram relação com a etapa do EM, na qual os alunos têm condições de refletir e aprofundar conteúdos aprendidos em outras etapas de ensino ou situações vividas para além da escola, estabelecendo relações entre essas vivências.
Entre as estratégias elencadas, destaca-se que a estratégia “jogos e brincadeiras”, teve o cuidado de não infantilizar os conteúdos e ser caracterizada como potencializadora da ação pedagógica (ARAUJO; GRUNENNVALDT, 2017). A escolha dessas estratégias foi decorrente do período da observação realizada pelos estagiários, que, diante da situação vista, buscaram responder às demandas para se adequarem melhor ao contexto e ao conteúdo, tal como destacado no trecho a seguir.
A dispersão de alguns alunos de uma turma especificamente, se caracterizou como um fator que dificultava o bom andamento das aulas, enquanto alunos da outra turma aceitavam as propostas e participavam demonstrando interesse. Isso me fez perceber que um plano esta suscetível a funcionar positivamente para uma turma e para outra talvez não, pois, cada turma é singular e requer estratégias diferentes e um olhar com enfoque em suas características, necessidades e expectativas
(Estagiária 10 - RF).
As estratégias visaram ao diálogo, à reflexão, às discussões e às exposições, criando ambientes de aprendizagem estimulantes, a fim de que os alunos pudessem explanar sobre as suas vivências e os seus conhecimentos, bem como os próprios estagiários pudessem se sentir professores(as) (CARDOSO; BATISTA; GRAÇA, 2016). Inclusive, os momentos de diálogo se tornaram uma oportunidade de conhecer e reconhecer os alunos, fazendo que se colocassem como atores de seu próprio processo de aprendizado em uma relação horizontal entre professor e aluno.
A turma em todas as propostas de aula participava muito bem, contribuíam muito nas aulas e sempre que terminava a aula tinha um tempo para que pudéssemos conversar sobre os pontos positivos e negativos do conteúdo da aula, para que pudesse melhorar na próxima aula e assim o estágio seguiu até o fim
(Estagiário 3 - RF).
Após conhecer melhor os alunos, percebi que a minha estratégia e metodologia de ensino deveria se adequar às características de cada turma a fim de que houvesse maior participação e envolvimento dos alunos frente às atividades propostas
(Estagiária 12 - RF).
Em continuidade, o item “avaliação” demonstrou que a observação e o registo foram as formas mais utilizadas pelos estagiários, seguidas de instrumentos que adentram a dimensão de tarefas (Quadro 6).
Quadro 6 Avaliação.
O que avaliar? | QNTD | Como avaliar? | QNTD |
---|---|---|---|
Participação | 8 | Observação | 6 |
Cooperação | 3 | Registro | 4 |
Reconhecer valores | 2 | Trabalho em grupo | 2 |
Respeito | 1 | Questionário | 2 |
Demonstrar segurança | 1 | Trabalhos de casa | 2 |
Dedicação | 1 | Avaliação teórica | 1 |
Interagir | 1 | Fotos/vídeos | 1 |
Frequência | 1 | Seminário | 1 |
Solidariedade | 1 | Formativa | 1 |
Pontualidade | 1 | ||
Desempenho | 1 | ||
Compreensão | 1 | ||
Conhecimento do conteúdo | 1 | ||
Total | 24 | Total | 20 |
Legenda | |||
Conceitual | |||
Procedimental | |||
Atitudinal |
Fonte: Dados da pesquisa.
Além dos instrumentos empregados para avaliar, os PEs também indicam aquilo que foi objeto de avaliação dos estagiários, em que pese o fato de que a maioria dos verbos dá um direcionamento mais voltado para a dimensão atitudinal. Esse dado é importante quando retomamos o item “objetivo”, no qual houve maior menção à dimensão conceitual, pois deixa transparecer, de certo modo, uma falta de clareza quanto aos propósitos da ação avaliativa para o processo de ensino-aprendizagem (RODRIGUES, 2003).
Essa falta de clareza pode estar atrelada a uma dificuldade dos estagiários em articular todas as etapas do PE, causando uma certa confusão em relação à avaliação. Esse indicativo foi ao encontro dos resultados de Inácio et al. (2004) e Gil et al. (2014), que identificaram, em seus estudos, que a avaliação era um dos principais desafios encontrados pelos estagiários no momento do planejamento e na questão de se manter a coerência.
Em contínuo, é oportuno mencionar a ênfase dada à dimensão atitudinal na avaliação. Uma das possibilidades interpretativas é que ela pode estar relacionada às características da faixa etária, uma vez que se trata de um período de conflitos e mudanças para os adolescentes, tanto do ponto de vista fisiológico como social, cognitivo e afetivo (GUEDES, 2011). Outra possibilidade é que a própria EF, enquanto disciplina, favorece maior interação e convivência entre os alunos e destes com o professor, que é percebido como próximo dos alunos (DARIDO, 2004). Por outro lado, pode passar uma ideia de descrédito no âmbito da escola, como sendo uma avaliação esvaziada em sua estrutura e propósitos (ALBANO; CARDOSO; BALBÉ, 2015).
Esse ponto recai sobre a participação, algo que é recorrente nas aulas de EF em que se espera a predisposição dos alunos na realização das atividades propostas. A participação é um aspecto importante de se observar, principalmente quando se pensa no EM, em que se teria um aprofundamento ou o avanço dos conteúdos, apresentando as possibilidades e as relações com o contexto social, mas que, ao final, pode acabar sendo reprimida por uma avaliação pautada na participação.
Tal aspecto também foi constatado no estudo de Faggion (2011), no qual a participação também foi um critério de avaliação por parte dos professores investigados e que já tinham certa trajetória na docência.
O último item analisado foi “referências” do PE. Por meio dos dados do Quadro 7, pode-se verificar menção a artigos e livros, bem como documentos normativos, que dão uma base acadêmica para subsidiar o trabalho que seria desenvolvido no plano. Esse fato pode indicar, entre outros aspectos, as escolhas dos estagiários em termos teóricos para intenções de ensino da EF no EM durante o ECS, todavia é preciso dizer que um dos PEs não fez menção a qualquer fonte de referência.
Quadro 7 Referências.
Fonte: Dados da pesquisa.
No que diz respeito à utilização do projeto político-pedagógico da instituição, aos documentos normativos e ao plano municipal de Florianópolis, observou-se pouca citação em comparação com os demais, e isso chamou a atenção, visto que esses documentos devem ser considerados a base para o planejamento (VENANCIO; DARIDO, 2012), possibilitando ao aluno um desenvolvimento gradual a partir das ações/intervenções pedagógicas do professor.
Por outro lado, viu-se uma forte adesão a artigos e livros, demonstrando uma aproximação maior dos estagiários com esse formato de referência muito atrelado ao meio acadêmico. Isso também pode estar veiculado nas tarefas realizadas pelos acadêmicos no decorrer do curso, que, por vezes, buscam por leituras para subsidiar o trabalho que seria desenvolvido, o que se refletiu no ECS.
4 Considerações finais
Este estudo teve como propósitos analisar os PEs, em conjunto com os RFs, no contexto do ECS da EF no EM produzidos pelos estagiários e explorar o que se suscita pensar sobre esse estágio e a formação de professores.
Nesse sentido, um dos primeiros pontos para se pensar foi que a construção desses documentos, prioritariamente a questão do PE, representa um desafio, sendo possível perceber itens mais complexos, como a avaliação, as referências e a questão da conexão entre as partes.
Apesar de suas dificuldades, o PE deve ser visto como um documento para orientar e embasar as ações didático-pedagógicas, devendo ser fonte de consulta no andamento do processo de ensino-aprendizado, tarefa significativa que faz parte do ambiente dos ECSs e diz muito sobre o aprender a ser professor.
Além disso, a análise em conjunto com os RFs proporcionou melhor visão sobre algumas tomadas de decisões e sobre a reflexão propiciada pelo ECS, ou seja, um recurso válido para mapear os saberes em relação à prática pedagógica e pensar encaminhamentos no âmbito da formação.
Vale destacar que o conjunto PE e RF, ainda que proporcione uma visão sobre o ECS, não representa o contato real com a prática pedagógica dos estagiários, de modo que se sugere que estudos futuros busquem analisar as diferentes instâncias presentes no contexto dos ECS, a fim de melhor compreender as implicações e as relações entre a produção de documentos e suas implicações no exercício docente.